O PROGRESSO NO SERTÃO: PARA ONDE VAI O CARANGUEJO



O PROGRESSO NO SERTÃO: PARA ONDE VAI O CARANGUEJO?

(CAETITÉ-BA, 1910-1930)

Eudes Marciel Barros Guimarães

Mestrando em História – UNESP/Franca

eudesembg@.br

Os estudos do interior brasileiro na época da Primeira República merecem ser estrategicamente pautados dentro das visões políticas e culturais intensificadas pelas ideias de nação e progresso. A nova situação do país trazia à tona os “homens novos” que davam o tom geral à ordem que se criava (SEVCENKO, 2003, p.37). Nesse cenário marcado por inspirações liberalistas, utilitaristas, positivistas e humanitaristas, houve vários diagnósticos da singularidade da sociedade aqui estabelecida, objetivando a montagem de projetos “preocupados em compatibilizar a nação com o progresso” (MARSON, 2010, p.166). Projetos de Brasil que também visavam superar a imagem de um povo desencontrado consigo mesmo. De olhos voltados para o futuro, arquitetos, juristas, historiadores, pré-sociólogos etc., tencionavam “fazer do Brasil uma nação apoiada em cidadãos bem formados, homens conscientes de direitos e deveres, conjugando um objetivo comum” (BRESCIANI, 2010, p.192). No campo das experiências desejadas, acompanhar o progresso significava “alinhar-se com os padrões e o ritmo de desdobramento da economia europeia”, num tempo em que “a imagem do progresso – versão prática do conceito homólogo de civilização – se transforma numa obsessão coletiva da nova burguesia” (SEVCENKO, 2003, p.42).

Era uma obsessão sedutora e muito difundida, figurando o contrário do atraso representado pelo tradicionalismo das relações de comunidades, marcadas pela falta de sistematização política e pelo distanciamento da acumulação material e das ações modernizadoras. Nação e progresso eram noções que moviam aspirações de transformação social em larga escala. Jantando-as num jogo de experiências e enganos, de contradições entre o real, o possível e o desejado, pode-se notar as efetivas mudanças na experiência histórica, levando em conta as intensificações promovidas por esse jogo em muitos espaços sociais do país, especialmente naqueles em que o futuro anunciado não era sentido, tampouco visível numa época em que a visão acompanhava e validava a concretização do progresso.

Levando em conta essas balizas, o objetivo deste texto é apresentar alguns caminhos que pretenderei aprofundar em minha pesquisa de mestrado.[1] Partindo das transformações nas duas últimas décadas da Primeira República, proponho escrutinar experiências de muitos sujeitos que habitavam ou se relacionavam com a região de Caetité, no interior da Bahia. Tomo como pressuposto as suas perspectivas de mudança que levaram-nos a vislumbrar possíveis empreendimentos, os quais acabaram por não se efetivar da maneira desejada ou de nenhuma maneira.

Duas notícias de primeira página

No início de agosto de 1927, o jornal paulista Folha da Manhã destacava na primeira página duas matérias que considero incisivas para captar duas potentes imagens pertinentes nos debates da época. A primeira notícia, estendida verticalmente no lado esquerdo do jornal, chama a atenção para a presença de um “menino” entre os cangaceiros comandados por Lampião, estando “já tão criminoso como os maiores do bando”. O pequeno Oliveira, como era o seu nome, tinha por volta de dezesseis anos, “franzino, de raça branca, descende dessas famílias de sangue puro que outrora povoaram os altos sertões do Nordeste”.[2]

Segundo o que se diz pelo sertão, continua o autor, o pai desse menor foi assassinado há tempos “por simples questões locaes, a mando da família Ferraz e de Quincas Goudin, potentados dos sertões pernambucanos”.[3] Perscrutando as possibilidades de justificativa para a sua entrada no Cangaço, o jornalista acrescenta:

É preciso reconhecer que o primeiro passo do criminoso precoce foi dado por um impulso de dignidade. A própria vida do cangaço é que se encarrega posteriormente de polluir aquelles que a elle se entregam para satisfazer o seu pundonor medieval.[4]

De acordo com a matéria, a dignidade e a honra são as justificativas às quais recorriam aqueles “facínoras” para legitimar suas ações por meio da vingança violenta, a princípio bastante clara: “Lampeão ajudou logo de princípio o pequeno Oliveira na sua vingança. Foi ha tempos ao Riacho do Navio, no interior do Pernambuco, atacou a fazenda do citado Quincas Goudin e matou-lhe trezentos e sessenta bois!...”. Mas numa dimensão mais ampla, as causas do banditismo no Nordeste nesse período, que se expressa na evidência fulgurante do Cangaço, são assinaladas pelo autor como intimamente ligadas ao analfabetismo, à falta de comunicações, à ausência de justiça, ao predomínio dos “chefes políticos de aldeia”, à atrocidade das polícias e à necessidade de trabalho.[5] Numa indagação nodal sobre o porquê do “pequeno sertanejo” ter-se tornado cangaceiro “em tão verdes annos”, o arremate é o ponto mais expressivo da matéria:

Porque o sertão é como a Córsega, não possue justiça, sendo cada qual, quando não quer ficar deshonrado, obrigado a obtel-a por suas próprias mãos. Depois da vendetta, a catinga [sic] acolhe o criminoso sertanejo com a mesma generosidade com que o maquis occulta o corso.[6]

A outra matéria, estampando com destaque o centro da página e acompanhada de “clichês” ilustrativos, traz o sugestivo título “A travessia do Atlântico”. Trata, em suma, do “heróico feito” de Charles Lindbergh ao atravessar o Atlântico num vôo da América à Europa em 22 de maio de 1927, feito repetido pouco tempo depois “por outros irmãos seus”. A aventura foi vastamente celebrada, especialmente na “mãe pátria”, a França, e a data, prenuncia o jornal, “por certo uma das mais bellas da história moderna.”[7]

Foram dias de delírio e de glória. E o immenso mar que antes era para os povos uma via longa e trabalhosa, tornava-se agora a nossos olhos, uma estrada suave, cheia de luz e de esperanças. [...] Acabavam para sempre as distâncias entre os povos.[8]

A narrativa bastante enfática e entusiasmada evidencia o espírito da época muito voltado aos desafios ao que até então parecia impossível ser vencido. A ação tomou um destaque decisivo nas projeções simbólicas e nas experiências sociais daquele tempo; a imprensa encarregou-se de divulga-la: “eram seus filhos [os aviadores franceses], que num nobre desprendimento, entre o ceo e a terra, contra a fúria dos elementos, queriam confundir-se com os astros: e quaes constelações brilham perenes enquanto o mundo fosse mundo”.[9]

O ambiente sertanejo encarado como um lugar de desmandos, onde o “pundonor medieval” é satisfeito, e o ambiente do heroísmo moderno sustentado pelos aprimoramentos tecnológicos formam as duas imagens que a princípio se opõem, mas polemizam a ideia de Brasil e os projetos de futuro para o país. Sustentado este argumento pelas reportagens acima apresentadas na Folha da Manhã, a questão que se colocava num período de nacionalismo bastante aflorado era suficientemente complexa para despertar os desejos de reivindicar a participação nas experiências de progresso nacional nos mais variados espaços sociais do interior brasileiro.

“A caatinga acolhe o criminoso sertanejo”

A proposta que ora apresentamos não está voltada à discussão do Cangaço na perspectiva do banditismo no Nordeste, tampouco para as os efeitos do crescimento da aviação no cenário da época. Ainda que ambos os temas concatenem as complexidades de um tempo expressas numa única folha de jornal na medida em que nela tenta-se captar uma síntese da realidade,[10] nosso olhar focaliza, antes, os lugares que estão sendo tratados.

No pensamento social entre o período de 1870 e 1940, o sertão chegou a “construir categoria absolutamente essencial (mesmo quando rejeitada) em todas as construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira” (AMADO, 1995, p.146). Nesse cenário, o interior do Nordeste, especialmente as suas subáreas mais áridas e pobres, foi tomado como um espaço de alteridade em relação aos lugares onde o progresso ganhava fôlego. E justamente pela intensa propaganda de modernização nas primeiras décadas do século passado, as regiões de onde se poderiam retirar elementos que configurassem a imagem do atraso que tanto se desejava extirpar dos projetos de nação brasileira eram lidas como territórios de desmandos, com uma paisagem selvagem que expulsava o homem ou o condicionava.[11]

Recorrendo às explicações sociológicas da época para entender as “causas” do Cangaço, Gustavo Barroso, no livro Heróis e bandidos: os cangaceiros do Nordeste, publicado pela primeira vez em 1917, assinala o clima como fator de “máxima culpa na produção da cangaceiragem”, e acrescenta:

Em todas as manifestações da vida sertaneja, campeando o gado, caçando, caminhando dias inteiros sem topar uma casa, o homem adquire o costume de viver longe da comunidade e de somente contar consigo em qualquer luta. As privações o endurentam e tal hábito [de insulamento] lhe dá desprezo pela segurança que a sociedade oferece, fortalecendo seu amor próprio. (BARROSO, 1931, p. 23 e 24).

Esse espaço brutal do sertão torna-se absolutamente negado pelos ideais (e idealizadores) da nação quando nele se promovem os agentes da brutalidade. “A caatinga acolhe o sertanejo criminoso”, escreveu o repórter do “Norte” ao jornal paulista. Enquanto os “rudes” sertanejos estavam dispostos ao bruto sertão, estavam também bastante propícios ao universo da violência, e por isso se distanciavam daquela “estrada suave, cheia de luz e de esperanças”, perto ou além do Atlântico.

Numa interpretação bastante fecunda do romance de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, Willi Bolle focaliza um aspecto fundamental da obra quer seja o “sistema jagunço”, caracterizado como “uma grande metáfora para designar o complexo de violência e miséria, a história do sofrimento dos povos, a falta de justiça e de diálogo social” que bloqueiam o processo democrático e a emancipação do país (2007, p.144). A narrativa é feita entorno de bandos de jagunços que organizam o crime e exercem o poder no planalto central brasileiro por volta de 1900. O ponto alto da interpretação ocorre quando a associação entre Crime e Lei transcende o sertão e passa a ser entendida, de maneira perspectivista, no “quadro de uma sociedade – a nossa – que se criminaliza à medida que avança no caminho da modernização” (BOLLE, 2007, p.144). Na leitura que Bolle faz de Rosa, é proposto o entendimento do sertão “como forma de pensamento”. Se o estilo, a composição e o modo de pensar rosianos são labirínticos,[12] o espaço também pode ser lido como um labirinto, onde a linguagem, os costumes, os imaginários e as experiências sociais superam os condicionamentos climáticos e mesológicos.

É necessário, porém, dizer que estão sendo colocadas em causa implicações do campo político no que diz respeito à inclusão de um espaço, isto é, de sujeitos que vivem em um determinado espaço, nas perspectivas de futuro e planos para o progresso do país. Perspectivas e planos alimentados pela dinâmica da modernização e pelas visões modernistas. Nesse sentido, tinha razão o repórter do “Norte” que, “diferente dos seus companheiros de imprensa”, chamava a atenção contra o analfabetismo e a falta de comunicação que, uma vez superados, “nunca mais surgirão Lampeões. O meio não poderá mais absolutamente produzil-os”.[13]

O caranguejo no sertão: significados possíveis

É também num livro de Guimarães Rosa que se encontra a figura do caranguejo. Em Tutaméia: terceiras estórias (1967), no final de alguns contos, o desenho aparece dentro de um círculo. O símbolo do caranguejo poderia referir-se ao signo do autor, mas também, pelo seu movimento “para frente e para trás”, poderia estar relacionado ao processo ambíguo de modernização do sertão (RODRIGUES, 2009, p. 36). É nesta última possibilidade que me deterei.

A pergunta que acompanha o título deste texto aponta um sentido simbólico do caranguejo apropriado pela linguagem sertaneja na primeira metade do século passado para significar o progresso no sertão. Como um artrópode, esse animal não anda propriamente para frente e para trás, mas para os lados. No entanto, na dimensão simbólica, o movimento do caranguejo, “para diante e para trás” ou “para um lado e para outro”, capta bem o movimento da modernização de muitas regiões do interior do Brasil, que se expressa pelas promessas e desejos não realizados.

Recorrendo às significações amplas e históricas da simbologia do caranguejo, nota-se que “como inúmeros outros animais aquáticos, está ligado paradoxalmente, aos mitos da seca e da lua”. Aparece, com variações de significado e símbolo, em tradições chinesas, indianas e africanas. “Na China, dava-se a ele, “segundo um texto do período T’ang, o nome Koel (‘ladino’, ‘esperto’), sem dúvida em razão do seu deslocamento lateral [...] ligado a esse tipo de andar obliquo e pinças ávidas”. Além disso, “desde a Antiguidade Clássica, sua imagem está associada à da lua [...], porque esses animais marcham como a lua, para frente e para trás” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003, p.186 e 187, grifos dos autores).

A alusão ao caranguejo pode ser encontrada em outras passagens da literatura brasileira em diferentes épocas.[14] Ele serve mais para apontar um ir-e-vir inconsciente, uma ausência de direção segura. É nesse sentido que o caranguejo aparece no sertão, desta vez quando as transformações alcançam uma difusão vasta e sedutora (final do século XIX e início do século XX) , com focos de “vigorosas mudanças e uma atividade econômica febril” centrados numa cidade irradiando “para todo o seu Hinterland, num único movimento convulsivo e irresistível” (SEVCENKO, 2003, p.59). Onde não chegassem as condições materiais para que as mudanças fossem percebidas e vividas, a sensação de atraso, de alheamento ao processo, tomava formas. E, ao mesmo tempo, os desejos de ser integrado, de ser absorvido, deixam subtendido um lugar disposto às transformações, à superação de suas “tradições” entendidas como os motivos para explicar sua miséria e ignorância.

Em um artigo de jornal publicado em 1915, numa cidade do alto sertão baiano, o autor chama a atenção para o mau funcionamento do correio que provoca sucessivas frustrações. Diante dessas incertezas, o jornalista imerge o fato numa dimensão bem maior:

A nós se nos affigura, e não é d’agora, que o nosso progresso – isto é, o progresso destas reconditas plagas que, para os nossos dirigentes das alturas estaduaes e federaes, só merecem desprezo e que, quando muito, e por muito favor, só alcançam dos poderes uma esmola que nos distribuem de cara à banda e suspendendo o olfacto; – não se faz em linha recta: é realisado em tortuosa senda que tende sempre à forma circular. Depois de muito andarmos, chegamos de repente a um ponto por onde passamos ou bem proximo d’elle.[15]

E, logo em seguida, acrescenta que “de accordo com o que acima dissemos, é justa e aplicavel ao caso a phrase usada quando nos lembramos do caranguejo: ‘andar para deante e para traz’”. Irrompe, assim, a necessidade de ritmar o progresso da região na “linha reta” exposta na propaganda de modernização do Brasil, como se vê nas intenções da Exposição Nacional de 1908, desejosa por apresentar “n’um quadro magnífico, a imagem do progresso do Brazil”, desenhada a partir de empreendimentos como:

A vasta rêde telegraphica que une pelo pensamento os pontos mais longinquos do nosso território entre si e com todos os centros industriaes e intellectuaes do mundo; as vias férreas que ligam os Estados e caminham pelo interior, galgando as serras, transpondo os rios, conquistando para a civilisação os sertões bravios, desertos e demandando as fronteiras, hoje limitadas por tratados internacionaes; as cidades, as vilas antigas e novas, os povoados e as colinas nascentes; [...] os correios multiplicando sob todas as fórmas e por todos os meios de communicação a correspondencia, com desenvolvimento tamanho, que só por milagre se consideraria possivel há cem annos.[16]

No entanto, as experiências – pouco tempo depois do balanço de um século feito na Exposição –, que deveriam firmar e mesmo dar fôlego ao desenvolvimento nacional, indiciam uma secessão de enganos. A ausência da efetivação das propagandas modernas da época provoca um desconforto em sujeitos de muitos lugares no interior do país. Nesse sentido, é possível sugerir três perspectivas de interpretação para potencializar a referência ao caranguejo relacionado ao progresso no sertão: a inquietação, a mobilidade e a velocidade.

Todos esses três temas são marcantes na modernidade, num jogo de ativação de transformações e de conseqüências.[17] Ser moderno é estar num ambiente que possibilita homens e mulheres movimentarem-se para qualquer lugar com maior velocidade possível. Isso implica uma inquietação que é a conseqüência dessa capacidade: numa última análise, as transformações e autotransformações provocam a desorientação do sujeito e desintegração constante de seu modo de vida. O caranguejo, “esperto” e “ladino” no período T’ang chinês pela sua capacidade de deslocamento, pelo seu andar obliquo e pinças ávidas, dessa vez toma um sentido de pequenez, de mobilidade limitada, de velocidade irrisória e inquietação improdutiva diante da vastidão e empreendimentos modernos.

Com efeito, o caranguejo pode ser tomado como uma metáfora do “tempo sertanejo” (res)sentido pelos sujeitos que o vivenciavam diante de uma imagem formada de um tempo outro, veloz e intenso, carregado de expectativas futuras e sempre adiante com os aprimoramentos técnicos.

Caetité: os caminhos e os círculos

“Depois de muito andarmos, chegamos de repente a um ponto por onde passamos ou bem próximo delle” – escreveu o jornalista sertanejo mergulhado na frustrante sensação de ausência do progresso prometido. A assertiva capta bem os desejos irrealizados, o desengano, o lugar daqueles sujeitos fora do futuro projetado. Também remete às experiências do cotidiano, um cotidiano travado pela rotina e em que se operam vestígios de um passado incômodo. Um ir-e-vir que elabora o tempo sertanejo, tempo sentido realizado em “tortuosa senda, que tende sempre à forma circular”. Essa sensação é o fundamento das transformações daquele espaço social, fora do ritmo da nação desejada.

Na época em que as vias férreas eram os elementos materiais e simbólicos que delineavam o caminho para o futuro, o mesmo jornal, produzido na cidade de Caetité, reivindicou diversas vezes o empreendimento da Estrada de Ferro Central da Bahia que, numa proposta de 1880, deveria seguir para o Sul em direção ao Norte de Minas Gerais, cortando a região de Caetité. Mesmo vencedora a proposta, não se efetivou a sua passagem pela ou bem próxima à cidade, como era esperado. Seria uma possibilidade de aceleração do tempo, de conexão segura com outras regiões, de colocar a cidade definitivamente nos trilhos da modernidade.

A mesma formação urbana que antes servia como ponto de apoio às rotas e caminhos daquele vasto sertão, o que a colocou durante a maior parte do período oitocentista numa posição privilegiada, via-se, naquela passagem de séculos, praticamente desconectada pela falta de uma ferrovia que a fizesse ponto obrigatório. Todo o ambiente que durante muito tempo autorizou as elites de Caetité reclamar maior atenção dos dirigentes do Estado encontrava-se fragmentado e em concorrência com outras formações urbanas,[18] para o desespero dos mais apegados à imagem que destacava a cidade no alto sertão da Bahia.

Em meados do século XIX, Caetité era uma das mais importantes vilas do sertão baiano.[19] Durante muito tempo nela se concentravam “os pontos distribuidores da cultura do algodão, produto de grande importância para a exportação” e suas dimensões também se caracterizaram pela expressividade na policultura e criação de gado (PAES, 2001, p.30). Lycurgo Santos filho, no livro Uma comunidade rural do Brasil Antigo, faz uma reconstituição do que seria a vila na época: compondo-se de quatro praças (as da Matriz, da Câmara, Alegre e a de São Sebastião); mais de vinte ruas cortadas por estreitas travessas, todas cheias de habitações térreas, sendo raros os sobrados; possuía um hospital de caridade, a Santa Casa da Misericórdia, e era a sede do Batalhão 78 da Guarda Nacional (1956, p.65). Acrescenta ainda que

Caetité era o centro comercial da região, com duas ou três grandes firmas importadoras, onde se abasteciam os proprietários rurais. E era o centro das atividades sociais daquele pedaço de sertão, com seu teatrinho de amadores, suas festas de Igreja, suas reuniões lítero-musicais dançantes (SANTOS FILHO, 1956, p.66).

Como se vê, a vila figurava não só como um centro de relações comerciais da região, mas também como um espaço onde as atividades culturais e as sociabilidades eram ensaiadas toantes com a cultura urbana difundida na época. As transformações durante o século XIX, que se intensificaram nas suas últimas décadas, ecoaram nas experiências de alguns dos habitantes das dimensões caetiteenses. A propósito do fazendeiro Exupério Canguçu que, percebendo os novos rumos da economia e gostando “de instruir-se e de progredir”, “ aventurou-se na instalação, em 1868, de um forno para produção de ferro, utilizando minério encontradiço em terras de suas propriedade”. (SANTOS FILHO, 1956, p.59). No entanto, os desejos de ritmar o progresso do sertão ao progresso que se percebia nos grandes centros urbanos não encontraram resultados desejados. O devir mostrou o seu fracasso e, no século seguinte, mais do que nunca se abusaria da oposição cidade industriosa / campo indolente (SEVCENKO, 2003, p. 45), e nesse mesmo movimento ganhava fôlego novo à dualidade entre sertão e litoral.

Expressões dessas dualidades eram o pensamento sobre o “homem do campo”, difundido por alguns autores da época, e o estigma de preguiçoso com que os estrangeiros açulavam os brasileiros. Numa análise das aproximações de Hyppolite Taine com o pensamento de Oliveira Vianna, Maria Stella Bresciani assinala que o tema da incapacidade política da maior parte dos franceses constituiu força para os argumentos de Taine que recorreu a exemplos de desinformação e ignorância para “demonstrar que alguém que ‘passa o dia inteiro no campo, executando um trabalho que prende o pensamento do homem à terra’”, somente pode preocupar-se com a colheita, com a chuva, o preço dos grãos e do esterco; “quando, à noite, volta para casa, ‘tem a cabeça cheia de imagens e vazia de idéias’” (1998, p.54). Além disso, Nicolau Sevcenko avalia que as observações da sociedade rural e dos grupos tradicionais “a partir do ângulo urbano e cosmopolita, em que o tempo é encarado sobretudo como um fator de produção e acumulação de riquezas”, levaram à construção de um juízo daquela sociedade, dotando-a da “tradicional preguiça” (2003, p. 45). Temos, assim, duas imagens recorrentes na época das quais não escapavam os habitantes das pequenas cidades do interior. Mesmo com a dotação de cidade, em Caetité prevaleciam nas ruas e nas praças hábitos tradicionalmente rurais – mesmo porque grande parte da população residia nas roças –, muito diferentes das novas sociabilidades da “cidade industriosa”.

Quais seriam, então, os caminhos para transformar Caetité no foco do progresso da região, toante com os centros urbanos que irradiavam energia para os seus arredores? Forjar uma memória da cidade e ao mesmo tempo destitui-la dos elementos do atraso, trazer ao seu território as vias telegráficas e ferroviárias, recuperar a sua importância renovado-a no novo contexto, eram desejos recorrentes nos discursos da imprensa, reclamados à ação dos políticos e apelados aos mais abastados e poderosos da região. Na mesma medida, seriam maneiras de revogar o estado de pouca importância econômica da cidade numa dimensão ampliada e de superar os vestígios de passado contrários às projeções de futuro.

Mas a sensação de andar em círculos, de desejos não realizados e de promessas não cumpridas, fez reforçar um sentimento de alheamento de que resultou uma figura expressiva, caracterizando o lugar do sujeito que vive no sertão, longe dos “confortos das grandes cidades civilizadas”. Se a caatinga – entendida num sentido simbólico, como paisagem do sertão nordestino – acolhe o criminoso sertanejo, é também o lugar que cria e serve de refúgio ao tabaréu, figura que toma vigor na atmosfera da modernidade, sendo sua principal característica justamente a inadequação a essa atmosfera. Marshal Berman, em Tudo que é sólido desmancha no ar, admite o aparecimento de larga repercussão na literatura de uma categoria de pessoas que representam os que estão “no caminho da história, do progresso, do desenvolvimento”, mas que são “classificadas e descartadas como obsoletas” (1986, p.66). Acredito que nessa perspectiva é possível construir uma interpretação. O tabaréu do sertão, por ser do sertão e por ser tabaréu, só merece o desprezo dos dirigentes das alturas e o deboche dos seus superiores. No entanto, em seu íntimo, desconfia sempre da boa vontade de quem lhe é estranho, dos “homens novos”, dos empreendedores da inovação. O tabaréu é uma mistura de acanhamento e desconfiança. Quando está próxima a modernização, a possibilidade de realiza-la, é o elemento que se quer extirpar; quando a promessa não se efetiva e se revela enganadora, é a imagem que traduz a desconfiança desde o início, assim admitindo, não houve engano.

Considerações finais

Se adotarmos “um ponto de vista crítico sobre a história do processo civilizatório brasileiro”, como sugere Michel Löwy, poderíamos nos perguntar: para quem efetivamente o progresso constituiu-se como promissor? E no movimento dessa questão, focalizando o interior do Nordeste, acrescentaríamos: quem foram os “homens novos” dos sertões nordestinos senão os filhos dos senhores rurais, formados nas melhores escolas do país e, mesmo não voltando ao lugar de origem, alguns mantinham estreito vínculo, apegados à manutenção da ordem e da dominação local? Löwy ainda assinala que “em nome da ordem e do progresso se impôs à população [brasileira] a jaula de ferro do capitalismo dependente” (1998, p.137), e acrescenta:

A civilização oligárquica republicana brasileira é herdeira legítima de quatro séculos de “missão civilizadora” do sistema colonial e do escravismo – responsável pela morte ou extinção de boa parte da população indígena –, embora ela tenha substituído a cavalaria bandeirante pela artilharia moderna, e a providência divina dos catequistas pelo dogma científico dos positivistas (1998, p.138).

As sucessivas desilusões decorrentes das experiências fora dos projetos de nação e das perspectivas de progresso fizeram com que muitos habitantes de Caetité, como de diversos outros lugares, elaborassem um ritmo próprio, inconscientemente e sem controle – como é próprio do processo histórico. Essa elaboração foi possibilitada pela atmosfera moderna do período e pelas projeções dos ideais de povo e nação e, dentro delas, o papel das regiões. No entanto, se fez de modo bastante peculiar, fora do ritmo e intensidade desejados. As características desse ritmo e dessa intensidade devem ser averiguadas nas transformações gerais da época no país e nas peculiaridades do processo histórico dos locais.

A noção de tempo circular não dá conta de explicar as transformações ocorridas no devir histórico do espaço sertanejo que focalizo. Durval Muniz de Albuquerque Júnior, em A invenção do Nordeste e outras artes, assinala que já na década de 1930, “a preocupação com a nação e com a região se encontra com a preocupação com o ‘povo’, com os trabalhadores e com os operários”, além disso, “os territórios populares de revolta são tomados como prenúncio da transformação revolucionária inexorável” (2006, p.184). Nesse contexto, os discursos sobre o Nordeste mudam e a região é tomada de modo incisivo do ponto de vista político. No campo das experiências, especialmente nos lugares em que não despontavam revoltas coletivas, os desejos de alinhamento aos padrões e ritmos difundidos em larga escala possibilitaram transformações nos modos de vida, na estética, na linguagem, distantes de uma “linha reta” projetada no imaginário social do progresso, mais longe ainda da revolução transformadora e inexorável, porém decisivas para as reconfigurações sociais do lugar. Nesse sentido, impunha-se a pergunta própria da modernidade: “para onde será que estamos indo?” O tempo sertanejo sentido como um tempo que caminha como o caranguejo não tem direção certa, mas transcende as limitações da forma circular. É reinventado e traz à tona os “homens novos” do sertão, que podemos analisar em outras perspectivas, os homens da imprensa sertaneja, os narradores viajantes renovados pelo deslumbramento com os “lugares modernos”, os que pousam para a fotografia ao lado de uma bicicleta, “além de outros, cujos nomes não transpuseram em telegramas as fronteiras sertanejas.”[20]

Fontes:

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MELO FILHO, Djalma Agripino de. Mangue, homens e caranguejos em Josué de Castro: significados e ressonâncias. História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro, vol. 10, maio-ago. 2003, p. 505-524.

PAES, Jurema Mascarenhas. Tropas e tropeiros na primeira metade do século XIX no alto sertão da Bahia. Salvador, BA, 2001. 165 p. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Bahia.

RODRIGUES, Camila. Mãos vazias e pássaros voando: memória, invenção e não-história em “Tutaméia: Terceiras Estórias”, de João Guimarães Rosa. São Paulo, SP, 2009. 147 p. Dissertação (Mestrado em História Social), Universidade de São Paulo.

SEVCENKO, Nicolau. O rosto do mundo. (Prefácio). In: FOLHA DE SÃO PAULO. Primeira página: Folha de S. Paulo. 5ª ed. São Paulo: Publifolha, 2000.

________. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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[1] A pesquisa, desenvolvida na Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP/Franca, sob a orientação da Profª. Drª. Márcia Regina Capelari Naxara, tem como título “Desejo e engano na experiência do tempo sertanejo (Caetité-BA, 1910-1930)”, e conta com o financiamento da CAPES.

[2] “O pivette de Lampeão”, Folha da Manhã, 01/08/1927. In: Primeira página: Folha de S. Paulo. 5ª ed. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 20.

[3] Idem, grifos meus.

[4] Ibidem, grifos meus.

[5] Ibidem, grifos meus.

[6] Ibidem, grifos meus. Atento-me para a referência à Córsega feita pelo autor como um detalhe bastante significativo. “A Córsega, como os corsos, assinala Jean-Louis Fabiani, sempre permaneceram na periferia, sem que esta seja claramente declarada: ao contrário, a retórica republicana negou regularmente os efeitos próprios da situação insular, antes de mudar de ponto de vista, propondo dispositivos destinados a atenuá-los, até mesmo a suprimi-los. [...] A história da Córsega francesa é inicialmente a de um impossível controle de território. [...] Desde a chegada dos franceses, instaura-se, entre o centro e a periferia, uma relação que prefigura a empresa colonial. As resistências levam a legislações de exceção e a militarização da manutenção da ordem. [...] O clientelismo corso [...] é caracterizado por uma relação fundada na troca de serviços por um apoio eleitoral”. Ver: FABIANI, Jean-Louis. A Córsega ou as servidões da autenticidade. Sociologias, Porto Alegre, ano 5, nº. 9, jan/jun 2003, p. 354, 355 e 356. Por essa análise de perspectiva panorâmica é possível entrever as semelhanças e as motivações para nota-las diante do sertão nordestino na época. A modernidade europeia, sendo o foco dos olhares e desejos brasileiros no período da Belle Époque, apresenta, neste quadro, o seu ponto de contradições indesejadas.

[7] “A travessia do Atlântico”, Folha da Manhã, 01/08/1927. In: Primeira página: Folha de S. Paulo. 5ª ed. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 20

[8] Idem.

[9] Ibidem.

[10] No prefácio da coletânea Primeira Página, Nicolau Sevcenko assinala o exercício jornalístico do jornal em pauta dinamizado pelos “próprios movimentos dessa estranha nebulosa denominada História”. A propósito das matérias de primeira página, acrescenta que se trata de “uma história truncada, uma atividade fragmentada e um mundo caótico: eis o que parece ser uma equação sinistra”. Diante disso, o historiador adverte: “se poderia também lembrar como a forma jornalística de apresentação do real tende a prender a informação num isolamento sedutor, num tempo eternamente presente e superficial, e a transformar lances trágicos da história dos homens num espetáculo para o deleite complacente de seus leitores”. SEVCENKO, Nicolau. O rosto do mundo. Prefácio de Primeira Página: Folha de S. Paulo. 5ª ed. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 9-11.

[11] Nas primeiras décadas do século XX, o sertão é reinventado em Nordeste, as paisagens sertanejas, já então homogeneizadas e modeladas pelas narrativas que vinham desde o século anterior são transformadas em paisagens da região do Nordeste. Ver: BARBOSA, Ivone Cordeiro. Sertão: um lugar incomum. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Fortaleza: SECULT, 2000. Apud: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordeste: uma paisagem que dói nos olhos e nas mentes. Disponível em . Acesso em 11/06/2010. Mesmo que a busca da “autenticidade brasileira” privilegiasse-se desse “espaço amontoado de mitos, ícones, referências, citações, memórias, marcas e marcos”, essas características também eram os motivos para explicar a miséria e a ignorância do sertanejo nordestino. Ademais, nesse momento histórico, a “paisagem nordestina” passa a ser entendida como um espaço onde o personagem central é o sol que “ressaca a terra, faz ficar murcha, enegrecida, cinza a caatinga, garranchuda, espinhenta, selvagem a vegetação que parece expulsar permanentemente o homem para outro lugar, que provoca o êxodo permanente de sua gente”. Ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Op. cit, p. 6.

[12] Essa discussão é feita por Willi Bolle no segundo capítulo de grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004, p. 47-89, onde assinala que “a narrativa emaranhada, sem linearidade, constelacional” coloca o “povo” numa rede labiríntica: “batalhas, envolvimentos afetivos, dúvidas existenciais e especulações metafísicas, numerosas passagens discretas que retratam a história cotidiana e cultura do povo” (p.84, grifo do autor).

[13] “O pivette de Lampeão”, Folha da Manhã, op. cit., p.20.

[14] Quando escreve sua História do Brasil na primeira metade do século XVII, Frei Vicente do Salvador observa: “da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora não houve quem o andasse por negligência dos portugueses, que, sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos”. Ver: SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. 6ª ed. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, 1975, p. 59. Já em meados do século passado, Josué de Castro elabora a “metáfora do homem-caranguejo, criada para designar uma nova espécie de homem que habitava os mangues do Recife”. No âmbito filosófico ou mesmo sociológico de sua obra, entende-se que “o homem-caranguejo está mergulhado na particularidade ou vida cotidiana, comprometido fundamentalmente com a conservação/reprodução de sua vida, não mantendo uma relação consciente com a genericidade” e por isso não se pode “falar em desenvolvimento humano (progresso)”, já que não se percebe um homem “mais sociável, mais consciente, mais livre e mais universal”. Ver: MELO FILHO, Djalma Agripino de. Mangue, homens e caranguejos em Josué de Castro: significados e ressonâncias. História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro, vol. 10, maio-ago. 2003, p. 505-524.

[15] GUMES, João. “O Correio”, A Penna, 11/02/1915, p. 1.

[16] Boletim Commemorativo da Exposição Nacional de 1908. Rio de Janeiro: Typografia da Estatística, 1908. (Acervo digital do IBGE, Disponível em . Acesso em 22/06/2010).

[17] Refiro-me, ao longo do texto, à modernidade do final do século XIX ao início do século XX. Ver: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.17.

[18] As dimensões de Caetité durante boa parte do Império estendiam-se vastamente pelo interior da Bahia, abrangendo o sudoeste do estado, com fronteiras com o oeste e com Minas Gerais. Segundo informações do IBGE, entre 1911 e 1933, seu território já bastante diminuído sofreu outras alterações: em 1911, o município aparece constituído de 10 distritos: Caetité, Aroeiras, Caculé, Canabrava, Bonito, Lagoa Real, Passagem da Areia, Rio do Antônio, Santa Luzia e São Sebastião do Caetité; em 1919, desmembra do município de Caetité os distritos de Caculé, Rio do Antônio e São Sebastião do Caculé, para constituir o novo município de Caculé; em 1933, o município aparece com 5 distritos: Caetité, Brejinho das Ametistas, Canabrava dos Caldeiras (ex-Canabrava), Bonito, Lagoa Real, não figurando o distrito de Aroeiras, Caculé, Passagem da Areia e Santa Luzia. Ver: Acervo digital do IBGE, disponível em: . Acesso 22/06/2010.

[19] Elevada à condição de vila em 1810, a Vila Nova do Príncipe de Caetité tinha adquirido grande importância que resultou no seu desmembramento de Rio de Contas. Foi oficializada como cidade em 1867.

[20] “O pivette de Lampeão”, Folha da Manhã, op. cit., p. 20.

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