Pesquisa e prática pedagógica: uma ... - Hospedagem de Sites



A UTILIZAÇÃO DE JOGOS NA AULA DE MATEMÁTICA: UMA INVESTIGAÇÃO COM PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Regina Maria Pavanello((

reginapavanello@

Eliane Camilo Maia Cawahisa(

elianecawahisa@.br

Universidade Estadual de Maringá

O momento atual e a educação matemática

As ciências, sejam elas sociais ou naturais, enfrentam hoje, segundo Santos (1988), um período de crise que torna essencial repensar profundamente o modelo de racionalidade técnica. Para o autor, “essa crise é não só profunda como irreversível; [...] estamos a viver um período de revolução científica que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica e não se sabe quando acabará” (SANTOS, 1988, p.54). Na construção de um novo paradigma que satisfaça as necessidades atuais do conhecimento, os princípios epistemológicos passam a ser considerados, o que nos leva a admitir uma variedade não unificada e nem estanque de ciência.

Nesse processo, de acordo com Santos, a matemática tem um lugar central porque fornece à ciência moderna “não só um instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria” (1988, p. 54).

A questão que então se coloca é se o acesso ao conhecimento matemático está sendo assegurado à geração atual e às futuras. No caso brasileiro, em especial, os resultados de recentes avaliações oficiais, tanto em âmbito nacional - como o SAEB (INEP, 2002) - ou internacionais – como o PISA (INEP, 2001) – mostram que o desempenho dos alunos do Ensino Fundamental está abaixo do desejado, tanto em relação às séries quanto à faixa etária. Este fato evidencia que algo está mal no processo de ensinar/aprender matemática, de modo a não permitir à maioria das crianças brasileiras uma aproximação mais eficaz aos conhecimentos matemáticos.

Cabe à matemática um importante papel no Ensino Fundamental porque, conforme apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais, “a Matemática comporta um amplo campo de relações, regularidades e coerências que despertam a curiosidade e instigam a capacidade de generalizar, projetar, prever e abstrair, favorecendo a estruturação do pensamento e o desenvolvimento do raciocínio lógico” (BRASIL, 2001, p.29)

Mas para que ela possa cumprir esse papel, os educadores matemáticos têm enfatizado a necessidade de um ensino de matemática centrado em atividades pedagógicas mais reflexivas e menos memorísticas. E, como forma de contribuir para a melhoria da prática pedagógica em nossas escolas, tem realizado inúmeras pesquisas, experimentando, em muitas delas, diferentes possibilidades de trabalhar o conhecimento matemático em sala de aula.

Os jogos e a educação matemática

A necessidade de proporcionar uma educação matemática de qualidade a todos os alunos tem levado os educadores a propor diferentes formas de realizar o conhecimento matemático em sala de aula. Em sua maioria, essas propostas consideram o aluno como o centro do processo educacional, um ser ativamente empenhado no processo de construção do seu conhecimento, sempre interpretando seu mundo e suas experiências com os diferentes fenômenos com que se puser em contato, inclusive o matemático. E, conforme D´Ambrósio (1989, p. 16), “são as interpretações dos alunos que constituem o saber matemático ´de fato`”.

Dentre as propostas para tornar a aprendizagem da matemática mais efetiva e prazerosa, uma é a da utilização dos jogos nas aulas por se considerar que, no processo de desenvolver as estratégias necessárias para neles alcançar sucesso, o aluno “envolve-se com o levantamento de hipóteses e conjeturas, aspecto fundamental do desenvolvimento do pensamento científico, inclusive matemático (D´AMBRÓSIO, 1989, p. 18).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem o jogo como um dos recursos a serem utilizados no ensino da matemática porque

Por meio dos jogos as crianças não apenas vivenciam situações que se repetem, mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar por analogia (jogos simbólicos): os significados das coisas passam a ser imaginados por elas. Ao criarem essas analogias, tornam-se produtoras de linguagens, criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e a dar explicações (BRASIL, 2001, p. 48)

Um aspecto relevante dos jogos, segundo os Parâmetros, “é o desafio genuíno que eles provocam nos aluno, que gera interesse e prazer” (BRASIL, 2001, p. 49).

Pesquisadores e educadores (entre os quais, MACEDO, PETTY e PASSOS, 2000 e 2005 e Brenelli, 2005) enfatizam o valor dos jogos por considerarem que eles favorecem o processo ensino/aprendizagem em todas as áreas e, em especial o de matemática. Para os autores, o jogo se constitui em uma abordagem significativa para o trabalho com a matemática na fase inicial da escolarização, fase em que a criança necessita explora, descobrir inúmeras coisas sobre o mundo que a cerca. Além disso, o jogo é uma atividade lúdica, que envolve o desejo e o interesse do jogador pela própria ação do jogo. Envolve ainda conhecer seus limites e as possibilidades de superá-los na busca da vitória, adquirindo confianças e coragem para se arriscar.

Brenelli (2005) argumenta que o prazer e o entusiasmo da criança, despertados pelo jogo, a estimulam a superar desafios, a utilizar sua criatividade para lidar com o imprevisível. E a possibilidade de superar o desafio é algo que agrada à criança.

O jogo permite a passagem do fazer para o compreender, o que implica progresso cognitivos e conceituais, essenciais no contexto escolar principalmente no aprendizado da matemática, uma vez que o conhecimento lógico-matemático é construído pelas crianças por um processo “de dentro para fora, em interação com o ambiente físico e social, e não por internalização, de fora para dentro, por meio da transmissão social” (KAMII, 1995, p. 17).

Kamii enfatiza que os jogos, além de serem um recurso motivador para a aprendizagem das quatro operações, pelo fato de envolverem regras, contribuem para o desenvolvimento da autonomia. Defende sua utilização no ambiente escolar porque as atividades com jogos “[...] são melhores que folhas de exercícios [...] fornecem oportunidades para criar estratégias, um trabalho intelectualmente mais estimulante” (KAMII, 1995, p. 147-148).

Um aspecto fundamental da utilização dos jogos nas aulas de matemática encontra-se nas possibilidades que este recurso oferece para aproximar a criança do conhecimento científico. Moura (2000) que essa aproximação leva a criança a vivenciar virtualmente situações-problema que já foram ou são enfrentadas pela humanidade. Salienta que a matemática “deve buscar no jogo (com sentido amplo) a ludicidade das soluções construídas para as situações-problema seriamente vividas pelo homem” (MOURA, 2000, p. 86).

Por essas considerações de caráter epistemológico, psicológico e social pode-se entender o papel do jogar para a matemática, ou seja, não é uma brincadeira apenas, é uma brincadeira que evolui até o conteúdo sistematizado por ter uma intencionalidade pedagógica (MOURA, 2000).

Resta saber se os professores do ensino fundamental, principalmente os que trabalham nas séries iniciais, usam os jogos como recurso para promover a aprendizagem significativa dos conceitos matemáticos. É isto que o trabalho aqui apresentado pretendeu investigar.

A pesquisa: objetivos, sujeitos e desenvolvimento

A busca de respostas para os problemas relacionados ao processo de ensino/aprendizagem da matemática levado a efeito em nossas escolas nos faz perceber a necessidade de investigar a prática pedagógica, bem como buscar compreender as crenças e idéias alimentados pelos docentes sobre temas relevantes para essa prática.

Sujeitos da pesquisa: Os sujeitos pesquisa foram oito professoras que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental em escolas da rede pública e privada de Maringá – PR, escolas estas escolhidas por se localizam na área central do município e atenderem a um grande número de alunos de diferentes bairros. A seleção das professoras foi feita a partir de conversa com a coordenadora pedagógica de cada escola, momento em que se enfatizou a necessidade de selecionar docentes que atuassem matemática nos primeiros anos do Ensino fundamental e que realizassem um trabalho diferenciado em sala de aula. A coordenadora apontou profissionais que realizam trabalhos dinâmicos e diferenciados[1], inclusive envolvendo jogos. Dentre as professoras apontadas pela coordenação de cada escola, participaram da pesquisa aquelas que concordaram em colaborar com a pesquisa.

As colaboradoras da pesquisa atuam principalmente na primeira e na terceira série do Ensino Fundamental e sua experiência com o trabalho nesse nível do ensino varia entre nove e vinte e três anos. A professora identificada aqui como P1 trabalha em uma escola da rede pública, é formada em Língua Portuguesa/Espanhola e atua no magistério há onze anos. P2 trabalha em duas escolas da rede pública de ensino, é formada em Pedagogia com especialização em Orientação Escolar e tem quatorze anos de experiência de experiência nesse nível do ensino. P3 é formada em Pedagogia com de experiência como professora e, atualmente, atua em uma turma de 1ª série do Ensino Fundamental em uma instituição privada e, em outro período, ministra a disciplina Artes para crianças de 1ª a 6ª séries em uma escola da rede pública.

A professora P4 tem nove anos de profissão, é formada em Português/Inglês com Especialização em Pedagogia Institucional/Educação Infantil; trabalha, em um período, em uma 2ª série de escola particular e, no outro, com turmas de 5ª e 6ª séries na rede pública de ensino. P5 é professora há vinte e três anos, é formada no Magistério (ensino médio) e está terminando atualmente um curso de Pedagogia a distância; trabalha com duas turmas, uma de 1ª série e outra de 3ª numa escola da rede pública .

P6, com vinte e um anos de profissão, á atualmente professora auxiliar em duas escolas da rede pública, atendendo a crianças com dificuldades de aprendizagem; é graduada em Ciências Econômicas, tendo se habilitado para lecionar por ter feito o Esquema 1[2] e tem Especialização em Didática e Metodologia. P7, com quinze anos de profissão, atua em uma escola particular com uma turma de 3ª série; é formada em Pedagogia, com Especialização em Deficiência Mental. P8 trabalha atualmente com uma turma de 3ª série em uma escola particular, tem dez anos de atividade profissional, é formada em Pedagogia e tem Especialização em Psicopedagogia.

Desenvolvimento: A pesquisa, de cunho qualitativo, constou de uma entrevista da pesquisadora com as professoras realizada a partir de um questionário estruturado. As questões buscavam caracterizar a concepção das professoras sobre jogos no ensino da matemática, seu conhecimento sobre a literatura existente sobre o uso desses jogos, alguns elementos de sua prática educativa, bem como sobre o papel da escola na viabilização do trabalho com jogos em sala de aula. Deve-se ressalvar que, antes de iniciar seu trabalho, a pesquisadora certificou-se da existência de várias obras sobre jogos no ensino, principalmente no de matemática, na biblioteca da escola.

As entrevistas, gravadas e posteriormente transcritas, foram analisadas de forma a buscar divergências e convergências nas falas das professoras, o que permitiu o estabelecimento de algumas categorias de análise, necessárias para a apresentação dos resultados da pesquisa.

As professoras e os jogos no ensino da matemática

A análise das entrevistas permitiu identificar algumas características do pensamento das professoras sobre os jogos e a prática educativa com a utilização desse recurso, que serão apresentadas a seguir.

a) O discurso teórico e as injunções da prática

Em suas falas, todas as professoras atribuem importância à utilização dos jogos nas aulas de matemática e justificam tal importância usando diferentes argumentos, um dos quais é a contribuição dos jogos para o desenvolvimento do raciocínio, da abstração e da inteligência, como se pode depreender da fala de P4:

Eu acredito que seja de suma importância, porque tem vários fatores que fazem o desenvolvimento da criança, e o jogo, na matemática, é um deles. Além de estimular a criança pra aquele desafio, que geralmente envolve um desafio, ele também estimula a criança na questão do raciocínio também. Então o estímulo através de jogos é muito importante na matemática (P4).

Para essa professora, o jogo contribui para o entendimento de conceitos, ao mesmo tempo em que estimula a criança a aceitar os desafios que ele cria.

Outro argumento apresentado pelas professoras é o de que o jogo favorece a elaboração de conceitos, na matemática e em outras áreas do conhecimento.

Eu acredito que ele é importante, sim [...] (os alunos) podem estar fazendo as relações de matemática aprendidas em sala de aula [...] eles podem estar vivenciando coisas que não fazem parte da rotina deles, e eles podem estar assimilando conteúdos trabalhados em sala com maior facilidade (P7).

Outra justificativa aventada é a possibilidade que os jogos oferecem para o desenvolvimento emocional, uma vez que propiciam motivação, alegria, diversão e as relações sociais.

Eu tanto acho importante que praticamente todas as aulas de matemática a gente inicia com um jogo na escola. A importância do jogo pra gente, primeiro é a motivação da criança, porque a gente já tá montando um clima de tranqüilidade, de alegria, de diversão, e, a partir dessa diversão, se abre caminho para que a gente possa estar trabalhando o conteúdo que a gente quer naquele momento e, assim, fazer com que a criança perceba de uma maneira mais prazerosa, né, o conteúdo. Que ela consiga aprender de uma maneira mais tranqüila do que aquela tradicional, sentada, no caderno, um atrás do outro, né. Então o jogo, além de socializar, ele abre caminho pro aprendizado da criança (P3).

Embora as professores apontem para aspectos importantes da utilização dos jogos como um recurso importante a ser usado em suas aulas, percebe-se em suas falas que suas idéias a respeito dessa utilização são vagas, mal elaboradas, o que indica que possivelmente os jogos não são bem explorados em suas aulas, que não percebem que não basta jogar, é preciso levar a criança a pensar sobre o que fez, do que se conclui que a atuação do professor é de primordial importância .

Por outro lado, a importância que as professoras conferem aos jogos não as faz aderir a eles como um princípio de sua prática educativa, o que fica patente quando comentam com que regularidade os utilizam em sua prática educativa. Dizem elas:

Então, aí vai depender muito do conteúdo, porque tem conteúdo que é “vapt-vupt” – perdão da palavra. Então tem conteúdo que acaba que não há muito aquela necessidade. Mas, agora como a gente tá trabalhando a multiplicação, que já estou muito encantada com essa coisa da multiplicação, e como eu não tinha trabalhado, então tem a necessidade de fazer compras, quantidade de produtos, outro tipo de mercadoria, o que eles gostam mais. Então isso aí acontece com freqüência, quase toda a semana a gente consegue. E aí acontece um outro momento, ficamos até vinte dias sem, entendeu? Eu penso que cada conteúdo ele vai te dar mais possibilidade de fazer ou não os jogos (P1).

Uma vez por mês, uma vez... É mais de uma vez por mês, e nós temos consciência que é pouco, porque o jogo na verdade pra ser bem trabalhado esse jogo precisa ser jogado várias vezes [...] (P7).

É, no colégio eles pedem que a gente trabalhe pelo menos um jogo no trimestre, ta, várias vezes, é lógico, pelo menos um jogo por trimestre. Então a gente tenta (e enfatiza) trabalhar um jogo por trimestre. Dá uma vez por semana, porque a gente tem que tá colocando isso dentro do planejamento, mas cada quinze dias, pelo menos (P8).

Estas falas indicam que o jogo é muito pouco utilizado na prática pedagógica dessas professoras, o que elas próprias admitem, atribuindo tal comportamento ao fato de raramente terem em sua formação inicial, ou mesmo na continuada, vivenciado situações de jogos.

Então, no início do ano nós tivemos uma semana de estudo e nós tivemos só um texto [...] discutia essa necessidade de trabalhar com os jogos, mas... Só isso mesmo que eu pude ver [...] (P1).

[...] Eu sinto falta disso, o texto é bom, é, mas sem a aprendizagem a isso, não sei aonde vai me ajudar. Pra mim, para eu construir o embasamento... a fundamentação que eu tenho anterior, só do curso de Pedagogia, por exemplo, não me dá a sustentação pra desenvolver outros níveis de aprendizagem com aqueles mesmos jogos, que de repente eu poderia estar explorando (P2)

No entanto, parece haver outros motivos para os jogos terem pouca presença nas aulas de matemática, o que pode se depreender da fala da professora P2:

Eu acredito. De alguma forma eu penso que isso ajuda a trabalhar, sim, como no início da aquisição de conceitos. Mas pro trabalho habitual, eu penso que muitas vezes emperra o processo pela quantidade de horas e de tempo que envolve uma única atividade. Pra desenvolver, por exemplo, jogos muito complexos com eles eu levo tempo pra organizar, um tempo pra trabalhar a atividade que ele precisa desenvolver com o jogo. [..] O trabalho individualizado, isso emperra o processo, no meu modo de pensar (P2).

A fala de P2 não só indica certo conflito entre o discurso teórico, que defende o uso de jogos, e o discurso da prática, influenciado pelo ambiente escolar/social, como também denuncia a existência, nas escolas, da tirania da programação curricular, que tanto a direção das escolas quanto as famílias exigem que seja cumprida integralmente, não importa de que maneira, mesmo que isso dificulte ou impeça a aprendizagem dos alunos. A fala revela, ainda, que as situações de jogo provocam desconforto para os professores porque provocam entre os alunos comportamentos que os docentes têm dificuldade em controlar e conduzir. Cabe, pois, nesta discussão, questionar se nossos professores não utilizam os jogos porque acreditam que a posição fixa das carteiras e o silêncio são os indicativos que eles consideram mais significativos para a aprendizagem do que a efervescência que ocorre durante o trabalho com jogos....

b) As finalidades do uso de jogos na escola e a prática pedagógica real

As falas das professoras indicam algumas das finalidades para a utilização de jogos em sala de aula, como introduzir conteúdos, fixar a aprendizagem (P4), despertar o interesse do aluno de modo a garantir seu envolvimento e sua participação em diferentes etapas do ensino (P5), para auxiliar no trabalho com crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem (P6).

No entanto, podemos notar em suas falas certa dificuldade em justificar as finalidades do trabalho com jogos nas aulas de matemática, assim como em exemplificar como realizar esse trabalho de forma a atingir tais finalidades.

Utilizamos, tá. É... Tá certo que a gente deveria utilizar mais, mas a gente utiliza sim. A finalidade é desenvolver o raciocínio, desenvolver estratégia de pensamento, tá, a sociabilização... é... normas de condutas, tá, e também a interpretação (P8).

[...] a gente trabalha o jogo também para entreter a criança, pra criança apenas se divertir, pra ela passar um momento legal pra ela estar se distraindo com o amigo dela e ir relaxando daqueles momentos mais tensos da escola (P3).

Esses discursos nos levam a pensar que as professoras estão utilizando os jogos simplesmente para utilizá-los, com procedimentos didáticos que nos parecem distantes dos que aconselham os pesquisadores para tornar os jogos um recurso didático efetivo. Essas falas sugerem, por outro lado, que as docentes parecem acreditar que o simples fato de serem feios alguns jogos em sala de aula já é suficiente para que os objetivos sejam alcançados.

Brenelli (2005) deixa claro que os progressos que as crianças podem apresentar por meio do uso de jogos somente acontecem quando, em sala de aula, se cria um “espaço para pensar”. Ou seja, os desenvolvimentos cognitivo, afetivo e pedagógico só acontecerão se a criança encontrar na escola um lugar para “experimentar o prazer da atividade lúdica, o domínio de si, a criatividade, afirmação da personalidade e a valorização do eu” (BRENELLI, 2005, p. 173).

Para que isso aconteça, no entanto, como salientam Macedo, Petty e Passos (2000), o professor precisa compreender que não basta trazer os jogos para a sala de aula: é necessário que toda a dinâmica da sala de aula seja modificada, que os procedimentos, a avaliação, os registros e os problemas sejam repensados e modificados, tanto do ponto de vista do aluno, como do próprio professor.

Para que os jogos possam cumprir verdadeiramente seu papel pedagógico, torna-se necessário que o professor esteja bem preparado para utilizá-los, pois, como ressaltam Macedo, Petty e Passos (2005, p. 37), “um profissional não-habituado a usar jogos como instrumento de avaliação e intervenção pode considerar difícil enxergar tantas qualidade e duvidar das possibilidades de utilizá-los em sua prática pedagógica”.

c) O conhecimento e a vivência dos jogos

As falas das professoras entrevistadas denotam não existir entre elas muita clareza sobre o que é um jogo.

Eu uso jogo geralmente para apresentar conceitos, como eu te disse, tá. A questão da divisão, jogos que eu possa estar trabalhando com a criança, por exemplo, a quantidade, a conservação dessa quantidade... Principalmente pra construção de conceitos iniciais de capacidade, quantidade, reversibilidade, esse tipo de coisas, tá ...(P2).

Por essa fala não fica muito claro de que jogos ela está falando, parecem que ela está se referindo aos testes piagetianos. Será que ela os considera como jogos?

Outras vezes as professoras parecem confundir os jogos com os materiais pedagógicos geralmente indicados para serem utilizados nesse nível da escolarização. Nas seguintes falas percebe-se claramente a confusão:

[...] O ábaco, por exemplo, que eu tenho utilizado [...] (P2).

Eu utilizo material dourado, blocos lógicos, o ábaco, né [...] (P6).

Brenelli (2005) salienta que tal confusão sobre o que são jogos é muito comum na área da matemática. Para a autora, a ênfase nos materiais manipuláveis e no material estruturado pode caracterizar uma não compreensão do jogo como um possível elemento pedagógico. Para Moura (2000), essa confusão talvez indique o conflito, a oposição entre o brincar e o aprender. Mas ela pode indicar algo mais, a falta de um desconhecimento mais específico sobre os jogos e, mais ainda, a falta de ter passado pela experiência de jogar como uma prática educativa.

Estas afirmações podem ser comprovadas quando as professoras comentam, por exemplo,

Eu conheço sim alguns textos dados pela Secretaria (da educação), dados também nos cursos de atualização e capacitação. Conheço textos de Maria “alguma coisa” Ishimoto[3], que trabalha a questão da aprendizagem de conceitos e outros, mas não especificamente de matemática. O que tenho lido são revistas da área que apresentam trabalhos com jogos e por gostar também da atividade... Assim eu procuro ler, só que nem sempre trabalha a idéia que fundamenta o professor. [...] O texto é bom, é, mas sem a aprendizagem a isso não sei aonde vai me ajudar [...] Pra eu construir o embasamento... A fundamentação que eu tenho anterior, só do curso de pedagogia, por exemplo, não me dá sustentação pra desenvolver outros níveis de aprendizagem com aqueles mesmos jogos que, de repente, eu poderia estar explorando (P2).

Embora se refira a “revistas da área”, a professora não consegue apontar nenhuma delas, nem cita a literatura existente, na escola onde trabalha, sobre o tema. Aliás, esse fato é observado nos depoimentos de outras entrevistadas, quando pedimos para citarem o que conhecem sobre jogos, qual a literatura sobre eles que conhecem.

Podemos observar, também, nesses depoimentos, que elas consideram válidos somente os textos teóricos que trazem “o procedimento, a maneira de fazer”. Ou seja, elas demonstram buscar por receitas eficazes, de modo que textos que discutem apenas a fundamentação teórica dos jogos não apresentam interesse direto para as docentes.

Eu me interesso quando tem uma metodologia, quando tem a estratégia de como jogar porque muitas vezes a gente tem todo o material na mão e não sabe o que fazer, o que fazer com aquilo (P4).

Por outro lado, a fala de P2, bem com a de outras das professoras, explicitam um outro dado a ser levado em consideração na análise sobre o que as leva a não realizar o trabalho esperado com jogos nas aulas de matemática: sua formação a esse respeito. Elas informam que pouco se trabalha com jogo em sua formação inicial e, na continuada, a abordagem dos jogos seja muito resumida e normativa.

Então, no início do ano nós tivemos uma semana de estudo e nós tivemos um só texto [...] que discutia essa necessidade de trabalhar com os jogos, mas... só isso mesmo que eu pude ver[...] (P1).

Elas não têm oportunidades de vivenciar o processo de jogar em sua plenitude, motivo pelo qual se sentem pouco a vontade em proporcioná-lo a seus alunos. Uma experiência pessoal com os jogos possivelmente as motivaria mais a utilizá-los em sala de aula.

[...] no núcleo de educação nós estamos até fazendo um curso de 120 horas, né. Nós estamos trabalhando em cima de jogos matemáticos, né, e eu acho que até nos professores despertou, assim, muito interesse em trabalhar jogos na sala de aula. [..] depois do curso que to tendo[..] mudou até meu jeito de trabalhar em sala de aula, que eu não fico presa só na lousa, caderno, né. [...[ acho que tô criando bastante, eu acho que mudou muito o meu jeito de trabalhar...(P5).

Conclusão

Vários autores, como Macedo, Petty e Passos (2005), consideram que o jogo é indispensável no trabalho escolar por possibilitar à criança dar “mais sentido às tarefas e conteúdos, aprender com mais prazer, encontrar modelos lúdicos de construir mais conhecimentos, saber observar melhor uma situação, aprender a olhar o que é produzido, corrigir erros, antecipar ações e coordenar informações” (obra citada, p. 105).

Nossa pesquisa mostrou, todavia, que o jogo ainda é muito pouco utilizado nas aulas de matemática nas séries iniciais do ensino fundamental. Ou, quando é usado, o é de uma forma que não proporciona às crianças as possibilidades indicadas pelos pesquisadores.

Um outro aspecto do trabalho com jogos, como deixam transparecer as professoras em suas falas, que dificulta a utilização dos jogos em sala de aula é que esse tipo de atividade demanda tempo e elas têm de cumprir a programação curricular – sem falar que a euforia das crianças em situações de jogo gera desconforto nas professoras pelo sentimento de perda de controle da classe. Não percebem nossas entrevistadas - e possivelmente nem foram levadas a perceber – que o tempo dado ao aluno para que ele possa levantar hipóteses, testá-las, errar, pensar sobre os erros é indispensável para seu desenvolvimento

Entre as professoras que entrevistamos a justificação predominante para a inserção dos jogos na escola é o prazer que ele gera entre as crianças. O conhecimento restrito que as docentes demonstraram sobre os jogos e sua utilização em salde aula de matemática impede até que esse jogar se torne um instrumento para o desenvolvimento integral dos alunos.

Seus depoimentos deixam claro que sua formação, inicial ou continuada, não lhes proporcionou o conhecimento teórico e prático necessário para que pudessem se sentir seguras sobre como inserir os jogos em sua ação educativa. Suas respostas às questões da pesquisa mostram que, tanto em sua formação inicial quanto na continuada, as docentes, de modo geral, ou não tiveram experiências com jogos em sua aprendizagem da matemática, ou as que tiveram não foram suficientes para levá-las a compreender toda a potencialidade desse recurso, motivo pelo qual não o utilizam convenientemente em sua prática.

É preciso reconhecer ainda que, em geral, os professores não foram acostumados, durante sua formação ou no cotidiano escolar, a lerem e a analisarem pesquisas relativas à sua(s) área(s) de atuação, o que pode justificar, de algum modo, esse desconforto na leitura de textos mais densos – leitura, aliás, que não é facilitada pela forma como são redigidos os textos de divulgação das pesquisas.

Nosso trabalho acabou por demonstrar que a inserção, na prática do professor, de atividades mais relevantes para aprendizagem dos alunos requer que ele tenha uma melhor formação. De fato,

[...] a preparação dos professores, [...] constitui realmente a questão primordial de todas as reformas pedagógicas em perspectiva, pois, enquanto ela não for resolvida, será totalmente inútil organizar belos programas ou construir belas teorias a respeito do que deveria ser realizado (PIAGET, 1988[4], apud MACEDO, PETTY e PASSOS, 2000, p. 39)

Referências

ARAÚJO, Carlos H. e LUZIO, Nildo. O ensino da matemática na Educação Básica. Disponível em . Acesso em 10 de fevereiro de 2005.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática. Brasília: MEC/SEF, 2001.

BRENELLI, Roseli. O jogo como espaço para pensar. 5ª ed. Campinas: Papirus, 2005.

D’AMBRÓSIO, Beatriz. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates, n.1, ano 2, 1989, p. 15-19.

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Informe de resultados do SAEB 1995, 1997 e 1999. Brasília: Ministério da Educação, 2002.

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Informe de resultados do Pisa 2000. Brasília: Ministério da Educação, 2001.

KAMII, Constance. Desvendando a aritmética. Campinas: Papirus, 1995.

MACEDO, Lino de; PETTY, Ana L. S.; PASSOS, Norimar C. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MACEDO, Lino de; PETTY, Ana L. S.; PASSOS, Norimar C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005.

MOURA, Manoel Orisvaldo. A séria busca do jogo: do lúdico na matemática. In KISHIMOTO, Tizuko M. Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 2000.

SANTOS, Boaventura de S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos Avançados, n.3, v. 2. São Paulo: EDUSP, 1988.

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(( Docente do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e o Ensino da Matemática da Universidade Estadual de Maringá.

( Mestre em Educação para a Ciência e o Ensino da Matemática.

[1] Por aulas diferenciadas e dinâmicas a coordenação das escolas compreende aquelas ministradas por professores que estão constantemente participando de cursos, palestras e outros eventos que possam contribuir para a melhoria de sua prática pedagógica.

[2] Esquema 1é a complementação pedagógica que permitia aos graduados em cursos de diferentes áreas se habilitarem para a docência na s disciplinas profissionalizantes do ensino médio. Como atualmente o ensino médio passou a se caracterizar unicamente como um curso propedêutico, a professora foi remanejada.

[3] Possivelmente a professora se refere à Tizuko Morchida Kishimoto, uma referência nos estudos sobre o lúdico na educação.

[4] PIAGET, Jean. Para onde vai a educação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.

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