Barros, Luiz Carlos Mendonça de



Barros, Luiz Carlos Mendonça de. “O dólar cansado”. São Paulo: Folha de São Paulo, 19 de outubro de 2001. Jel: G

O dólar cansado

Luiz Carlos Mendonça de Barros

O dólar cansou! Depois de um "sprint" extraordinário nestes últimos sete meses, quando sua cotação em relação ao real passou de R$ 2,00 para mais de R$ 2,80, a moeda americana está demonstrando nítidos sinais de cansaço. A corrida em relação ao real não vai parar ainda e, quase certamente, o valor da moeda americana ainda vai subir mais em relação a nossa nos próximos meses. Mas o ritmo de desvalorização vai diminuir e, em algum momento do primeiro bimestre do ano que vem, nossa moeda vai começar a valorizar-se no mercado.

O dólar é uma mercadoria como qualquer outra. Seu preço em relação a outras moedas é fixado livremente nos mercados de câmbio pelo equilíbrio entre compradores e vendedores. No Brasil, onde quase todas as transações usam o dólar americano como contrapartida do real, também temos hoje um mercado livre. Principalmente depois que adotamos, em janeiro de 1999, o regime de câmbio flutuante. Temos ainda algumas restrições legais, mas não erramos muito se, para efeito do entendimento da dinâmica das transações de câmbio, usarmos uma metodologia de mercado livre.

O primeiro passo importante nesse processo de análise é separar corretamente os vários grupos de compradores e vendedores de dólar, segundo a natureza e motivação de suas transações. Um grupo é representado pelos exportadores e os importadores. Para efeito de análise, esse grupo deve ser entendido como aquele que, nas suas transações cambiais, tem uma contrapartida no lado real da economia.

Um segundo grupo é formado pelos agentes que têm, nas suas ações de compra e venda, uma motivação de natureza financeira. São empresas que compram dólares para efetuar pagamentos relativos a empréstimos externos, para honrar juros que vencem ou pagamentos de principal. Estão também nesse grupo as transações de entradas e saídas de divisas relativas a investimentos estrangeiros diretos no capital de empresas brasileiras e a pagamentos de dividendos relativos ao estoque de investimentos já realizados.

Os números estimados dessas transações para 2002 são os seguintes: exportações de US$ 60 bilhões, importações de US$ 55 bilhões, entrada de capitais de US$ 15 bilhões, saída de dividendos de US$ 4 bilhões, pagamentos de juros de US$ 15 bilhões e vencimento de empréstimos da ordem de US$ 27 bilhões, com um saldo negativo de US$ 26 bilhões. Esse é o déficit de dólares nesse segmento do mercado, sem considerarmos a entrada de novos empréstimos em moeda estrangeira.

Temos um terceiro grupo, formado pelas instituições bancárias brasileiras, que, além de participar das transações de natureza financeira como tomadoras de empréstimo no exterior, funcionam como verdadeiras atacadistas nas transações com dólares.

Finalmente temos as transações que envolvem o dólar, não como moeda, mas como referência de valor. São as chamadas operações de hedge ou de seguro contra a desvalorização do nosso real. Esse mercado, dominado pelo sistema financeiro, usa como lastro o dólar-moeda e os títulos públicos indexados ao valor da taxa de câmbio. Essas operações aumentam bastante em momentos de incerteza, e o mercado estima em mais de duas centenas de bilhões de dólares seu valor máximo.

A combinação de um volume expressivo de déficit potencial no mercado de câmbio, na segunda metade de 2001 e em 2002, com uma retração na oferta de recursos para o Brasil neste período sustentou a primeira corrida ao dólar em março. Com a elevação contínua das cotações por vários meses seguidos, as transações virtuais de cobertura de risco cambial cresceram e passaram a representar uma nova e poderosa força na compra da moeda americana, dando novo vigor à desvalorização do real.

O Banco Central respondeu inicialmente de maneira equivocada a essa situação, aumentando a taxa Selic a partir de março deste ano. Somente em junho decidiu agir de maneira correta, aumentando os recursos no programa com o FMI e declarando que iria vender o equivalente a US$ 50 milhões por dia para reduzir a escassez da moeda americana esperada pelo mercado. Mas desconsiderou os efeitos da demanda pelo hedge e manteve-se firme no discurso de não vender volumes adicionais de títulos cambiais para o mercado. A corrida ao dólar continuou, e as cotações seguiram na tendência de alta.

Recentemente, com medo de que a desvalorização do real saísse do controle, resolveu agir com mais inteligência e mais vigor. Aumentou o custo do crédito interno sem aumentar a taxa Selic e passou a vender quantidades maciças de NTNs cambiais. A primeira medida criou condições para uma verdadeira recessão na economia, permitindo com isso que o saldo comercial nos próximos meses tenha um aumento expressivo. Algumas previsões já apontam para um superávit próximo de US$ 10 bilhões ao ano no terceiro trimestre de 2002. Ao aumentar de forma expressiva a oferta de títulos cambiais, diminuiu a pressão dessas transações sobre o mercado da moeda dólar.

A combinação dessas duas medidas deve, ao longo dos próximos meses, diminuir muito as pressões sobre a moeda americana. Se isso acontecer efetivamente, teremos uma redução na demanda por dólar-referência, criando uma situação de excesso de oferta nesse mercado. O Banco Central poderá então usar essa situação para forçar uma valorização administrada do real. Caso haja no começo de 2002 uma melhora no humor das economias americana e mundial, esse processo pode ser reforçado ainda mais.

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