Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da _____ Vara ...
Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito da Comarca de Peruíbe/SP.
“Um direito é mortalmente atingido quando a demora do processo impede qualquer utilidade do provimento que ele produziria.”
(TJSP, Des. Toledo Silva, A.I. nº 170.087.5/0)
Distribuição urgente
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seus Promotores de Justiça em exercício, vem a honrosa presença de Vossa Excelência, com fundamento no disposto no artigo 1º, inc. IV, 3º, 5º, e 21, da Lei Federal 7347/85, no art. 25, inc. IV, letra "a" da Lei Federal 8625/93, arts. 37, caput e inc. I e II, 127, caput, e 129, inciso III, da Constituição Federal, 91, 111 e 115, inc. I da Constituição do Estado de São Paulo propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, em face de:
- MUNICÍPIO DE PERUÍBE, pessoa jurídica de direito público, na pessoa de seu representante legal, Ana Maria Preto, Prefeita Municipal, com endereço na Rua Nilo Soares Ferreira, nº 50, Centro, Peruíbe, e
- MOURA MELO CONSULTORIA EM RECURSOS HUMANOS LTDA, com endereço à Rua Juruá, nº 78, Vila Eldizia, Santo André/SP, CEP-09181-550, pelas razões de fato e direito que passa a expor:
I – DOS FATOS
Inicialmente, esclareça-se que a presente ação visa à anulação de ato administrativo lesivo ao patrimônio público, à moralidade e impessoalidade administrativas, consubstanciado na realização de concurso público irregular.
Extrai-se dos autos de inquérito civil n.º 14.0375.0000733/2016-3 que a Prefeitura Municipal de Peruíbe, por meio da contratação do requerido Moura Melo, mediante Carta-Convite nº 26/2015, instaurou processo para contratação de empresa para realização de concurso público com a finalidade de selecionar candidatos aos seguintes cargos públicos:
|Agente Comunitário de Saúde |
|Agente de Combate às Endemias |
|Agente operacional |
|Auxiliar de Saúde Bucal |
|Mecânico |
|Médico |
|Médico – Pediatra |
|Médico – Psiquiatra |
|Médico –Ginecologista/Obstetra |
|P.E.B II - Arte |
|P.E.B II – Educação Especial D.M |
|P.E.B II – Educação Especial D.V. |
|Procurador do Município |
|Terapeuta Ocupacional |
O referido concurso público, no entanto, foi permeado por irregularidades, conforme será a seguir demonstrado, tanto que os aprovados no certame para os cargos de escol, em sua maioria, são pessoas do círculo pessoal da Prefeita ou já ocupantes de cargos públicos comissionados.
Ainda, será demonstrada a manifesta ineficiência da empresa contratada para a realização do certame, haja vista os incontáveis erros existentes nas provas submetidas aos candidatos.
Além disso, no procedimento da Carta Convite, os mesmos licitantes que convidou as mesmas empresas consultadas em pesquisa prévia de preços, sendo que, apenas uma das empresas foi habilitada para o certame, fatos que violam os princípios da impessoalidade, da livre concorrência e a busca pela melhor contratação.
Por fim, demonstrar-se-á o cerceamento do direito de defesa dos candidatos, impedidos de recorrer uma vez que o ajuizamento dos recursos só poderia ser realizado através de um “link” no site da empresa contratada, e este portal não foi disponibilizado.
II – DOS VÍCIOS INVESTIGADOS
II.1 – Terceirização do concurso público para empresa particular
Extrai-se dos autos que a Prefeitura Municipal de Peruíbe, mediante procedimento de licitação na modalidade convite, contratou a empresa Moura Melo para a realização de concurso público municipal.
O contrato celebrado entre as partes foi juntado em mídia digital às fls. 279/289 dos autos de inquérito civil e apresentados como documento apartado nestes autos. Segundo se depreende do referido documento, a Prefeitura Municipal contratou e delegou a realização de todas as provas, além da correção, julgamento de recursos e preparação da lista dos aprovados para a Moura Melo, que é uma instituição de natureza privada, sem nenhum tipo de vínculo com a administração pública.
A esse respeito, confira-se:
“CLÁUSULA QUINTA
DA CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DO CONTRATO
A execução do objeto deste contrato será de inteira responsabilidade da Contratada, ficando vedada a sua cessão ou transferência a terceiros, no todo ou em parte, salvo terceirizações corriqueiras.
CLÁUSULA SÉTIMA
DAS OBRIGAÇÕES DA CONTRATADA
9- Contratar os serviços necessários a garantir absoluto sigilo e segurança em todas as etapas do certame, desde a assinatura do contrato até a Homologação do Resultado Final
18- Responsabilizar-se pela elaboração, impressão, empacotamento, armazenamento, guarda, transporte e correção das provas e dos cartões-resposta antes e após a aplicação das provas do certame, garantindo a sua inviolabilidade e restringindo o acesso a esse material somente à comissão da Instituição contratada”.
A comissão de concurso designada pela Prefeitura não participou de nenhum ato relacionado ao concurso, prestando-se, exclusivamente, a realizar contatos com a empresa que realizou o certame.
E tal delegação, ilimitada e sem nenhum tipo de controle pela Comissão de Concurso, recebendo, inclusive, todos os valores pagos pelos candidatos, ações absolutamente indevidas.
A impossibilidade de delegação de tal atividade pública decorre de sua natureza. Tem-se nesse caso a hipótese de serviço público próprio, que é dever da Administração (C.F., artigo 37, inciso II). Esse dever decorre da necessidade de observância dos princípios gerais estatuídos no “caput” do mesmo dispositivo.
Ora, como obrigar o particular a se submeter aos princípios que regem a administração pública? É exatamente por isso que o saudoso Hely Lopes de Meirelles asseverou que serviços próprios são:
“(...) aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (...) e para execução, a administração usa de sua supremacia sobre os administrados. Por essa razão, somente podem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares.”[1]
Caio Tácito, no mesmo sentido, ensina que existem serviços denominados originários, que em razão de sua natureza não podem ser objeto de delegação. Nesse sentido enfatiza que:
“(...) há, todavia, uma sensível diferença entre os serviços públicos que, por sua natureza, são próprios e privativos do Estado e aqueles que em tese de execução particular..”[2]
Também sobre a impossibilidade de delegação de funções públicas típicas, Celso Antonio Bandeira de Mello deixa claro que:
"(...) vale dizer, não podem ser objeto de transação, de tal sorte que descaberia repassá-las a outrem, cabendo, tão somente, nos casos previstos em lei, delegação de seu exercício, sem que o delegante, portanto, perca, com isto, a possibilidade de retomar-lhes o exercício, retirando-o do delegado."[3]
Por fim Maria Silvia Zanella di Pietro, dentro da mesma abordagem, também distingue aqueles serviços que são próprios do Estado e, portanto, não podem ser delegados, denominando-os de exclusivos, daqueles que podem ser objeto de delegação e são denominados de não exclusivos.
A mesma Maria Silva Zanella di Pietro, sobre as terceirizações no serviço público arremata:
"Aliás, não estando investidas legalmente em cargos, emprego ou funções, essas pessoas não têm condições de praticar qualquer tipo de ato administrativo que implique em decisão, manifestação de vontade, com produção de efeitos jurídicos; somente podem executar atividades estritamente materiais; são simplesmente funcionários de fato."[4]
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, analisando situação análoga, já sinalizou no sentido da impossibilidade de delegação das atividades de elaboração e correção de provas. Nesse sentido, asseverou a legalidade da contratação de Fundação para atuação em concurso público, porque não lhe foram atribuídas tais funções típicas. Sobre o tema decidiu:
“(...) a contratação da Fundação Mariana Resende Costa - FUMARC para a realização e organização do concurso, não lhe sendo atribuídas as tarefas de elaboração e correção de provas, atividades exclusivas da Comissão Examinadora, mas tão-somente o recebimento de inscrições, aplicação de provas e divulgação de locais.”[5]
É de se concluir, portanto, que o ato de atribuir função pública de Estado para particular se constituiu em autêntico abuso de poder, que eivou de vício todo o procedimento.
O abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.
Referido abuso de poder, como todo ilícito, reveste as formas mais diversas. Ora se apresenta ostensivo como a truculência, às vezes dissimulado como o estelionato, e não raro encoberto na aparência ilusória dos atos legais. Em qualquer desses aspectos – flagrante ou disfarçado – o abuso do poder é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que o contém.
Todo ato administrativo – vinculado ou discricionário – há que ser praticado com observância formal e ideológica da lei. Exato na forma e inexato no conteúdo, nos motivos ou nos fins, é sempre inválido. O discricionarismo da Administração não vai a ponto de encobrir arbitrariedade, capricho, má-fé ou imoralidade administrativa.
O abuso do poder tanto pode revestir a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito individual do administrado.
Entre nós, o abuso do poder tem merecido sistemático repúdio da doutrina e da jurisprudência, e para seu combate o constituinte armou-nos com o remédio heróico do mandado de segurança, cabível contra ato de qualquer autoridade (CF, art. 5º, LXIX, e Lei 1.533/51), e assegurou a toda pessoa o direito de representação contra abusos de autoridade (art. 5º, XXXIV, “a”), complementando esse sistema de proteção contra os excessos de poder com a Lei e.898, de 9.12.65, que pune criminalmente esses mesmos abusos de autoridade.
O gênero abuso de poder ou abuso de autoridade reparte-se em duas espécies bem caracterizadas: o excesso de poder e o desvio de finalidade.
Excesso de poder – O excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade quando incide nas previsões penais da Lei 4.898, de 9.12.65, que visa a melhor preservar as liberdades individuais já asseguradas na Constituição (art. 5º).
Essa conduta abusiva, mediante excesso de poder, tanto se caracteriza pelo descumprimento frontal da lei, quando a autoridade age claramente além de sua competência, como, também, quando ela contorna dissimuladamente as limitações da lei, para arrogar-se poderes que não lhe são atribuídos legalmente. Em qualquer dos casos há excesso de poder, exercido com culpa ou dolo, mas sempre com violação da regra de competência, o que é o bastante para invalidar o ato assim praticado.
Desvio de finalidade – O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. Tais desvios ocorrem, p. ex., quando a autoridade pública decreta uma desapropriação alegando utilidade pública mas visando, na realidade, a satisfazer interesse pessoal próprio ou favorecer algum particular com a subsequente transferência do bem expropriado; ou quando outorga uma permissão sem interesse coletivo; ou, ainda, quando classifica um concorrente por favoritismo, sem atender aos fins objetivados pela licitação.
A lei regulamentar da ação popular (Lei 4.717, de 29.6.65) já consigna o desvio de finalidade como vício nulificador do ato administrativo lesivo do patrimônio público e o considera caracterizado quando “o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência” (art. 2º, “e”, e parágrafo único, “e”). Com essa conceituação legal, o desvio de finalidade entrou definitivamente para nosso Direito Positivo como causa de nulidade dos atos da Administração.
Outrossim, segundo a abalizada lição do mesmo Autor (Hely Lopes Meirelles): “o concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando empregos públicos”[6]
É intuitivo e decorre da lógica constituir requisitos indispensáveis para que o concurso atinja as suas finalidades (concreção da moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF), que se realize em observância aos princípios constitucionais epigrafados.
A Constituição Federal e o Direito Positivo não se contentam com a acessibilidade e investiduras ao cargo ou emprego públicos mediante concurso público apenas formalmente correto, mas sim, que substancialmente alcance os objetivos preconizados pela Doutrina acima apontada.
É antiga a lição do insuperável Hely de que “os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas. Como atos administrativos, devem ser realizados através de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para os órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis. De qualquer forma, caberá sempre reapreciação judicial do resultado dos concursos, limitada ao aspecto da legalidade da constituição das bancas ou comissões examinadoras, dos critérios adotados para o julgamento e classificação dos candidatos. Isso porque nenhuma lesão ou ameaça a direito individual poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5., XXXV)”
Mostra-se atualíssima a antiga lição do saudoso Jurista no sentido de que “é conveniente, ainda, que as bancas ou comissões examinadoras, se constituídas por servidores, o sejam somente com os efetivos, para se assegurar a independência no julgamento e afastar as influências estranhas. Outra cautela recomendável é a de não se colocar examinadores de hierarquia inferior à do cargo em concurso ou que tenham menos títulos científicos ou técnicos que os eventuais candidatos, sem o que ficará prejudicada a eficiência das provas, além de constituir uma capitis deminutio para os concorrentes mais categorizados que os integrantes da banca” [7]
Com a evolução do Direito Administrativo brasileiro, não se cuidam as lições doutrinárias adrede descritas de meras recomendações, mas de regras imperativas para a realização de qualquer concurso público, pois constituem medidas para a garantia da moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF.
Por tais motivos, ante a delegação irrestrita e total do ato administrativo, de rigor o reconhecimento da nulidade do ato administrativo praticado, consubstanciado na realização de concurso público manifestamente irregular.
II.2 – Irregularidade do recolhimento das taxas de inscrição pela empresa contratada para a realização do concurso
Conforme se depreende da cláusula contratual terceira (fls. 131 do processo administrativo da Carta-Convite):
“CLAÚSULA TERCEIRA - DO PREÇO E DAS CONDIÇÕES DE PAGAMENTO
Os valores da inscrição serão recebidos diretamente pela contratada e será considerada sua única remuneração.
A contratada receberá o valor das inscrições diretamente dos candidatos, por sistema informatizado e bancário, ficando os custos sob sua responsabilidade. “
Dessarte, outro fator que nulifica a licitação e o contrato administrativo em questão se refere a forma de pagamento conferido à empresa Moura Melo, consistente no recebimento direto por parte dessa dos valores cobrados à título de taxa de inscrições, modalidade vedada pelo ordenamento jurídico.
O artigo 54 da lei nº 8.666/93, disciplina que:
“Os contratos administrativos de que trata esta lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
§ 1° Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
I - o objeto e seus elementos característicos;
II - o regime de execução ou a forma de fornecimento;
III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;”
Os valores obtidos com as taxas de inscrição ao concurso público realizado pela municipalidade de Peruíbe constituem recursos públicos NA MORDALIDADE RECEITA PÚBLICA e não privados, de sorte que se revelou absolutamente ilegal a cobrança direta pela contratada mediante pagamentos de boletos bancários cujos valores da taxa de inscrição foram creditados em sua conta bancária, sem qualquer repasse ao Poder Público.
A taxa é espécie do gênero tributo. Nesse sentido transcrevemos:
Constituição Federal
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – imposto;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
Código Tributário Nacional
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas. (Vide Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967)
Quanto à obrigatoriedade legal do recolhimento das taxas (espécie de tributo) em conta própria do Tesouro Municipal, decorrente dos princípios da unidade de caixa/tesouraria e da obrigatoriedade da prestação de contas, transcrevemos:
Lei nº 4.320/1964:
Art. 9º Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especificas exercidas por essas entidades (Veto rejeitado no D.O. 05/05/1964)
Art. 11 - A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receitas de Capital. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 20.5.1982)
§ 1º - São Receitas Correntes as receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 20.5.1982)
§ 4º - A classificação da receita obedecerá ao seguinte esquema: (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 20.5.1982)
RECEITAS CORRENTES
Receita tributária
Impostos
Taxas
Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.
Art. 82. O Poder Executivo, anualmente, prestará contas ao Poder Legislativo, no prazo estabelecido nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios.
§ 1º As contas do Poder Executivo serão submetidas ao Poder Legislativo, com Parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.
Por fim, o entendimento sumulado e algumas decisões do Tribunal de Contas da União que se aplicam, por analogia, ao presente caso:
"SÚMULA Nº 214: Os valores correspondentes às taxas de inscrição em concursos públicos devem ser recolhidos ao Banco do Brasil S.A., à conta do Tesouro Nacional, por meio de documento próprio, de acordo com a sistemática de arrecadação das receitas federais prevista no Decreto-lei no 1.755, de 31/12/79, e integrar as tomadas ou prestações de contas dos responsáveis ou dirigentes de órgãos da Administração Federal Direta, para exame e julgamento pelo Tribunal de Contas da União."
"Assunto: CONCURSO PÚBLICO. DOU de 06.07.2005, S. 1, p. 221. Ementa: o Tribunal de Contas da União fez referência à Sumula/TCU n° 214, no sentido de que os valores correspondentes às taxas de inscrição em concursos públicos fossem recolhidos no Banco do Brasil S.A., por meio de documento próprio (item 1.1.4, TC-008.531/2005-1, Acórdão n° 1.239/2005-TCU-1ª Câmara).
Assunto: OUTROS. DOU de 22.01.2007, S. 1, p. 67. Ementa: o TCU determinou à Fundação Universidade do Rio de Janeiro que: a) organizasse um sistema de controle de custos, de modo a permitir que fosse estimada (com maior precisão) o valor da taxa a ser cobrada dos candidatos quando da realização de vestibulares; b) considerasse como públicos os recursos financeiros oriundos de taxas de inscrição nos processos seletivos, consoante entendimento consubstanciado no Enunciado no. 214 da Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas da União (itens 9.3.1 e 9.3.6, TC-004.139/2002-5, Acórdão no 6/2007-TCU-Plenário)." (g.n)
Nesse diapasão, não resta dúvida que a taxa cobrada na inscrição do concurso tem natureza de receita própria do ente contratante, logo, deverá obedecer ao regime das despesas e receitas instituído pela Lei Federal n. 4.320/64, devendo ingressar e sair dos cofres públicos obedecendo as regras estabelecidas pelo referido diploma.
Logo, entende-se irregular a cobrança de taxa realizada diretamente pela empresa contratada, o que enseja a nulidade da licitação e do contrato administrativo.
II.3 – Do cerceamento do direito de defesa dos candidatos na interposição de recursos
Depreende-se do edital do concurso, em especial do item 3.3.6 (fls. 67 dos autos de inquérito civil), que “ Para recorrer contra os resultados preliminares da prova objetiva ou contra o resultado da prova prático-profissional, o candidato deverá utilizar exclusivamente, nos prazos previstos nos subitens 5.3 e 5.4 acima, somente através do endereço eletrônico da MOURA MELO CONCURSOS, sob pena de não conhecimento do recurso” (grifo nosso).
Verifica-se, assim, que o único meio disponibilizado pela Moura Melo para que os candidatos recorressem das questões foi a interposição de recurso através do sítio eletrônico da empresa.
Ocorre que muitos participantes protocolaram inúmeras representações nesta Promotoria de Justiça, e, dentre as incontáveis irregularidades que estão sendo expostas nesta inicial, uma delas seria justamente a falta do “link” para recursos no sítio eletrônico da empresa contratada, conforme publicado no edital, não permitindo aos candidatos outra forma de interposição dos recursos, o que, obviamente, prejudicou o direito dos participantes.
Algumas questões possuíam erros grosseiros, como será demonstrado em tópico próprio, e a empresa contratada simplesmente aniquilou o direito de recurso dos candidatos.
O candidato Cristian relata, conforme documentos a fls. 33/34, que, como não havia este “link” para recurso disponibilizado na página da Moura Melo, enviou o recurso ao e-mail da Moura Melo, não obtendo resposta.
Além disso, relataram os candidatos que a empresa não publicou o resultado de recursos, tampouco o gabarito definitivo pós recurso, como também consta no edital.
Analisando-se o “site” da empresa, observa-se que os “links” para todas as etapas do concurso são extremamente confusos, sem qualquer tipo de organização. Há disponibilidade de resultados de 14 (catorze) recursos, número extremamente reduzido e inferior às inúmeras reclamações realizadas, tanto formalmente, através desta Promotoria, quanto informalmente, pois é fato notório a indignação de centenas de candidatos.
Estabelece o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Aplicando-se referido artigo ao caso em tela, verifica-se que aos candidatos não foi assegurado o direito de defesa garantido constitucionalmente, visto que a interposição de recursos, repita-se, foi condicionada a um meio inexistente!
II.4 – Da ineficiência da empresa contratada para a realização do concurso público
É de fácil verificação a incompetência da requerida Moura Melo na elaboração das provas submetidas a concurso.
Como já adiantado, a Promotoria de Justiça de Peruíbe, assim como outros órgãos da comarca, receberam inúmeras reclamações sobre as irregularidades que permearam o concurso em questão. De acordo com documentos juntados no inquérito civil, iremos elencar, a seguir, algumas delas:
• Falta de controle de aparelhos comunicadores durante a aplicação da prova.
Os candidatos afirmaram que os celulares não foram lacrados em saco plástico, tampouco foi feito pedido para que os celulares ou demais aparelho eletrônicos fossem colocados em algum local isolado, permanecendo com seu proprietário.
Não bastasse tal situação, os candidatos deslocavam-se para o banheiro sem qualquer tipo de acompanhamento e, considerando-se que estavam em poder de seus celulares, poderiam, em tese, realizar consultas pela “internet” ou qualquer outro tipo de comunicação com o meio externo.
O próprio edital do concurso disciplina, no Capítulo VI, item 1.15 que “Será eliminado do Concurso o candidato que, durante a realização das provas, for surpreendido portando aparelhos eletrônicos, tais como bipe, walkman, agenda eletrônica, notebook, netbook, palmtop, receptor, gravador, telefone celular, máquina fotográfica, protetor auricular, MP3, MP4, controle de alarme de carro, pendrive, fones de ouvido, Ipad, Ipod, Iphone etc., bem como relógio de qualquer espécie, óculos escuros ou quaisquer acessórios de chapelaria, tais como chapéu, boné, gorro etc., e/ou corretivo de qualquer espécie.”, demonstrando assim a total incoerência da empresa na condução do certame.
• Caderno de questões e cartão de gabarito com número de questões divergentes.
Para alguns cargos, a empresa contratada entregou caderno de questões onde cada questão tinha cinco alternativas, devendo uma ser assinalada como a correta.
Ocorre que, para confusão de todos os candidatos que prestaram tais provas, o cartão de gabarito tinha apenas 04 (quatro) alternativas, deixando clara a falta de preparo e organização da empresa contratada na realização do concurso.
• Cartões de resposta sem identificação do candidato.
Diversos candidatos afirmaram que os cartões de resposta não possuíam nenhuma identificação do participante, nome ou número de inscrição, o que facilita a ocorrência de fraudes.
Questionados sobre esta situação, os fiscais solucionaram de forma diversa a situação, alguns solicitando que o candidato escrevesse à caneta seu número de inscrição. Tal situação gera verdadeira insegurança, o que causou grande indignação e revolta por parte dos candidatos.
• Elaboração de questões com erros grosseiros.
Além das irregularidades extrínsecas ao concurso, as questões em si também foram mal formuladas, gerando dúvidas não condizentes com o propósito do teste.
A título exemplificativo, verifique-se que a questão nº 38 da prova para agente de saúde trazia o seguinte questionamento:
Se 12 funcionários fazem um trabalho em 20 dias, trabalhando 9 horas por dia, quantos funcionários serão necessários para fazer o mesmo serviço em 10 dias, mas trabalhando 08 horas por dia?
a) 5 dias
b) 35 dias
c) 14 dias
d) 27 dias
Observa-se que a questão é impossível de ser resolvida, uma vez que pergunta e resposta trazem grandezas distintas, erro grosseiro que demonstra o descaso e despreparo da empresa na elaboração das provas.
A questão nº 32 da prova para Agente de Combate à Endemias enunciava que:
O produto de dois números é 150. Subtraindo-se 3 de qualquer um deles, o novo produto é 132. Qual é o maior deles?
a) 45
b) 18
c) 25
d) 36
O gabarito da referida questão colocou a alternativa “c” como sendo a correta. Ocorre que, observa-se que os números que confirmam a primeira afirmação são “6” e “25” para que o produto de ambos seja 150. Mas a segunda afirmação (subtraindo-se 3 de qualquer um deles, o produto seria 132) é falsa, como se demonstra:
✓ 6X (25-3) = 132
X (6-3) X 25 = 75
E a ineficiência do requerido para a elaboração de algumas provas contamina todo o concurso, conforme jurisprudência:
Apelação Cível - Ação Anulatória de Concurso Público - Sentença de parcial procedência para anular o concurso público nº 02/2003, com efeitos “ex tunc”, considerando a ofensa aos princípios da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal- Recursos interpostos por parte dos requeridos.
Desprovimento de rigor.
1. As preliminares não merecem acolhida - Inexistência de qualquer mácula que impossibilite o Ministério Público assumir o polo ativo da demanda, justificada pela relevância do interesse público envolvido Preclusão para aditamento da inicial e prescrição da ação não consumadas Inexistência de nulidade por cerceamento de defesa, ausência de fundamentação válida e inépcia da inicial.
2. Não há como reconhecer a nulidade do certame apenas para uma parte dos cargos previstos no mesmo edital, pois a empresa contratada para a realização do concurso elaborou a prova para todos os cargos e a sua inidoneidade contamina todo o certame - Inaplicabilidade da teoria do fato consumado. Concurso público anulado - Ineficiência da empresa contratada para realização do certame - Inobservância aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência, princípios estes expressos no artigo 37, da Constituição Federal, e que são de observância obrigatória para a Administração Pública - Nestes termos, imperativo a procedência do pedido de anulação do certame, ressalvados os valores até então recebidos pelos autores, a título de boa-fé.
R. Sentença mantida Recursos desprovidos. (Apelação cível 0001793-20.2004 – Município de Jales e outros – TJSP)
II.5 – Da ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade com a aprovação de pessoas ligadas ao Prefeito Municipal ou já ocupantes de cargos públicos
Como já previsto, dentre os aprovados no concurso público para o cargo de Procurador Municipal, destacam-se as seguintes pessoas, em razão de vínculos com a Administração:
|Nome |Ligação com a Administração |
|Eduardo Martins Teles de Aguiar |- Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço |
| |Público de Peruíbe. |
| |- Secretário Municipal da Educação. |
| |- Possui vínculo afetivo com a Prefeita. |
| |- É candidato a Vereador de Peruíbe nas próximas |
| |eleições, em partido coligado ao da Prefeita. |
|Alekssender Veiga Migroni |- Ex-vereador de Peruíbe. |
| |-Advogado de vereadores coligados a prefeita. |
| |Ex-Secretário de negócios jurídicos da atual prefeita. |
Verifica-se que o documento de fls. 11 e 11 vº dos autos de inquérito civil foi redigido e registrado dois dias antes da realização das provas do concurso e, ainda assim, seu subscritor conseguiu acertar 50% dos nomes para o cargo de Procurador do Município.
Para referido cargo, foi previsto no edital um total de 04 (quatro) vagas, tendo sido registradas cinco pessoas, ligadas à Administração Pública Municipal e prováveis aprovadas no concurso.
Das cinco pessoas constantes da ata notarial, duas não compareceram à 1ª fase do certame. Das três restantes, duas foram aprovadas e passaram para a fase discursiva, em 2º e 4º lugar, confirmando as suspeitas de fraude.
Observa-se que, de acordo com lista publicada no “site” da empresa requerida, para o cargo de procurador do município constam 583 inscritos. Ou seja, com 04 vagas, a chance de cada candidato conseguir ser aprovado seria de 0,68 %.
Ora, conclui-se, portanto, que especificamente para o cargo de procurador do município, tais vagas eram extremamente concorridas.
Logo, não há falar em “sorte” no referido acerto por parte desta Promotoria de 02 (dois) aprovados, posto que, com 583 inscritos, a chance de acerto por “sorte” seria mínima!
Ora, a participação e a “aprovação” destas pessoas ligadas à alta administração do município, autoridades municipais e por aqueles encarregados de zelar pela lisura do procedimento por certo feriu o princípio constitucional da moralidade administrativa.
Veja-se que não estamos aqui condenando o fato de pessoas ligadas ao Prefeito Municipal e seus assessores prestarem concurso. De forma alguma! O que condenamos é a prática de nepotismo, protecionismo e favoritismo. É evidente que todos, até mesmo aqueles que já exercem um cargo público, podem prestar concurso. Contudo, devem concorrer em igualdade de condições com os outros candidatos, sem qualquer discriminação, sob pena de se violar os princípios da isonomia e impessoalidade, pois o concurso existe justamente para selecionar os melhores.
Todavia, é de fato estranho o alto índice de aprovação, em especial para os cargos mais elevados, de pessoas ligadas à Prefeita Municipal, seus assessores e demais políticos do mesmo grupo.
Evidentemente não estamos querendo dizer que tais pessoas não tenham competência para passar no concurso. Não!
O que é, no mínimo, estranho é que, em meio às inúmeras irregularidades, com tantos candidatos, uma minoria, exatamente as pessoas que têm ligação com a Prefeita e seus assessores, tenha conseguido se destacar em relação aos outros concorrentes, ao ponto de em alguns cargos metade das vagas terem sido preenchidas por estas pessoas.
Veja-se, ainda, a existência de lista, anterior ao concurso, indicando, em meio a tantos candidatos, justamente o nome dos aprovados.
Será que em meio a tantos candidatos somente essas pessoas são dotadas de capacidade para passar no certame e se classificar? Ou será que tal concurso não passou de uma fraude, objetivando premiar aqueles que já se encontram em situação irregular?
Diante disso, tudo indica, com a devida vênia, que o certame realizado não passou de um pretexto para homologação da efetivação de pessoas ligadas ao alto escalão de Peruíbe.
As ocorrências acima relatadas, e que poderão ser facilmente comprovadas ao longo da instrução, lançam a assertiva de fraude no concurso público em questão.
Ademais, a anulação do concurso não faz com que tais irregularidades sejam esquecidas, ao contrário, demandam resposta firme do Judiciário, evitando-se esse costume existente no país em que vivemos.
Lembro a todos nós servidores públicos de carreira, que somente podemos exercer as atividades públicas porque outros lutaram, por nós, pela probidade na contratação de servidores públicos.
O princípio da moralidade está expressamente previsto no artigo 37, “caput”, da Constituição da República, e artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
O referido princípio orienta para a ética na prática dos atos administrativos. Hely Lopes de Meirelles, sintetizando as lições de Maurice Hauriou, o principal sistematizador da teoria da moralidade administrativa, sobre o mesmo asseverou:
"A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração". Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – non omne quod licet honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum.
(...)
O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima."[8]
Segundo Alexandre de Moraes, para o cumprimento do princípio “não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos da razoabilidade e justiça.”[9]
No mesmo sentido, sustentando que são a ética e a justiça os parâmetros inspiradores do princípio da moralidade administrativa, Maria Sylvia Zanella Di Pietro enfatiza:
“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética às instituições.(...) Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda, mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável para a existência digna.”[10]
A afronta ao princípio da moralidade, conforme adverte Alexandre de Moraes, por si só, é causa de invalidação do ato, já que “a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1.988, pressuposto de todo ato da Administração Pública.”[11]
O Egrégio Supremo Tribunal Federal, realçando a importância do citado princípio para a consolidação da República Brasileira, assim se pronunciou:
“Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade.”[12]
Portanto, esse simples vício já é capaz de, por si só, invalidar todo o procedimento do concurso público.
II.6 – Convite das mesmas empresas consultadas em pesquisa prévia de preços
Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (artigo 37, inciso XXI, da Constituição da República).
A licitação destina-se, neste contexto, a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (artigo 3º da Lei 8.666/93). Não por outro motivo, constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º da Lei 8.429/92 e, notadamente, frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente (artigo 10 da Lei 8.429/92).
Nessa senda, é vedado aos agentes públicos preverem cláusulas ou condições específicas nos atos convocatórios que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, sendo vedadas exigências desnecessárias, irrelevantes ou impertinentes que não tenham por objetivo a busca da melhor proposta e sim direcionar a contratação para determinado fornecedor.
OCORRE QUE, NO CASO, HOUVE EVIDENTES EQUÍVOCOS NA REALIZAÇÃO DA CARTA CONVITE.
A Carta-Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas (artigo 22 §3º da Lei 8666/93).
A MUNICIPALIDADE CONVIDOU AS MESMAS EMPRESAS CONSULTADAS EM PESQUISA PRÉVIA DE PREÇOS O QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, DA LIVRE CONCORRÊNCIA E A BUSCA PELA MELHOR CONTRATAÇÃO (fls. 12/14 – SH Dias, CK Versa – fls. 15 e Melo Moura – fls. 16/18).
Foram convidadas CK VERSA (fls. 138), MOURA MELO (fls. 139) e SHDIES (fls. 140). Apenas a empresa Moura Melo e CK versa apresentaram suas documentações, sendo que a última foi inabilitada por não apresentar o item 4.1.2.4 (fls. 193):
[pic]
Portanto, apenas a empresa Moura Melo, que participou anteriormente do registro de preços, foi habilitada e posteriormente sagrada vencedora com a adjudicação sem qualquer menção ao §7º do artigo 22 da Lei 8.666/93:
Art. 22. São modalidades de licitação:
(...)
§ 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.
(...)
7o Quando, por limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, for impossível a obtenção do número mínimo de licitantes exigidos no § 3o deste artigo, essas circunstâncias deverão ser devidamente justificadas no processo, sob pena de repetição do convite.
Essa postura viola frontalmente A Súmula n. 248 do Tribunal de Contas da União, citada pela consulente, aponta como regra geral, nas licitações sob a modalidade convite, a necessidade de repetição do certame no caso de não se apresentarem três propostas válidas, in verbis:
“Não se obtendo o número legal mínimo de três propostas aptas à seleção, na licitação sob a modalidade Convite, impõe-se a repetição do ato, com a convocação de outros possíveis interessados, ressalvadas as hipóteses previstas no parágrafo 7º, do art. 22, da Lei n. 8.666/1993”.
Vejamos que no procedimento licitatório não há menção à repetição da licitação em franca violação aos dispositivos legais e à súmula do TCU, sobretudo porque houve apenas uma proposta a ser analisada.
Importante salientar que não há qualquer impedimento a que outras empresas sejam convidadas visto que existe um plexo imenso de empresas que poderiam realizar a contratação: FUVEST, VUNESP, FCC etc.
Embora tenha havido publicação no edital (fls. 114/116), isto não desnatura a evidente violação ao princípio da economicidade, sobretudo porque outras empresas deveriam ser convidadas para que a Administração Pública conseguisse os melhores preços possíveis.
Portanto, este fato, de per se, implica em anulação do certame, sobretudo quando somando às inúmeras irregularidades acima apontadas.
II.7 – Modalidade equivocada de Licitação;
Os valores arrecadados foram no montante de R$ 134.218,00, portanto superior à modalidade Convite:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
c) concorrência - acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais). (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
Como acima afirmado, as taxas de inscrição são receitas públicas e devem ser levadas em consideração para realização da modalidade de licitação escolhida:
A C Ó R D A O APELAÇÕES CÍVEIS. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LICITAÇAO DE SERVIÇO DE ORGANIZAÇAO DE CONCURSO PÚBLICO. DISPENSA. VALOR DO CONTRATO QUE ENGLOBA VALOR PAGO PELA ADMINISTRAÇAO PÚBLICA E O PRODUTO DA ARRECADAÇAO DE TAXAS DE INSCRIÇAO DO CONCURSO. A TAXA DE INSCRIÇAO É RECEITA PÚBLICA, POIS VISA COBRIR DESPESA PÚBLICA, DEVENDO SER COMPUTADA NO VALOR DO CONTRATO. VALOR TOTAL QUE SUPERA O LIMITE DE DISPENSA. VIOLAÇAO DO ART. 24, II, DA LEI N.º 8.666/93. NULIDADE DA CONTRATAÇAO E DO CONCURSO REALIZADO. VIOLAÇAO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA, IMPESSOALIDADE, MORALIDADE, EFICIÊNCIA E LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇAO DO ATO DE DISPENSA DA LICITAÇAO. NULIDADE. RECURSOS DESPROVIDOS. I.A Lei de Licitações é peremptória ao definir o critério de dispensa do certame licitatório, estabelecendo, objetivamente, que o valor total do contrato de serviços não poderá ultrapassar 10% do limite da modalidade convite, ou seja, R$ 8.000,00 (oito mil reais). Não importa, portanto, se os recursos financeiros saem dos cofres públicos ou são custeados diretamente por particulares sob a forma de taxa de inscrição de concurso; a Lei de Licitações não fez essa distinção, sendo regra de hermenêutica que onde a lei não distingue, não pode o intérprete distiguir. II.De qualquer forma, ainda que assim não fosse, o produto da arrecadação das taxas de inscrição é receita pública, pois visa financiar uma despesa pública, qual seja, a realização do concurso público, motivo pelo qual deve ser computado no valor do contrato, já que é auferido diretamente pela empresa contratada. III.Assim, o contrato em questão não retrata hipótese legal de dispensa de licitação, até porque o valor total do contrato, levandose em consideração a arrecadação das taxas de inscrição, ultrapassou a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme está incontroverso nos autos. Induvidosa, portanto, a nulidade do contrato, que também se justifica pela violação dos princípios constitucionais da impessoalidade, da isonomia e da eficiência, pre IV.A licitação não visa proteger apenas os recursos públicos; objetiva, também, resgardar a melhor qualidade de prestação de serviço, em cumprimento ao princípio da eficiência da Administração Pública. Eis o motivo pelo qual pouco importa que parte do valor do contrato não tenha saído diretamente dos cofres públicos, tendo sido custeado pelo produto da arrecadação das taxas de inscrição, sendo irrelevante a discussão em torno da natureza pública ou privada dessa verba; ao estabelecer um limite máximo de dispensa de licitação, o legislador quis justamente resguardar que, além desse limite, necessariamente haja a competição entre os interessados na contratação, com a finalidade precípua de prestar o melhor serviço possível, atendendo, assim, ao interesse público. V.Assim, a forma de pagamento adotada pela 1.ª Apelante constitui uma tentativa de burla à Lei de Licitações, a qual, se aceita como maneira de obter a dispensa de licitação, abrirá um grave precedente que permitirá a violação dos já citados princípios constitucionais, além do princípio constitucional da moralidade, na medida em que permitiria que receitas públicas que poderiam ser arrecadadas pelos entes públicos e utilizadas de maneira mais racional, sejam transferidas diretamente a empresas privadas, sem haver sequer controle dos valores repassados; ou ainda, admitir-se-ia a contratação de qualquer empresa sem licitação, entregando-lhe todo o produto de arrecadação de taxas de inscrição, sem qualquer estimativa prévia de seu valor e sem controle de seu repasse, ensejando o seu enriquecimento ilícito, circunstância que ainda poderia fazer com que as empresas escolhidas se submetessem ao alvedrio de administradores mal-intencionados. VI.O ato de dispensa em razão do valor não é vinculado, pois o ente público pode licitar a contratação do serviço em questão, apenas não está obrigado a tanto. Sendo ato discricionário, deveria a 1.ª Apelante ter apontado os motivos de conveniência e oportunidade que a fizeram dispensar o certame licitatório e escolher a 2.ª Apelante, permitindo, assim, maior controle da sociedade sobre a destinação do dinheiro público e sobre a qualidade do serviço prestado. VII.Recursos desprovidos. (TJ-ES - AC: 1030017337 ES 001030017337, Relator: CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Data de Julgamento: 03/07/2007, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/08/2007).
Além disso, deixando todo o dinheiro eventualmente arrecadado com a empresa contratada, a Municipalidade enjeitou receita pública transferindo-a a terceiro, em franca violação à Lei de Licitações e à Lei de Responsabilidade Fiscal:
Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.
Portanto, há uma dupla ilegalidade.
Por um lado, o Poder Público sequer estimou a quantidade de pessoas que parcelariam do certame e, sem qualquer análise da economicidade, transferiu os valores e o recebimento para a empresa vencedora da licitação.
Por outro lado, é notório que os valores arrecadados superariam o montante de R$ 80.000,00 tanto pelos preços cobrados como pelo número de candidatos inscritos.
Assim, também por estes motivos, o concurso deve ser anulado.
III – DA DEVOLUÇÃO DO VALOR DAS INSCRIÇÕES AOS CANDIDATOS
Anulado o concurso, conforme se pretende com a propositura da presente ação, necessária a devolução do valor da taxa de inscrição aos candidatos inscritos.
A situação enseja responsabilidade dos requeridos em ressarcir os prejuízos causados aos candidatos inscritos.
Isso porque, com suas ações, frustraram a justa expectativa de um concurso lícito e o interesse dos candidatos no acesso ao concurso público.
A empresa recebeu a título de inscrição aproximadamente R$ 134.218,00 (cento e trinta e quatro mil, duzentos e dezoito reais) para a realização de um concurso que não foi levado a bom termo, face as irregularidades acima apontadas, por culpa da Municipalidade e da empresa Melo Moura.
E a não devolução das quantias cuida-se de abuso de direito dos requeridos, vez que o ordenamento jurídico veda o enriquecimento ilícito.
Ambos os requeridos agiram de má-fé ao realizar um concurso público totalmente inapto e dirigido e que não foi levado à bom termo em face das irregularidades surgidas.
Reitera-se que os requeridos frustraram as expectativas dos candidatos ao acesso à cargos públicos.
A palavra expectativa, do latim expectare, do verbo expectar, significa esperança fundada em supostos receios, probabilidades e promessas.
Paulo D. de Gusmão afirma que a expectativa de direito é um direito em formação, caracterizando-se pela possibilidade de se tornar um direito. Na expectativa há circunstâncias que fazem crer ser admissível o nascimento de um direito se ocorrerem determinadas situações. (22 GUSMÃO, P. D. de. Introdução ao Estudo do Direito. 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 259-260).
Quando se afirma que a administração pública necessita realizar concurso e abre inscrições para tanto, o mínimo que se espera é que todos tem expectativa de participar do certame, e tal afirmação decorre do princípio da razoabilidade. Espera-se também a elaboração de provas inteligentes, com amplo direito de recurso e sem nenhum favorecimento pessoal. Em não sendo respeitadas tais premissas, frustra-se uma justa expectativa, causando dano.
Em síntese, o concurso público é a forma mais democrática de acesso ao serviço público. Por ele, realizam-se os princípios da moralidade e impessoalidade no trato com a coisa pública e, ao mesmo tempo, asseguram-se direitos iguais a todos os cidadãos de acesso aos cargos públicos.
Frustrado este direito da forma que o foi, os requeridos devem recompor aos candidatos os valores pagos à título de pagamento de taxa de inscrição.
Cumpre às instituições brasileiras, especialmente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, coibir as práticas abusivas de contratação de servidores, em prejuízo dos candidatos inscritos em concurso público, punindo os gestores públicos que insistirem nessa prática, impondo-lhes as penalidades da lei para o fim de reparar os danos causados à sociedade, para que os direitos e garantias constitucionais dos servidores públicos e daqueles que pretendem o acesso aos cargos públicos sejam efetivamente observados.
IV – DA LIMINAR PLEITEADA
A finalidade da presente medida cautelar é evitar a homologação de concurso público ilegal, e as subsequentes nomeações com base em referido concurso, repita-se, irregular, gerando assim despesas nulas e lesivas ao interesse público.
Além do poder geral cautelar que a lei processual lhe confere (CPC, arts. 297, “caput” e artigo 12 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985), agora o Código de Defesa do Consumidor, dispensando pedido do autor e excepcionando, assim, o princípio dispositivo, autoriza o Magistrado a antecipar o provimento final, liminarmente, e determinar de imediato medidas satisfativas ou que assegurem o resultado prático da obrigação a ser cumprida (art. 84).
Essa regra é aplicável a qualquer ação civil pública que tenha por objeto a defesa de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo (art. 21 da Lei de Ação Civil Pública, com a redação dada pelo art. 117 do Código de Defesa do Consumidor).
No presente caso, é imperiosa a concessão de medida liminar com esse conteúdo tutelar preventivo, pois estão perfeitamente caracterizados os seus pressupostos, consistentes no "fumus boni juris" e no "periculum in mora".
A plausibilidade do direito é manifesta, visto que, conforme amplamente evidenciado, os vícios apontados violaram – de forma grave – um conjunto de princípios constitucionais relativos à administração pública.
Considerando que a nomeação e a posse dos candidatos aos quadros funcionais podem gerar relações de trato continuado, de difícil cessação no futuro, é de toda conveniência aguardar-se o melhor esclarecimento sobre as irregularidades citadas.
A consolidação dos vínculos, com o posterior reconhecimento das nulidades, poderá trazer graves prejuízos para a Fazenda Pública, vez que os candidatos poderiam demandar prejuízos materiais e morais.
Os candidatos, da mesma forma, poderiam experimentar gravíssimos prejuízos, na medida em que se desligariam de seus atuais vínculos para assunção de um cargo público. O eventual reconhecimento da nulidade os colocaria em situação empregatícia delicada.
Os riscos para todas as partes envolvidas desaconselham o prosseguimento do processo de contratação dos candidatos e evidenciam o gravíssimo “periculum in mora”, cujo conceito jurisprudencial é o seguinte:
“Periculum in mora é dado do mundo empírico, capaz de ensejar um prejuízo, o qual poderá ter, inclusive, conotação econômica, mas deverá sê-lo, antes de tudo e, sobretudo, eminentemente jurídico no sentido de ser algo atual, real e capaz de afetar o sucesso e a eficácia do processo principal, bem como o equilíbrio das partes litigantes.” [13]
Também o direito, que fundamenta o presente pedido, resta suficientemente embasado em razões jurídicas e fáticas.
A prestação jurisdicional na cautelar, por seu turno, caracteriza-se pela outorga de segurança, com vistas a garantir o resultado útil das demais funções (conhecimento e execução).
E aqui é de inegável importância a lição do ilustrado processualista José Carlos Barbosa Moreira:
“Se a Justiça civil tem ai um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de fazer cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo sofrido.).[14]
Assim, a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, nos termos do artigo 12 da Lei n. 7.347/85, é de rigor para impedir a concretização dos efeitos práticos do concurso público, consistentes na homologação do certame, na nomeação e na posse dos candidatos, até a conclusão da presente ação.
V – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, fica requerido:
a-) a concessão de medida liminar, com fundamento no artigo 12 da Lei n. 7.347/85, para o fim de SUSPENDER O CERTAME e proibir a homologação, a nomeação e a consequente posse de candidatos com base no referido concurso público, sendo que tais proibições deverão ser mantidas até o final julgamento da presente ação civil pública, sob pena de desobediência e responsabilidade individual pelos atos praticados.
b-) após a citação da Municipalidade, e sua manifestação nos autos, ou decorrendo "in albis" o prazo a lhe ser concedido para tanto, requer-se sejam os requeridos notificados para, em querendo, apresentar defesa preliminar, na forma preconizada no artigo 17, § 7º da LIA[15], com a redação que lhe foi dada pela Medida Provisória nº 2225-45-01.
c-) após o curso do prazo de defesa preliminar, com a sua apresentação ou não, deverá ser proferida decisão de recebimento da inicial, na forma do disposto no artigo 17, § 8º, da mesma Lei[16].
d-) Na sequência, os requeridos deverão ser citados pessoalmente para, em querendo, também dentro do prazo de 15 dias, contestarem a ação, sob pena de revelia, prosseguindo-se em seguida nos demais termos do processo, que deverá seguir o rito ordinário, tudo com observância ao disposto no artigo 17, § 9º, da LIA[17].
Requer-se ainda:
e-) ao final, seja julgada totalmente procedente a presente demanda para declarar a nulidade de todo o concurso público, bem como insubsistentes todas as nomeações ou contratações de servidores públicos fundadas no mesmo procedimento, além da nulidade de todos os gastos feitos com tais servidores, determinando-se a definitiva exoneração de todos aqueles que tenham sido vinculados à administração, com a proibição de qualquer contratação ou nomeação, com fundamento em tal concurso, sob pena desobediência e responsabilidade pessoal da autoridade.
f-) a condenação dos requeridos a devolver aos candidatos o valor por eles pago a título de inscrição, devidamente corrigido.
g-) a condenação dos requeridos ao pagamento de todas as custas do processo e demais despesas processuais.
Protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em Direito admitidos, sem exceção de quaisquer, incluindo-se juntada de documentos, depoimento pessoal dos requeridos, oitiva de testemunhas, provas periciais, e outras.
Registre-se, finalmente, que o autor está isento de pagar custas para este processo, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85, e dando-se à causa o valor de R$ 134.218,00 para fins de alçada.
Termos em que,
Pede deferimento.
Peruíbe, 9 de setembro de 2016.
THIAGO ALCOCER MARIN
1º Promotor de Justiça
RAFAEL MAGALHÃES ABRANTES PINHEIRO
2º Promotor de Justiça
-----------------------
[1] MEIRELLES, Hely Lopes de. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 298.
[2] TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 199.
[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 10ª
ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 89.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública.
2ª ed. São Paulo: Atlas1997, p. 117.
[5] S.T.J., ROMS nº 14391-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJU de 16.09.2002, p. 234.
[6] Op. Cit., p. 380.
[7] Op. cit., p. 380.
[8] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15 ed., São Paulo:Revista dos Tribunais, 1990, p. 79-80.
[9] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 817/818.
[10] Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1.988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 111.
[11] Op. cit., p. 818,
[12] S.T.F., ADI 3026-DF, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 29.09.2006, p. 31.
[13] Decisão monocrática citada por Nelson Nery Júnior, in Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: RT, 1996, p. 1126.
[14] cit. por Rodolfo de Camargo Machado, in Ação Civil Pública, Ed. RT, página 113.
[15] § 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.
[16] § 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
[17] § 9o Recebida a petição inicial, será o requerido citado para apresentar contestação
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