O regime de aposentação na Proposta de novo ... - A CAUSA DA EDUCAÇÃO

O regime de aposenta??o na Proposta de novo Estatuto do Pessoal Docente do ensino n?o superior em Cabo Verde

Ph.D. Bartolomeu L. Varela bartolomeuv@

Resumo: Com o argumento de que ? necess?rio assegurar a sustentabilidade do Sistema de Previd?ncia Social em Cabo Verde, o Minist?rio da Educa??o decide elaborar um AnteProjecto de novo Estatuto do Pessoal Docente, em que uma das medidas preconizadas ? o aumento do tempo de servi?o e da idade de reforma dos professores da educa??o de inf?ncia, do ensino b?sico e do ensino secund?rio. Neste texto, que visa contribuir para a reflex?o sobre uma quest?o da maior relev?ncia, questiona-se a op??o proposta, demonstrando que, tanto no interesse leg?timo dos docentes como em termos de salvaguarda da qualidade do ensino e da sustentabilidade do pr?prio sistema de previd?ncia social, a proposta apresentada n?o ? adequada, no actual contexto, pelo que outras deveriam ser as solu??es.

Palavras-chave: aposenta??o, docentes, qualidade do ensino, sustentabilidade, previd?ncia social

1. Introdu??o

Recentemente, a oposi??o parlamentar interpelou o Governo sobre a proposta de novo Estatuto do Pessoal Docente dos estabelecimentos de educa??o de inf?ncia, do ensino b?sico e do ensino secund?rio, que o Governo pretende aprovar e cujo AnteProjecto est? em processo de discuss?o (MED, 2014)

N?o tendo podido acompanhar, em directo, o debate parlamentar que se realizou no Parlamento cabo-verdiano, tive, por?m, o ensejo de, atrav?s da televis?o (RTC, 2014), apreciar extractos de posi??es assumidas por alguns sujeitos parlamentares, em representa??o das bancadas da oposi??o e da situa??o e do Governo.

Creio que ter? sido um debate ?til, mas o tempo o dir?. Por ora, constato que, em face das fortes cr?ticas feitas pela oposi??o, a que a bancada da situa??o reagiu salientando os ganhos que o novo Estatuto trar? ? classe docente, a Ministra da Educa??o assumiu uma postura correcta, expressando, diplomaticamente, que se trata de um documento em discuss?o e, como tal, aberto ?s contribui??es para o seu

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aperfei?oamento, e que est? convicta de que haver? um amplo consenso a respeito da iniciativa.

Relevo o deslize da Ministra ao afirmar que ? pela primeira vez que se faz uma socializa??o ampla de uma proposta do Estatuto do Pessoal Docente, pois a governante n?o se encontrava em Cabo Verde aquando do processo de prepara??o do ainda vigente Estatuto, que durou mais de um ano! Com efeito, nessa ocasi?o, antes de se enviar o Ante-projecto de revis?o do Estatuto ?s escolas e delega??es do MED para a recolha das contribui??es, houve, durante um ano, uma s?rie de reuni?es de discuss?o e negocia??o com as organiza??es sindicais representativas dos professores, durante as quais foram debatidas e consensualizadas as propostas de altera??o. Assim, n?o espanta que as altera??es incorporadas no Ante-projecto enviado ?s escolas e delega??es, em 2013, tenham obtido um amplo consenso, salvo em rela??o ? tabela salarial dos docentes do ensino secund?rio, cujo agendamento foi adiado para o ano seguinte.

Pude constatar dos debates parlamentares que a discuss?o tende a polarizar-se ? volta da quest?o da aposenta??o, assunto que, entretanto, tende a ser debatido de forma assaz ligeira, ao tentar justificar-se a inten??o de aumentar o tempo de servi?o e a idade de reforma com o argumento da necessidade de se assegurar a sustentabilidade do sistema de previd?ncia social. Da? que, neste texto, fa?amos uma breve reflex?o com o intuito de demonstrar a inconsist?ncia de tal op??o em Cabo Verde, no actual contexto. N?o fugirei ao assunto, focalizando-me na sustentabilidade financeira do Sistema de Previd?ncia, sem deixar de ignorar o leg?timo interesse dos docentes nem o imperativo da salvaguarda da qualidade da educa??o.

2. Aposenta??o, qualidade do ensino e sustentabilidade da Previd?ncia Social

Como nota pr?via, importa que o Estado assuma as suas responsabilidades pelo facto de, na sequ?ncia de uma pr?tica que j? vinha da ?poca colonial, n?o ter, em devido tempo, contribu?do para a sustentabilidade da previd?ncia social dos funcion?rios da Administra??o P?blica, mediante a transfer?ncia dos seus descontos de aposenta??o

Na altura, o autor deste texto desempenhava as fun??es de Secret?rio-Geral do Minist?rio da Educa??o e, nesta qualidade, conduziu todo o processo de negocia??es para a revis?o do Estatuto pessoal Docente.

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para um fundo ou caixa de pens?es. Tal como fui informado junto de fonte id?nea, durante largos anos, esses descontos ficaram no pr?prio Tesouro, contribuindo para a solvabilidade deste, e n?o na caixa de pens?es, visando a sustentabilidade das presta??es diferidas (ou seja, das pens?es de reforma)!

Mas deixemos este pormenor e vamos para a quest?o essencial em debate. A inten??o de alterar o actual regime especial de aposenta??o volunt?ria dos docentes do ensino n?o superior, aumentando de 32 para 34 os anos de servi?o e de 55 para 60 anos a idade desses agentes (cf. EPD, 2004; Proposta de novo Estatuto, 2014), padece de equ?vocos graves, que t?m a ver com a falta de compreens?o das especificidades da profiss?o docente em rela??o ?s demais profiss?es p?blicas.

Com efeito, e tal como tinha sido consensualizado em 2013, a redu??o do tempo de servi?o e da idade de aposenta??o dos professores justifica-se pelo enorme desgaste - f?sico, fisiol?gico, psicol?gico e mental - causado pelo desempenho de uma profiss?o que obriga a um aturado esfor?o dos docentes quer durante as horas intensivas de contacto com os alunos (posto que ainda vigora o regime de escola a meio tempo), quer nas actividades escolares n?o lectivas e nas absorventes actividades que realizam fora da escola, nas suas pr?prias casas e com os seus pr?prios meios e recursos, em dias laborais, feriados e de descanso semanal.

O aumento do tempo de servi?o e da idade de aposenta??o dos docentes, justific?vel, eventualmente, noutros contextos, tanto nos pa?ses ditos "centrais" como em outros pa?ses, incluindo, em v?rios casos, os do "terceiro mundo", n?o se afigura pertinente em Cabo Verde, no actual contexto, por v?rios motivos, um dos quais tem a ver com o facto de, entre n?s, as vari?veis demogr?ficas se apresentarem em sentido contr?rio. Assim, e ao contr?rio de muitos pa?ses, que enfrentam o problema do envelhecimento da popula??o (Kalache, Veras & Ramos, 1987), Cabo Verde caracterizase pela juventude da sua popula??o activa e, em particular, pela exist?ncia de um elevado n?mero de jovens desempregados com forma??o superior que aguardam a oportunidade de ingressar na doc?ncia. Por outro lado, e n?o ignorando as recomenda??es no sentido de "adaptar a idade de reforma ao prolongamento da vida e ? melhoria da sa?de" (COM, 1999:13), importa relevar que a esperan?a de vida dos cabo-verdianos, apesar da melhoria verificada, est? muito longe da que se verifica nos referidos pa?ses, de onde se ter? inspirado para alterar o regime de aposenta??o.

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Acresce que a exig?ncia de os docentes terem uma forma??o superior, j? na educa??o de inf?ncia e no ensino b?sico, faz com que estes, na sua grande maioria, deixem de ser, actualmente, considerados habilitados para a doc?ncia. A t?tulo de exemplo, e de acordo dados oficiais (cf. Anu?rio da Educa??o 2012/2013, p. 41), no ensino b?sico, dos 2.995 professores, apenas 199 docentes possu?am habilita??o superior em 2013, o que representa apenas 7% de professores com as habilita??es exigidas pela Lei de Bases do Sistema Educativo (bacharelato ou superior). Nem falemos dos docentes da educa??o de inf?ncia, onde a percentagem ser? muito inferior, a que acresce a circunst?ncia de a grande maioria nem sequer possuir o ensino secund?rio completo (Cf. Uni-CV, 2013).

De entre os docentes n?o qualificados, um n?mero elevado, com idades superiores aos 50 anos, disperso pelas nove ilhas habitadas, ter? enorme dificuldade de fazer um curso superior. E mesmo que tivessem tal possibilidade a breve trecho, gra?as a um forte investimento do Governo na forma??o em exerc?cio (que j? tarda!), com os inerentes custos financeiros, esses docentes viriam a contribuir, com a sua reclassifica??o profissional, para aumentar os encargos com o pessoal, sem grandes vantagens para o sistema educativo, visto que, poucos anos depois da licenciatura, e j? com muito desgaste (que n?o deixa de reflectir-se sempre na qualidade do desempenho), teriam de ir para a reforma, onerando os encargos da Previd?ncia Social.

Ora, a aposta na entrada de jovens licenciados para o sistema educativo n?o s? contribuiria para o rejuvenescimento, a qualifica??o e a dinamiza??o da classe docente, como contribuiria para a sustentabilidade do pr?prio sistema de previd?ncia social, visto que ter?o pela frente uma longa carreira contributiva. Numa palavra, no actual contexto, e por muitos anos, ? a aposta no recrutamento dos jovens que mais contribuir? para a sustentabilidade do sistema de Previd?ncia Social e n?o a op??o de prolongar no activo um corpo de efectivos desgastados e pouco qualificados.

Na verdade, a t?tulo excepcional, considero, inclusive, que se deve encarar se n?o ser? vantajoso promover-se a reforma antecipada e volunt?ria, com direito ? pens?o por inteiro, dos docentes que actualmente completem 50 anos de idade e 30 anos de servi?o. N?o faltariam alternativas ? sua sa?da do activo.

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3. Concluindo

Estas breves reflex?es, que incidem sobre um dos pontos sens?veis da revis?o do Estatuto do Pessoal Docente, visam chamar a aten??o para a necessidade de as reformas no sector p?blico (da educa??o e n?o s?) serem bem ponderadas, mediante uma an?lise aprofundada, preferencialmente suportada em investiga??o cient?fica, antes de serem aprovadas e implementadas.

No caso da pretendida altera??o do regime de aposenta??o do pessoal docente do ensino n?o superior em Cabo Verde, os fundamentos at? agora apresentados n?o s?o convincentes e a medida em causa, a ser aplicada, no actual contexto, ter? implica??es gravosas, n?o apenas para os docentes mas para a qualidade do ensino e a pr?pria viabilidade do regime de previd?ncia social cabo-verdiano.

Algumas refer?ncias:

COM (1999). UMA EUROPA PARA TODAS AS IDADES- Promover a prosperidade e a solidariedade entre as gera??es. Bruxelas: Comiss?o das Comunidades Europeias

Decreto Legislativo n? 2/2014. Estatuto do Pessoal Docente. Dispon?vel em .

MED (2014) Proposta do novo Estatuto do Pessoal Docente: Praia: Minist?rio da Educa??o e do Desporto. Dispon?vel em .

MED (2013). Anu?rio da Educa??o 2013/2014: Praia: Minist?rio da Educa??o e do Desporto. Dispon?vel em .

RTC (2014). Parlamentares debatem a Proposta de Estatuto do Pessoal Docente: Jornal da noite de 23 de Julho. Praia: Radiotelevis?o Caboverdiana.

In:

KALACHE, Alexandre; VERAS, Renato & RAMOS, Lu?s (1987). Envelhecimento da popula??o mundial. Um desafio novo. Rev. Sa?de p?bl., 21(3) 200-10, 1987.

Uni-CV (2013). Habilita??es de orientadores do Pr?-Escolar, segundo dados fornecidos pela DGEBS. Praia: Uni-CV (arquivo)

Praia, 26 de Junho de 2014.

Ph.D. Bartolomeu Varela

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