AS “RESPONSABILIDADES MORAIS” DO ESTADO PORTUGUÊS



AS “RESPONSABILIDADES MORAIS” DO ESTADO PORTUGUÊS

Por Fernando Inácio Gil*

«Fontes portuguesas, contactadas em Bissau, destacaram também a responsabilidade moral que cabe a Portugal na assistência aos antigos integrantes do seu Exército. Aliás, muitos deles recebem as respectivas pensões de invalidez, sendo esta acção de assistência prevista no quadro da cooperação encarada como mais uma forma de contribuir para a sua recuperação social», lemos há dias no «Jornal Novo».

Concordamos plenamente que Portugal assim proceda, embora não por «responsabilidade moral», mas sim por imperativo de consciência.

Só lastimamos que tal não aconteça com todos os mutilados de guerra, não só portugueses, como de todos os ex-Estados ultramarinos, todos guardiões da mesma bandeira, pois bastantes há a quem nada é dado. Aliás, para tal pagamento supomos não ser até necessário qualquer acordo de cooperação, mas apenas a remessa aos beneficiários da respectiva pensão, questão facilmente ultrapassável como uma nova lei da nacionalidade.

Assim mais parece uma forma de envio de divisas que o pagamento de uma mais que justa retribuição a quem por Portugal estava dando a vida e a quem Portugal nem sequer a nacionalidade manteve.

E isto para não falarmos dos que, após as independências, têm sido vil e traiçoeiramente assassinados pelos regimes aos quais aqueles territórios foram entregues.

Mas, se a «responsabilidade moral» leva Portugal a pagar uma pensão, o que é uma forma de indemnização, a, embora não por decisão própria, cidadãos estrangeiros, porque será que tal «responsabilidade moral» não é também extensiva aos seus próprios cidadãos, multo em especial no que se refere aos bens perdidos no ex-Ultramar?

Tanto mais que até à data das respectivas independências, ninguém poderá duvidar de que a Indemnização por expropriação, nacionalização ou qualquer outra forma de privação duradoura de posse ou fruição de bens sitos no ex-Ultramar, bem como os respectivos títulos de direitos, é da única responsabilidade do Estado Português.

E, posteriormente à data das respectivas independências, se o Estado da localização dos bens, conforme prescreve o art.° 40.° da lei 80/77 da nossa Assembleia da República não indemniza, ninguém igualmente poderá negar a «responsabilidade moral» do Estado Português em reparar tal «sequela» duma guerra que alguns fizeram perder.

É que, independentemente do aspecto moral, à sobrevivência do indivíduo, igual falta poderá fazer o braço de um Guinéu como a «enxada» ao Português vindo do ex-Ultramar.

Enxada essa que tanto poderá ser um simples certificado de habilitações, um alvará, máquinas, um camião, quiçá a própria casa onde a si e aos seus se abrigue.

Ora a indemnização, condicionada a uma aplicação reprodutiva, irá não só resolver o problema dos próprios como, a nível mais lato e em grande medida, a gravíssima falta de postos de trabalho.

É por isso que não entendemos a que, por exemplo, não pague o Governo Português aos beneficiários do Caminho de Ferro de Benguela as pensões que têm direito ou aos restantes agentes da empresa não propicie um posto de trabalho.

É que, muito além de simples «responsabilidade moral», julgamos imperativo que o Estado Português garanta, nem que seja por adiantamento e a crédito com os novos Estados de expressão portuguesa, o pagamento, não a cidadãos estrangeiros, mas aos seus próprios cidadãos, das pensões, qualquer seja a entidade processadora a que têm direito.

E que pensar dos governantes que temos quando, por «responsabilidade moral» pagam pensões a cidadãos estrangeiros e exigem o estorno de 70% da pensão ou subsidio a quantos, vitimas da «exemplar descolonização» e por carência comprovada, se encontram instalados por conta do Estado, não escapando sequer os aboletados nas barracas do Vale do Jamor?

Além do mais não se poderá indefinidamente continuar a cooperar, nem que seja por «responsabilidade moral», quando os novos Estados de expressão portuguesa garantias algumas dão a pessoas ou bens portugueses.

Veja-se o que Samora Machel afirmou há dias na FACIM, em Lourenço Marques, quando da visita ao pavilhão português, nacionalizando quase de imediato mais seis empresas, evidentemente que sem direito a qualquer Indemnização.

Hoje uma, amanhã outra, dia virá em que o mesmo acontecerá a Cabora Bassa.

E aí é que serão elas, pois são de uma assentada mais de 30 milhões de contos que Portugal, com ou sem «responsabilidade moral», não poderá deixar de pagar à África do Sul, a Alemanha Federal, à Itália e à Inglaterra, entre outros.

Será também por «responsabilidade moral» que o Estado Português irá pagar a cidadãos estrangeiros indemnizações antes sequer de legislar sobre as que são devidas aos seus cidadãos por bens sitos no ex-Ultramar?

Aproximam-se as eleições.

E vemos o PSD a falar de indemnizações dos bens sitos no ex-Ultramar. Isto recorda-nos o CDS quando no seu Manifesto Eleitoral/ Alternativa 76 escreve que «tudo tentará — através de uma política externa e dos mecanismos ao seu alcance na ordem interna — para resolver os problemas específicos que atingem os desalojados, entre os quais avulta o direito de serem indemnizados pelos bens que perderam».

Resta-nos agora que Maria de Lourdes Pintassilgo na penitência (não por si certamente, mas pelos governantes que a precederam), que fará ao ir a pé a Fátima, eleve uma prece por todos quantos, desalojados ou espoliados, continuam aguardando alguém que lhes valha, já que no seu Plano de Governo apenas se lembrou dos possuidores de títulos FIDES e FIA.

Valha-nos pois, também a nós, Nossa Senhora de Fátima!

*Membro directivo da Associação Projecto I

Jornal Novo – 03.09.1979

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