O dólar e o euro



Belluzzo, Luiz Gonzaga. “O dólar e o euro”. São Paulo: Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2000.

O dólar e o euro

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O poder de veto dos mercados financeiros vem sendo invocado para justificar a adoção de políticas econômicas destinadas a apaziguar os investidores. Nem sempre tais políticas são as mais adequadas para promover o crescimento econômico e muito menos apropriadas para enfrentar os problemas de redução da pobreza e da desigualdade.

Essa limitação ao escopo das políticas econômicas é muito desigual. Os Estados Unidos dão-se ao luxo de impor a dominância de sua moeda, ao mesmo tempo em que mantêm altas taxas de crescimento, expansão do endividamento privado, déficit em conta corrente que se aproxima de 4% do PIB, para não falar do passivo externo. Isso significa que os mercados financeiros estão dispostos a aceitar, pelo menos por enquanto, que os Estados Unidos exerçam, dentro de limites elásticos, o privilégio da "segniorage".

Essa polarização da confiança se traduz em limitações à autonomia das políticas nacionais de outros países. A intensidade da restrição depende da forma e do grau da articulação das economias nacionais com os mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas.

O Japão, por exemplo, é um país superavitário e credor e por isso tem mais liberdade para praticar o expansionismo fiscal e juros baixos, ou tolerar amplas flutuações no valor de sua moeda, sem atrair a desconfiança dos especuladores. Imobilizada por uma profunda crise bancária e pela existência de capacidade produtiva excedente em muitos setores, a economia japonesa vem reagindo lentamente às políticas de estímulo ao crescimento.

Os pacotes fiscais, que incluem aumento de gastos e corte de impostos, sempre amparados em taxas de juros muito baixas, chocam-se contra o estado pessimista das expectativas, vazando para o exterior, sob a forma de aquisições de ativos denominados em dólares. O iene está submetido, portanto, a pressões permanentes que o empurram para a desvalorização em relação à moeda norte-americana.

Os capitais contam, assim, nos Estados Unidos, com um mercado amplo e profundo que funciona como porto seguro nos momentos de grande instabilidade ou quando a confiança fraqueja em outros mercados. A forte demanda por papéis americanos, reputados por seu baixo risco e excelente liquidez, tem permitido que seja amortecida a reversão dos episódios especulativos com ações, imóveis ou ativos nos mercados emergentes.

O mercado financeiro dos EUA tem funcionado como um refúgio nos momentos em que a confiança dos investidores globais é abalada. Isso significa que o fortalecimento da função de reserva universal de valor, exercida pelo dólar, decorre fundamentalmente do papel crucial desempenhado pelo Estado americano como prestamista e devedor de última instância.

Duas são as fraquezas maiores desse sistema: a primeira, sua reconhecida instabilidade; a segunda, a nem sempre sublinhada assimetria dos processos de ajustamento. A instabilidade das paridades cambiais tem sido recorrente.

Estamos diante de um substancial aumento do déficit em conta corrente dos EUA. Nessas circunstâncias, tanto o eventual "sucesso" do euro, a moeda única européia, como a recuperação do Japão (acompanhada de uma inevitável subida dos juros cobrados nos empréstimos em ienes) podem ressuscitar os riscos de forte desvalorização do dólar.

Os riscos que rondam o dólar valorizado foram apontados recentemente pelo articulista Martin Wolff, do "Financial Times". Usando os dados do balanço de pagamentos da União Européia e dos Estados Unidos, Wolff argumenta que o mundo financeiro gasta vela com o defunto errado: em vez de chorar pelo euro enfraquecido, deveriam todos se preocupar com o dólar forte.

É difícil, senão inútil, tentar prever o momento da reversão. Há muita gente que aposta todas as fichas na manutenção das tendências atuais, com ligeiras flutuações. Esse seria o testemunho da superioridade da economia americana.

Outros pagam para ver, relembrando que os Estados Unidos tiveram que coordenar a desvalorização do dólar em 1985, lançando sobre os japoneses e europeus o peso do realinhamento entre o valor das moedas.

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