Política e Participação Juvenil: os caras-pintadas e o ...

[Pages:18]1

Pol?tica e Participa??o Juvenil: os "caras-pintadas" e o movimento pelo impeachment

Luiz Antonio Dias1 O movimento dos "caras-pintadas" surgiu em agosto de 1992 e, somente alguns meses depois recebeu este r?tulo. Suas ra?zes, por?m, devem ser analisadas desde a d?cada anterior, em especial o ano de 1989, que marcou a elei??o de Fernando Collor. Em 1989, pela primeira vez os adolescentes, entre 16 e 18 anos, puderam participar diretamente de uma elei??o. Durante a d?cada de 80 foi fato comum a participa??o de adolescentes nas campanhas eleitorais - estaduais e municipais fazendo "boca de urna". Ligados principalmente aos partidos de esquerda, os jovens voltavam a participar da vida pol?tica do pa?s, pois o radicalismo do movimento estudantil, na d?cada de 70, provocou um distanciamento de grande parte da juventude. No entanto, o direito de voto aos adolescentes, garantido pela Constitui??o de 1988, s? p?de ser exercido em 1989. Apesar do voto, neste caso, ser facultativo mais de 50% dos jovens nessa faixa et?ria compareceram, em 1989, aos cart?rios eleitorais para obter seus t?tulos de eleitores. Isto significava, em termos absolutos, mais de tr?s milh?es de adolescentes, al?m dos jovens com mais de 18 anos. Parte consider?vel da juventude optou, no entanto, por Collor1 que representava grupos conservadores e da elite tradicional. Este fato abre precedentes para v?rias indaga??es, pois apresenta um aparente paradoxo, qual seja: tradicionalmente os jovens militantes mais aguerridos e mais numerosos s?o simpatizantes dos partidos de esquerda, em especial do PT. Essa situa??o inusitada pode ser explicada pelo fato de que estes jovens militantes politizados s?o, via de regra, uma minoria dentro do universo juvenil, n?o representando, pois, base completamente confi?vel para verificarmos as tend?ncias pol?ticas da juventude.

1 Doutor em Hist?ria Social (UNESP- Campus de Assis) Professor Titular de Hist?ria do Brasil da Universidade de Santo Amaro (UNISA) Coordenador do curso Lato Sensu: "Sociedade e cultura brasileira: perspectivas e debates do s?culo XIX ao XXI" ? Universidade de Santo Amaro

2

Al?m disso, devemos salientar que a candidatura de Lula ? Lu?s In?cio Lula da Silva, candidato pelo Partido dos Trabalhadores - tamb?m recebeu uma grande quantidade de votos juvenis.

Acreditamos que, de certa forma, a prefer?ncia por Collor estava ligada ? tend?ncia juvenil de buscar o novo, a moderniza??o da sociedade e Fernando Collor fundou toda sua estrat?gia eleitoral na moderniza??o do pa?s.

Essa discuss?o serve como referencial para inferirmos que as ra?zes do movimento "caras-pintadas" est?o intr?nsecas ao pleito de 1989. Collor recebeu o voto de milh?es de jovens, que estreando no cen?rio pol?tico sentiram-se tra?dos ao perceberem que apesar do discurso modernizante e inovador, Collor representava, na realidade, a velha pol?tica tradicional de favorecimento e corrup??o.

Desta forma, quando em 1992 surgem as primeiras den?ncias de corrup??o do presidente, uma parcela destes jovens considerou-se enganados e, quando o movimento pelo impeachment surge como alternativa vi?vel, sentem-se compelidos a participar.

Mesmo entendendo que grande parte dos jovens que saiu ?s ruas nas passeatas pr?-impeachment n?o havia votado nas elei??es de 1989 - por n?o terem, ainda, os 16 anos necess?rios para se obter o t?tulo eleitoral - deve-se levar em conta o aspecto de agress?o enquanto grupo, enquanto ente coletivo, ou seja, a categoria juvenil foi tra?da.

Mesmo que estes jovens n?o tenham votado em Collor, existia uma mem?ria subjacente de apoio durante a campanha. N?o houve uma "trai??o" ao indiv?duo, mas sim ao grupo de jovens e, mais, a toda ? na??o.

Quando Thompson (1987) analisa os movimentos ingleses, do final do s?culo XVIII, que lutavam por reformas pol?ticas, destaca-se a import?ncia dada ? tradi??o hist?rica de luta, ? tradi??o revolucion?ria dos artes?os e art?fices urbanos.

Mesmo guardadas as devidas especificidades hist?ricas, percebemos que os jovens "caras-pintadas" trazem essa tradi??o de luta das gera??es anteriores. Esse aspecto torna-se fundamental para inferirmos a exist?ncia, ou n?o, de uma consci?ncia pol?tica nesse movimento.

Essa an?lise, por?m, longe de tentar reduzir a participa??o juvenil a um mero movimento de revide, de vingan?a, gerado pela frustra??o, pretende incorporar-se

3

a outras vari?veis que contribu?ram para a eclos?o do movimento dos "caras-pintadas" como, por exemplo, a influ?ncia dos meios de comunica??o de massas.

"No come?o, meio e fim, houve, sempre, a imprensa. Principalmente Veja e Isto ?. A partir do fim de ano espalhafatoso de 1990 em Angra dos Reis e, mais tarde, do rodopio de Z?lia e Bernardo Cabral ao som de ,,Besame mucho, o governo passou a ser atingido pelos ricochetes da metralha publicit?ria com que alvejava o pa?s. Evolu??o que decorre do exibicionismo acentuado do grupo no poder, como tamb?m das mudan?as em curso na pr?pria imprensa".(ALENCASTRO, 1992, 4)

O alcance dessas revistas semanais acaba sendo muito maior do que os jornais no ?mbito geogr?fico. Com isso suas mat?rias e, principalmente, seus "furos jornal?sticos" ? como, por exemplo, a entrevista de Pedro Collor, irm?o do Presidente, concedida ? Revista Veja, que apontava ind?cios de corrup??o no governo terminaram provocando um grande frenesi, n?o s? nas capitais - como os grandes jornais - mas em todo o pa?s. As revistas semanais atingem com muito mais intensidade, do que esses grandes jornais, as regi?es deslocadas do eixo Rio - S?o Paulo.

Chegando a outras capitais e grandes cidades, observamos que o fen?meno de indigna??o e, posteriormente, de mobiliza??o cresceu de forma mais ou menos uniforme em todo o pa?s.

Por outro lado, n?o podemos deixar de lado o que o autor entende como "mudan?as em curso" na imprensa, que seria a acirrada concorr?ncia entre os jornais: no Rio de Janeiro O Globo e o Jornal do Brasil e, em S?o Paulo a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Entre as revistas semanais o choque dava-se entre a Veja e a Isto ?.

Nessas batalhas a busca pelo "furo" torna-se constante, e muitas vezes esses meios de comunica??o acabaram partindo para o sensacionalismo.

Nesse caso ? sintom?tico observar que se a Veja deu o "furo" da entrevista com Pedro Collor, a Isto ? saiu na frente, durante a CPI, com a entrevista do motorista Francisco Eriberto que mostrava o caminho do dinheiro transferido a Collor.

Outro ponto que deve ser destacado ? a rela??o existente entre o governo e a imprensa. A Folha de S. Paulo, por exemplo, foi alvo da ira do presidente Collor logo

4

ap?s sua posse. A reda??o do jornal acabou sendo invadida devido a supostos problemas fiscais.

O jornal sempre sustentou a hip?tese deste fato estar ligado a uma persegui??o pol?tica, isso porque a Folha de S. Paulo teria dirigido ataques a Collor durante a campanha eleitoral.

Al?m disso, a Folha de S. Paulo, durante grande parte do governo Collor, teria sofrido um forte boicote publicit?rio, segundo informa??es do pr?prio jornal:

"Cl?udio Vieira assumiu ontem a responsabilidade pela determina??o do governo de n?o encaminhar publicidade institucional ? Folha (...). A Folha noticiou contratos sem licita??o entre o governo e as ag?ncias de publicidade Setembro e Giovanni, que haviam trabalhado na campanha eleitoral de Collor".2

As rela??es tempestuosas entre um meio de comunica??o de massas e o governo podem gerar persegui??es de ambos os lados. A mat?ria, citada acima, intitulada "Ex-secret?rio assume discrimina??o ? Folha", nos d? uma clara id?ia da import?ncia de um bom relacionamento entre um jornal e o governo, import?ncia para ambos. Com as rela??es azedadas desde o in?cio, a Folha de S. Paulo sentiu-se muito ? vontade para colocar em destaque as manifesta??es contra Collor.

Deve-se ressaltar, que essa mat?ria foi veiculada cerca de dois meses antes de terem in?cio as manifesta??es pelo impeachment. Outro ponto levantado nessa mat?ria foi o suposto favorecimento ? rede Globo de Televis?o, que durante o primeiro semestre de 1991 havia recebido mais de hum bilh?o de cruzeiros, do governo, destinado ? publicidade legal (a Folha de S. Paulo no mesmo per?odo recebeu apenas oito milh?es).

Mesmo levando-se em conta que s?o meios de comunica??o de massas com caracter?sticas peculiares e, portanto, com custos desiguais, a diferen?a salta aos olhos, dentro do contexto exposto.

Quando as manifesta??es pol?ticas pr?-impeachment come?aram, os v?rios meios de comunica??o de massas j? tinham, de forma geral, sua posi??o preestabelecida, dando destaque ou n?o, de acordo com seus compromissos.

5

"No in?cio da semana passada, uma passeata com mais de dez mil jovens correu a cidade a exigir o impeachment do presidente Collor e a pris?o do empres?rio Paulo C?sar Farias. Dias depois, enquanto a musa Cl?udia Abreu era metralhada na telinha, no final da s?rie Anos Rebeldes, da Rede Globo, os estudantes armavam acampamento e manifesta??es em escolas de todo o pa?s"3.

A s?rie "Anos Rebeldes", citada pelo jornal, tinha como base a repress?o do final da d?cada de 60 e in?cio da de 70 - contra os estudantes e jovens, de forma geral, ligados a grupos de esquerda. Fict?cia, por?m, com pretens?o de document?rio hist?rico, essa s?rie mostrava a luta estudantil contra a ditadura militar de forma extremamente "romanceada".

Os "mocinhos", estudantes, lutavam at? a morte pelo "bem" do pa?s. Entre uma manifesta??o e outra sobrava espa?o para festas, namoro e amor. Entre rajadas de metralhadora e bombas de efeito moral existiam indaga??es filos?ficas e existenciais.

Nessa s?rie foram reunidos todos os ingredientes que a juventude busca para si - o hero?smo, o romance, o sexo, a contesta??o ao sistema. Com isso terminou prendendo a aten??o dos adolescentes e, mais, acabou criando - para o adolescente da d?cada de 90 - um novo her?i: a juventude rebelde e politizada dos anos 60.

Interessante notar, por?m, que essa s?rie foi produzida antes de qualquer manifesta??o pr?-impeachment e, mais, come?ou a ser exibida antes mesmo que surgissem as primeiras den?ncias de corrup??o contra o presidente Fernando Collor.

"(...) os estudantes come?aram a recriar ao vivo o clima da miniss?rie Anos Rebeldes, exibida pela Rede Globo. A s?rie teve sua exibi??o adiada por meses devido a problemas de censura interna na emissora e foi criticada em nota do ex?rcito".(KRIEGER, G; NOVAES, L. A.; FARIA, T, 1992, 191)

Quando as manifesta??es iniciaram-se a s?rie tornou-se um componente de apoio, contribuindo para o crescimento do movimento. Deve-se salientar que a Rede Globo n?o buscava esse sentido para o programa, posto que apoiou Collor durante a campanha presidencial e n?o gostaria, ? ?bvio, de contribuir para um movimento que viesse a derrub?-lo.

6

Al?m do que, a s?rie teve contra si uma forte censura interna. Ironicamente, com o adiamento da exibi??o ela acabou por coincidir com as primeiras manifesta??es.

"(...) a gente sempre dava um jeito de assistir os Anos Rebeldes, seja no bar, na sede do partido (PC do B). Ai a m?dia teve um certo papel, de mem?ria, do resgate, mostrando que tinha uma gera??o que lutou (...). Inclusive na primeira passeata, em 11/08/92, o cartaz era: Anos Rebeldes, pr?ximo cap?tulo: Fora Collor. No dia da passeata nos compramos a fita dos Anos Rebeldes e deixamos no ponto dessa m?sica (Alegria, Alegria) e botamos a fita, nos primeiros acordes da m?sica do Caetano a turma inteira come?ou a chorar, como se fosse o seguinte: aquela hist?ria que est? na televis?o, que os caras fizeram hist?ria, a gente pode fazer aqui e agora".4

Esse depoimento nos d? uma clara id?ia da import?ncia dessa s?rie para as manifesta??es.

Em uma mat?ria, a Revista Imprensa5 colheu informa??es de v?rios jornalistas e juristas acerca da seguinte quest?o: "Se n?o fosse a imprensa, Collor teria sido condenado pelo Congresso?". De forma geral, os entrevistados consideraram que a imprensa teve um papel fundamental ao veicular as den?ncias contra Collor municiando, dessa forma, as manifesta??es: "A atua??o da imprensa foi decisiva para levantar as den?ncias contra Collor e conduzi-lo ao impeachment. Se n?o fosse a imprensa, ele n?o teria sido condenado pelo Congresso (Dimenstein)"; "A imprensa foi absolutamente determinante para que Collor fosse afastado do governo. Foi a detonadora do processo (Calmon Alves)"; "A imprensa foi decisiva para o afastamento de Collor. Sem ela, provavelmente, n?o teria havido o impeachment (Gois)."

Apesar desse quase senso comum entre os jornalistas, n?o podemos nos esquecer que a imprensa, de forma geral, acabou ampliando o destaque do "casoCollor" devido ao pr?prio crescimento do movimento pelo impeachment.

Voz dissonante, o jurista Dalmo Dalari, acredita que o fator determinante foi justamente o povo: "Quanto ? imprensa, n?o acredito que se atuasse de forma diferente, o processo de impeachment teria tido outro rumo. O que foi determinante foi o povo na rua. O povo ? mais forte que a imprensa".

7

Somos levados, realmente, a compartilhar dessa opini?o. Sem as passeatas e a demonstra??o p?blica de indigna??o e, mais, de for?a, o afastamento de Collor seria muito dif?cil, pois a rela??o de for?as n?o sofreria uma invers?o e a sustenta??o do governo seria poss?vel.

Nesse sentido, seria importante observar a atua??o e incentivo dos adultos pais, professores - ao movimento. Os pais n?o viam o protesto como algo negativo, mas sim como um exerc?cio de cidadania e, mais, um movimento de classe m?dia, ass?ptico, suprapartid?rio e, portanto, acima do radicalismo dos grupos de esquerda.

Quando o movimento torna-se mais organizado e "saud?vel", ele perde a caracter?stica de ,,turba", de bando, que causa um certo temor ?s elites.

Ou seja, percebemos claramente a import?ncia dos meios de comunica??o de massas na forma??o do movimento. Seja influenciando diretamente o jovem, seja atuando sobre outras pessoas que acabariam por influencia-los. Como dissemos, a posi??o dos grupos tem um grande valor para o indiv?duo e, conseq?entemente, na forma??o da opini?o p?blica de forma geral.

Quando o movimento tomou forma e cresceu, a imprensa n?o p?de manterse de fora. Mesmo os meios de comunica??o de massas que deram pouco destaque no in?cio das passeatas viram-se compelidos, por uma l?gica de mercado, a destacarem as manifesta??es.

"Show, carnaval e manifesta??o pol?tica deixavam de ser auto-excludentes. Na pr?pria fala da imprensa este enfoque demonstra que a imprensa teve que acompanhar as grandes manifesta??es da opini?o p?blica, sob pena de cair no descr?dito. Ao mesmo tempo, formadora de opini?o e express?o do p?blico leitor, a imprensa acaba sofrendo os influxos dos grandes eventos coletivos".(EUG?NIO, 1994, 294)

Essa an?lise foi feita sobre o movimento "Diretas-J?" (ocorrido em 1983/1984), por?m, torna-se pertinente, tamb?m, ao analisarmos as manifesta??es pelo impeachment. Os meios de comunica??o de massas que s?o os respons?veis pela forma??o da opini?o p?blica podem, eventualmente, serem "formados" pela opini?o

8

p?blica. Nesses casos espec?ficos, devem seguir a opini?o de seus leitores ou, invariavelmente, perd?-los.

Quando o movimento cresceu, a imprensa viu-se obrigada a dar mais destaque e, conseq?entemente, contribuiu, ainda mais, para a forma??o da opini?o p?blica. Esse elemento ? sintom?tico para real?ar a rela??o din?mica que existe entre a opini?o p?blica e os meios de comunica??o de massas.

"A Folha de S. Paulo tentou dirigir as manifesta??es. Eles marcaram uma passeata e a gente foi ver. Tinham apenas vinte pessoas de cara pintada e a Folha na m?o. Vinte estudantes e um monte de rep?rteres".6

Essa hist?ria - confirmada por outras lideran?as do movimento estudantil que foram entrevistas para essa pesquisa - demonstra que a imprensa teve um papel fundamental na divulga??o dos fatos, mas apenas um papel secund?rio na organiza??o das passeatas. Segundo essas lideran?as, os meios de comunica??o de massas, principalmente a televis?o, acabaram irradiando o movimento para todo o pa?s.

A partir desse momento tornou-se imposs?vel para a grande imprensa manter-se neutra e, mais, a tend?ncia do p?blico em apoiar o impeachment fez com que v?rios meios de comunica??o de massas emitissem opini?es favor?veis ao processo.

Quando tentamos tra?ar um perfil do jovem "cara-pintada" percebemos que ele majoritariamente pertence ?s camadas m?dias. Isso n?o chega a ser surpreendente, pois, no contexto geral, a maior parte dos estudantes secundaristas ou universit?rios pertence a essas camadas.

V?rias raz?es podem justificar esse predom?nio da classe m?dia. Em primeiro lugar o pr?prio fato de que existe uma preponder?ncia da classe m?dia no meio estudantil, conforme j? foi exposto.

Em segundo lugar, as manifesta??es ocorreram, em grande parte, durante dias ?teis, favorecendo, portanto, a participa??o de jovens que n?o trabalhavam, ou seja, oriundos das classes mais abastadas.

No entanto, ? importante ressaltar que o movimento pelo impeachment, quando surgiu, era tido como um movimento popular e n?o como um movimento juvenil. Os meios de comunica??o de massas destacavam a manifesta??o popular e

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download