MEMÓRIAS DE UMA EDUCADORA - Alfabetizar Virtual



DEPOIMENTO: MEM?RIAS DE UMA EDUCADORA?urea Esteves Serra Faculdade de Ciências e Tecnologia de Birigui - FATEBprof.aurea@fateb.br ?urea Esteves Serra: Mestre e Doutora em Educa??o pela UNESP – Campus de Marília/SP. Diretora de Escola Municipal e Docente na Faculdade de Ciências e Tecnologia de Birigui.A referida prática aconteceu na Faculdade de Ciências e Tecnologia de Birigui durante a V Semana Cultural da FATEB, organizada pelos alunos do 6° semestre do curso de Pedagogia. Uma roda de conversa com a presen?a de 10 alfabetizadoras aposentadas sob a coordena??o dos docentes e participa??o das demais turmas do curso de Pedagogia.Resumo Este depoimento trata da educa??o a partir do olhar de uma alfabetizadora aposentada, professora Yolanda Ibanhez Di Lascio: forma??o, exercicio da profiss?o e compromisso com o aluno.Palavras-chave: Alfabetiza??o. Forma??o. Memória. Apresenta??o Para Nora (1993) a memória é a vida, sempre trazida pelos grupos e, por esta raz?o, ela está em evolu??o permanente, aberta a dialética da lembran?a e do esquecimento, inconsciente de suas deforma??es sucessivas, vulnerável a todas as utiliza??es e manipula??es, suscetível de longas latências e frequentes revitaliza??es. Ainda para esse autor “a memória é um fen?meno sempre atual [...] se enraiza no concreto, no espa?o, no gesto, na imagem, no objeto. (NORA, 1993, p.7). Assim, realizando um trabalho sobre memória, alunas do 3? ano do curso de Pedagogia organizaram na V Semana Cultural da FATEB uma roda de conversa com vários professores aposentados e uma delas chamou-me muito a aten??o, porque dia 09 de janeiro de 2011 completa 90 anos e com está idade falou com muita propriedade de sua forma??o, vida de professora e da educa??o como algo nunca visto. Professora Yolanda Ibanhez Di Lascio, nascida em Restinga na regi?o de Franca, estado de S?o Paulo veio para cidade de Birigui ainda crian?a.A seguir apresento alguns trechos da fala proferida pela referida professora no dia 27 de outubro de 2010 nas dependências da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Birigui, na qual ela intitula:O passado no presenteProfessora Yolanda Ibanhez Di Lascio, inicia sua fala dizendo:Hoje, como minha avan?ada idade, teria que escrever um livro, para poder, contar toda minha história de vida t?o feliz e t?o cheia de lindas e gratas emo??es, mas... fui convidada para participar da V Semana Cultural da importante “FATEB”, para falar especificamente, sobre a minha vivência como estudante e professora primária, atuando no magistério público do Estado de S?o Paulo. Lisongeada e agradecida pelo convite, eis me aqui.Professora Yolanda come?a a realatar sua forma??o dizendo que fez o curso primário “no importante e querido “Grupo Escolar Roberto Clark”, escola que é um marco histórico, em nossa amada Birigui”. Quanto ao curso ginasial, ela diz: “esse na época era contituído de 12 matérias, incluindo o latim, e só foi instalado em Birigui no ano de 1935, no pioneiríssimo “Instituto Noroeste”. E continua: “fiz parte da 1? turma, que feliz, cheia de entusiasmo e esperan?a, consegui após um vestibular, continuar os estudos”.Professora Yolanda continua com muito entusiasmo a falar de sua forma??o: “terminado o ginasial, deixei o “Instituto Noroeste”, a escola da minha paix?o, e tal qual bando de pássaros eu e algumas colegas migramos para Ara?atuba, com o propósito de prestar vestibular e lutar por um diploma de professor”. Ela exp?e: “hoje as facilidades para se estudar s?o muitas” e ainda diz: “naquela época, as op??es eram mínimas, n?o havia por perto, faculdades ou escolas com variados cursos para que se pudesse escolher. A “Escola do Comércio” surgiu depois”. E continua: “aprovados, come?amos a cursar o “Normal” no “Instituto de Educa??o Manoel Bento da Cruz”. Hoje, esse “Curso Normal” está extinto, o que é lamentável.Em seguida a professora Yolanda come?a a falar sobre as dificuldades para se estudar na cidade vizinha, Ara?atuba e relata: ?amos para Ara?atuba, de ?nibus da 1? empresa aqui instalada e que pertencia ao t?o conhecido e estimado Sr. Pedro Sanches. Os ?nibus eram chamados de “jardineiras”, eram mais simples e n?o confortáveis como os de hoje, mas, construídos para enfrentar estradas de terra, num tempo que ainda nem se ouvia falar em asfalto.O mundo entrou em guerra e muitas vezes para n?o perder as valiosas aulas, iamos e voltavamos de caminh?o movido a gasogênio, devido a falta de gasolina e se chovia, eramos todos cobertos com encerados: “bóias frias” de uma época que marcou nossas vidas.Nada era fácil, mas estavamos enfrentando com galhardia, a grande batalha, para nos tornarmos professoras. Com uma festa linda e inesquecível, a formatura do “Curso Normal” aconteceu no requintado sal?o de baile do ent?o “Ara?atuba Clube”, na noite de 18 de dezembro de 1943.Fui oradora da turma, que n?o era pequena e eu, como o diploma de professora na m?o, me sentia dona do mundo, exultando de felicidade.Professora Yolanda faz uma breve pausa e continua:Do primário ao normal, sempre frequentei classes mistas. Havia muitos professores homens, que assim como as mulheres, eram dedicadíssimos ao Magistério, possuidores de esmerada cultura, com prática e muito conhecimento, amigos diletos de todos os alunos, que recebiam deles, os exemplos a serem o final dos estudos, foi dado o alerta para o início da nova luta.Na sequencia professora Yolanda relata seu ingresso no Magistério Público de Estado de S?o Paulo:Iniciei na “Escola Mista Rural da ?gua Rasa”, no município de Ara?atuba, o meu trabalho de professora e muitas mudan?as foram acontecendo.Pela ordem, lecionei depois na “Escola Mista do Córrego do Feij?o” em Bilac, onde fui efetivada. Removida por concurso, vim a lecionar na “Escola Mista do Córrego do S?o Luiz” em Birigui, fazendo de charrete o percurso diário, sem nunca dar faltas.O charreteiro Sr. Joaquim, bonissimo e delicado, me ensinou a dirigir o precioso veículo, que me entregava confiante para eu ir nos dias feriados e realizar a devida comemora??o cívica. Ia ent?o sozinha, sem medo ou temor, pois naquela época, n?o existia a terrivel violência, que hoje tanto nos assusta, infelizmente.Alguns anos mais tarde, já casada a professora Yolanda foi removida por concurso da “Escola Mista do Córrego do S?o Luiz” de Birigui, para o “Grupo Escolar Suzana Dias”, no municipio de Santana do Parnaíba e relata:Residindo em S?o Paulo, usava quatro condu??es (bondes e trens) para chegar ao local de trabalho. A volta era igual; cansativa e desgastante, mas, eu era feliz e me sentia vitoriosa por ensinar.De S?o Paulo, fui morar depois de uns anos em Votuporanga, cidade para onde meu marido foi transferido. Aben?oada por Deus consegui remo??o para a “Escola Mista da Fazenda Cachoeirinha”, única vaga naquela ocasi?o restava na cidade. Novamente o percurso de ida e volta era feito de charrete.De repente outra mudan?a, viemos morar em Lins passando a lecionar no “Grupo Escolar de Gaimbé”, local dsitante, onde só havia ?nibus, para o tal trajeto.O tempo que n?o para, foi passando e eu já com uma filhinha e grávida de meu segundo filho, Deus nos trouxe de volta a Birigui, a cidade que tanto amo e onde ainda estou. Nesse momento professora Yolanda enaltece muito a cidade de Birigui e continua:Um novo concurso me levou de volta a Bilac e, dessa vez, para o “Grupo Escolar Lima Figueiredo”. Hoje, a cidade conta com um majestoso e lindo prédio escolar, com 1? e 2? graus, que tem merecidamente, o nome do saudoso e muito querido diretor: “Prof. Enso Bruno Carramaski”.As viagens até Bilac, eram verdadeiras prova de coragem, esfor?o, determina??o e otimismo. Se chovia, as estradas ficavam quase que intransitáveis e o ?nibus da “Empresa Guerino Seiscentos”, que vinha de Tup?, pegava passageiros em Ar?atuba e aportava em seguida em Birigui, fazendo ponto em frente ao “Bar e Café Petrilli”, era a condu??o que nos levava, partindo de nossa cidade às 6h30min da manh?.Muitas vezes dado ao estado da estrada n?o conseguiamos chegar em Bilac, com tempo para se dar aula. O dia estava perdido, restando-nos t?o somente, a esperada volta, que acontecia após as 15 horas. A grande “Empresa Guerino Seiscentos”, na ativa até hoje, conta agora com excelentes ?nibus e fazendo jus ao progresso, percorre as belas e bem conservadas estradas asfaltadas, que cobrem nosso maravilhoso e rico Estado de S?o Paulo.Professora Yolanda continua a falar do seu percurso pelas escolas primárias onde lecionou e fala:Lecionei muitos anos em Bilac e no lugarejo, que se transformou em bela e progressiva e acolhedora cidade, deixei e tenho até hoje, valiosas amizades. E finalmente após tantas lutas, o grande sonho se tornou realidade. Atingi com euforismo, o alvo t?o ambicionado, me removendo para o “Grupo Escolar Professora Geni Leite da Silva” e depois para o “Grupo Escolar Roberto Clark”, onde me aposentei em junho de 1979. Eu estava definitivamente em minha Birigui. Iniciei e terminei minha jornada educacional, nessa grande escola. Realize-me como professora, me sentindo aben?oada e vitoriosa mas, confesso: muitas lágimas derramei ao me aposentar, sabia que a saudade seria grande...Quando veio residir em Birigui a professora Yolanda passou a lecionar também em outros cursos e relata:Hoje, sinto orgulho daqueles adolescentes, já senhores e senhoras, pais, m?es e até avós, vencedores nas mais variadas e valiosas áreas do trabalho, pessoas dignas, admiradas e respeitadas, que foram meus alunos tanto no primário, como nos cursos de refor?o de Português e História, que ministrei durante vários anos, no “Instituto Noroeste” e “Ginásio Estadual Prof. Stélio Machado Loureiro”.Um casual encontro com ex-alunos que me reconhecem e se apressam com um sorriso para um abra?o é sem dúvida um gratificante presente, que faz bater forte meu cora??o. Dificilmente os reconhe?o, mas ao ouvir seus nomes, eu os localizo, lembrando até da escola que frequentavam.Já quase encerrando sua participa??o no referido evento, professora Yolanda diz:? claro, que n?o foi só de flores, a minha longa jornada, dentro da área educacional. Os espinhos, as dificuldades, os desencantos e temores, também surgiram no percurso, mas...tudo valeu e eu lutei para vencer, em um mundo que ent?o, era sem dúvida bem melhor do que é hoje.Infelizmente, muita coisa mudou e para pior. Corrup??o e violência, s?o atualmente, as palavras mais citadas em qualquer local. Os jovens, desmotivados, v?o se desiludindo, sem vislumbrar belas e boas perspectivas no futuro.A Educa??o e a Saúde n?o têm merecido dos nossos governantes, a verdadeira e justa aten??o que lhes é devida, quando deveriam ser prioridade máxima, dentro do nosso amado Brasil.O professor que deveria ser sempre um grande líder, n?o conta com o apoio, aten??o e respeito que merece e o vencimento irrisório, que lhe é dado está afastando os homens dessa importante profiss?o e destruindo o estímulo daqueles que ainda nela permanecem. N?o existe por parte do governo, o reconhecimento pelo trabalho dos já aposentados, que dedicaram com infinito amor, grande parte de suas vidas, à Educa??o.Existe em mim, a pergunta que n?o me deixa calar. Como S?o Paulo, o Estado t?o rico, lindo e líder de nossa amada Pátria, também pode agir assim?Professora Yolanda relata que sua fala ficou em torno do percurso de forma??o, ingresso e carreira tendo como objetivo apresentar aos futuros professores que hoje eles tem tudo para serem melhores, há muitas facilidades em todos os sentidos. E encerra sua fala dizendo:Termino agora, e deixo com todos aqueles, que por ideal, ainda desejam ser professores, meu sincero e amigo conselho: N?o desistam, sigam em frente, decididos a amar de fato, essa Profiss?o que sempre foi, é, e será gloriosa, uma profiss?o de infinita import?ncia, dentro de qualquer país. Sejam dedicados, corajosos, executem com amor, esse trabalho divino, para que no fim da jornada possam repetir em alto e bom som, a linda e sagrada frase, que nos foi legada pelo apostolo Paulo “Combati o bom combate, venci a carreira e guardei a fé”. Algumas considera??esDurante toda exposi??o da professora Yolanda percebe-se que ela apresenta o arquivo da própria vida. Para Artières (1998) arquivar a própria vida é simbolicamente preparar o próprio processo: reunir as pe?as necessárias para a própria defesa, organizá-las para refutar a representa??o que os outros têm de nós. Ainda para este autor “arquivar a própria vida é desafiar a ordem das coisas: a justi?a dos homens assim como o trabalho do tempo”. (p.31). Também observei que a professora Yolanda falou com muita euforia e entusiasmo contagiando a todos os alunos do curso de Pedagogia e convidados. Foram muitos os exemplos de didática citados pela professora, disse que durante toda sua vida de alfabetizadora a cartilha mais utilizada foi a Caminho suave. Afirmou: a cartilha Caminho suave oferecia tudo o que precisavamos paa alfabetizar, mas “a gente n?o ficava só nela, n?o. Tinhamos outros recursos também”. Ainda falou muito sobre o que era ser professora num tempo onde o professor fazia tudo, desde a limpeza da escola, a merenda, a aplica??o de vacinas, entre outras coisas e contou um caso curisoso. Quando era professora eventual, recém formada, na “Escola Mista da Fazenda ?gua Branca”, relata que o governo mandou vacina para os professores aplicarem. E em um de seus alunos a vacina inflamou por falta de higiene e o pai da crian?a queria matá-la. Disse ter sofrido muito, mas foi ao posto de saúde da cidade aprendeu várias coisas e conseguiu com muito trabalho e esfor?o, ficando todas as tardes, durante 15 dias na casa da crian?a, fazendo curativos, ajudando e orientando na higiene e assim conseguiu salvar a crian?a.Percebe-se em todo decorrer da exposi??o oral que a professora Yolanda, mesmo tra?ando as dificuldades para forma??o e para lecionar tinha e tem muito amor a profiss?o, coisa que hoje dificilmente encontramos. Fala de seu trabalho com orgulho e competência. De acordo com Gon?alves Filho (2003) “a memória devolve o que o passado vislumbrou e o presente esqueceu”. Para Bosi (2003) “teremos que transpor, às vezes, enorme dist?ncia temporal entre o fato narrado e o acontecido, experiência sempre díficil devido às transforma??es ocorridas, sobretudo nas mentalidades” (p.61). Porém pecebi que essa dificuldade n?o aconteceu com os alunos do curso de Pedagogia, penso que posso atribuir isso a maturidade de vida da grande maioria de nossas alunas, uma vez que se trata de babás, trabalhadoras de creches que voltaram a escola por exigência da LDB9394/96 e o encantamento pelo trabalho dos professores aposentados, e em especial ao da professora Yolanda deve-se ao fato que a história de vida da referida professora mostra muito da história da sociedade biriguiense como um todo. ? como se a professora Yolanda estivesse narrando a história de nosso municipio e de como aconteceu a educa??o no Estado de S?o Paulo; a cria??o das escolas, dos cursos, os processos de ingressos etc.Enfim a história de vida de uma pessoa, fala muito da historia da sociedade como um todo e com isso essa roda de conversa foi um momento muito rico de troca de experiências que os alunos do curso de Pedagogia propuseram na avalia??o do referido evento que essa atividade venha a acontecer com outros professores aposentados da cidade no próximo ano durante a VI Semana Cultural da FATEB. Referências ARTI?RES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 1998, p. 9-34.BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: ensaios de psicologia social. S?o Paulo: Ateliê Editorial, 2003.NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. In: Projeto de História. Revista do Programa de Estudos Pós-Gradua??o em História. Departamento de História da PUC/SP, n.10, dez. 1993, p.7-28.SERRA, ?urea Esteves. A forma??o do professor alfabetizador em Birigui/SP (1961-1976). Araraquara, SP: Junqueira & Marin ; S?o Paulo: FAPESP, 2007. ................
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