A paixão massiva pelo futebol concedeu aos atletas desse ...



NEYMAR VERSUS PELÉ: A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DO NOVO MITO NO FUTEBOL PELA ÓTICA DA JORNADA DO HERÓI, UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA REPORTAGEM ‘ENCONTRO REAL’

RESUMO

Por meio desta monografia são analisadas as estratégias discursivas na narrativa de construção da imagem do jogador de futebol Neymar, utilizando o contraponto com o já consagrado Pelé, através da reportagem Encontro Real, publicada na revista Placar. O objetivo é verificar, por meio de recursos da análise de discurso, os novos arquétipos de construção do mito moderno no futebol, considerando, para tal, a clássica estrutura da Jornada do Herói, de Joseph Campbell. Se tradicionalmente o herói se configurava como alguém que iniciou uma aventura em busca de um bem maior e retorna com conhecimentos a serem passados para o próximo. Hoje, aparentemente, o novo herói não possui mais esse viés pedagógico e tampouco serve de exemplo de bom comportamento. Entende-se que esteja vigorando um novo modelo de sujeito em sociedade, atendendo as novas demandas culturais, que sem dúvida a mídia acompanha. Desta forma, o herói moderno – representado na figura de Neymar – se distanciou de valores clássicos, e criou laços de identificação mais materialistas e midiatizados, atendendo às expectativas daqueles que por ele torcem.

PALAVRAS-CHAVE: Análise do discurso, espetacularização, jornalismo esportivo, Jornada do Herói, Indústria Cultural, mito, Neymar, olimpianos, Pelé, revista Placar.

1 - PELÉ E NEYMAR: A NOVA CONSTRUÇÃO DO MITO PELA JORNADA DO HERÓI NA SOCIEDADE ATUAL

Mesmo nos romances populares, o protagonista é um herói ou uma heroína que descobriu ou realizou alguma coisa além do nível normal de realizações ou de experiência. O herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo. (...) há dois tipos de proeza. Uma é a proeza física, em que o herói pratica um ato de coragem, durante a batalha, ou salva uma vida. O outro tipo é a proeza espiritual, na qual o herói aprende a lidar com o nível superior da vida espiritual humana e retorna com uma mensagem. (Campbell apud Moyer, 2009, p. 131)

A paixão massiva pelo futebol concedeu aos atletas desse esporte um status aproximado a uma espécie de semideus, que – embora uma pessoa comum, no mesmo plano físico de seus discípulos – possui, no imaginário popular, características atribuídas aos heróis imortais. Esses jogadores defendem, nesse imaginário, mais do que o patrimônio de um determinado clube de futebol, uma nação (torcedores), defendendo paixões e anseios de milhares de pessoas que consideram aquelas partidas como batalhas, árduas lutas entre nações adversárias em uma guerra simbolizada pelos campeonatos disputados ao longo do ano. O troféu levantado pelo campeão é o símbolo máximo da supremacia de um determinado time. Mais do que vestir uma camisa, a torcida cobra que esses jogadores tenham o mesmo amor que eles – os torcedores – têm pelo escudo que carregam no peito; aliás, escudo esse fixado ao lado esquerdo da camisa, o que ilustra, muitas vezes, frases como: “Meu coração é do time x”.

É sob esse cenário que se dá meu estudo. A mídia foi uma das responsáveis pela veloz popularização do futebol no Brasil, porém, claro, antes das investidas da imprensa, o esporte já proliferava pelo mundo, angariando adeptos e outros tantos descrentes no futebol como um esporte com potencial para atingir a grande massa. É nesse sentido em que a mídia – de início receosa, mas depois com perspicácia – tornou-se sua efetiva disseminadora.

Optei pela realização da monografia, por meio de uma análise comparativa de dois veículos midiáticos utilizando-me de recursos da análise do discurso, a fim de verificar de que forma se deu esse processo por meio da espetacularização do futebol, ou seja, essa veloz e até dramática – no sentido de que visou despertar emoções e sensações, surtindo um resultado apaixonado – ocorre dentro de um cenário identificado por DEBORD (1997) como Sociedade do Espetáculo, uma nova conjuntura social que se adequa aos pilares da Indústria Cultural, estudada por Adorno e Horkheimer.

Desse modo, assim como no mundo das celebridades, seja nas telas do cinema, ou em suas trajetórias de vida, a mídia apropriou-se do discurso usado para construir as imagens desses astros e estrelas, por exemplo, pelos quais havia um número incontável de fãs apaixonados, fiéis e efetivamente consumidores da imagem vendida pela mídia, para moldar as figuras dos jogadores de futebol, mais um produto midiático. Antes disso, essas mesmas narrativas davam conta de narrar a trajetória de tantos outros heróis da mitologia grega, da Bíblia etc.

Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo. Mas há também mitos e deuses que têm a ver com sociedades específicas ou com as deidades tutelares da sociedade. Em outras palavras, há duas espécies totalmente diferentes de mitologia. Há a mitologia que relaciona você com sua própria natureza e com o mundo natural, de que você é parte. E há a mitologia estritamente sociológica, que liga você a uma sociedade em particular. Você não é apenas um homem natural, é membro de um grupo particular. (Campbell apud Moyers, 2009, p. 24)

Muitos estudos já demonstraram como se dá a estrutura da narrativa de construção desses mitos, tornando-os figuras heroicas, que, embora de carne e osso, como as celebridades, tornam-se seres supremos e imortais, não no sentido literal, mas enquanto imagens simbólicas[1], pois, embora disponham das mesmas características físicas comuns a qualquer ser humano, tornam-se aparentemente intangíveis à grande massa e são eternizados através de canções, filmes, gols ou qualquer outra obra da qual tenha participado de alguma forma, estando em um conceito próximo ao tratado por Fausto Neto (2000) em seus estudos sobre os olimpianos. Se compararmos, assim como fizera Campbell (1995), as estruturas presentes em diversas narrativas de diferentes personagens, nota-se que elas se dão em uma trajetória análoga, portanto, um ciclo de vida, por assim dizer, similar. Essa é a Jornada do Herói, uma estrutura representativa a diversas narrativas de construção do mito/herói, independente de ocasiões, locais ou personagens.

Sabe-se que Pelé foi – e ainda é – o principal nome do futebol no mundo, sendo considerado o herói supremo do esporte. A revista Placar, uma das mais importantes publicações jornalísticas esportivas no Brasil, teve como tema de sua edição de maio de 1999, um especial com Pelé, denominado: Ele: Pelé – O herói do século (edição 1149) – uma revista toda dedicada a um único jogador. Em abril de 2010, 11 anos mais tarde, Pelé retorna à capa da Placar, agora, junto a Neymar, o promissor jogador do Santos. Os dois estampam a edição de aniversário dos 40 anos da revista, intitulada: Encontro Real (edição 1341). Nessa ocasião essas duas edições servirão como nossos objetos de estudo.

Quanto à escolha das duas edições citadas acima, ela se deu devido a uma somatória de considerações: 1- o período de tempo entre o início da carreira desses jogadores; 2- por se tratarem de duas edições importantes de um dos principais veículos do segmento de esporte no país, a revista Placar, visto se tratarem de duas edições especiais (o que constata o peso dos personagens estampados nas capas); 3- os personagens envolvidos: o maior jogador do século XX, o Rei[2] Pelé, e o considerado, hoje, seu possível sucessor, sendo um dos nomes mais comentados no futebol atualmente, o príncipe Neymar; 4- A mudança dos hábitos sociais entre o fim do século XX e a primeira década do século XXI, que pode ser observada na construção do discurso da mitificação do atleta de futebol, tendo como exemplo e objeto de estudo, o discurso dessas duas publicações.

O estudo pretende, nesse sentido, analisar algumas características que demonstrem se há ou não essa mudança na construção do herói, tendo como base o processo de mitificação da imagem de Pelé, já consolidada, e, agora, de Neymar, no qual a mídia parece se escorar em semelhanças e diferenças com o Rei, para moldar a personalidade e compor o personagem Neymar frente ao público.

Para tal, há de se observar as diferentes narrativas usadas nas distintas edições, a fim de que se identifique, além de sua contribuição para o campo do jornalismo esportivo, de que forma ou por que esses discursos são representativos do discurso da mitificação do jogador no futebol pela mídia. Ou seja, almeja-se analisar de que forma se dá a construção da imagem de Pelé e Neymar – por meio da Jornada do Herói.

Neymar vem sendo tratado pela mídia esportiva como o príncipe – uma analogia a Pelé, denominado de Rei do futebol. Assim, Neymar recebe diariamente comparações com o Rei, provindas especialmente por ele se tratar de um jovem jogador do Santos, unido ao bom futebol por ele apresentado, características marcantes na jornada/trajetória de Pelé.

Na edição 1149 nota-se um apelo de discurso para que se demonstre o porquê de Pelé representar um verdadeiro herói. Assim, a forma como a narrativa é estruturada acaba por obedecer a um ciclo: a Jornada do Herói. Esse ciclo, chamado de monomito (CAMPBELL, 1995), vem sendo identificado nos mais variados discursos, sob diferentes finalidades, sentidos, suportes etc., porém, aparentemente, com o passar dos tempos, o modo como os passos vem sendo interpretados, tem sofrido alterações. O motivo dessa mutação levantado pela pesquisa são as mudanças nos hábitos culturais ao decorrer dos anos, ocasionado, entre outros motivos, pelo processo de constante midiatização sofrido pela sociedade – enfatizado pelos estudos de THOMPSON (2001) –, que pedem por novas narrativas para sustentá-los.

Sodré (2002) discorre sobre as novas tecnologias como modos que transformam a pauta de interesses costumeiros em direção a uma qualificação virtualizante da vida. O autor entende a globalização como a teledistribuição mundial de pessoas e coisas, considerando a Revolução da Informação contemporânea como sucessora da Revolução Industrial; considerando que os avanços técnicos trazem a capacidade de acumular dados, transmiti-los e fazê-los circularem rapidamente. Processo que propicia a midiatização e traz à tona um novo tipo de formalização da vida social, que implica em uma outra dimensão, ou seja, em formas novas de perceber, pensar e contabilizar o real. (Barichello; Stasiak, 2007, p. 108-109)

Se antes o herói era apresentado como defensor da nação, assim como, segundo os discursos analisados, foi Pelé; hoje, mais uma vez considerando os discursos estudados, é possível configurar uma narrativa em que o herói se apresenta como um jovem ostentador, que sente prazer em demonstrar essa superioridade, o que se nota pela forma como Neymar é apresentado na edição 1341. Assim, a monografia visa responder se teria a mídia criado, por meio da figura de Neymar, um novo herói, agora atualizado; trabalhando, para tal, novas interpretações da clássica estrutura narrativa da Jornada do Herói.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento - Fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BARICHELLO, Eugenia; STASIAK, Daiana. Midiatização, identidades e culturas na contemporaneidade. Artigo científico disponibilizado no site: /contemporanea.uerj.br. Acessado em: 02/04/2011.

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix, 1995.

DEBORD, Guy, Sociedade do Espetáculo: Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro. Contraponto, 1997.

FAUSTO NETO, Antônio. O joelho aprisionado: estratégicas mediáticas e o “caso Ronaldo”. Revista Comunicação, Movimento e Mídia na Educação Física – Vol. 3, Ano 3. Santa Maria: Palloti, 2000.

MOYERS, Bill. Joseph Campbell. O poder do mito. São paulos: Palas Athena, 2009.

THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

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[1] “O símbolo não é uma coisa singular, mas um tipo geral. E aquilo que ele representa também não é individual, mas um geral. Assim são as palavras. Isto é: signos de lei e gerais”, explica SANTAELLA (1999, p. 67). Por sua vez, “o signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (id., p. 58). Ou seja, esses personagens representam simbolicamente – a partir de uma construção realizada coletivamente dentro da cultura, mais especificamente nos instrumentos midiáticos – o sentimento/a essência da nação.

[2] Em maiúsculo tal como é tratado na edição 1149 da Revista Placar, trabalhando, justamente, com uma representação de Pelé como um semideus.

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