TRAJETÓRIAS CULTURAIS E MUSICAIS DA “PRINCESINHA DO MAR” - ANPUH

TRAJET?RIAS CULTURAIS E MUSICAIS DA "PRINCESINHA DO MAR" ? COPACABANA: 1946-1965

VICENTE SAUL MOREIRA DOS SANTOS1

Resumo O intuito deste texto cap?tulo ? justamente contextualizar o processo de

valoriza??o social e cultural da praia de Copacabana e da regi?o da cidade do Rio de Janeiro que seria denominada Zona Sul. Busca-se analisar esse bairro como local emblem?tico da cidade e do pa?s, atrav?s do seu meio cultural e especialmente como a m?sica brasileira atuou na constru??o simb?lica da "princesinha do mar" entre as d?cadas de 1940 e 1960.

Bairro dos cinemas, dancings, cassinos, boates e inferninhos

Copacabana contou com v?rios locais de entretenimento que gradualmente monopolizariam a vida cultural da cidade. No ?ltimo quartel do s?culo XIX, foi aberto o rendez-vouz de M?re Louise na esquina da praia com a Rua Francisco Otaviano. Em 1902, havia no local um hotel com caf? dan?ante, que foi fechado logo no in?cio do governo Vargas. Reabriu em 1934 como Cassino Atl?ntico. Ap?s a proibi??o do jogo, em 1946, o local foi a sede da TV Rio, e atualmente localiza o Shopping Cassino Atl?ntico e um hotel cinco estrelas.

Na primeira d?cada do s?culo foi inaugurado o primeiro cinema do bairro na Pra?a Serzedelo Correa. Em 1910, foi aberto o Cinema Copacabana, o Cinema Atl?ntico, em 1920 e o Cinema Roxy inaugurado em 1937. Na d?cada de 1940, o Atl?ntico foi rebatizado como Ritz, al?m da inaugura??o das novas salas: Metro, Rian, Alvorada, Caruso, Ricamar e Riviera. A partir de 1957, a Galeria Alaska abrigou dois cinemas, o Alaska e o Royal, al?m do restaurante alem?o no subsolo, o Katacombe, que posteriormente virou nightclub.

Al?m de principal hotel do bairro, o Copacabana Palace sediava o Golden Room, onde se apresentavam artistas nacionais e internacionais, e o Teatro Copacabana que muito contribuiu para a afirma??o do bairro no meio teatral carioca e nacional. Nas

1 Doutorando no Programa de P?s-Gradua??o em Hist?ria, Pol?tica e Bens Culturais (PPHPBC-CPDOCFGV-RJ).

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proximidades do hotel foram inaugurados v?rios locais como o Maxim's na esquina da Avenida Atl?ntica com Hil?rio de Gouveia, tradicional ponto de encontro de artistas e intelectuais.

Os caf?s e confeitarias eram tradicionais pontos de encontro da sociedade e de intelectuais (VELLOSO, 2000). A tradicional Confeitaria Colombo abriu filial na Avenida Nossa Senhora de Copacabana em 1945.

A repress?o do Estado Novo fechou bares e clubes musicais na Lapa e arredores, logo os freq?entadores dessa vida noturna, isto ?, os m?sicos, poetas, jornalistas e bo?mios gradualmente migraram para Copacabana, que j? abrigava diversos locais importantes de sociabilidade, especialmente com o glamour e agita??o dos cassinos e o intimismo das boates e nightclubs. A maioria dessas casas noturnas pertencia:

A homens de neg?cios, a homens que querem mais do que nada lucro, lucro e lucros. Ent?o alguns atropelam, fazendo do u?sque uma mistura rala e multiplicada, para que seus bolsos encham. Em Paris, parece, h? mais de diferente neste esp?rito noturno. O homem da noite paga alto para ver coisas que realmente valem seus pre?os e nunca por um cartaz sem cartaz, ou um "show" mambembe, de mau g?sto e de mau jeito.2

Essa migra??o boemia foi potencializada pelo fechamento dos cassinos em abril de 1946, pois os profissionais do meio musical passaram por dificuldades de trabalho. Os m?sicos e int?rpretes se voltaram para as emissoras de r?dio e, gradualmente, entraram em cena as boates de Copacabana, mudando geograficamente o p?lo do Centro para a Zona Sul carioca, pois os bo?mios mudavam "de pouso e de clima, a penumbra das boates substituindo as luzes dos cabar?s, (do Centro da cidade, e se tornando) uma boemia mais ?ntima e refinada, regada a u?sque escoc?s e embalada por chorosa m?sica rom?ntica" (M?XIMO & DIDIER, 1990: 483).

Durante a d?cada de 1950 ocorreu o apogeu do r?dio,3 da chanchada e da imprensa especializada em cobrir a vida dos famosos. As elei??es da "Rainha do R?dio" polarizavam os f?s, viravam assunto nacional e contribu?am para propagar suas

2 Linda em Bossa Nova. In: Revista Manchete, 5/12/1953. Cabe ressaltar que a express?o "bossa nova" era usada como sin?nimo de novidade, de algo novo, e com esse sentido seria utilizada para designar o g?nero musical.

3 Nesse contexto, diversas emissoras tinham notoriedade, como a R?dio Nacional, a Mayrink Veiga e a Tupi. Mais informa??es ver: CALABRE, 2004.

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carreiras. Afinal, os "cantores do r?dio e o meio art?stico (estavam) em seu palco privilegiado, a cidade do Rio de Janeiro" (LENHARO, 1995: 13). Como destacou a emblem?tica cantora paulista Inezita Barroso, em 1953, ela veio "para o Rio gravar, porque S?o Paulo n?o tinha est?dio. Era tudo no Rio de Janeiro e eu fui para o Rio gravar a Moda da Pinga (BOTEZELLI & PEREIRA, 2001: 110). Nessa ?poca, a m?sica urbana carioca, o samba, como express?o da brasilidade foi defendida pela Revista de M?sica Popular (1954-1956), editada por L?cio Rangel (NAPOLITANO, 2002: 60-61).

Certamente um dos principais p?los culturais da cidade do Rio era a m?tica boate Vogue, de propriedade do Bar?o de Stuckart, localizada no Hotel Vogue na Avenida Princesa Isabel esquina com a praia. O local era freq?entado por compositores e intelectuais, como Antonio Maria, um dos mais ass?duos, al?m dos colun?veis. Havia apresenta??es de muitos artistas famosos, como Dolores Duran, Aracy de Almeida, Dick Farney e Elizeth Cardoso. Tamb?m era destinado para eventos do grand monde como o coquetel em homenagem aos diretores da Max Factor de Hollywood.4 A boate e o hotel foram destru?dos por um inc?ndio em agosto de 1955, resultando em cinco v?timas, entre elas o cantor americano Warren Hayes.5

Na regi?o do Leme encontravam-se desde cantinas, restaurantes at? boates sofisticadas como Sacha's que se tornaria uma das mais importantes da cidade. O artigo a "Influ?ncia francesa no carioca", de Stanislaw Ponte Preta observa as destacadas refer?ncias culturais presentes em Copacabana, e em grande parte no Leme, como o "La Cloche d'Or", "La Cr?maill?re", "Le Bec Fin", "Club 36", "Le Carroussel", "Baccarat", "Petit Club", "Michel", "Ma Griffe", "Arp?ge", entre outros (MESQUITA, 2008: 109).

Em 1953, a coluna "Pelas esquinas da noite" de Fernando Lobo revelava que a cantora Linda Batista h? muito tempo desejava ter uma boate sua, desde que esteve em Paris, onde os points famosos eram de propriedade de artistas. Assim sendo, a artista firmou contrato com a boate do Plaza Copacabana, onde "vai mostrar ao p?blico que a aplaude uma bossa nova como gerente e artista de uma nova casa noturna", o que proporcionaria aos freq?entadores bo?mios, "a certeza que o u?sque que vamos ter ali ?

4 Soir?e por Ibrahim Sued. In: Revista Manchete, 5/12/1953. 5 Revista Manchete, 20/8/1955.

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o mesmo que a Linda bebe, da?, n?o correndo o risco de morte por que a t?das as horas passamos"6. O cronista concluiu com o seguinte depoimento:

Vai nascer ent?o, um novo lugar neste Rio de Janeiro quase sem nada e vai ser regido pelas m?os de artista de Linda Batista, que nas horas pr?prias, nos momentos exatos, cantar? seus sambas, contar? hist?rias, far? surpresas e "shows" de improviso, tudo que realmente gosta quem ? da noite. O p?blico j? est? saturado do chamado "show" a hora certa, ao capricho terr?vel do hor?rio e as mocas de bra?os para cima ? sempre de bra?os para cima ? no grande final. ? suave e mais tranq?ilo um canto onde se escute um viol?o sonoro, engulindo aos poucos e sem m?do um u?sque gelado. ? o que Linda vai fazer no "Plaza Copacabana" ? uma "boite" magn?fica que morreu justamente porque faltou um com jeito e g?sto para sacudi-la. Vamos l? em dezembro.7

Essa boate se tornaria um importante local para experimenta??es musicais, certamente era um dos lugares preferidos pelas pessoas que gostavam de novidades. Em 1958, foi aberta a boate Mariuzzin na Raul Pomp?ia. Outro importante local foi o Beco das Garrafas, especialmente as boates Bottle's ? apelidada por Stanislaw Ponte Preta como "A catedral da Bossa Nova" (MESQUITA, 2008: 108), o Little Club e o Baccara que tinham shows variados e muito contribu?ram para a diversifica??o musical que influenciaria a Bossa Nova e a M?sica Popular Brasileira (MPB).

Outro importante l?cus foram as escolas da zona Sul carioca, especialmente localizadas em Copacabana e Botafogo como primeiro ponto de encontro entre futuros parceiros musicais, onde Carlos Lyra, Roberto Menescal e Luiz Carlos Vinhas se conheceram. Desses primeiros contatos, surgiu a id?ia de fundar uma academia de m?sica em Copacabana para jovens ?vidos por aprender a tocar viol?o. Esse espa?o foi destacado como importante ponto de encontro geracional.

Quase concomitante, os mais velhos dessa turma come?aram a freq?entar o bar do Hotel Plaza, "onde tocava o Johnny Alf, e l? aparecia Dick Farney, L?cio Alves, Dolores Duran, os precursores da bossa nova toda. Foi ali que eu - Carlos Lyra comecei a decidir que n?o ia ser mais arquiteto, que eu queria ser m?sico" (BOTEZELLI & PEREIRA, 2000: 61).

6 Revista Manchete, 5/12/1953. 7 Revista Manchete, 5/12/1953.

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Na d?cada de 1960 destacaram-se espa?os de sociabilidade como o bar e restaurante Zicartolade propriedade do compositor Cartola e de sua mulher, Dona Zica, localizado no Centro da cidade do Rio. A pr?pria Zica destacou a presen?a de "gente importante, de Copacabana toda, todo mundo freq?entando minha casa. Juscelino, muito outros, muito oficial do Ex?rcito, muita gente boa" (BOTEZELLI & PEREIRA, 2000: 86-97). Nesse local se encontravam artistas, intelectuais, muitos residentes na Zona Sul, e sambistas dos morros cariocas, como Z? K?ti e Nelson Cavaquinho, possibilitando a circularidade cultural e a valoriza??o de compositores, que inclusive, foram gravados por artistas como Nara Le?o, em seu primeiro disco (NAVES, 2001).

Em dezembro de 1964, estreava em Copacabana o espet?culo "Opini?o", que se propunha reunir tipos caracter?sticos da sociedade brasileira, ao contar com a participa??o de Nara Le?o, a mulher de classe m?dia e residente na Zona Sul, do sambista Z? K?ti, o "compositor do morro" e de Jo?o do Valle, nordestino e de origem rural (RIDENTI, 2000: 125). Este musical foi respons?vel pela proje??o de algumas m?sicas como a can??o t?tulo, de Z? K?ti, contra a remo??o de favelas realizada pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda.

Copacabana no cancioneiro popular brasileiro

O Rio de Janeiro ? uma cidade litor?nea, tem a capacidade de incluir culturalmente as refer?ncias das pessoas vindas do Brasil e do exterior, evidentemente cosmopolita, onde existe uma rede simb?lica de adequa??o social para o outro, tanto nos bairros da Zona Sul quanto da Zona Norte, nos sub?rbios e nas favelas, facilitando a circularidade cultural e diversificando a pr?pria cultura carioca (OLIVEIRA, 2000). A produ??o musical sobre a Zona Sul e os bairros praianos foi realizada por compositores variados, tendo registros destacados de muitos int?rpretes.

O rol de m?sicas sobre Copacabana teve o primeiro marco no per?odo do p?sguerra, com o samba-can??o "Copacabana", de Jo?o de Barro e Alberto Ribeiro (1946), gravada por Dick Farney. Os arranjos do maestro Radam?s Gnatalli para esta can??o causaram inc?modo no per?odo, mas posteriormente foram considerados como marco da moderniza??o da m?sica brasileira (CABRAL, 1990).

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