ESCLARECIMENTOS IMPORTANTES SOBRE OS JULGAMENTOS NO STF



ESCLARECIMENTOS IMPORTANTES SOBRE OS JULGAMENTOS NO STF

Em 27.5.09 foi julgada a ADI 3934 no STF que apresentamos pelo PDT na qual questionamento a constitucionalidade de alguns artigos (141, inc. II e 83, incisos I e VI da Lei 11.101/05) da lei de recuperação judicial e falências e em 28.5.09 foi apreciado o RE 583955 da Maria Tereza Richa Felga, onde um caso concreto da VARIG entrou em julgamento para discutir o conflito de competência entre a Vara do Trabalho e a Vara Empresarial. Diversas notícias estão sendo veiculadas na imprensa, mas devemos aguardar a publicação das decisões, para não atrapalhar nossa estratégia jurídica, pois apresentaremos os recursos cabíveis contra as mesmas. Entretanto, alguns esclarecimentos são importantes:

1) ADI 3934 – ACÓRDÃO AINDA NÃO PUBLICADO.

Na ADI 3934 os dois artigos (141, inc. II e 83, incisos I e VI da Lei 11.101/05) foram considerados CONSTITUCIONAIS, sem qualquer interpretação conforme, ou seja, mantidos na sua redação original.

O STF rejeita a tese de que tudo o que é dito nas decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade tem efeito vinculante, limitando essa aplicação aos fundamentos e parte dispositiva do julgado.  As chamadas “opus dicta” da decisão (ou coisas ditas) podem ter alguma aplicação a casos concretos, mas isto ainda é muito controvertido na doutrina. 

Mesmo assim, o efeito vinculante da parte dispositiva do eventual acórdão só ocorre após o trânsito em julgado e publicação, como reza o artigo 28 da Lei 9869/99:

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Conforme anotado pelo próprio STF no seu sítio na internet, na parte que cuida da interpretação do Tribunal à Lei 9868/99 (), não tem sido bem recebida nem mesmo a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões, como consta:

"Em recente julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões de ações de controle abstrato de constitucionalidade (Rcl 2.475-AgR, j. 2-8-07)" (Rcl 2.990-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 16-8-07, DJ de 14-9-07)”

No caso da ADI proposta, vale lembrar que a discussão relativa à inconstitucionalidade se focou nos termos abaixo do inciso II do artigo 141:

“II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.”

Pretendia o partido autor que esse dispositivo fosse alterado para ficar igual ao parágrafo único do artigo 60 da mesma lei, onde os termos NÃO constam como se confere:

“Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.”

Veja-se que qualquer desavisado que leia rapidamente esse parágrafo único poderá ser induzido a pensar que a referência final ao disposto no parágrafo 1º do artigo 141 faria incluir na desobrigação os ônus derivados da legislação do trabalho, mas esta não é a hipótese, já que o legislador apenas cuidou de dizer que nem mesmo a desobrigação das dívidas comuns do devedor e as tributárias, ocorrerá se houver FRAUDE, nos casos previstos, estes sim, no parágrafo 1º do artigo 141.

Em relação às ações de controle abstrato de constitucionalidade há a possibilidade do STF utilizar fundamentação diversa para a declaração de inconstitucionalidade do artigo apontado, pois o sistema de julgamento do processo é aberto.  Todavia, não se pode utilizar esse argumento para estender o julgamento de constitucionalidade, com a improcedência do pedido, a outro dispositivo não atacado no processo, pois assim estaria sendo feita um exame de constitucionalidade ex-officio, o que não é possível.

Do mesmo modo, o STF pode fazer a chamada declaração de inconstitucionalidade por “arrastamento”, ou seja, quando declara a inconstitucionalidade de um determinado artigo, mas por coerência lógica, o autor deixou de apontar outro dispositivo da mesma lei que seria igualmente inconstitucional e, por isso é também anulado pela decisão.  Entretanto, se nossa intenção fosse atingir o parágrafo único do artigo 60, teríamos proposto uma “declaração de constitucionalidade por arrastamento”, o que é impossível.

Não bastasse isto, deve ser dito que mesmo nos casos de declaração de inconstitucionalidade, constitucionalidade ou interpretação conforme da Lei, o STF nunca pode fazer a chamada “adição de texto” ou, como se diz, legislar positivamente.  A atuação do tribunal é limitada à interpretação ou supressão do dispositivo legal, mas nunca edição ou adição de texto.

Ora, comparados os dois dispositivos vemos que a diferença entre ambos reside na presença dos termos “derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.” constantes do inciso II do artigo 141 da Lei 11.101/05, que foram rotulados de inconstitucionais na ação por nós proposta.  Ora, se o STF entendeu que o dispositivo está de acordo com a Lei maior, ou seja, que não existe inconstitucionalidade nestes termos, obviamente reconheceu a diferença entre a situação falimentar, regrada por esse dispositivo, e a da recuperação judicial (do parágrafo único do art. 60). 

Do contrário, ou teríamos palavras inúteis no artigo impugnado (e não são, porque foram consideradas constitucionais) ou temos que transplantar esses mesmos termos para o parágrafo único do artigo 60, para assim isentar os adquirentes dos ônus da legislação do trabalho e decorrentes de acidentes do trabalho...

Mais ainda, na discussão plenária o argumento utilizado pelo relator para fundamentar a constitucionalidade foi a intenção do legislador ao fazer essa desoneração na falência, tanto que o acórdão está fundamentado nos anais do Congresso Nacional relativamente ao projeto que desaguou na Lei.

Ocorre que, o próprio advogado do Congresso Nacional, ao se pronunciar em plenário no dia do julgamento, declarou ter sido vontade soberana do Legislador tratar as hipóteses de falência e recuperação judicial de forma distinta, levando para o STF a informação de que, nos tramites legislativos da norma houve até proposta do Senador Artur Virgilio para que o parágrafo único do artigo 60 contivesse os mesmos termos do artigo 141, inciso II, ou seja “derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.”.  Informou o advogado, da tribuna, que essa inclusão foi REJEITADA pelo Congresso Nacional, que editou a Lei para que o adquirente de unidade produtiva ou empresa em recuperação judicial assumisse as obrigações da Legislação do Trabalho.

Por último, além de todos estes argumentos, há de se considerar até mesmo os eventuais efeitos de uma declaração de constitucionalidade, por arrastamento e com adição de texto poderiam ter para o caso concreto da Varig.  Seria possível atribuir efeitos ex-tunc a uma declaração incidental dessa natureza, feita na via imprópria???

Mesmo contrariando todos os aspectos acima abordados, INCLUSIVE O POSICIONAMENTO DO SENADO FEDERAL, no item 14 do voto, afirma:

“14 Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no aspecto em que estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas, particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das mais conspícuas – em detrimento de outros, com igual densidade axiológica, eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.”

Portanto, S.M.J. parece-nos impróprio, prematuro e mesmo impossível querer atribuir efeito vinculante à decisão do E. STF na ADI 3934 para fazer com que os adquirentes de unidades produtivas ou empresas em recuperação judicial não respondam pelas dívidas da empresa sucedida.

2) RE 583955 – ACÓRDÃO AINDA NÃO PUBLICADO

No que se refere ao segundo caso, o julgamento do Recurso Extraordinário do conflito de competência, a situação nos parece ainda mais indefinida.  Segundo a ementa proposta pelo Relator (que acreditamos venha a ser mantida na sua redação final a ser publicada), sequer é questionada a competência da Justiça Especializada do Trabalho para julgar a fase de conhecimento das ações trabalhistas.

Do mesmo modo, admite o Relator que a matéria relativa à sucessão de obrigações trabalhistas não pode ser objeto de decisão no recurso, afirmando que ela teria sido resolvida no outro julgamento – com o que não concordamos, conforme acima explicitado.

Além disso, há outros aspectos internos do caso concreto que foi julgado (porque no REXT não se cuida de controle abstrato de constitucionalidade) que irão merecer do STF, por certo, exame de eventuais embargos de declaração, a serem opostos após a publicação do acórdão.

Dessa forma, também em relação à questão da competência nos parece ser prematuro tomar quaisquer decisões nos processos.

Por último, rogamos a todos que leiam com atenção ambos os votos do Sr. Ministro Relator dos casos (em especial os trechos que grifamos em amarelo), pois certamente outras questões jurídicas relevantes também poderão ser apontadas e, consequentemente, contribuir para as discussões que se seguirão após essa primeira manifestação de nossa corte Constitucional. Para tanto, seguem ambos os votos:

3) TEMAS NÃO TRATADOS PELO STF.

3.1 A QUESTÃO QUE AFASTA A INOCORRÊNCIA DE SUCESSÃO NA FALÊNCIA.

EXISTÊNCIA DE SUCESSÃO EM RAZÃO DA AQUISIÇÃO POR EMPRESA QUE ERA DO GRUPO ECONÔMICO.

Ainda que não se considere o fato de que o Advogado do Senado reconheceu no STF que legislador pretendeu com a Emenda 12 incluir no texto do art. 60 da lei 11.101 que NÃO HAVERIA SUCESSÃO do adquirente de empresa em Recuperação Judicial e não conseguiu, sendo prejudicada a proposta do Senador Artur Virgílio exatamente para evitar fraudes, existe outro aspecto que deverá ser considerado.

É fato que a VARIGLOG era empresa controlada pela VARIG S/A e fazia parte de um GRUPO ECONÔMICO, responsável solidária nos termos do art. 2º § 2º da CLT.

Também é fato público e notório que esta empresa foi vendida em 2005 já quando a VARIG S/A se encontrava em Recuperação Judicial, cerca de 6 meses antes do leilão judicial da VARIG S/A que ocorreu em julho de 2006..

A aprovação da venda da VARIGLOG para o Grupo do conhecido Chinês Lap Chan pela ANAC apenas ocorreu um dia após a proposta de compra dos trabalhadores ser rejeitada pelo Juízo da Vara Empresarial, ou seja, em junho de 2006, fato este reconhecido pela própria ex-diretora da ANAC, Sra. Denise Abreu, em depoimento prestado em CPI no Senado Federal.

Mesmo com a sua venda, a VARIGLOG continuou responsável solidária da VARIG.

Finalmente, é fato que o inciso I do § 1º do art. 141 da lei 11.101 dispõe:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo;

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

§ 1o O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:

I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; (grifamos).

Com isto, temos que mesmo que fosse o caso de falência, a ausência de SUCESSÃO deixaria de prevalecer, pois a empresa VARIGLOG que juntamente com a empresa VOLO DO BRASIL adquiriu a VARIG S/A através da empresa AÉREO TRANSPORTES AÉREOS S/A (que virou VRG) no leilão judicial, era controlada da VARIG e não poderia participar do leilão sem se tornar sucessora de todas as obrigações.

A situação falimentar é bem mais grave que a recuperação judicial e mesmo assim o legislador procurou impor os ônus da sucessão quando uma empresa do grupo econômico adquirir a unidade produtiva de outra na Falência.

E dispõe o art. 60, § único que esta regra se aplica ao caso da Recuperação Judicial da VARIG, in verbis:

“Art. 60 - Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.”

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei. (grifamos).

Também na Recuperação Judicial prevalece a regra do art. 141, § 1º da lei 11.101/05.

A VARIGLOG, que fazia parte do Grupo VARIG e hoje compõe o Grupo Econômico da VOLO DO BRASIL S/A (Lap Chan), a esta se associou para formar a AÉREO TRANSPORTES AÉREOS S/A, empresa adquirente no Leilão, que hoje se denomina VRG LINHAS AÉREAS S/A e realiza os vôos com a bandeira VARIG.

Nesta ordem, temos que o STF não examinou a questão da existência de sucessão sob este ângulo, restando claro que as adquirentes da unidade produtiva são sucessoras da VARIG S/A.

3.2) DA QUESTÃO DA AQUISIÇÃO DE NÃO APENAS UMA FILIAL OU UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA.

Também não examinou o STF a questão da aquisição de toda a empresa e não apenas uma UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA.

Ainda que se entenda que o STF decidiu, em última instância, que o adquirente de uma filial ou de uma unidade produtiva isolada não é sucessor dos créditos trabalhistas da empresa em Recuperação Judicial, não foi objeto de apreciação pelo STF o fato de que no caso VARIG não foi adquirida apenas uma filial ou uma unidade produtiva isolada, mas sim, toda a empresa.

De acordo com o Plano de Recuperação Judicial, a aquisição foi de praticamente toda a empresa e não apenas uma filial ou unidade produtiva isolada.

Em verdade, o que restou com a antiga VARIG que está em Recuperação Judicial foi apenas o Centro de Treinamento.

Eis o texto do art. 60 da lei 11.101/05:

“Art. 60 - Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.”

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei. (grifamos).

Assim, ainda que se pudesse admitir que o texto do art. 60 da lei 11.101/05 desonera o adquirente da empresa em recuperação dos encargos da sucessão trabalhista, logicamente, temos que na hipótese de aquisição de toda a empresa ou quase sua totalidade, a adquirente passa a ser responsável pelos créditos trabalhista, questão esta que não foi objeto de exame pelo STF.

Por tudo exposto, esperamos ter contribuído para a formação do entendimento sobre a real conclusão a que chegou o STF sobre os julgamentos em referência, transcrevendo os votos do Exmº Sr. Ministro Ricardo Lewandowski.

Att

Sebastião José da Motta e Otávio Bezerra Neves

VOTO NA ADI 3934

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

REQUERENTE(S) : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA

ADVOGADO(A/S) : SEBASTIÃO JOSÉ DA MOTTA E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

INTERESSADO(A/S) : SINDICATO NACIONAL DOS AEROVIÁRIOS

ADVOGADO(A/S) : ELIASIBE DE CARVALHO SIMÕES E OUTROS

ADVOGADO(A/S) : DAMARES MEDINA

INTERESSADO(A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI

ADVOGADO(A/S) : SÉRGIO MURILO SANTOS CAMPINHO E

OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES

R E L A T Ó R I O

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI:

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, na qual impugna os arts. 60, parágrafo único, 83, I e IV, c, e 141, II, da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, por entender incompatíveis com o disposto nos arts. 1º, III e IV, 6º, 7º, I, e 170, VIII, da Constituição Federal.

Os dispositivos atacados possuem o seguinte teor:

“Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei”.

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente de trabalho;

(...);

VI – créditos quirografários, a saber:

(...).

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo”.

“Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

(...).

II. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”.

Em primeiro lugar, o requerente identifica nos dispositivos impugnados inconstitucionalidade de natureza formal, pois teriam disciplinado matéria relativa à “despedida arbitrária ou sem justa causa”, por lei ordinária, a qual, no seu entender, somente poderia ser regulada por lei complementar, a teor do art. 7º, I, da Carta Magna.

Depois, o requerente encontra neles inconstitucionalidade de ordem material, porquanto, ao liberarem os arrematantes de empresas alienadas judicialmente das obrigações trabalhistas, tornando-os imunes aos ônus de sucessão, estariam afrontando os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e do pleno emprego, abrigados nos arts. 1º, III e IV, 6º e 170, VIII, da Lei Maior.

Outra inconstitucionalidade material flagrada pelo requerente é a qualificação, como quirografários, dos créditos derivados da legislação do trabalho que ultrapassem 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, porque tal disposição violaria a garantia do direito adquirido e a vedação de tomar-se o salário mínimo como referência de qualquer natureza, tratados nos arts. 5º, XXXVI, e 7º, IV, da Constituição.

Segundo o requerente, o regramento impugnado, nesse aspecto “passará a constituir caminho fácil para o desrespeito aos direitos adquiridos pelos empregados no curso da relação desenvolvida com seu empregador, que vindo a prestigiar outros credores comuns e, uma vez acumulando com eles grandes dívidas, delas poderá se livrar com a simples realização de uma alienação judicial em falência” (fl. 9).

Com esses argumentos, alinhavados em resumo, almeja ver reconhecida a procedência da ação para que seja declarada “a inconstitucionalidade do artigo 83, incisos I e VI, letra ‘c’ da Lei 11.101/05, na parte em que limita os créditos trabalhistas em falência ou recuperação judicial ao montante de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos e do artigo 141, inciso II, da mesma Lei 11.101/05, na parte em que isenta o adquirente de empresa, filial ou unidade produtiva, nos casos de falência, de obrigações de natureza trabalhista, ambos com efeito ex tunc.” E, ainda, “seja dada interpretação conforme ao artigo 60, parágrafo único, da mesma norma (Lei 11.101/2005), de modo a que seja esclarecido que os adquirentes de unidades produtivas ou empresas, em processos de recuperação judicial, respondem pelas obrigações derivadas da legislação do trabalho” (fls. 22-23).

Às fls. 166-184, a Presidência da República, em síntese, informou que “os dispositivos atacados (...) longe de afrontar a Lei Maior, cumprem-na rigorosamente, prestigiando exatamente a dignidade da pessoa humana, o emprego e o trabalho. Fazem-no (...) dentro do contexto excepcionalíssimo de uma situação de insolvência, em que a recuperação não comporta a observância dos mesmos parâmetros da normalidade, sob pena de em lugar de se garantir aos trabalhadores o que é possível, não se poder lhes garantir nada, pelo fato consumado da falta absoluta de recursos.

(...).

A rigor, a exordial está arguindo a inconstitucionalidade do pagamento escalonado e a constitucionalidade da insolvência e de pagamento nenhum”. O Advogado-Geral da União, às fls. 187-205, opinou pelo não conhecimento da ação quanto ao art. 60, parágrafo único, por ser a “interpretação pretendida pelo autor (...) exatamente oposta àquela oferecida pela norma entendida de forma singela e literal”, bem como pela improcedência do pedido quanto aos demais dispositivos, em parecer assim ementado:

“Comercial. Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005). Novos paradigmas. Interesse social na preservação da empresa e dos postos de trabalho. Constitucionalidade dos arts. 60, parágrafo único; 83, I e VI, ‘c’, e 141, II, da Nova Lei de Falências. Manifestação pelo não conhecimento da impugnação quanto ao art. 60, parágrafo único, da lei, e pela improcedência do pedido com relação aos demais dispositivos” (fl.187).

Às fls. 207-217, o Congresso Nacional suscitou, em preliminar, o não conhecimento da ação, pois não teria sido incluído no pedido o § 2º do art. 141 da Lei 011.101/2005, que ostenta a seguinte redação:

“§ 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior”.

De acordo com o Advogado-Geral do Congresso Nacional, “mesmo a eventual procedência da ação deixaria remanescer no mundo jurídico aquela norma não impugnada, com manutenção da situação derivada de seu comando. E, face à impossibilidade de conhecimento jurisdicional ex officio da matéria, não resta outro caminho além do não conhecimento da presente ação direta” (fl. 212). No mérito, repete, em linhas gerais, os argumentos da Presidência da República.

Às fls. 219-227, o Procurador-Geral da República manifestou-se pela improcedência do pedido, em parecer que recebeu a ementa abaixo transcrita:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, INCISOS I E VI, LETRA ‘C’, E 141, INCISO II, DA LEI 11.101/2005, QUE REGULA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL, A EXTRATERRITORIALIDADE E A FALÊNCIA DO EMPRESÁRIO E DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO, COM RELAÇÃO AOS ARTS. 60 E 141, POR CARÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA ÍNTEGRA DO COMPLEXO NORMATIVO ATINENTE AO TEMA. MÉRITO. SUCESSÃO DE ENCARGOS TRABALHISTAS NAS ALIENAÇÕES DO ATIVO DE EMPRESAS SUJEITAS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU FALÊNCIA. RESPEITO AOS DIREITOS SOCIAIS, À CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E À PRESERVAÇÃO DE EMPREGOS. CRÉDITOS TRABALHISTAS EM MONTANTE SUPERIOR A 150 SALÁRIOS MÍNIMOS. CONVERSÃO EM QUIROGRAFÁRIOS. RAZOABILIDADE E RESPEITO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO” (fl. 219).

O Sindicato Nacional dos Aeroviários, às fls. 228-246, pleiteou seu ingresso na presente ação na qualidade de amicus curiae. O pedido foi deferido às fls. 344-345.

Às fls. 351-362, a Confederação Nacional da Indústria – CNI também postulou seu ingresso como amicus curiae, sendo o pleito deferido às fls. 397-398. Igualmente, a Gol Transportes Aéreos S.A pretendeu ingressar nos autos nas mesmas condições, as fls. 392-394, mas seu pedido foi indeferido, às fls. 400-401. É o relatório, cujas cópias serão distribuídas aos Exmos. Srs. Ministros.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

3.934-2 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Examino cada um dos aspectos levantados na inicial, na ordem em que foram levantados.

Inicio pela análise da alegada inconstitucionalidade formal dos dispositivos legais impugnados, por afronta à reserva constitucional de lei complementar, a qual, todavia, não consigo identificar na espécie.

Com efeito, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, não estando ela obrigada a utilizar-se de lei complementar para disciplinar a matéria, que somente é exigida, nos termos do art. 7º, I, da mesma Carta, para regrar a dispensa imotivada.

Esse tema, porém, definitivamente, não constitui objeto da Lei 11.101/2005. Não é difícil constatar, a meu ver, que o escopo do referido diploma normativo estringe-se a estabelecer normas para a recuperação judicial e a falência das empresas, além de proteger os direitos de seus credores.

Mesmo que se considere que a eventual recuperação ou falência da certa empresa ou, ainda, a venda de seus ativos acarrete, como resultado indireto, a extinção de contratos de trabalho, tal efeito subsidiário nada tem a ver com a “despedida arbitrária ou sem justa causa”, que decorre sempre de ato volitivo e unilateral do empregador.

É bem de ver que os contratos de trabalho não se rompem necessariamente nessas hipóteses, nem mesmo na circunstância extrema da falência, verificando-se, inclusive, que o art. 117 da Lei em comento prevê que os contratos bilaterais, dos quais a relação de emprego constitui exemplo, não se resolvem de forma automática, visto que podem ser cumpridos pelo administrador judicial em proveito da massa falida.

O rompimento do vínculo empregatício, naquelas hipóteses, resulta da situação excepcional pela qual passa a empresa, ou seja, por razões de força maior, cujas consequências jurídicas são, de há muito, reguladas por norma ordinária, a exemplo do art. 1.058 do antigo Código Civil, e do art. 393 do novo Codex, bem assim dos arts. 501 a 504 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Convém registrar que, a rigor, um dos principais objetivos da Lei 11.101/2005 consiste justamente em preservar o maior número possível de empregos nas adversidades enfrentadas pelas empresas, evitando ao máximo as dispensas imotivadas, de cujos efeitos os trabalhadores estarão protegidos, nos termos do art. 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de aplicabilidade imediata, segundo entende esta Corte, enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora.

1 Não prospera, assim, o argumento de que os dispositivos impugnados regulam “ato jurídico que gera a extinção automática do contrato de trabalho” (fl. 14), mesmo porque, como nota Jorge Luiz Souto Maior, a dispensa coletiva de empregados não figura, no art. 50 da Lei 11.101/2005, como um dos meios de recuperação judicial da empresa.

2 Este Tribunal, de resto, já firmou o entendimento de que a reserva de lei complementar 1 RE 449.420-5/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, 14. out. 2005. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Negociação Coletiva de Trabalho em Tempos de Crises Econômicas. Disponível em: em-tempos-de-crise-economica. Acesso em: jan.2009 restringe-se àquelas situações para as quais a própria Constituição exigiu tal instrumento de forma expressa, não se admitindo qualquer tipo de analogia ou relação de similitude material.

Nesse sentido, o Min. Celso de Mello, Relator da ADI 789/DF, assentou que o domínio normativo da lei complementar “apenas se estende àquelas situações para as quais a própria Constituição exigiu – de modo expresso e inequívoco – a edição dessa qualificada espécie de caráter legislativo. (...) “a exigência de lei complementar não se presume e nem se impõe, quer por analogia, quer por força de compreensão, quer, ainda, por inferência de situações que possam guardar relação de similitude entre si”.

Definida a questão que envolve compatibilidade formal dos dispositivos impugnados diante da Carta Magna, passo, na sequência, a examiná-los quanto à sua alegada inconstitucionalidade material.

Começo pela análise da ausência de sucessão no tocante às dívidas trabalhistas. Nesse aspecto, o requerente sustenta que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei 11.101/05 são inconstitucionais do ponto de vista substantivo, ao estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não responde pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação do trabalho.

Como visto, a AGU e a PGR manifestaram-se, em preliminar, pelo não conhecimento da ADI no tocante à impugnação desses dois dispositivos, sob argumento de que a eventual procedência da ação quanto a estes não eliminaria o alegado vício, pois o ordenamento jurídico continuaria a contemplar a não sucessão das obrigações trabalhistas do arrematante.

Nesse sentido, o Ministério Público Federal assentou, textualmente, que “a falta de impugnação do § 2º do art. 141 da lei em questão prejudica o pedido deduzido em relação ao inciso II deste mesmo artigo e ao art. 60.

Afinal, ainda que se admitam as especificidades de cada qual, não há dúvidas de que, com base na previsão mantida incólume de que ‘o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato [de trabalho] anterior’ (art. 141, § 2º), permaneceriam a cargo exclusivo do devedor as dívidas trabalhistas.

Não seria alcançado, portanto, o fim precípuo das impugnações deduzidas neste particular, que reside justamente em reconhecimento expresso de que ‘os adquirentes (...) respondem pelas obrigações derivadas da legislação do trabalho’" (fl. 222).

De fato, embora tal lacuna na inicial pudesse, dentro de uma visão mais ortodoxa, levar ao reconhecimento da prejudicialidade da ação quanto à impugnação dos citados dispositivos, não tem ela, contudo, a meu ver, o condão de torná-la inepta, diante da possibilidade, em tese, de a Corte decretar a inconstitucionalidade § 2º do art. 141 por arrastamento, caso venha a concluir que a ausência de sucessão, no caso de débitos trabalhistas, ofende a Carta Magna. Conheço, pois, da ação, diantando, todavia, que não identifico a inconstitucionalidade aventada pelo requerente quanto aos arts. 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei 11.101/05.

Primeiro, porque a Constituição não abriga qualquer regra expressa sobre o eventual direito de cobrança de créditos trabalhistas em face daquele que adquire ativos de empresa em processo de recuperação judicial ou cuja falência tenha sido decretada.

Depois, porque não vejo, no ponto, qualquer ofensa direta a valores implícita ou explicitamente protegidos pela Carta Política. No máximo, poder-se-ia flagrar, na espécie, uma colisão entre distintos princípios constitucionais.

Mas, mesmo assim, não seria possível falar, no dizer de Luís Virgílio Afonso da Silva, “nem em declaração de invalidade de um deles, nem em instituição de uma cláusula de exceção”, 3 visto ter o legislador ordinário, apenas, estabelecido, nas palavras de Robert Alexi, “relações de precedência condicionada”.

4 É que, na conhecida definição do referido jurista germânico, princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das condições fáticas e jurídicas existentes, razão pela qual a sua concretização demanda sempre um juízo de ponderação de interesses opostos, à luz de uma situação concreta.

5 As condições fáticas e jurídicas, no seio das quais o juízo de ponderação é levado a cabo, contudo, nem sempre são as ideais, visto que a tendência expansiva dos princípios tende a fazer com que a realização de um deles no mais das vezes, se dê em detrimento da concretização de outro.

6 No caso, o papel do legislador infraconstitucional resumiu-se a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que entendeu mais idôneos 3 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais – conteúdo essencial, restrições eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 50. 4 ALEXI, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993, p. 91-92. 5 Idem, loc.cit. 6 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Op.cit., loc. cit. para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de maneira a assegurar-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o qual se defrontou.

Assim, o exame da alegada inconstitucionalidade material dos dispositivos legais que estabeleceram a inocorrência de sucessão das dívidas trabalhistas, na hipótese da alienação judicial de empresas, passa necessariamente pelo exame da adequação da escolha feita pelo legislador ordinário no tocante aos valores e princípios constitucionais aos quais pretendeu emprestar eficácia.

Ora, analisando a gênese do diploma normativo cujos dispositivos se encontram sob ataque, verifico que ele resultou de um projeto de lei, o PL 4.376/1993, o qual tramitou por cerca de onze anos no Congresso Nacional. Após longas e aprofundadas discussões, os parlamentares aprovaram a Lei 11.101/2005, revogando concomitantemente o Decreto-lei 7.661/1945, que antes regia a matéria.

Em parecer ofertado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o Senador Ramez Tebet, relator do projeto em questão, deixou anotado o seguinte:

“A fim de conhecer as opiniões dos diversos segmentos da sociedade sobre o assunto e democratizar o debate, esta Comissão promoveu, nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, audiências públicas acerca do PLC nº 71, de 2003, em que foram ouvidas centrais sindicais, representantes das associações e confederações comerciais e industriais, das micro e pequenas empresas, dos bancos e do Banco Central, das empresas de construção civil, dos produtores rurais, do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Governo Federal, e outros especialistas em direito falimentar. Além disso, recebemos numerosas sugestões por escrito, que também contribuíram para o aprofundamento do debate”.

7 Embora houvesse um consenso generalizado, na doutrina, acerca da excelência técnica do texto normativo editado em 1945, registrava-se também uma crescente concordância na comunidade jurídica quanto ao seu anacronismo diante das profundas transformações socioeconômicas pelas quais passou o mundo a partir da

segunda metade do Século XX, e que afetaram profundamente a vida das empresas.

Rubens Approbato Machado, por exemplo, ao comentar a nova Lei, afirma que “a falência (...) e a concordata, ainda que timidamente permitissem a busca da recuperação da empresa, no decorrer da longa vigência do Decreto-lei 7.661/45 e ante as mutações havidas na economia mundial, inclusive 7 Parecer do Senador Ramez Tebet para a Comissão de Assuntos Econômicos – CAE, 2003, p. 11-13. com a sua globalização, bem assim nas periódicas e inconstantes variações da economia brasileira, se mostram não só defasadas, como também se converteram em verdadeiros instrumentos da própria extinção da atividade empresarial. Raramente, uma empresa em concordata conseguia sobreviver e, mais raramente ainda, uma empresa falida era capaz de desenvolver a continuidade de seus negócios. Foram institutos que deixavam as empresas sem qualquer perspectiva de sobrevida”.

8 Essa foi também a visão do relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal:

“A realidade sobre a qual se debruçou Trajano de Miranda Valverde para erigir esse verdadeiro monumento do direito pátrio, que é a Lei de Falências de 1945, não mais existe. Como toda obra humana, a Lei de Falências é histórica, tem lugar em um tempo específico e deve ter sua funcionalidade constantemente avaliada à luz da realidade presente. Tomar outra posição é enveredar pelo caminho do dogmatismo. A modernização das práticas empresariais e as alterações institucionais que moldaram essa nova concepção de economia fizeram necessário adequar o regime falimentar brasileiro à nova realidade.”

9 Assim, é possível constatar que a Lei 11.101/2005 não apenas resultou de amplo debate com os setores sociais diretamente afetados por ela, como também surgiu da necessidade de preservar-se o sistema produtivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela concorrência predatória 8 MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 22. 9 Parecer, loc.cit.

entre seus principais agentes e, de outro, pela eclosão de crises globais cíclicas altamente desagregadoras.

Nesse contexto, os legisladores optaram por estabelecer que adquirentes de empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por sucessão, porquanto, segundo consta do citado parecer senatorial:

“O fato de o adquirente da empresa em processo de falência não suceder o falido nas obrigações trabalhistas não implica prejuízo aos trabalhadores. Muito ao contrário, a exclusão da sucessão torna mais interessante a compra da empresa e tende a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumenta a garantia dos trabalhadores, já que o valor pago ficará à disposição do juízo da falência e será utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em bloco da empresa possibilita a continuação da atividade empresarial e preserva empregos. Nada pode ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de vender a empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus créditos e ainda perdem seus empregos”.

10 Comentando o dispositivo da Lei 11.101/2005, que isenta os arrematantes dos encargos decorrentes da sucessão trabalhista, Alexandre Husni assenta o quanto segue:

“A realidade é que visto o fato de forma econômica, a entidade produtiva mais valor 10 Parecer, loc. cit. terá na medida em que se desligue dos ônus que recaiam sobre si, independentemente da sua natureza. Via de conseqüência, a procura será maior tanto quanto garanta o Poder Judiciário a inexistência de sucessão. Pago o preço justo de mercado, quem efetivamente sai ganhando com o fato será o credor de natureza trabalhista e acidentário que são os primeiros na ordem de preferências estabelecida pelo legislador.”

11 Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades - não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada -, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exercem, a teor do disposto no art.170, III, da Lei Maior. Nesse sentido, é a lição de Manoel Pereira Calças:

Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do País, deve ser preservada sempre que for possível.

O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular 11 HUSNI, Alexandre. Comentários aos artigos 139 ao 153. In: DE LUCCA, Newton e SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.537-538. a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170, III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavras: função social da empresa.

O mesmo dispositivo constitucional estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas. (...). Na senda da velha lição de Alberto Asquini, em seu clássico trabalho sobre os perfis da empresa como um fenômeno poliédrico, não se pode confundir o empresário ou a sociedade empresária (perfil subjetivo) com a atividade empresarial ou organização produtiva (perfil funcional), nem com o estabelecimento empresarial (perfil objetivo ou patrimonial).

Nesta linha, busca-se preservar a empresa como atividade, mesmo que haja a falência do empresário ou da sociedade empresária, alienando-a a outro empresário, ou promovendo o trespasse ou o arrendamento do estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados, conforme previsão do art. 50, VIII e X, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências.

12 Sérgio Campinho, na mesma linha, assenta que a “alienação judicial (...) tem por escopo justamente a obtenção de recursos para cumprimento de obrigações contidas no plano [de recuperação da empresa], frustrando-se o intento caso o arrematante herde os débitos trabalhistas do devedor, porquanto perderá atrativo e cairá de preço o bem a ser alienado”.13 12 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. “A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Repercussão no Direito do Trabalho (Lei nº 11.101, de fevereiro de 2005)”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. N. 4. out/dez 2007, p. 40. 13 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 173.

Isso porque o processo falimentar, nele compreendido a recuperação das empresas em dificuldades, objetiva, em última análise, saldar o seu passivo mediante a realização do respectivo patrimônio. Para tanto, todos os credores são reunidos segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores.

O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la, eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira relação simbiótica. É exatamente o que consta do art. 47 da Lei 11.101/2005, verbis:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Cumpre ressaltar, por oportuno, que a ausência de sucessão das obrigações trabalhistas pelo adquirente de ativos das empresas em recuperação judicial não constitui uma inovação do legislador pátrio.

De fato, em muitos países, dentre os quais destaco a França (Code de Commerce, arts. L631-1, L631-13 e L642-1) e a Espanha (Ley 22/2003, art. 148), existem normas que enfrentam a problemática de modo bastante semelhante ao nosso.

Na lei falimentar italiana, por exemplo, há inclusive um dispositivo bastante similar à regra aqui contestada. Trata-se do art. 105 do Decreto 267/1942, com a redação que lhe emprestou o Decreto Legislativo 5/2006, que tem a seguinte redação:

“Salvo disposição em contrário, não há responsabilidade do adquirente pelo débito relativo ao exercício do estabelecimento empresarial adquirido”.

14 Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no aspecto em que estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas, particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das mais conspícuas – em detrimento de outros, com igual densidade axiológica, eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.

Superadas tais objeções, passo agora ao exame do último argumento da presente ação direta, isto é, o da inconstitucionalidade da conversão de créditos trabalhistas, a partir de um certo patamar, em quirografários.

Também nesse tópico não vejo qualquer ofensa à Constituição no tocante ao estabelecimento de um limite máximo de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, para além do qual os créditos decorrentes da relação de trabalho deixam de ser preferenciais.

É que – diga-se desde logo - não há aqui qualquer perda de direitos por parte dos trabalhadores, porquanto, independentemente da categoria em que tais créditos estejam classificados, eles não deixam de existir nem se tornam inexigíveis.

Quer dizer, os créditos trabalhistas não desaparecem pelo simples fato de serem convertidos em quirografários, mas apenas perdem o seu caráter preferencial, não ocorrendo, pois, nesse aspecto, qualquer afronta ao texto constitucional.

Observo, a propósito, que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, significou um rompimento com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-Lei 7.661/1945, cujo principal enfoque girava em torno da proteção do credor e não da preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais.

É importante destacar, ademais, que a própria legislação internacional de proteção ao trabalhador contempla a possibilidade do estabelecimento de limites legais aos créditos de natureza trabalhista, desde que preservado o mínimo essencial à sobrevivência do empregado.

Esse entendimento encontra expressão no art. 7.1 da Convenção 173 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Convenção sobre a Proteção dos Créditos Trabalhistas em Caso de Insolvência do Empregador), segundo o qual a “legislação nacional poderá limitar o alcance do privilégio dos créditos trabalhistas a um montante estabelecido, que não deverá ser inferior a um mínimo socialmente aceitável”.

Embora essa Convenção não tenha sido ainda ratificada pelo Brasil, é possível afirmar que os limites adotados para a garantia dos créditos trabalhistas, no caso de falência ou recuperação judicial de empresas, encontram respaldo nas normas adotadas no âmbito da OIT, entidade integrante da Organização das Nações Unidas, que tem por escopo fazer com que os países que a integram adotem padrões mínimos de proteção aos trabalhadores.

Nesse aspecto, as disposições da Lei 11.101/2005 abrigam uma preocupação de caráter distributivo, estabelecendo um critério o mais possível equitativo no que concerne ao concurso de credores.

Em outras palavras, ao fixar um limite máximo – bastante razoável, diga-se – para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a Lei 11.101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários.

Procurou-se, assim, preservar, em uma situação de adversidade econômica por que passa a empresa, o caráter isonômico do princípio da par condicio creditorum, segundo o qual todos os credores que concorrem no processo de falência devem ser tratados com igualdade, respeitada a categoria que integram.

Esse é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho, para quem o limite à preferência do crédito trabalhista tem como objetivo “impedir que (...) os recursos da massa [sejam consumidos] com o atendimento a altos salários dos administradores da sociedade falida. A preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nessa situação”.

15 Insta sublinhar, ainda, que o valor estabelecido na Lei não se mostra arbitrário e muito menos injusto, afigurando-se, ao revés, razoável e proporcional, visto que, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, constantes do já citado parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, “o limite superior de 150 salários mínimos (...) afetará número reduzidíssimo de assalariados, entre os quais estão, exclusiva ou primordialmente, os ocupantes de cargos elevados da hierarquia administrativa das sociedades”.

16 Isso porque as indenizações trabalhistas, levando-se em conta os valores vigentes à época da edição do diploma legal, foram, em média, de 12 (doze) salários mínimos. 15 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 14. 16 Parecer, loc.cit.

Foi precisamente o dever estatal de proteger os direitos dos trabalhadores que determinou a fixação de regras que tornem viável a percepção dos créditos trabalhistas pelo maior número possível de credores, ao mesmo tempo em que se buscou preservar, no limite do possível, os empregos ameaçados de extinção pela eventual quebra da empresa sob recuperação ou em processo de falência. Em abono dessa tese, afirma o já citado Manoel Pereira Calças que:

“O Estado deve proteger os trabalhadores que têm como ‘único e principal bem sua força de trabalho’. Por isso, tanto na falência, como na recuperação judicial, os trabalhadores devem ter preferência no recebimento de seus créditos, harmonizando-se, no entanto, tal prioridade, com a tentativa da manutenção dos postos de trabalho. (...) (...) o credor trabalhista, cujo crédito somar até cento e cinquenta salários mínimos, será classificado pela totalidade do respectivo valor na classe super preferencial; já o trabalhador que for titular de crédito que supere o teto legal participará do concurso em duas classes distintas, ou seja, pelo valor subsumido no teto integrará a classe dos créditos trabalhistas e pelo valor excedente será incluído na classe dos quirografários”.

17 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. “A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Repercussão no Direito do Trabalho (Lei N. 11.101, de fevereiro de 2005)”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. nº 4. out/dez 2007, p. 41.

Essa restrição, contudo, de forma acertada, como asseveram Vera de Mello Franco e Rachel Sztajn “não atinge as indenizações devidas por acidente do trabalho, que devem ser pagas integralmente”. 18 Ademais, assentam que:

“Caso o apurado com a venda dos ativos seja insuficiente para a satisfação do total, procede-se ao rateio, em igualdade de condições, dentre os credores trabalhistas e preferenciais, classificados nesta classe”.

19 Assim, forçoso é convir que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários fixado pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 não viola a Constituição, porquanto, longe de inviabilizar a sua liquidação, tem em mira, justamente, a proteção do patrimônio dos trabalhadores, em especial dos mais débeis do ponto de vista econômico.

Assento, por fim, que não encontro nenhum vício na fixação do limite dos créditos trabalhistas, para o efeito de classificá-los como quirografários, em salários mínimos, pois o que a Constituição veda é a sua utilização como indexador de prestações periódicas, e não como parâmetro de indenizações ou condenações, de acordo com remansosa jurisprudência desta Suprema Corte. 18 FRANCO, Vera Helena de Mello e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação de Empresa em Crise. São Paulo: Elsevier, 2009, p. 42-43. 19 Idem, loc.cit. Isto posto, conheço e julgo improcedente a presente ação direita de inconstitucionalidade.

VOTO NO RE 583955

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 583.955-9 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

RECORRENTE(S) : MARIA TEREZA RICHA FELGA

ADVOGADO(A/S) : SEBASTIÃO JOSÉ DA MOTTA E OUTRO(A/S)

RECORRIDO(A/S) : VRG LINHAS AÉREAS S/A E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : ROBERTO TEIXEIRA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : SERGIO BERMUDES

R E L A T Ó R I O

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI:

- Trata-se de recurso extraordinário (fls. 1.364-1.389 – vol. 6), interposto por Maria Tereza Richa Felga, com base no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão, unânime, proferido pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em agravo regimental, interposto contra decisão proferida em conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Estadual Comum (1ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro). No voto condutor do aresto recorrido, ficou consignado o seguinte:

“Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro nos termos do que a Segunda Seção decidiu no CC nº 61.272, RJ, de que fui relator, in verbis:

2 ‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA.

1. CONFLITO E RECURSO. A regra mais elementar em matéria de competência recursal é a de que as decisões de um juiz de 1º grau só podem ser reformadas pelo tribunal a que está vinculado; o conflito de competência não pode ser provocado com a finalidade de produzir, per saltum, o efeito que só o recurso próprio alcançaria, porque a jurisdição sobre o mérito é prestada por instâncias (ordinárias: juiz e tribunal; extraordinárias: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal).

2. LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (Lei nº 11.101, de 2005). A Lei nº 11.101, de 2005, não teria operacionalidade alguma se sua aplicação pudesse ser partilhada por juízes de direito e juízes do trabalho; competência constitucional (CF, art. 114, incs. I a VIII) e competência legal (CF, art. 114, inc. IX) da Justiça do Trabalho.

Conflito conhecido e provido para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro’” (1.351 – vol. 6). Originalmente, o conflito de competência foi suscitado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, após tanto a Justiça Estadual como a Justiça do Trabalho terem se declarado incompetentes para julgar ação proposta pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e associações de comissários, mecânicos de voo e pilotos das empresas Varig e Nordeste Linhas Aéreas.

Neste recurso extraordinário, alega-se ofensa aos incisos I a IX do art. 114 da Constituição Federal. A recorrente, em suma, sustenta que:

3 “De acordo com o entendimento contido na decisão ora impugnada, o legislador constituinte teria previsto, na referida norma, duas formas de competência da Justiça especializada do Trabalho. Uma que seria Constitucional (incisos I a VIII) e outra, que apesar de constar da Carta da República, seria apenas legal (inciso IX). (...) (...) forçoso concluir que essa norma constitucional só autoriza o legislador infraconstitucional, através da edição de lei – como o faz a Lei 11.101/05 – a aumentar a competência da justiça especializada do trabalho, mas nunca a reduzir”(fls. 1.376-1.381 – vol. 6).

Aduz, ainda, que “a interpretação que se deu ao inciso IX do artigo 114 da CF-88 e, ainda, a supressão da competência absoluta da Justiça do Trabalho para atuar no julgamento de causa trabalhista quando trata de direito de empregados de empresa em recuperação judicial devem ser afastadas, até mesmo porque não há nem no texto da Constituição Federal (art. 114, incisos I a IX) e, muito menos na própria Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), qualquer previsão legal que confira a Juiz Estadual jurisdição sobre matéria eminentemente trabalhista, mesmo que dela se extraiam reflexos no patrimônio ou obrigações de empresas em recuperação judicial” (fl. 1.385 – vol. 6).

Ademais, incidentalmente, a recorrente discute a interpretação que o acórdão recorrido conferiu ao art. 60 da Lei 11.101/2005, nos termos abaixo:

“Segundo a tese que estão esposando, as empresas compradas sob a regra do art. 60 da Lei 11.101/2005 estariam imunes à sucessão 4 trabalhista, vez que, segundo sustentam, o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/2005 teria previsto essa circunstância. (...)(...) o fato é que não se pode nem mesmo querer acolher o argumento central da ausência de sucessão, de que a Lei de Recuperação Judicial protegeria os ativos alienados em leilão judicial de sucessão trabalhista” (fl. 1.387).

Nesses termos, requer a “reforma da decisão recorrida para assegurar a correta interpretação da norma contida no artigo 114, incisos I a IX, da Constituição Federal, a qual, no entender da recorrente, foi diretamente ofendida pela decisão recorrida, isso justificando o provimento do presente recurso extraordinário” (fl. 1.388).

E, mais, para que seja reconhecida “a competência absoluta da justiça do trabalho para julgar causas de natureza trabalhista, inclusive daquelas ajuizadas em face de empresas que estejam em Recuperação Judicial ou Falência (nos termos da Lei 11.101/05) e as incluídas nos conflitos como sucessoras, declarando-se que nesse exame de competência não há espaço para a limitação da atuação da Justiça Especializada do Trabalho, que há de julgar as causas segundo as regras legais e constitucionais, aplicando, inclusive e em especial, a própria Lei 11.101/05” (fl. 1.339).

A recorrida, por sua vez, alega, em contra-razões, que o recurso extraordinário não deve ser conhecido, pois se verifica “no caso concreto: (i) a ausência de prequestionamento dos dispositivos arregimentados nas razões recursais (Súmulas 282 e 356); (ii) a ausência dos fundamentos aos quais se reportou a r. decisão impugnada; (iii) a ausência da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso e, ainda; e a intenção de discutir, nos autos, hipotética afronta indireta ao Texto Constitucional” (fl. 1.427).

Acrescenta que, caso conhecido, o recurso não deve ser provido, porque “(i) a dívida trabalhista está expressamente contemplada no processo de recuperação judicial e, após reconhecida pela Justiça especializada do Trabalho, deve ser habilitada perante o Juízo Universal da Recuperação Judicial, na forma do art. 6º, § 2º, da Lei Federal nº 11.101/05 – não podendo a Justiça Especializada do Trabalho, por conseguinte, praticar atos de execução relativos a esse crédito conforme entendimento consolidado à luz da Legislação anterior; (ii) referida disposição legal não colide com o art. 114 da Constituição Federal, uma vez que resguarda a competência da E. Justiça Especializada do Trabalho para conhecer e decidir a respeito das ações versando relação de trabalho; e, por derradeiro, (iii) a r. decisão recorrida, ao declarar a competência do E. Juízo da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro para dispor sobre o pagamento do crédito trabalhista da ora Recorrente em relação à empresa em recuperação judicial aplicou, de forma indelével e incensurável, referidas disposições legais e constitucionais” (fl. 1.428 – vol. 6).

À fl. 1.436, manifestei-me pela existência da repercussão geral da questão sob exame. 6 Esta Corte, às fls. 1.437-1.439, reconheceu a repercussão geral do tema constitucional, em decisão que ostenta ementa abaixo:

“COMPETÊNCIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS. JUSTIÇA DO TRABALHO VERSUS JUSTIÇA COMUM”.

Às fls. 1.445-1.449, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso, em parecer que recebeu a seguinte ementa:

“Recurso extraordinário. Créditos trabalhistas. Recuperação Judicial. Lei nº 11.101/05. Preservação da continuidade do negócio. Função social da empresa. Competência da Justiça comum. Correção do acórdão. Pelo desprovimento do recurso”.

Às fls. 1.495-1.502, foram opostos embargos de declaração pela recorrente, os quais não foram conhecidos por serem manifestamente incabíveis. É o relatório.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 583.955-9 RIO DE JANEIRO

V O T O

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator):

Bem examinados os argumentos expendidos neste RE, entendo que não assiste razão à recorrente.

Primeiramente, assento que o debate relativo às condições de admissibilidade do recurso encontra-se superado, bem assim o tema da repercussão geral, em face do pronunciamento afirmativo desta Corte no sentido da relevância constitucional do tema em debate.

Depois, anoto que não cabe ao STF, em recurso extraordinário interposto contra decisão prolatada em conflito de competência, em que se discute a exegese do art. 114, na redação que lhe deu a EC 45/2004, examinar se o art. 60 da Lei 11.101/2005 estabelece ou não a sucessão de créditos trabalhistas, por tratar-se de matéria totalmente estranha aos autos. Mas, ainda que assim não seja, observo que esta Corte, na ADI 3.934/DF, de minha relatoria, afirmou a constitucionalidade do referido dispositivo. À ocasião, assentei o quanto segue:

8 “(...) o exame da alegada inconstitucionalidade material dos dispositivos legais que estabeleceram a inocorrência de sucessão das dívidas trabalhistas, na hipótese da alienação judicial de empresas, passa necessariamente pelo exame da adequação da escolha feita pelo legislador ordinário relativamente aos valores e princípios constitucionais aos quais pretendeu emprestar eficácia. Ora, analisando a gênese do diploma normativo cujos dispositivos se encontram sob ataque, verifico que ele resultou de um projeto de lei, o PL 4.376/1993, o qual tramitou por cerca de onze anos no Congresso Nacional. Após longas e aprofundadas discussões, os parlamentares aprovaram a Lei 11.101/2005, revogando concomitantemente o Decreto-Lei 7.661/1945, que antes regia a matéria”.

Em parecer ofertado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o Senador Ramez Tebet, relator do projeto em questão, deixou anotado o seguinte:

‘A fim de conhecer as opiniões dos diversos segmentos da sociedade sobre o assunto e democratizar o debate, esta Comissão promoveu, nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, audiências públicas acerca do PLC nº 71, de 2003, em que foram ouvidas centrais sindicais, representantes das associações e confederações comerciais e industriais, das micro e pequenas empresas, dos bancos e do Banco Central, das empresas de construção civil, dos produtores rurais, do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Governo Federal, e outros especialistas em direito falimentar. Além disso, recebemos numerosas sugestões por escrito, que também contribuíram para o aprofundamento do debate’.

1 Embora houvesse um consenso generalizado, na doutrina, acerca da excelência técnica do texto normativo editado em 1945, registrava-se também uma crescente concordância na comunidade jurídica quanto ao seu anacronismo diante das profundas transformações socioeconômicas pelas quais passou o 1 Parecer do Senador Ramez Tebet para a Comissão de Assuntos Econômicos – CAE, 2003, p. 11-13. 9 mundo a partir da segunda metade do Século XX, e que afetaram profundamente a vida das empresas.

Rubens Approbato Machado, por exemplo, ao comentar a nova Lei, afirma que ‘a falência (...) e a concordata, ainda que timidamente permitissem a busca da recuperação da empresa, no decorrer da longa vigência do Decreto-lei 7.661/45 e ante as mutações havidas na economia mundial, inclusive com a sua globalização, bem assim nas periódicas e inconstantes variações da economia brasileira, se mostram não só defasadas, como também se converteram em verdadeiros instrumentos da própria extinção da atividade empresarial. Raramente, uma empresa em concordata conseguia sobreviver e, mais raramente ainda, uma empresa falida era capaz de desenvolver a continuidade de seus negócios. Foram institutos que deixavam as empresas sem qualquer perspectiva de sobrevida’.

2 Essa foi também a visão do relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal:

‘A realidade sobre a qual se debruçou Trajano de Miranda Valverde para erigir esse verdadeiro monumento do direito pátrio, que é a Lei de Falências de 1945, não mais existe. Como toda obra humana, a Lei de Falências é histórica, tem lugar em um tempo específico e deve ter sua funcionalidade constantemente avaliada à luz da realidade presente. Tomar outra posição é enveredar pelo caminho do dogmatismo. A modernização das práticas empresariais e as alterações institucionais que moldaram essa nova concepção de economia fizeram necessário adequar o regime falimentar brasileiro à nova realidade’. 3 2 MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 22. 3 Parecer, loc.cit.

10 Assim, é possível constatar que a Lei 11.101/2005 não apenas resultou de amplo debate com os setores sociais diretamente afetados por ela, como também surgiu da necessidade de preservar-se o sistema produtivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela concorrência predatória entre seus principais agentes e, de outro, pela eclosão de crises globais cíclicas altamente desagregadoras.

Nesse contexto, os legisladores optaram por estabelecer que os adquirentes de empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por sucessão, pois, segundo consta do citado parecer senatorial:

“O fato de o adquirente da empresa em processo de falência não suceder o falido nas obrigações trabalhistas não implica prejuízo aos trabalhadores. Muito ao contrário, a exclusão da sucessão torna mais interessante a compra da empresa e tende a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumenta a garantia dos trabalhadores, já que o valor pago ficará à disposição do juízo da falência e será utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em bloco da empresa possibilita a continuação da atividade empresarial e preserva empregos. Nada pode ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de vender a empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus créditos e ainda perdem seus empregos”.

4 Comentando o dispositivo da Lei 11.101/2005, que isenta os arrematantes dos encargos decorrentes da sucessão trabalhista, Alexandre Husni assenta o quanto segue:

‘A realidade é que visto o fato de forma econômica, a entidade produtiva mais valor terá na medida em 4 Parecer, loc. cit. 11 que se desligue dos ônus que recaiam sobre si, independentemente da sua natureza. Via de conseqüência, a procura será maior tanto quanto garanta o Poder Judiciário a inexistência de sucessão. Pago o preço justo de mercado, quem efetivamente sai ganhando com o fato será o credor de natureza trabalhista e acidentário que são os primeiros na ordem de preferências estabelecida pelo legislador.’

5 Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades, não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exercem, a teor do disposto no art. 170, III, da Lei Maior. Nesse sentido, é a lição de Manoel Pereira Calças:

‘Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do País, deve ser preservada sempre que for possível. O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170, III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavras: função social da empresa. O mesmo dispositivo constitucional 5 HUSNI, Alexandre. Comentários aos artigos 139 ao 153. In: DE LUCCA, Newton e SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.537-538. 12 estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas. (...). Na senda da velha lição de Alberto Asquini, em seu clássico trabalho sobre os perfis da empresa como um fenômeno poliédrico, não se pode confundir o empresário ou a sociedade empresária (perfil subjetivo) com a atividade empresarial ou organização produtiva (perfil funcional), nem com o estabelecimento empresarial (perfil objetivo ou patrimonial). Nesta linha, busca-se preservar a empresa como atividade, mesmo que haja a falência do empresário ou da sociedade empresária, alienando-a a outro empresário, ou promovendo o trespasse ou o arrendamento do estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados, conforme previsão do art. 50, VIII e X, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências’.

6 Sérgio Campinho, na mesma linha, assenta que a ‘alienação judicial (...) tem por escopo justamente a obtenção de recursos para cumprimento de obrigações contidas no plano [de recuperação da empresa], frustrando-e o intento caso o arrematante herde os débitos trabalhistas do devedor, porquanto perderá atrativo e cairá de preço o bem a ser alienado’.

7 Isso porque o processo falimentar, nele compreendido a recuperação das empresas em dificuldades, objetiva, em última análise, saldar o 6 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. “A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Repercussão no Direito do Trabalho (Lei nº 11.101, de fevereiro de 2005)”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. N. 4. out/dez 2007, p. 40. 7 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 173. 13 seu passivo mediante a realização do respectivo patrimônio. Para tanto, todos os credores são reunidos segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores.

O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira relação simbiótica. É exatamente o que consta do art. 47 da Lei 11.101/2005, verbis:

‘Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.’

Cumpre ressaltar, por oportuno, que a ausência de sucessão das obrigações trabalhistas pelo adquirente de ativos das empresas em recuperação judicial não constitui uma inovação do legislador pátrio.

De fato, em muitos países, dentre os quais destaco a França (Code de Commerce, arts. L631-1, L631-13 e L642-1) e a Espanha (Ley 22/2003, art. 148), existem normas que enfrentam a problemática de modo bastante semelhante ao nosso.

Na lei falimentar italiana, verbi gratia, existe inclusive um dispositivo bastante similar à regra aqui vergastada. Trata-se do art. 105 do Decreto 267/1942, com a redação que lhe emprestou o Decreto Legislativo 5/2006, que tem a seguinte redação:

‘Salvo disposição em contrário, não há responsabilidade do adquirente 14 pelo débito relativo ao exercício do estabelecimento empresarial adquirido’.

8 Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no ponto em que estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas, particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das mais conspícuas - em detrimento de outros, com igual densidade axiológica, eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.

Passo, então, ao exame da questão central debatida neste recurso, qual seja, saber se a competência para julgar a execução dos débitos trabalhistas de empresa em processo falimentar ou em recuperação judicial é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Estadual Comum.

Para tanto, faz-se necessário discutir se o acórdão recorrido, prolatado pelo STJ, ao estabelecer que a Justiça Ordinária é o juízo competente para julgar a matéria afrontou ou não o disposto no art. 114 da Constituição Federal, em especial o que consta de seu inc. IX. Cumpre recordar, de início, que o assunto, no âmbito infraconstitucional, é atualmente disciplinado pelo §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei 11.101/2005, nos termos abaixo:

8 “Salva diversa convenzione, è esclusa la responsabilità dell’acquirente per i debiti relativi all’esercizio delle aziende cedute”. 15 “Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. § 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença”.

Tais disposições são complementadas pelo que se contém o art. 76 e seu respectivo parágrafo único, verbis:

“Art. 76 O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.”

Vale lembrar, ainda, que a questão era regulada, anteriormente, pelos arts. 7º, §§ 2º e 3º, e 23 do Decretolei 7.661/1945, que ostentavam a redação a seguir transcrita:

16 “Art. 7º. (...) § 2º. O juízo da falência é indivisível e competente para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios da massa falida, as quais serão processadas na forma determinada nesta Lei. § 3º. Não prevalecerá o disposto no parágrafo anterior para as ações, não reguladas nesta Lei, em que a massa falida seja autora ou litisconsorte.”

“Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos”.

Como se vê, tanto na disciplina anterior como na atual, o legislador ordinário adotou o entendimento, consolidado na doutrina e na jurisprudência, segundo o qual, uma vez decretada a falência – e agora na recuperação judicial -, a execução de todos os créditos, inclusive os de natureza trabalhista, deve ser processada no juízo falimentar. Nessa linha tem-se a lição de Pontes de Miranda, que assim comentava o texto legal revogado:

“A falência compreende todos os bens do devedor comum (Decreto-Lei nº 7.661, art. 39). Todos os credores têm de apresentar-se ao juízo da falência (art. 23)”. 17 Essa era também a posição de Nelson Nery Junior sobre o assunto:

“Diz-se indivisível o juízo da falência porque ele atrai todas as ações e questões atinentes aos bens, interesses e negócios da falida. Todas juntas formam o procedimento falimentar”.

9 Igualmente Rubens Requião sustentava a unidade do juízo falimentar, nos termos abaixo:

“A unidade do juízo falimentar é ditada (...) pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da par condicio creditorum. Todos os credores que ocorrem ao processo de falência devem ser tratados com igualdade em relação aos demais credores da mesma categoria. Somente a unidade e a universalidade do juízo poderiam assegurar a realização dessas regras”.

10 Como se verifica, na vigência do regime anterior sedimentou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos reclamados perante a massa falida, inclusive os trabalhistas, era da Justiça Estadual Comum, a qual administrava o pagamento de todos eles, observada a respectiva ordem de preferência. 9 NERY, Nelson Junior. “Nota ao art. 7º da Lei de Falência (DL 7.661/45)”. Novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.975. 10 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 1. p. 87.

Essa orientação foi integralmente mantida pela Lei 11.101/2005. Comentando a sistemática atual, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, esclarece que “no juízo falimentar se processam concurso creditório, arrecadação dos bens do falido, habilitação de créditos, pedidos de restituição e demais ações, reclamações e negócios de interesse da massa.”

11 As regras hoje vigentes, assim como as passadas, consagram o princípio da universalidade do juízo falimentar, que exerce uma vis attractiva sobre todas as ações de interesse da massa falida, caracterizando a sua indivisibilidade.

É que num processo falimentar o patrimônio da empresa nem sempre equivale ao montante de suas dívidas, razão pela qual a regra da individualidade na execução dos créditos, que prevalece em situações de normalidade, poderia levar a que determinados credores obtivessem vantagem indevida relativamente a outros, em detrimento da isonomia que deve imperar entre eles, no tocante à liquidação de seus haveres.

Em outras palavras, os credores que primeiro 11 TARREGA, Maria Cristina Vidotte entários aos artigos 70 ao 82. DE LUCCA, Newton e SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências, cit. p.342. 19 ingressassem com a execução seriam impropriamente privilegiados em prejuízo dos demais. Por essa razão, na falência, e em algumas outras situações, como na insolvência civil e no processo de inventário (arts. 96 e 762 do CPC), desloca-se e altera-se a competência jurisdicional para um determinado foro de atração, “em que se discutem”, segundo ensina José Frederico Marques, “todas as causas e ações pertinentes a um patrimônio com universalidade jurídica”.

12 Fica, assim, afastada a regra da execução individual dos créditos, instaurando-se, em substituição, aquilo que se chamava antigamente de execução coletiva e, hoje, se denomina de concurso de credores. Ou seja, a execução deixa de ser feita individualmente, passando a ser realizada de forma comum.

Essa sistemática permite que se materialize, na prática, o vetusto princípio da par condicio creditorum, o qual assegura tratamento paritário a todos os credores de uma mesma categoria na percepção daquilo que lhes é devido.

Destarte, instala-se, no processo de falência, o denominado juízo universal, que atrai todas as ações que 12 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo Civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 229. v. 1. 20 possam afetar o patrimônio da empresa em processo de quebra ou recuperação judicial.

Cuida-se, em suma, do juízo competente para conhecer e julgar as todas as demandas que exijam uma decisão uniforme e vinculação erga omnes.

Convém sublinhar, desde logo, que o juízo universal da falência atrai apenas os créditos consolidados, quer dizer, dele estão excluídos, a teor do art. 6º, §§ 1º, 2º e 7º, da Lei 11.101/2005, 13 as ações que demandarem quantia ilíquida, as trabalhistas e as de natureza fiscal, as quais terão prosseguimento nos juízos especializados.

E aqui, registro, por oportuno, que, em conformidade com o disposto no art. 83, I e VI, c, da Lei 11.101/2005, os créditos de até 150 (cento e cinquenta) salários mínimos terão tratamento preferencial, e os que superarem esse valor serão transformados em quirografários.14 13 § 1º e 2º, encontram-se transcritos acima no texto do voto. Já § 7º apresenta a seguinte redação:

“As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”.

14 “Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente de trabalho; (...); VI – créditos quirografários, a saber: (...); c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo”.

21 Tais dispositivos foram havidos como constitucionalmente hígidos por esta Suprema Corte, no julgamento da ADI 3.934/DF, ocasião em que me pronunciei nos seguintes termos:

(...) passo agora ao exame do último argumento da presente ação direta, isto é, o da inconstitucionalidade da conversão de créditos trabalhistas em quirografários. Também nesse tópico não vejo qualquer ofensa à Constituição no tocante ao estabelecimento de um limite máximo de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, para além do qual os créditos decorrentes da relação de trabalho deixam de ser preferenciais.

É que – diga-se desde logo - não há aqui qualquer perda de direitos por parte dos trabalhadores, porquanto, independentemente da categoria em que tais créditos estejam classificados, eles não deixam de existir nem se tornam inexigíveis.

Quer dizer, os créditos trabalhistas não desaparecem pelo simples fato de serem convertidos em quirografários, mas apenas perdem o seu caráter preferencial, não ocorrendo, pois, nesse aspecto, qualquer afronta ao texto constitucional.

Observo, a propósito, que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, significou um rompimento com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/1945, cujo principal enfoque girava em torno da proteção do credor e não da preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais.

É importante destacar, ademais, que a própria legislação internacional de proteção ao trabalhador contempla a possibilidade do estabelecimento de limites legais aos créditos de 22 natureza trabalhista, desde que preservado o mínimo essencial à sobrevivência do empregado.

Esse entendimento encontra expressão no art. 7.1 da Convenção 173 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Convenção sobre a Proteção dos Créditos Trabalhistas em Caso de Insolvência do Empregador), segundo o qual a ‘legislação nacional poderá limitar o alcance do privilégio dos créditos trabalhistas a um montante estabelecido, que não deverá ser inferior a um mínimo socialmente aceitável’.

Embora essa Convenção não tenha sido ainda ratificada pelo Brasil, é possível afirmar que os limites adotados para a garantia dos créditos trabalhistas no caso de falência ou recuperação judicial de empresas encontram respaldo nas normas adotadas no âmbito da OIT, entidade integrante da Organização das Nações Unidas que tem por escopo fazer com que os países que a integram adotem padrões mínimos de proteção aos trabalhadores.

Nesse aspecto, as disposições da Lei 11.101/2005 abrigam uma preocupação de caráter distributivo, estabelecendo um critério o mais possível equitativo no que concerne ao concurso de credores. Em outras palavras, ao fixar um limite máximo – bastante razoável, diga-se - para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a Lei 11.101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários.

Procurou-se, assim, preservar, em uma situação de adversidade econômica por que passa a empresa, o caráter isonômico do princípio da par condicio creditorum, segundo o qual todos os credores que concorrem no processo de falência devem ser tratados com igualdade, respeitada a categoria que integram.

Esse é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho, para quem o limite à preferência do crédito trabalhista tem como objetivo 23 ‘impedir que (...) os recursos da massa [sejam consumidos] com o atendimento a altos salários dos administradores da sociedade falida.

A preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nessa situação.

15 Insta sublinhar, ainda, que o valor estabelecido na Lei não se mostra arbitrário e muito menos injusto, afigurando-se, ao revés, razoável e proporcional, visto que, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, constantes do já citado parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, ‘o limite superior de 150 salários mínimos (...) afetará número reduzidíssimo de assalariados, entre os quais estão, exclusiva ou primordialmente, os ocupantes de cargos elevados da hierarquia administrativa das sociedades’.

16 Isso porque as indenizações trabalhistas, levando-se em conta os valores vigentes à época da edição do diploma legal, foram, em média, de 12 salários mínimos.

Foi precisamente o dever estatal de proteger os direitos dos trabalhadores que determinou a fixação de regras que tornem viável a percepção dos créditos trabalhistas pelo maior número possível de credores, ao mesmo tempo em que se buscou preservar, no limite do possível, os empregos ameaçados de extinção pela eventual quebra da empresa sob recuperação ou em processo de falência.

Em abono dessa tese, afirma o já citado Manoel Pereira Calças que:

‘O Estado deve proteger os trabalhadores que têm como ‘único e principal bem sua força de trabalho’.

Por isso, tanto na falência, como na recuperação judicial, os trabalhadores devem ter preferência no recebimento de seus créditos, harmonizando- se, no entanto, tal prioridade, com a tentativa da manutenção dos postos de trabalho. (...). 15 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 14. 16 Parecer, loc.cit. 24 (...) o credor trabalhista, cujo crédito somar até cento e cinquenta saláriosmínimos, será classificado pela totalidade do respectivo valor na classe superpreferencial; já o trabalhador que for titular de crédito que supere o teto legal participará do concurso em duas classes distintas, ou seja, pelo valor subsumido no teto integrará a classe dos créditos trabalhistas e pelo valor excedente será incluído na classe dos quirografários.

17 Essa restrição, contudo, de forma acertada, como asseveram Vera de Mello Franco e Rachel Sztajn ‘não atinge as indenizações devidas por acidente do trabalho, que devem ser pagas integralmente’. 18 Ademais, assentam que:

‘Caso o apurado com a venda dos ativos seja insuficiente para a satisfação do total, procede-se ao rateio, em igualdade de condições, dentre os credores trabalhistas e preferenciais, classificados nesta classe’.

19 Assim, forçoso é convir que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários fixado pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 não viola a Constituição, porquanto, longe de inviabilizar a sua liquidação, tem em mira, justamente, a proteção do patrimônio dos trabalhadores, em especial dos mais débeis do ponto de vista econômico.

E mais, segundo ao art. 54 da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação judicial, que é aprovado pelo juízo da falência, não poderá prever prazo superior a um ano para 17 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. “A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Repercussão no Direito do Trabalho (Lei N. 11.101, de fevereiro de 2005)”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. nº 4. out/dez 2007, p. 41. 18 FRANCO, Vera Helena de Mello e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação de Empresa em Crise. São Paulo: Elsevier, 2009, p. 42-43. 19 Idem, loc.cit. 25 pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho, anteriormente vencidos, e nem prazo superior a trinta dias para o pagamento, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores ao pedido.

A meu ver, portanto, a Lei 11.101/2005 manteve-se rigorosamente fiel ao princípio da par condicio creditorum no tocante aos créditos trabalhistas, os quais, de resto, foram contemplados com a devida precedência sobre os demais, de forma consentânea com a sua natureza alimentar.

Na verdade, tal como no regime anterior, a Justiça do Trabalho conservou a jurisdição cognitiva sobre tais créditos, ficando, todavia, a execução destes, quando líquidos, a cargo da Justiça Comum, uma vez instaurado o processo falimentar.

O novo diploma legal, longe de restringir a percepção dos créditos trabalhistas, na verdade ampliou a possibilidade de os empregados receberem aquilo que lhes é devido, ao introduzir no ordenamento jurídico o instituto da recuperação judicial, cujo objetivo é manter em atividade as 26 empresas que estejam passando por dificuldades de caráter conjuntural, tendo em conta a função social que exercem.

Diante disso, penso que as disposições da Lei 11.101/2005, no concernente à regra de competência para a execução dos créditos trabalhistas, em nada conflitam com o que contêm os incs. I e IX do art. 114, em especial quanto a esse último.

Com efeito, o inc. IX do art. 114 apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho.

Em outras palavras, o texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que tal se afigure conveniente, à luz dos valores e princípios constitucionais em jogo.

No caso da competência para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas em recuperação judicial, a opção política do legislador ordinário foi conservar intacta a sistemática anterior de conhecimento das controvérsias trabalhistas pela Justiça Laboral, mantendo, contudo, a execução dos créditos delas resultantes a cargo 27 do juízo universal da falência, a bem do tratamento uniforme de todos os credores, respeitada, evidentemente, a categoria a que pertencem. Nessa linha é a argumentação de Alexandre Alves Lazzarini:

“O processo de recuperação judicial (como no de falência) instaura um juízo coletivo para onde devem confluir todos os credores sujeitos à recuperação judicial, inclusive aqueles credores que postulam seu direito perante o juízo individual, seja ele na Justiça Comum ou na Justiça do Trabalho (...).

(...) Na recuperação judicial busca-se dar tratamento igualitário, obedecidas as regras legais e o que foi disposto pelos credores (e não pelo devedor), como forma de pagamento, onde todos os credores de uma mesma classe (trabalhadores, quirografários etc.) recebam ‘cada um, um pouco’; acrescente-se a isso que os credores apostam que a devedora (empresa em crise) irá se restabelecer, manter empregos e pagar o que deve. (...) (...) a empresa deixa de ter uma natureza meramente privada, para ter uma forte tendência institucional, dadas as imposições públicas que lhe são feitas. (...) Assim, a manutenção das execuções individuais em detrimento da recuperação da empresa implica autorizar que alguns trabalhadores prejudiquem milhares de outros reclamantes e aqueles outros que ainda trabalham na empresa e dela retiram seu sustento, ferindo o direito individual de cada um, sem considerar uma coletividade maior, composta por pessoas prestadoras de serviços e fornecedoras de produtos, por exemplo. (...). Em outras palavras, tanto para o interessado capitalista como para o interessado 28 trabalhador, a convergência de interesses da coletividade é melhor em face do interesse individual”.

20 Verifico, pois, que o acórdão recorrido encontrase em harmonia com o texto constitucional, bem assim com a jurisprudência desta Corte acerca da competência do juízo universal da falência para a execução dos créditos trabalhistas, consolidada – note-se - no período em que estavam vigentes, simultaneamente, o Decreto-lei 7.661/45 e a EC 45/2004, que conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal.

Dentre os muitos precedentes nesse sentido, destaco o AI 584.049/RJ-AgR, Rel. Min. Eros Grau (DJ 8/8/2006) e o AI 585.407/RJ-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes (DJ 1º/12/2006. Transcrevo abaixo a ementa do primeiro julgamento citado:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXECUÇÃO TRABALHISTA E SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA DA EMPRESA EXECUTADA. COMPETÊNCIA. JUÍZO FALIMENTAR. (...).

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, decretada a falência, a execução do crédito trabalhista deve ser processada perante o juízo falimentar, sendo necessária a sua habilitação no juízo universal 20 LAZZARINI, Alexandre Alves.

“A recuperação judicial de empresas: alguns problemas na sua execução”. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: RT. Ano 10. n. 38. p. 93-106. Out./Dez. de 2007, p. 97. 29 [CC 7.116, Plenário, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 23.8.2002]. Agravo regimental a que se nega provimento.

Não há, portanto, a meu juízo, qualquer afronta ao art. 114 da Carta Magna, em especial ao seu inc. IX, que simplesmente outorgou ao legislador ordinário a faculdade de ampliar a competência da Justiça Laboral para julgar demandas decorrentes da relação de trabalho, autorizando-o a sopesar, ao seu exclusivo alvitre, os variados interesses que se contrapõem na multifacetada realidade social, os quais está incumbido de regrar.

A rigor, a controvérsia examinada neste RE, segundo consta dos autos, nem mesmo decorre – ao menos diretamente - da relação de trabalho que a recorrente mantinha com certa empresa, a justificar a sua submissão à Justiça Laboral.

Na verdade, ela tem origem na venda de um ativo da referida empresa, submetida a processo de recuperação judicial, em hasta pública, nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005. Isso posto, conheço deste recurso extraordinário, negando-lhe, todavia, provimento.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 583.955-9 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

RECORRENTE(S) : MARIA TEREZA RICHA FELGA 30

ADVOGADO(A/S) : SEBASTIÃO JOSÉ DA MOTTA E OUTRO(A/S)

RECORRIDO(A/S) : VRG LINHAS AÉREAS S/A E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : ROBERTO TEIXEIRA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : SERGIO BERMUDES

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.

EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11.101/05, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I – A questão central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial.

II – Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei 11.101/05.

III – O inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho.

IV – O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julgamento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende regrar.

IV – A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento.

V - Recurso extraordinário conhecido e improvido.

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