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Novo partido: alternativas à Renamo, eis a questão (Arquivo)

Dos que estão contra a política (Conclusão)

ESPERO que estejam a acompanhar o meu raciocínio, pois chegamos a um ponto central daquilo que quero reflectir neste texto, mas também um ponto importante de vários problemas que temos a nível da nossa cultura institucional e política. Há muitos que por medo – volto a usar a feliz expressão de Amosse Macamo – de “serem conotados” deixam-se vitimizar ou calar a boca por argumentos baseados na classificação verbal.  A minha crítica ao discurso anti-corrupção parte do meu desiderato de resistência a estas classificações verbais. Não é que esteja a favor da corrupção ou negue a sua existência; é que me incomoda o elemento normativo que conduz ao que o antropólogo português José Teixeira memorávelmente chamou de confusão entre “crítica” e “denúncia”. A minha crítica aos “críticos” parte também do meu desiderato de resistência ao uso descuidado que eles fazem de classificações verbais.

Maputo, Quarta-Feira, 11 de Fevereiro de 2009:: Notícias

 

Um exemplo particularmente pertinente é o uso de expressões como “democracia”, “injustiça”, “competência”, “corrupção”, “integridade” e várias outras com um teor normativo muito elevado para classificar acções do governo ou a postura dos próprios críticos e, por via disso, colocar um manto de penumbra total sobre os assuntos. Ou seja, o uso destas classificações permite a criação de um ambiente dentro do qual o governo é automaticamente identificado com tudo quanto é contrário à justiça e democracia, enquanto que aqueles que se arrogam a prerrogativa de classificar se identificam automaticamente com tudo quanto é justo e democrático. Este tipo de gente é, por exemplo, muito hostil à pergunta crítica porque a pergunta crítica obriga-nos a diferenciar e quando diferenciamos podemos chegar à conclusão de que uns não são tão assim como se querem apresentar. Abro um parêntesis para mandar uma directa: é sintomático para mim que muitas das pessoas que sempre aplaudiram ruidosamente a actuação tempestuosa do ministro da Saúde – actuação que eu sempre achei problemática pela pouca atenção prestada aos procedimentos institucionais e jurídicos – se definem como grandes democratas e amantes da legalidade; curiosamente, eles até criaram um ambiente dentro do qual a oposição a este tipo de actuação passou a ser vista como resistência dos corruptos à integridade e competência. Chamam a isso de atitude “Samoriana” e esquecem que isso, no passado, foi feito à custa da destruição do sentido de legalidade e respeito pelo indivíduo.

Andam discussões pela internet, mas também em alguns jornais como o semanário Zambeze sobre a necessidade de criação de um novo partido que se possa afirmar como alternativa à Frelimo. Não quero questionar a nobreza dos sentimentos que impelem os protagonistas desta intenção. Aliás, nunca escondi a minha admiração pelos académicos e intelectuais que, respondendo ao seu sentido de integridade moral e mesmo sob o risco de perderem privilégios vinculados ao silêncio por vezes cúmplice que anda de mãos dadas com o emprego na função pública, se juntaram abertamente à Renamo e tentaram dar o seu contributo na civilização daquela força apolítica. A passagem do tempo está a revelar que é muito provável que se tenha tratado de um equívoco muito grande, mas isso não diminui a nobreza da sua atitude. O que eu quero questionar, porém, é a legitimidade da classificação verbal sobre a qual me parece assentar este desiderato de criação de um novo partido. É uma classificação difusa, mas que assenta na ideia de que o governo é mau (muito mau mesmo) e que quem diz que o governo é mau é, só por isso, bom ele próprio. O nosso governo não é democrático, nem competente, logo, nós (que dizemos isso) somos democratas e competentes. Nós (os críticos) queremos acabar com o sofrimento do povo, logo, o governo (nosso adversário) é pelo sofrimento do povo.

Esta atitude manifesta-se também de outras maneiras como, por exemplo, na convicção de alguns membros de organizações não-governamentais de que pelo simples facto de trabalharem nessas organizações estão mais interessados no bem-estar do povo do que qualquer outra pessoa. Algumas dessas organizações têm uma cultura institucional que é tudo menos democrática e virada para o bem-estar de seja quem for, senão dos seus membros. Numa conferência em Lisboa há um ano atrás critiquei uma atitude semelhante europeia que parte do princípio de que um europeu, por viver em país democrático, é automaticamente ele próprio democrata. Se isso fosse verdade, como explicar o autoritarismo de alguns burocratas internacionais na sua relação com os países dependentes de auxílio?

É claro que não vai ser por eu questionar a legitimidade da classificação verbal sobre a qual o desiderato de criação de um partido assenta que o tal partido vai deixar de ser formado. Também não é essa a minha intenção. A minha intenção é de chamar a atenção daqueles que querem mesmo abordar o país criticamente para a necessidade de se debruçarem sobre a natureza destas classificações verbais questionando-as e questionando-se a si próprios. Em que sentido um governo é democrático e competente? Que provas temos de que o governo que temos não é democrático, nem competente? Quando é que essa ausência de democracia e competência se manifestam? Que formas assume? Será que nessas circunstâncias podemos contextualizar melhor o sentido de democracia e competência? Será que à luz das circunstâncias uma atitude tida como sendo não democrática ou uma actuação vista como incompetente são mesmo isso? Estas perguntas são importantes não tanto para defender o governo da acusação de ser antidemocrático e incompetente, quanto para introduzir medida na crítica e comprometer aquele que faz a crítica com os valores que ele implicitamente emula. O exagero na crítica ao que está mal tem a sua fonte neste uso descuidado de termos. Em todo o lado vemos manifestações de ausência de democracia e de competência, ausência essa que só serve para nos confirmar no nosso estatuto de democratas e competentes. 

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Qual a natureza da discussão política? Paradoxal (Arquivo)

AVISOS À NAVEGAÇÃO

Maputo, Quarta-Feira, 11 de Fevereiro de 2009:: Notícias

 

Tenho ainda dois pontos para terminar. O primeiro está directamente ligado à discussão sobre a criação de um novo partido. A crise da Renamo revela, para além de pôr a descoberto o mito da sua luta pela democracia, um problema estrutural muito grande do nosso sistema político: o controlo jurídico de associações formais. No nosso país este controlo é praticamente inexistente. Este déficit, mais do que o autoritarismo do líder da oposição, é que é capaz de ser responsável por esta crise. Não seria esta uma belíssima oportunidade para que os amantes da democracia iniciassem um movimento de luta pelo controlo jurídico das associações formais, começando pela Renamo? Um controlo que verificasse e, constatando falta, penalizasse o incumprimento do que está disposto nos estatutos depositados no Ministério da Justiça? Como é possível, por exemplo, que a direcção da Renamo fique impune perante a lei apesar de há vários anos não realizar o seu congresso em clara violação dos seus próprios estatutos?

O segundo ponto é um desabafo. A qualidade da nossa discussão política é de natureza muito paradoxal. Ela revela tendências de acabar com o político. A situação política ideal, interpretando a qualidade da nossa discussão política, consiste no afastamento do que é político da esfera pública para que reste apenas o que é técnico. Isto é, há uma tendência de pensar que a política só atrapalha e que, num mundo ideal, só devia haver técnicos com orientações claras para resolverem os problemas do povo. Este foi, parece-me, o erro de Eneas Comiche em Maputo que apesar do bom trabalho técnico que lhe é atestado por vários observadores, parece ter esquecido a necessidade de fazer alianças e compromissos, isolar inimigos, apaziguar os críticos, etc; em parte também isto parece-me ter sido o que despoletou a crise da Renamo na Beira, embora dado o nível de desorientação na Renamo tenha sido possível ao presidente do município local fazer política à última da hora para salvar o seu projecto técnico.

A julgar pelo tipo de pessoas que costuma estar por detrás deste tipo de discurso, por exemplo, alguns articulistas do semanário Savana, é uma relíquia de um marxismo mal digerido aprendido em mini-cursos intensivos no Centro de Estudos Africanos e memorizado por via de slógans repetidos em sessões nocturnas de estudo político. Transformado em arcaboiço teórico essa relíquia do marxismo consiste em imaginar um fim para a política, fim esse que é pensado como sendo a eliminação de todas as contradições (de classe) com o fim do Estado. O mundo ideal é o mundo dos técnicos que só resolvem os problemas do povo. Foram precisamente estas ideias que travaram o país nos anos imediatamente a seguir à independência.

E em nome de um sentido democrático mal pensado estão a ser reavivadas.       

• ELISIO MACAMO

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