O nervo exposto de Lula



O nervo exposto de Lula

(O Dia, 28/03/2004)

Por Ricardo Noblat

Na última quarta-feira, o boato da queda do ministro José Dirceu de Oliveira, da Casa Civil, tirou o mercado financeiro do sério, inoculou o nervosismo no Congresso, paralisou o governo e levou o presidente da República a disparar um telefonema para o senador José Sarney, presidente do Senado. Ligado a um cateter há quase dois meses para se livrar de pedras nos rins, Sarney estava internado em São Paulo no hospital Sírio Libanês.

Lula queria saber se Sarney melhorara e se logo voltaria a Brasília. E, é claro, comentar o dia infernal que ainda não chegara ao fim. Chegaria com a promessa do governo de abrir o cofre e soltar grana para pequenas obras públicas reivindicadas por deputados e senadores. Sarney não esquece a liturgia do cargo nem mesmo durante conversas informais por telefone. Trata Lula como “presidente”. Pouco afeito a ritos, Lula trata Sarney de... Sarney.

E foi em meio a “presidente” para cá, “Sarney para lá”, que Lula começou a se queixar amargamente da sua equipe de governo. Lula está insatisfeito com o desempenho da maioria dos ministros. Reclama da sua falta de iniciativa para produzir notícias positivas desde que estourou o escândalo envolvendo o bicheiro Carlos Cachoeira e o ex-assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz. A certa altura do telefonema, Lula soltou a língua e tascou furioso:

- Tenho 36 m.....

Exagerou, é claro. De cabeça fria, não diria isso. Mas naquele dia, Lula estava de cabeça quente. O PMDB divulgara nota oficial exigindo mudanças na política econômica e ameaçando sair do governo (lorota pura, pois o que ele quer é entrar mais). PTB, PP e PL cobraram cargos para permanecer como aliados. E o PT insistiu em criar novo problema ao se opor à possível reeleição dos atuais presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Lula quer a reeleição dos dois.

A referência ao bando dos 36 dá a medida da fase de sufoco que o presidente atravessa. O governo parece inerte – e se não está, pouco importa: o que vale é a aparência. Submetida a suposto e cerrado fogo amigo, a política econômica do ministro Antonio Palocci, da Fazenda, não sai do paredão. E para completar, tem vários ministros e antigos companheiros de Lula que já não disfarçam seu desencanto e a vontade de ir embora.

As mais recentes pesquisas de opinião pública atestam o desmanche do conceito favorável do governo e do próprio presidente – embora o desse em menor escala. Aplicada nos dias seis e sete de março junto a 808 moradores do Rio, pesquisa do Instituto GPP descobriu que apenas 19,6% deles consideram “bom” o governo de Lula. Em abril do ano passado, o governo era “bom” para 45,6% dos entrevistados. O Rio deu a Lula sua maior vitória na eleição de 2002.

Depois de derrotado três vezes, Lula foi eleito para promover mudanças – não para conservar as coisas como encontrou. Os brasileiros querem mudanças desde quando foram às ruas pedir “diretas, já”, a eleição de Tancredo Neves, o sucesso do Plano Cruzado, a eleição e a queda de Fernando Collor, e a eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso, o pai do Plano Real. Em todas essas ocasiões, acabaram voltando frustrados para casa.

O cacife político de Lula segue sendo dilapidado aos poucos, mas ainda está longe de se esgotar. Pode ser recomposto. Casos como o de Waldomiro não ferem a imagem do presidente – tão pouco eventuais casos de porres tomados fora de hora e lugar. O que atingirá de morte a imagem de Lula será a consolidação da suspeita de que lhe falta comando e, principalmente, capacidade para governar. Esse, sim, é o nervo exposto dele. E é por aí que poderá perder o segundo mandato.

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