EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO …



EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

A PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA SUBSTITUTA DO ESTADO DE GOIÁS, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, previstas nos artigos 129, IV, da Constituição Federal, 29, I, da Lei Federal nº 8.625/93 e 52, II, da Lei Complementar Estadual nº 25/98, e com fundamento no artigo 60 da Constituição do Estado de Goiás, vem perante esse Egrégio Tribunal propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

em face dos arts. 39, § 7º, da Lei Orgânica do Município de São Miguel do Passa Quatro, acrescido pela Emenda à Lei Orgânica Municipal 9, de 13 de dezembro de 2004; 97, com a redação conferida pela Emenda à Lei Orgânica do Município 5, de 25 de julho de 2002, e seu respectivo parágrafo único, pelos fatos e fundamentos abaixo alinhados:

I - DOS FATOS

I.1) A Câmara Municipal de São Miguel do Passa Quatro editou a Emenda à Lei Orgânica do Município n. 5, de 25 de julho de 2002, para alterar a redação do art. 97, caput, que era e passou a ser a seguinte, verbis:

“ Art. 97. O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os servidores municipais, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consangüíneo até o segundo grau ou por adoção, não poderão contratar com o Município, substituindo (sic) a proibição até seis (6) meses após findas as respectivas funções. (fl. 66)

Art. 97. O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os servidores municipais não poderão contratar com o Município (fl. 117)

Parágrafo único. Não se incluem nesta proibição os contratos cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.”

I.2) Posteriormente, a mesma Câmara editou a Emenda à Lei Orgânica do Município 9, que acrescentou o § 9º ao art. 39, com a seguinte redação:

“ Art. 39. As Câmaras Municipais fixarão, até trinta dias antes da eleição municipal, a remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito, Presidente da Câmara e Vereadores, para vigorar na legislatura subseqüente, entendendo-se prorrogadas as fixações existentes se não estabelecidas no devido tempo, observando (sic) o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, da Constituição Federal:

(...)

§ 7º Os agentes políticos receberão décimo-terceiro salário com base na remuneração integral”.

As normas inseridas na Lei Orgânica do Município de São Miguel do Passa Quatro, quer para suprimir a proibição de contratação com o Poder Público municipal de familiares de agentes políticos e de servidores públicos, quer para garantir a percepção de décimo terceiro salário aos agentes políticos locais, padece, à toda evidência, de flagrante inconstitucionalidade por afronta à moralidade administrativa e aos limites da autonomia municipal, conforme se demonstrará.

II - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS:

II.1) A Constituição da República, no seu artigo 29, conferiu ao município autonomia para fixação dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores, dentro dos parâmetros definidos pelo Legislador Constituinte. Logo, não é dado a esse ente da Federação instituir vantagens remuneratórias para agentes políticos sem respaldo constitucional, sob pena de invalidade.

Ressalte-se que o artigo 62 da Constituição do Estado de Goiás, em norma de reprodução do artigo 29 da Constituição da República, deixa claro que a autonomia municipal somente encontra fundamento de validade se atendidos os princípios constitucionais superiores, de observância obrigatória pelo Município, verbis:

“Art. 62 – O Município goza de autonomia política, administrativa e financeira, nos termos desta e da Constituição da República e de sua Lei Orgânica, que será votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias e aprovado por dois terços dos vereadores que compõem a Câmara Municipal, que a promulgará.”

Ademais, impende considerar que o artigo 39, § 4º, da Carta Magna, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, estabeleceu que os detentores de mandato, assim como os Ministros de Estado, os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, sem o cômputo de qualquer acréscimo de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. Norma essa que, a despeito de ainda não ter sido reproduzida, expressamente, no texto constitucional do Estado de Goiás, é de aplicação imediata e obrigatória pelos demais entes Federados.

Ora, se os agentes políticos municipais, por força do que impõe o artigo 39, § 4º da Constituição Federal, são remunerados por subsídios fixados em parcela única, e se não são eles equiparados aos trabalhadores ou aos servidores públicos, eis que inexiste vínculo permanente com o Poder Público, pode-se concluir que os direitos sociais fundamentais insertos nos artigos 7º e 39, § 3º da Lei Fundamental, incluindo o 13º salário, não lhes alcançam, sendo, de conseqüência, inconstitucional qualquer disposição legislativa municipal que lhes assegurem o percebimento de gratificação natalina.

Veja-se, a propósito, o inteiro teor do § 4º do artigo 39 da Carta Magna, verbis:

“Art. 39 – (..........)

§ 4º - O membro de Poder, o detentor de mandado eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecendo, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI.”

A Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, ao analisar a sistemática remuneratória do subsídio, asseverou o seguinte:

“Ao falar em parcela única, fica clara a intenção de vedar a fixação dos subsídios em duas partes, um fixa e outra variável, tal como ocorria com os agentes políticos na vigência da Constituição de 1967. E, ao vedar expressamente, o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, também fica clara a intenção de extinguir o padrão fixado em lei mais as vantagens pecuniárias de variada natureza prevista na legislação estatutária.

Com isso, ficam derrogadas, para os agentes que percebam subsídios todas as norma legais que prevejam vantagens pecuniárias como parte da remuneração.

Em conseqüência, também, para remunerar de forma diferenciada os ocupantes de cargos de chefia, direção, assessoramento e os cargos em comissão, terá a lei que fixar, para cada qual, um subsídio composto de parcela única. O mesmo se diga com relação aos vários níveis de cada carreira abrangida pelo sistema do subsídio.

No entanto, embora o dispositivo fale em parcela única, a intenção do legislador fica parcialmente frustrada em decorrência de outros dispositivos da própria Constituição, que não foram atingidos pela Emenda. Com efeito, mantém-se no artigo 39, § 3º, a norma que manda aplicar aos ocupantes de cargo público o disposto no artigo 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX. Com isto, o servidor que ocupe cargo público (o que exclui os que exercem mandato eletivo e os que ocupam emprego público, já abrangidos pelo artigo 7º) fará jus a: décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-família, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do norma, adicional de férias.[1]” (grifou-se)

O eminente Prof. José Afonso da Silva, analisando o tema, manifesta-se nos seguintes termos, verbis:

“O conceito de parcela única há de ser buscado no contexto temporal e histórico e no confronto do §4º do art. 39 com outras disposições constitucionais, especialmente o §3º do mesmo artigo. Sendo uma espécie remuneratória de trabalho permanente, significa que é pago periodicamente. Logo, a unicidade do subsídio correlaciona-se com essa periodicidade. A parcela é única em cada período, que, por regra, é o mês. Trata-se, pois, de parcela única mensal. Historicamente, subsídio era uma forma de retribuição em duas parcelas: uma fixa e outra variável. Se a Constituição não exigisse parcela única, expressamente, essa regra prevaleceria.

A primeira razão da exigência de parcela única consiste em afastar essa duplicidade de parcelas que a tradição configurava nos subsídios. A proibição expressa de acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória reforça o repúdio ao conceito tradicional e elimina o vezo de fragmentar a remuneração com múltiplos penduricalhos, que desfiguram o sistema retributório do agente público, gerando desigualdades e injustiças. Mas o conceito de parcela única só repele os acréscimos de espécies remuneratórias do trabalho normal do servidor. Não impede que ele aufira outras verbas pecuniárias que tenham fundamentos diversos, desde que consignados em normas constitucionais. Ora, o §3º do art. 39, remetendo-se ao art. 7º, manda aplicar aos servidores ocupantes de cargos públicos (não ocupantes de mandato eletivo, de emprego ou de funções públicas) algumas vantagens pecuniárias, nele consignadas, que não entram naqueles títulos vedados. Essas vantagens são: o décimo-terceiro salário (art. 7º, VIII), que não é acréscimo à remuneração mensal, mas um mês a mais de salário; subsídio noturno maior do que o diurno (art. 7º, IX); salário-família (art. 7º, XII); o subsídio de serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% ao do normal (art. 7º, XVI); o subsídio do período de férias há de ser, pelo menos, um terço a maior do que o normal (art. 7º, XVII). Como se vê, o subsídio, nesses casos, não deixa de ser em parcela única. Apenas será superior ao subsídio normal. Demais, o novo §7º do art. 39 prevê a possibilidade de adicional e prêmio, no caso de economia com despesas correntes em cada órgão etc., quebrando ele próprio a unicidade estabelecida[2].”

Esse Egrégio Tribunal de Justiça, em decisões recentes, entendeu que os vereadores não fazem jus aos direitos sociais garantidos aos servidores públicos. Senão, veja-se:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 99, parágrafo único. Lei Orgânica. Município de Goiânia. Vereadores. Percepção. Décimo terceiro salário. Ofensa à Constituição Estadual. Autonomia Municipal. Precedência desta Corte. 1 – Instituindo a Lei Orgânica desta urbe dispositivo que contraria frontalmente a Constituição do Estado de Goiás, consubstanciado em aumento injustificado na remuneração dos respectivos Vereadores, mediante a incidência da gratificação natalina (ou décimo-terceiro salário), é de se declarar inconstitucinal o seu teor, fundamentalmente por afrontar os limites da autonomia municipal, na medida em que vedada tal estipulação em favor dos agentes públicos exercentes de mandato eletivo, os quais deverão ser remunerados, exclusivamente, por subsídio fixado em parcela única. A criação de qualquer adicional ou outra forma remuneratória similar fere as disposições dos arts. 62 da Constituição Estadual e 39, § 4º, da Carta Magna. 2 – Materialização de inconstitucionalidade do artigo 99, parágrafo único, da Lei Orgânica do Município de Goiânia. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.”

“Duplo grau de jurisdição. Ação Ordinária de Cobrança. Vereadores. Agentes Políticos. Gratificação Natalina. Não fazem jus. Contraprestação. Subsídios. 1- Agentes Políticos são os titulares dos cargos estruturais a organização política do País, isto é, apenas o Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos e respectivos auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de diversas pastas) os Senadores, os Deputados e os Vereadores. 2 – Não se igualando os vereadores, ocupantes de cargos eletivos, a categoria dos demais titulares de cargo ou função pública, suposta a natureza política do cargo que exercem perante o poder público, isto é, a eles não se aplica as regras atinentes a categoria dos servidores com um todo no tocante a gratificação natalina. Remessa conhecida e improvida”. (TJGO – 4ª CC, Rel. Des. Stenka I. Neto, processo 200401997507, DJ 14498, de 25.04. 2005)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Impugnação ao art. 32, Parágrafo 1°, 2º, 4º, 5º e 6º, e Parágrafo 3º, do art. 36, ambos da Lei Orgânica do Município de Vianópolis e art. 10, da Lei Municipal nº 699, de 31.08.2004, diplomas que outorgaram aos edis daquele município a prerrogativa de imunidade processual e a garantia de percepção de 13º salário. Alegação de ofensa ao art. 62 e inciso I, art. 71, ambos da Constituição do Estado. I- O Município de Vianópolis não tem competência para estabelecer regras de imunidade formal aplicáveis a vereadores, porquanto a regência de legislar sobre a matéria processual foge de seu âmbito de atuação e materializa a usurpação de função legislativa, privativa, da União. II- Ressai constitucionalmente defeso ao Município de Vianópolis instituir 13º (décimo terceiro) salário aos edis de seu município, porquanto referida verba não compõe – e, por sinal, foi vedado compor- o subsídio de agentes políticos; III – materializam-se inconstitucionais os artigos 32, parágrafo 1º, 2º, 4º, 5º e 6º, e 36, parágrafo 3º, ambos da Lei Orgânica do Município de Vianópolis, bem assim, o art. 10 da Lei Municipal n° 699, de 31.08.2004, pelo que ficam assim declarados. Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 294-2/200 (200502244610), Reqte: Procurador-Geral de Justiça; Reqda: Câmara Municipal de Vianópolis, j. 23/08/2006, Rel. Des. Leobino Valente Chaves)

No mesmo diapasão, há ainda julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“ADIN. Concessão de gratificação natalina a vereador. Inadmissibilidade. Agentes Políticos detentores de cargo eletivo. Vedando a Constituição Federal a percepção de gratificação por agentes políticos, porquanto detentores de mandato eletivo, sendo remunerados exclusivamente por subsídios em parcela única, revela-se inconstitucional a instituição de gratificação natalina a vereadores. Ação julgada procedente.” (TJRS, ADIn nº 70008471195, Rel. Desa. Maria Berenice Dias)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais nº 364/2004, 365/2004 e 366/2004, de Herval. Agentes políticos detentores de cargo eletivo. É inconstitucional a norma municipal que estabelece a seus agentes políticos, detentores de cargo eletivo, a percepção de décimo terceiro salário e gratificação de 1/3 e férias, uma vez que, nos termos do artigo 8º, da Constituição Estadual, em combinação com o artigo 39,§§ 3º e 4º, da Constituição Federal, são eles remunerados, exclusivamente, por subsídios em parcela única. Ação Julgada procedente.” (TJRS, ADIn nº 70010786242, Rel. Des. Antônio Carlos Stangler Pereira)

Finalmente, a QUINTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº. 15476/BA, sendo Relator o Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, proferiu decisão, UNÂNIME, datada de 16 de março de 2004, cuja ementa é a que se segue:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EX-DEPUTADOS ESTADUAIS - POSTULAÇÃO DE PAGAMENTO DE 13º SALÁRIO. INOCORRÊNCIA DE RELAÇÃO DE TRABALHO COM O PODER PÚBLICO. INVIABILIDADE. DEPUTADO ESTADUAL, NÃO MANTENDO COM O ESTADO, COMO É DA NATUREZA DO CARGO ELETIVO, RELAÇÃO DE TRABALHO DE NATUREZA PROFISSIONAL E CARÁTER NÃO EVENTUAL SOB VÍNCULO DE DEPENDÊNCIA, NÃO PODE SER CONSIDERADO COMO TRABALHADOR OU SERVIDOR PÚBLICO, TAL COMO DIMANA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTs. 7º, INCISO VIII, E 39, § 3º), PARA O FIM DE SE LHE ESTENDER A PERCEPÇÃO DA GRATIFICAÇÃO NATALINA”[3].

Isto posto, parece claro que o Município, ao outorgar aos seus agentes políticos direito à percepção do décimo terceiro salário, sem respaldo constitucional, extrapolou os limites de sua autonomia municipal, com vulneração do artigo 62 da Constituição Estadual.

II.2) De idêntica sorte, foi extrapolada a moralidade administrativa, constitucionalmente protegida no art. 92, caput, da Constituição do Estado de Goiás.

Há décadas o Direito brasileiro é dotado de instrumentos, mesmo que em âmbito infraconstitucional, para julgar imorais dispositivos que visem a burlar o fim proposto pela regra normativa. O mais antigo exemplo é o crime de prevaricação, que qualifica como ato ilícito o praticado pelo agente público com finaliade diversa da prevista em lei[4]. Posteriormente foram acrescentadas as leis que conferem a ação popular para impugnar ato administrativo quando sua finalidade for divorciada daquela prevista na regra de competência[5] e que reputam ímprobo o ato praticado por agente público quando houver essa divergência de finalidade[6].

Ora, o Direito tem de ser harmônico consigo mesmo. Dado que a ação popular é instrumento constitucionalmente vocacionado à defesa da moralidade administrativa[7], e é repugnante à moralidade a prática de ato lesivo à finalidade, conseqüentemente a conduta de o legislador municipal aprovar legislação vedada pela ordem constitucional é, além de tudo, imoral.

II.3) Com relação à supressão da proibição de contratação de cônjuges, companheiros e parentes de agentes políticos e servidores municipais, verificada pela Emenda à Lei Orgânica do Município n. 5, de 25 de julho de 2002, houve igual burla ao princípio da moralidade administrativa, previsto no art. 92 da Constituição do Estado de Goiás.

Representação contra alteração similar feita na Lei Orgânica do Município de Turvânia tem o seguinte teor:

‘ 5. Numa interpretação até não muito extensiva, a literalidade da letra do parágrafo único acima, permitiria que o próprio Prefeito Municipal, o Vice, os vereadores e seus parentes até segundo grau contratasse(m) com o próprio Município quando ‘as cláusulas e condições fossem uniforme(s) para todos’. Certamente, que a interpretação do referido parágrafo único do art. 96 deve ser feita em conformidade com os princípios da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, sem ultrapassar os limites da moralidade e impessoalidade. E aí surge um grande problema de conflito entre a norma mnicipal e os princípios constitucionais regentes da administração pública.

6. É fácil verificar que o parágrafo único do antigo dispositivo do art. 96 tornou-se, a partir da Constituição de 1988, totalmente inconstitucional, eis que, sua literalidade permite contratos até do Prefeito com o Município, numa hipótese não muito clara em que ‘as cláusulas e condições fossem uniformes para todos’. Em nosso país, hoje, é vedado, sob qualquer condição que o Prefeito Municipal ou os vereadores possam contratar com o Município, ex vi do art. 37, caput, princípios da moralidade e impessoalidade.

7. Portanto, destes dois dispositivos do art. 96 da Lei Orgânica de Turvânia, somente o caput pode ainda estar vigente em conformidade com a Constituição Federal.

8. Acontece que, numa manobra política ocorrida em 1991, a Câmara Municipal de Turvânia aprovou a Lei n. 71/PMT/91, cujo art. 1º derrogou o caput do art. 96 da Lei Orgânica Municipal, modificando-o com única e exclusiva finalidade de acabar com as proibições moralizadoras do caput do art. 96. Verbis:

(texto já transcrito acima)

9. Esta modificação cometeu o sacrilégio de matar o caput do art. 96 da LOMT, que era (a) única parte que ainda estava em conformidade com a Constituição Federal. Ao rigor da literalidade do novo texto, a esposa do Prefeito, seu irmão, a esposa dos vereadores e os parentes dos secretários municipais poderão contratar com a Prefeitura...[8]”

É de se acrescentar que, a despeito do regime de bens existente entre o agente político e seu cônjuge, a conseqüência será idêntica: a celebração de contrato com seu cônjuge acabará por repercutir no gozo econômico do agente político. Lesa-se, com isso, ambos os princípios.

Idêntica conseqüência ocorrerá quando a empresa contratante tiver como sócios filhos do agente político, via de regra menores cujo patrimônio é, por definição, administrado por seus pais. A confusão entre contratante e Administração Pública é evento manifestamente lesivo à moralidade administrativa.

Da doutrina de Direito Público de nosso país, que execra à unanimidade tal espécie de procedimento, transcreve a Requerente o seguinte trecho:

“ O princípio da impessoalidade, consectário natural do princípio da finalidade, impõe que o ato administrativo seja praticado de acordo com os escopos da lei, precisamente para evitar autopromoções de agentes públicos.

Sua palavra de ordem é: banir favoritismos, extravios de conduta, perseguições governamentais, execrando a vetusta hipótese da ilegalidade e do abuso de poder.

A impessoalidade, visa, pois, coibir o desvio de finalidade de ato comissivo ou omissivo na Administração Pública, impedindo que o administrador pratique ação ou omissão para beneficiar a si próprio ou a terceiros.

O vetor da impessoalidade recai, também, sobre o administrado.

Assim, os atos e provimentos administrativos não são imputados unicamente aos órgãos ou entidades administrativas em nome dos quais os agentes públicos agem. Imputam-se, também, aos administrados, que devem ser tratados sem discriminações nem favoritismos.[9]”

A temática foi recentemente enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, quando aquela Corte julgou a ADI 3617 e considerou constitucional a Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça, que vedava a contratação em cargos comissionados de parentes de magistrado, bem como determinava a exoneração dos parentes que ainda estivessem em cargo não provido mediante concurso público. Considerou-se, à época, que os princípios constitucionais acima referidos, independentemente do teor da legislação infraconstitucional, vedavam a prática de atos que beneficiassem parentes de agentes políticos.

II.4). No que tange ao parágrafo único do art. 97, jamais modificado, a Procuradoria-Geral de Justiça observa que somente existe cláusula similar em nosso regime constitucional para os membros do Poder Legislativo, conforme a previsão do art. 54, inciso I, alínea ‘a’, parte final, da Constituição da República, repetida no particular pelo art. 13, inciso I, alínea ‘a’, parte final, da Constituição do Estado de Goiás.

Não obstante, a expressão ‘contratos que obedeçam a cláusulas uniformes’ jamais poderá ser interpretada como extensiva aos contratos administrativos, em que, a despeito do processo licitatório – e especialmente nas hipóteses de dispensa e de inexigibilidade – são consideradas as condições específicas da empresa licitante. Esses contratos, ao contrário, são os veiculadores de serviços públicos, por natureza dirigidos a toda a população e que, por força dessa mesma natureza, têm de ter cláusulas uniformes.

Como o art. 42, inciso I, alínea ‘a’, da Lei Orgânica Municipal (fl. 51) já contém a proibição e a respectiva dispensa, não se justifica, sob pena de infração também ao princípio federativo (Constituição da República, art. 29; Constituição do Estado de Goiás, art. 62, já citados), abrir-se aos agentes políticos municipais uma franquia não admitida pelos regimes constitucionais a seus congêneres federais e estaduais, de resto proibida pelos princípios da impessoalidade e da moralidade.

III - MEDIDA CAUTELAR. NECESSIDADE DE CONCESSÃO

Presentes os requisitos exigidos à concessão da medida cautelar a fim de evitar grave lesão à ordem jurídica e social. Afigura-se plausível a argüição de inconstitucionalidade ora articulada, o que traduz o fumus boni iuris necessário à concessão da medida suspensiva, enquanto que o periculum in mora também ressai transparente, pois acaso a norma municipal atacada não seja suspensa de plano, os agentes políticos do Município, aí incluídos o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Secretários e Vereadores poderão perceber, no mês de dezembro vindouro, a título de pagamento de gratificação natalina, verba pública indevida, em evidente prejuízo ao erário municipal.

No que tange à proibição de contratar, exsurge também a urgência na concessão da medida cautelar, dado que os contratos administrativos são, de regra, limitados à vigência dos créditos orçamentários[10]. Assim, se em 2008 não sobrevier a proibição, serão firmados novos contratos, com o agravante das pressões inerentes aos anos eleitorais.

Assim sendo, ante à relevância da fundamentação expendida e estando presentes os requisitos exigidos para a concessão da medida cautelar, com eficácia ex nunc, nos termos previstos do artigo 10 da Lei nº 9.868/99 e artigo 46, inciso VIII, “a”, da Constituição do Estado de Goiás, a Requerente pleiteia a suspensão ad cautelam dos arts. 39, § 7º, da Lei Orgânica do Município de São Miguel do Passa Quatro, acrescido pela Emenda à Lei Orgânica Municipal 9, de 13 de dezembro de 2004; 97, com a redação conferida pela Emenda à Lei Orgânica do Município 5, de 25 de julho de 2002, e seu respectivo parágrafo único, por flagrante violação aos artigos 62 e 92 da Constituição do Estado de Goiás, combinados com os artigos 22, inciso I, 7º, VIII e 39, §§ 3º e 4º da Constituição da República.

IV - DOS PEDIDOS

À vista da argumentação aduzida, a PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA SUBSTITUTA requer o seguinte:

IV.1) A concessão de medida cautelar para suspender a eficácia dos arts. 39, § 7º, da Lei Orgânica do Município de São Miguel do Passa Quatro, acrescido pela Emenda à Lei Orgânica Municipal 9, de 13 de dezembro de 2004; 97, com a redação conferida pela Emenda à Lei Orgânica do Município 5, de 25 de julho de 2002, e seu respectivo parágrafo único, já que presentes os pressupostos do fumus boni iuris e periculum in mora;

IV.2) Que sejam colhidas informações, no prazo de trinta dias, da Câmara Municipal de São Miguel do Passa Quatro, conforme a previsão contida no artigo 6º da Lei 9868, de 10 de novembro de 1999;

IV.3) A citação do Procurador-Geral do Estado para fazer a defesa do texto legal impugnado, nos termos do artigo 60, § 3º da Constituição do Estado de Goiás.

IV.4) A volta dos autos ao Ministério Público para pronunciamento final, após a manifestação das pessoas mencionadas nos itens IV.2 e IV.3 desta peça.

IV.5) A juntada do procedimento administrativo nº 2007010300046245, no qual consta cópia do texto legal impugnado.

IV.6) O julgamento da presente ação, reconhecendo-se a procedência do pedido, mediante a declaração de inconstitucionalidade dos preceitos legais atacados, por violação dos arts. 62 e 92, ambos da Constituição do Estado de Goiás.

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

Goiânia - GO, 21 de janeiro de 2008.

ANA CRISTINA RIBEIRO PETERNELLA FRANÇA

PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA SUBSTITUTA

rp

-----------------------

[1] DIREITO ADMINISTRATIVO. São Paulo, Atlas, 14. ed., 2002, p. 450.

[2] CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. São Paulo, Malheiros Editores, 20. ed., pp. 663-664.

[3] In

[4] Código Penal, art. 319.

[5] Lei 4717, de 29 de junho de 1965 – Lei da Ação Popular – art. 2º, alínea ‘e’, c/c parágrafo único, alínea ‘e’.

[6] Lei 8429, de 2 de junho de 1992 – Improbidade Administrativa – art. 11, inciso I.

[7] Constituição da República, art. 5º, inciso LXXIII.

[8] Érico de Pina Cabral, Promotor de Justiça de Turvânia, em representação enviada à Procuradoria-Geral de Justiça, processo 2007009900031473.

[9] BULOS, Uadi Lammêgo. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 794-795.

[10] Lei 8666, de 21 de junho de 1993, art. 57 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download

To fulfill the demand for quickly locating and searching documents.

It is intelligent file search solution for home and business.

Literature Lottery

Related searches