Universidade Anhembi Morumbi



UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

Pós-Graduação EM Educação Comunitária

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Braz Rodrigues Nogueira

Renata Udlis Mazon

IMPLEMENTAÇÃO DE UMA METODOLOGIA DE ENSINO COM BASE NOS PRINCÍPIOS DA eSCOLA DA PONTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Comunitária da Universidade Anhembi Morumbi.

Orientador: Prof Dália Dener

São Paulo

2005

DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho a todos que acreditam em uma educação inovadora e com desafios. Mesmo com tantos problemas que encontramos na educação pública no Brasil, acreditamos que mudanças são possíveis de acontecer.

Sumário

Capitulo 1 - Introdução............................................................................................. 4

Capitulo 2- A Favela de Heliópolis........................................................................... 9

Capitulo 3 - A EMEF Presidente Campos Salles..................................................... 11

Capitulo 4- A Escola da Ponte................................................................................. 19

Capitulo 5 – Emef Desembargador Amorim Lima: uma metodologia de ensino inspirada na Escola da Ponte, de Portugal............................................................... 27

Capitulo 6 – Metodologia......................................................................................... 31

Capitulo 7- Discussão dos resultados......................................................................37

Capitulo 8 -Plano de ação – Proposta para o início do processo de desenvolvimento de uma metodologia de ensino, na EMEF Pres. Campos Salles, com base nos princípios da “Escola da Ponte.................................................................................. 41

Capitulo 9 - Considerações Finais........................................................................... 46

Referências Bibliográficas..................................................................................... 52

Anexos..................................................................................................................... 54

1. Introdução

Este trabalho não visa apenas o atendimento a uma exigência formal, ou seja, o registro de uma pesquisa para a obtenção de um título em Educação Comunitária. Ele é importante por causa das ações e vivências desencadeadas. Vem provocando para centenas de pessoas reflexões e posicionamentos que já estão contribuindo para o processo de constituição dos sujeitos. E é, por isso, que pode ser denominado Projeto Educacional/Social.

Para a sua elaboração foram objetos de investigação as metodologias da Escola da Ponte e da EMEF Des. Amorim Lima por serem portadoras de uma nova mentalidade que vê a criança e o adolescente como seres capazes de tomarem decisões, capazes de se organizarem para aprender individual e coletivamente e que chegam à escola trazendo os saberes de sua cultura. Nestas escolas alunos e professores não estão submetidos a um currículo de ensino pré-determinado e seus espaços e tempos foram reorganizados para que os alunos se expressem livremente o que implica que o professor adquira um protagonismo inédito.

Por isso mesmo, elas superaram o que é muito comum nas escolas públicas brasileiras – “os professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem”.

O produto dessa investigação organizou-se numa apresentação, que se dispõe a seguir, nos capítulos:

▪ Capitulo 1 – Introdução

▪ Capitulo 2 - A Favela de Heliópolis

▪ Capitulo 3 - A EMEF Presidente Campos Salles

▪ Capitulo 4 - A Escola da Ponte

▪ Capitulo 5 – Emef Desembargador Amorim Lima: uma metodologia de ensino inspirada na Escola da Ponte, de Portugal

▪ Capitulo 6 – Metodologia

▪ Capitulo 7- Discussão dos resultados

▪ Capitulo 8 -Plano de ação – Proposta para o início do processo de desenvolvimento de uma metodologia de ensino, na EMEF Pres. Campos Salles, com base nos princípios da “Escola da Ponte

▪ Capitulo 9 - Considerações Finais

1. Objetivo Geral

A Escola da Ponte mostrou ser possível a organização do espaço e do tempo escolar para que o aluno seja recebido como um ser competente que interage como sujeito com os outros sujeitos que são os seus colegas de escola e os seus professores. Vive-se na escola assim como se vive na comunidade e ambas se influenciam reciprocamente e o ato de aprender torna-se prazeroso.

É, por isso, que este trabalho tem como objetivo geral - desenvolver um projeto para a implementação de uma metodologia de ensino com base nos princípios da Escola da Ponte: Autonomia, responsabilidade e solidariedade.

1.2 Objetivos específicos

▪ Abordar a problemática da educação no Brasil tendo por foco a EMEF. Pres. Campos Salles.

▪ Pesquisar a metodologia da Escola da Ponte.

▪ Pesquisar a implementação da metodologia da Escola da Ponte em uma escola brasileira.

1.3 Situação Problemática

1.3.1 Problema da Escola Pública no Brasil

Para buscar causas estruturais e históricas que impedem nossos alunos de aprender, tem que se começar falando de uma cultura escolar elitista, herança do tempo do Império, e da falta de visão estratégica por parte do governo. Junte-se a isso uma gestão pública ineficiente, em que por mais de um século o governo federal não se articulou com estados e municípios para implementar as políticas e os legislativos, em geral, não exerceram seu papel fiscalizador. A sociedade, por sua vez, em grande parte por causa do aligeiramento com que a mídia trata a questão, é mal informada e tende a confundir aparência com essência. Têm-se ainda os interesses corporativistas, a estrutura precária de formação do educador, o mito das "causas nobres" — como o Ensino Fundamental de nove anos e a educação em tempo integral — que às vezes aparecem como possíveis soluções. A qualidade ainda é confundida com um ensino de elite, o que só colabora para a nossa educação ficar fora de sintonia com o século 21. Para que exista uma escola de qualidade, é preciso que todos entrem e todos aprendam. No tempo em que a escola era de poucos, as crianças que a freqüentavam construíam significados em outros lugares. Elas pertenciam a famílias escolarizadas e dominavam as chaves para formar os conhecimentos. A escola pública foi programada para esse tipo de aluno. Quando começou a receber quem não tinha essa bagagem, ela entrou em crise. Apesar do empenho e da dedicação de muitos professores, os grandes números indicam infelizmente que a escola pública brasileira foi desenhada para quem já sabe, não para quem não sabe e precisa dela para aprender.

O problema da escola pública no Brasil já era apontado por Anísio Teixeira, no início da segunda metade do século XX, nos termos abaixo:

“A situação educacional brasileira apresenta-se como uma pirâmide, em que a base não chega a ter consistência e solidez de tão tênue que é, logo se afilando, mais à maneira de um obelisco do que mesmo de uma pirâmide. Tal aspecto manifesta-se desde a escola primária. Façamos do nosso sistema escolar um sistema de formação do homem para os diferentes níveis da vida social. Mas com um vigoroso espírito de justiça, dando primeiro aos muitos aquele mínimo de educação, sem o qual a vida não terá significação nem poderá sequer ser decentemente vivida e depois, aos poucos, a melhor educação possível, obrigando, porém, estes poucos a custear, sempre que possível, pelo menos parte dessa educação, e, no caso de ser preciso ou de justiça, pelo valor do estudante, dá-la gratuita, caracterizando de modo indisfarçável a dívida que está ele a assumir para com a sociedade. A educação mais alta que está assim a receber não lhe dá direito nem o faz credor da sociedade, antes lhe dá deveres e responsabilidade, fá-lo o devedor de um débito que só a sua produtividade real poderá pagar”. (TEIXEIRA, 1969:62)

Atualmente quase 100% das crianças brasileiras acessam ao Ensino Fundamental, situação muito diferente da época de Anísio Teixeira, mas infelizmente a qualidade da escola pública continua péssima. Pode-se dizer que a escola está paralisada nas suas práticas e não vê o aluno como sujeito de sua aprendizagem, impondo-lhe um currículo pré-determinado que não tem nada a ver com sua vida. O aluno real, concreto não é acessado e ir à escola passa a ser uma mera obrigação. Daí deriva o chamado “fracasso escolar” ou a “falência na relação professor-aluno”.

Como superar o fracasso escolar ou a falência na relação professor-aluno? Esta pesquisa esclareceu que não adianta culpar o outro distante (Governos, Legislativos, autoridades educacionais, etc), aliás, ele ficou quase ausente de propósito. Entende-se que todos são responsáveis pela educação, mas o que interessa aqui é o outro próximo, ou seja, o professor, o funcionário, o aluno da EMEF Pres. Campos Salles e a comunidade onde a escola está inserida.

Independentemente do outro distante, aqueles sim, podem se articular cotidianamente e melhorar a qualidade da educação. Este não seria também o caminho para fazer com que o executivo e o legislativo e as autoridades educacionais se impliquem efetivamente com a educação, sem fazer dela uma bandeira eleitoreira?

1.3.2 Problema da EMEF. Pres. Campos Salles

Até recentemente se pensava que um dos problemas mais graves da escola fosse o trânsito contínuo de professores, pois ele tem dificultado muito a relação professor-aluno, a relação professor-professor, a relação professor-projeto, a relação professor- comunidade. Atualmente não se tem dúvida de que o maior problema é a falência na relação professor-aluno. Constatação comum entre muitos autores preocupados em propor caminhos para a melhoria da qualidade da educação brasileira. Sendo um deles, Mrech, (1999) que diz:

“Há, no Brasil, atualmente, um sintoma social que atinge a maior parte dos processos educacionais: a falência na relação professor-aluno. Por falência estamos entendendo a situação em que o professor se vê impossibilitado em dar cumprimentos às suas obrigações, por sentir que lhe faltam determinados conteúdos, sejam eles de base emocional, teórico-práticas ou financeiras”. (MRECH, 1999:39)

A falência na relação professor-aluno na EMEF Pres. Campos Salles, segundo dados de 2004, se expressa da seguinte forma:

a) Alunos promovidos com rendimento insatisfatório – 14,82%. (Anexo A)

b) Alunos evadidos – 9,06%. (Anexo B)

c) Alunos retidos por falta – 5,97%.(Anexo C)

d) Alunos retidos por rendimento – 2,31%. (Anexo D)

Isto significa que num universo de 1423 alunos, 458 fracassaram de acordo com os padrões da escola, o que corresponde a 32,18% de seus alunos.

A falência na relação professor-aluno se expressa também na grande quantidade de faltas de alunos e professores. (Anexo E)

Muitos alunos e professores fazem de tudo para se livrarem da sala de aula, o que aí acontece não lhes interessa, ela está se tornando descartável. Qual é afinal o problema da EMEF Pres. Campos Salles?

As práticas ou metodologias que predominam nas salas de aula vêm o aluno como um ser menor, incompleto. Cabe ao professor completá-lo com aquilo que ele pensa que o aluno precisa para ser gente. Ele não é visto como um ser integral capaz de tomar decisões, capaz de organizar-se para aprender tanto individual como coletivamente e portador de saberes de sua cultura.

1.4 Hipóteses

A implementação da metodologia da Escola da Ponte na EMEF Pres. Campos Salles irá reforçar a natureza democrática do conhecimento. As crianças e os adolescentes saberão o que têm de fazer. Uma educação na qual todos participam da construção e da solução dos problemas.

2. A Favela de Heliópolis

A região de Heliópolis da década de 80 pode ser classificada como bairro novo ou “periferia nova” cuja população foi aos poucos ocupando vastas áreas desabitadas, de forma desordenada. Difere, no entanto, dessa classificação quando se observa o seu atual estágio que apresenta uma expansão acelerada.

Em passado recente, Heliópolis foi um bairro periférico, o que hoje já não ocorre. O crescimento do bairro do Ipiranga fez com que Heliópolis ficasse integrado à cidade, pois dista apenas 7 km do centro e situa-se na divisa do maior centro industrial do país, o ABCD. Sua localização é, portanto, privilegiada, sendo servido de ampla infra-estrutura viária (trens, estradas, avenidas), comércio e indústria, além de contar com locais de prestação de diversos serviços públicos essenciais. Heliópolis tem como um dos seus limites a Estrada das Lágrimas, um traçado que bastante se identifica com o antigo Caminho do Mar, que no período colonial servia de ligação entre a vila de S. Vicente e os campos de Piratininga.

A atual Estrada das Lágrimas segue o caminho para o mar, e, em parte, acompanha o traçado da Via Anchieta, rota de acesso ao litoral do Estado de São Paulo, vencendo as escarpas do planalto sul-brasileiro, denominadas Serra do Mar.

Apesar de valorizado, é nesse local que se encontra a maior favela de São Paulo. A história de suas terras remonta à própria história da expansão de São Paulo, que principia favorecendo a especulação.

Essas terras se incorporam à cidade, inicialmente como um empreendimento imobiliário, depois como uma gleba adquirida pelo IAPAS para a construção do maior hospital da América Latina – o Hospital Heliópolis.

Em 1971/72 teve início a construção de um alojamento provisório para moradores da favela da região vizinha de Vila Prudente que haviam sido desalojados devido ao projeto de construção de viadutos, pelo então Prefeito Paulo Maluf.

Aos poucos, outras famílias foram chegando e levantando mais barracos ao lado do alojamento o que resultou no crescimento rápido da favela e nos problemas advindos desse processo.

A área inicial da favela, que fica entre a Estrada das Lágrimas, Avenida Delamare e Rua Juntas Provisórias, apresenta, atualmente, a maior concentração de barracos e casas de alvenaria.

3. A EMEF PRES. CAMPOS SALLES

A EMEF Pres. Campos Salles localiza-se no bairro de São João Clímaco à Rua Cavalheiro Frontini, nº 87. Sua frente está voltada para a praça central de São João Clímaco que é um ponto favoravelmente bem localizado em termos de benefícios urbanos, enquanto os seus fundos limitam-se com a favela de Heliópolis, onde residem mais de 95% dos seus 1400 alunos.

Os 1400 alunos estão distribuídos em três períodos de aulas, manhã, tarde e noite. Cada período conta com 12 turmas de alunos. Nos períodos da manhã e tarde funciona o curso regular do Ensino Fundamental com 24 turmas, sendo que 13 turmas são formadas por alunos de 1ª a 4ª séries e 11 turmas são formadas por alunos de 5ª a 8ª séries. No período noturno funciona o curso de Suplência (EJA) do Ensino fundamental com 12 turmas, sendo que três turmas são formadas por alunos de 1ª a 4ª séries e 9 turmas são formadas por alunos de 5ª a 8ª séries. No total a escola atende a 36 turmas.

A escola conta com 86 profissionais, sendo 54 professores, 1 diretor, 2 coordenadoras pedagógicas, 1 assistente de direção, 3 auxiliares de direção, 1 secretário, 2 auxiliares de secretaria, 12 agentes escolares, 3 inspetores, 2 vigias, 2 professores orientadores de informática, 2 professores orientadores de sala de leitura e 1 professora da sala de apoio pedagógico.

A EMEF Pres. Campos Salles pertence à – Coordenadoria de Educação do Ipiranga – da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

A região conhecida como favela de Heliópolis localiza-se na zona sudeste de São Paulo, no distrito do Ipiranga.. .

Atualmente, esta é uma das áreas mais densas da cidade de São Paulo. São aproximadamente 120.000 pessoas distribuídas numa extensão de 1.000.000 de metros quadrados, segundo a União de Núcleos, Associações e Sociedades de Heliópolis e São João Clímaco (UNAS). Quase metade (49%) desta população é constituída por crianças, adolescentes e jovens. A grande maioria dos adultos é constituída por migrantes nordestinos. São vítimas do desemprego, da violência, dos baixos salários, das péssimas condições de moradia, saúde, alimentação e educação.

A EMEF Pres. Campos Salles surgiu antes do início do processo de favelização de Heliópolis. Foi criada pelo Decreto, nº 3206 de 23/08/56, como Escolas Mistas de São João Clímaco.

Em 1957, onde hoje é o Largo de São João Clímaco, foram construídos dois galpões, um com duas salas e o outro com três. Foi inaugurada em 27/02/57 e começou a funcionar em 21/03/57. Em 1967 foi inaugurado o prédio de alvenaria, com 12 salas e 1000 alunos, prédio este em que a escola ainda funciona.

Em 21 de novembro de 1995 assumiu uma nova direção que deu início a um trabalho de integração Escola-Comunidade. E como conseqüência deste trabalho, atualmente, a escola e a comunidade são parceiras na luta pela efetivação dos direitos da população de Heliópolis.

Para melhor contextualizar a escola e o seu problema mais grave – utilização de metodologia ou metodologias de ensino inadequadas – faz-se necessário à divisão de sua história em três períodos levando-se em consideração a mudança do perfil da população ao longo do tempo. O primeiro período de 1957 a 1970, o segundo de 1971 a 1995 e o terceiro, que iniciou-se em 1996 e que foi pesquisado arduamente.

1. Primeiro período (1957 – 1970)

A EMEF Pres. Campos Salles se restringia ao atendimento das séries iniciais do ensino fundamental. Segundo uma das professoras entrevistadas, e documentos da escola comprovam, a grande maioria dos alunos eram provenientes do Jardim Patente e São João Clímaco. A grande maioria dos seus pais eram trabalhadores das chácaras e olarias que se espalhavam pela região. Muitos eram descendentes de portugueses e italianos.

2. Segundo período (1971 – 1995).

Em 1971/72, como dito anteriormente, começou a ocupação desordenada de Heliópolis. A EMEF Pres. Campos Salles era a única escola próxima que poderia atendê-los. Segundo uma professora, presente na escola desde 1978, a maioria das crianças que chegavam eram de 1ª ou 2ª série. Segundo a mesma, a partir do momento que aprendiam a ler e escrever, os alunos se transferiam para as escolas novas que estavam surgindo, mesmo sendo mais distantes. Diz ela: “Era muito difícil formar uma 8ª série. Eles tinham vergonha de tirar o diploma aqui”. Desta fala e de muitas outras se conclui o porquê do estigma imputado a EMEF Pres. Campos Salles, como sendo a “escola dos favelados, dos marginais e dos baderneiros”.

3. Terceiro período (1996 - atual)

No dia 21 de novembro de 1995 assumiu a direção da EMEF Pres. Campos Salles o diretor Braz Rodrigues Nogueira. A escola foi escolhida por ele por dois motivos: proximidade de sua residência e a origem de sua família ser similar à maioria das famílias de Heliópolis.

Ele chegou à escola com duas idéias na cabeça, sem querer negociá-las, mas com uma grande disposição em argumentar para conseguir parceiros para adotá-las e defendê-las. Estas duas idéias hoje são norteadoras do Projeto da EMEF Pres. Campos Salles – Cidadania: Uma Questão de Sobrevivência – e estão assim formuladas:

“Duas idéias norteadoras”:

a) A escola como Centro de Liderança

Com a pretensão de ser neutra, a Escola Pública, acabou abdicando-se da liderança que havia de exercer na comunidade em que atua. Para não ser ‘contaminada’, com o pretexto de que cuida dos ‘assuntos educacionais’, distanciou-se da realidade social, passando a trabalhar, então, com um aluno descontextualizado.

Atuando isoladamente, a escola, não é capaz de romper com os roteiros previamente estruturados, com a repetição, com a exclusão social, com os mecanismos da construção psico-social da subalternidade. Como sair desse impasse?

A princípio poderia se responder que essa empreitada é tarefa de todas as instituições, mas a escola deve se colocar à frente das demais, pois os educadores das escolas têm o privilégio de entrar em contato efetivo com toda a população, já que quase todas as crianças brasileiras acessam à escola e através delas poderiam interagir com toda a sociedade

O que se propõe de fato é o fortalecimento da relação Escola-Comunidade, onde a escola seria um centro de liderança comprometido com o saber e juntamente com as outras instituições e lideranças da comunidade, quebrariam as amarras que aprisionam a todos às estruturas sociais pré-determinadas.

b) Tudo Passa Pela Educação

Tudo passa pela educação quando o educador da escola é cidadão. Ele busca não só a mudança da escola, mas também a mudança da sociedade, juntamente com os outros agentes educativos que não estão dentro da escola. Sabe que a escola e a sociedade mudam juntas. Interage com o aluno contextualizado, pois é portador de uma visão de mundo que leva em consideração as estruturas políticas, econômicas, históricas e culturais que moldam os sujeitos. Ajuda o aluno a perceber que a sociedade que não atende aos direitos referentes à vida, à saúde, à moradia, à alimentação etc compromete os outros direitos, até mesmo o direito à educação.

O educador-cidadão não fala bem ou mal da luta do povo pelos direitos, ao contrário, assume-a como sua, pois quer educar e ser educado na ação, com os outros, na busca da melhoria da qualidade de vida. Ele sabe que a educação de um povo é tarefa de toda a sociedade. Sabe também que a escola nunca foi e nunca será a única responsável no campo educacional e que ela só faz bem a parte que lhe cabe quando atua articuladamente com a comunidade e suas instituições. (Projeto da EMEF Presidente Campos Salles)

Na busca de parceiros para a construção de um projeto de integração Escola-Comunidade o diretor Braz atuou em várias frentes concomitantemente. Desde 1996 contou com duas aliadas, duas coordenadoras pedagógicas que chegaram neste mesmo ano, e quase que de imediato adotaram como suas as duas idéias descritas acima.

O diretor tinha uma preocupação muito grande com a constituição e coordenação da equipe técnica e de sua importância para a construção do projeto. O que fica explícito na citação a seguir:

“E desde que eu tive as duas coordenadora, eu sentei e eu disse: Nós coordenamos a escola. Se nós demos certo a escola caminha. Se nós não dermos certo a escola não caminha. Eu não quero que, em nenhum momento vocês deixem a parte administrativa nas minhas costas e eu, a parte pedagógica nas costas de vocês. E é juntos que vamos coordenar a escola. E, além de vocês, nós vamos precisar da Assistente de Direção, que vai ser complicado, porque não tem alcance para entender a questão pedagógica, e nós vamos precisar dos auxiliares de período, porque o auxiliar de período para mim é peça estratégica. E se não for, se a gente não trabalhar para que eles tenham algum poder, nós não fazemos nada, nós vamos ficar como bombeiros, aí, fingindo que está solucionando problemas que a gente não consegue solucionar. E, aí nós começamos a fazer uma reunião semanal para construir essa equipe, e ao mesmo tempo em que a gente fazia isso, eu me aproximava o máximo possível do aluno, da comunidade...” (GALLO, 2004:102).

Foram desenvolvidas ações com o intuito de identificar e convidar lideranças, de cada segmento, para a construção de um projeto coletivo para integrar a escola e a comunidade. Uma ação que muito contribuiu para o avanço da construção do projeto foi um curso para pais e lideranças comunitárias denominado – Educação e Cidadania – que tinha como objetivo levar os participantes a perceberem que não se faz educação de qualidade sem a participação da comunidade na vida da escola. Neste curso a escola era mostrada por dentro com todas as suas contradições. Discutiam-se as seguintes questões: participação, linhas pedagógicas, verbas, direitos dos professores, direitos da comunidade, direitos dos alunos, etc. Alguns professores ficaram muito revoltados com o conteúdo do curso, principalmente quanto à questão dos direitos dos professores e funcionários, pois achavam que o diretor e as coordenadoras pedagógicas faltavam com a ética quando diziam para os participantes que professores e demais funcionários da escola têm direito a 10 faltas abonadas, 6 faltas justificadas, 60 faltas injustificadas por ano. Além destas faltas o professor tem ainda direito de dispensa do ponto para participar das reuniões do sindicato como representante de período, dispensa do ponto para participar da eleição do sindicato, dispensa do ponto para participar de seminários e congressos. E ainda são tirados da escola pela administração para cursos em horário de aulas quando ela não garante nem mesmo professores para substituir aqueles que estão de licença médica.

Em 1998, a EMEF Pres. Campos Salles, já contava com um Conselho de Escola bastante ativo e participante que contrastava muito do Conselho encontrado em novembro de 1995, que tinha uma função meramente burocrática. O grêmio que surgira, em 1996, ganhou corpo em 1998 e passou a ser uma organização fundamental para a sustentação do projeto da escola. Como resultado do curso – Educação e Cidadania – a escola passou a contar, no final de 1998, com a atuação de quatro comissões: Limpeza, conservação e manutenção do prédio escolar; Cultura, esporte e lazer; Relação escola-comunidade e Comissão de Reivindicação.

No final de 1998 o estigma que pesava sobre a escola – “escola dos favelados, marginais e baderneiros” começou a ser substituído pela denominação de “escola da comunidade”. Esta denominação foi confirmada de fato em 1999, quando fora assassinada uma aluna da escola. Em três meses de trabalho a escola mobilizou a comunidade e realizou a Primeira Caminhada pela Paz de Heliópolis. No final de 1999, foi realizada também a Primeira Mostra Cultural. A partir daí, estas duas ações vêm sendo realizadas anualmente.

A EMEF Pres. Campos Salles é hoje considerada um exemplo de Integração Escola-Comunidade. No ano de 2000 ela foi visitada pelo Presidente do Conselho Norte-Americano de Educação (United States Department of Education), Sr. Terry Peterson. Em 2001 a escola foi escolhida para o lançamento do Projeto Escola Aberta pelo governo da cidade de São Paulo.

Seu trabalho tem sido também registrado pela imprensa paulistana e por alguns trabalhos acadêmicos, como por exemplo, na tese de doutorado da PUC-SP, A escola em tempos de mal-estar e drogas. (AMORIM, 2003) e em dissertação de mestrado, também da PUC-SP, A parceria presente: A relação família-escola numa escola da periferia de São Paulo, (GALLO, 2004).

Duas professoras que chegaram à escola no segundo período (1971 – 1995) - uma delas chegou em fevereiro de 1978 e a outra em 1988 - e que ainda continuam trabalhando, afirmam que nunca houve na escola um projeto com o objetivo de incluir a comunidade na escola e esta na comunidade. Para elas, após 1996, o projeto começou a ganhar visibilidade; recordam que ficaram muito assustadas com as idas da escola até a comunidade e a vinda desta até a escola. Disseram também que o projeto, com o passar do tempo, lhes trouxe segurança e mais tranqüilidade. Apontam ainda, que durante os anos de 2000 e 2001, o projeto foi uma coisa fantástica e que a partir de 2002 ocorreu uma queda contínua na qualidade do ensino, tanto na Campos Salles, como nas outras escolas. Segundo elas os alunos e professores estão muito desmotivados.

Em um relatório feito pela escola, com a participação de todos os segmentos, no ano de 1999, o forte entrelaçamento da escola com a comunidade pode ser percebido nas palavras de João Miranda Neto[1] quando diz:

“E o poder só é poder quando estamos juntos. Não adianta a comunidade estar lá e a escola estar aqui. Que poder é esse?Quando nos juntamos começamos a dizer assim: somos fortes porque é mais difícil de quebrar, né? É aquela história dos palitinhos de fósforos. Você pega dois, três e quebra, até dez, né? Pega quarenta pra quebrar, pra ver se consegue?As nossas pequenas experiências são como palitinhos de fósforos, juntas nos fortalece, traz vida e poder para a escola e comunidade” (Relatório da escola de 1999)

Não se tem dúvida de que a relação escola-comunidade se aprofundou muito no terceiro período fazendo da escola um modelo neste quesito. Com todo esse sucesso, como explicar a péssima qualidade do ensino ministrado pela escola? Como transferir aquele sucesso também para a salas de aulas? Mas afinal, quais são os problemas da EMEF Pres. Campos Salles? Por que os alunos e os professores estão tão desmotivados?

3.1. Problemas da EMEF Pres. Campos Salles.

Os dados apurados expressam que a escola, apesar de um trabalho árduo, pela convivência, pela cultura da paz, pela melhoria da qualidade de ensino, etc, não tem conseguido acessar ao aluno real, concreto. Nas práticas que predominam nas salas de aula, o aluno é visto como um ser menor, incompleto. Cabe, então, ao professor, completá-lo com aquilo que o aluno precisa para ser gente. Ele não é visto como um ser integral capaz de tomar decisões, já possuidor de saberes e capaz de se organizar para aprender. Decorre disso que o aluno e o professor sofrem porque não estão caminhando lado a lado. O professor tenta escapar da sala de aula por todos os meios e o aluno fica feliz quando é dispensado porque não há professor para dar aula. Parece que para ambos a sala de aula é descartável, fora as exceções.

Em levantamento feito, do dia 09 ao dia 22 de setembro de 2005, perfazendo um total de 10 dias letivos, a média de faltas/dia de professores foi de 13,5. Quanto aos alunos, o número de faltas também foi muito grande, de 1ª a 4ª séries a média foi de 4,73 faltas/dia por série, de 5ª a 8ª séries foi de 13,25 faltas/dia por série e no curso de suplência de 1ª a 8ª séries a média de falta por série foi de 18,76 faltas/dia (Anexo E).

Outro dado refere-se ao ano de 2004, incluindo os alunos promovidos com rendimento insatisfatório, os alunos evadidos, os alunos retidos por falta e os alunos de 4ª e 8ª séries, retidos por rendimento, chega-se a um total de 458 alunos em um universo de 1423 alunos. Isto significa que 32,18% dos alunos fracassaram de acordo com os padrões da escola (Anexos A, B, C e D).

A Doutora em Educação, Jaqueline Moll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, proferiu no Seminário Escolas Sem Muro – Uma Nova Geografia do Aprendizado[2] que “ a escola está no século XIX, o professor no século XX e o aluno no século no século XXI”. Conclui-se que as escolas realmente não estão conseguindo fazer bem a parte que lhes cabe na educação das crianças, dos adolescentes e dos jovens. É preciso que surja uma nova mentalidade nos adultos para que a escola, o professor e o aluno entrem, lado a lado, no século XXI.

As pesquisas realizadas permitem supor que as metodologias de ensino que predominam na EMEF Pres. Campos Salles estão em contradição com a nova mentalidade de que fala Jaqueline Moll. As crianças e os adolescentes ainda são vistos como miniaturas dos adultos e educar-se significa submeter-se à vontade e desejos daqueles que realmente sabem – os adultos. Não havendo espaço para que as crianças e adolescentes se expressem na sua cultura, nas suas decisões, na sua organização para aprender, como seres integrais que são, a sala de aula tornou-se, o espaço que afugenta alunos e professores.

4. A Escola da Ponte

Especialista em Música e em Leitura e Escrita, José Pacheco, de 52 anos coordena, desde 1976, a Escola da Ponte, instituição pública que se notabilizou pelo projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes. O educador português é Mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. 

José Pacheco não é o primeiro — e nem será o último — a desejar uma escola que fuja do modelo tradicional. Ao contrário de muitos, no entanto, o educador português pode se orgulhar por ter transformado seu sonho em realidade. Há 28 anos ele coordena a Escola da Ponte. Apesar de fazer parte da rede pública portuguesa, a escola de ensino básico, localizada a 30 quilômetros da cidade do Porto, em nada se parece com as demais.

A Ponte não segue um sistema baseado em seriação ou ciclos e seus professores não são responsáveis por uma disciplina ou por uma turma específica. As crianças e os adolescentes que lá estudam — muitos deles violentos, transferidos de outras instituições — definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais.

A cada ano, as crianças e os jovens criam as regras de convivência que serão seguidas, inclusive por educadores e familiares. É fácil prever que problemas de adaptação acontecem. Há professores que vão embora e alunos que estranham tanta liberdade. Nada, no entanto, que faça a equipe desanimar.

O sistema tem se mostrado viável por pelo menos dois motivos: primeiro, porque os educadores estão abertos a mudanças; segundo, porque as famílias dos alunos apóiam e defendem a escola idealizada por Pacheco.

A Escola da Ponte é bem diferente das tradicionais. Funciona sem séries, ciclos, turmas, anos, manuais, testes e aulas. Os alunos se agrupam de acordo com os interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Há também os estudos individuais, depois compartilhados com os colegas. Os estudantes podem recorrer a qualquer professor para solicitar suas respostas. Se eles não conseguem responder, os encaminham a um especialista.

Não há salas de aula, e sim lugares, onde cada aluno procura pessoas, ferramentas e soluções, testa seus conhecimentos e convive com os outros. São os espaços educativos. Hoje, eles estão designados por área. Na humanística, por exemplo, estuda-se História e Geografia; no pavilhão das ciências fica o material sobre Matemática; e o central, abriga a Educação Artística e a Tecnológica.

Os professores têm a mesma formação que os de outras instituições. O diferencial é que sentem uma inquietação quanto à educação e admitem existir outras lógicas.

Os alunos da Escola da Ponte têm entre 5 e 17 anos. Cerca de 50 (um quarto do total) chegam extremamente violentos, com diagnósticos psiquiátricos e psicológicos. As instituições de inserção social que acolhem crianças e jovens órfãos os encaminham para as escolas públicas. Normalmente eles acabam isolados no fundo da classe e, posteriormente, são encaminhados para a Escola da Ponte. No primeiro dia, chegam dando pontapés, gritando, insultando, atirando pedras. Algum tempo depois desistem de ser maus, como dizem, e admitem uma das duas hipóteses: ser bom ou ser bom.

Conforme Rui Canário (2004) há uma grande resistência, em Portugal, em aceitar o modelo da escola, que é baseado em três grandes valores: a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade. Algumas pessoas consideram que todos precisam ser iguais e que ninguém tem direito a pensamento e ação divergentes.

O sucesso do projeto ocorre quando todos reconhecem os objetivos comuns e se conhecem. Isso não significa apenas saber o nome, e sim ter intimidade, como em uma família. É nesse ponto que o projeto se distingue. O viver em uma escola é um sentimento de cumplicidade, de amor fraterno. Todos que visitam a Escola dizem que ficam impressionados com o olhar das pessoas que ali estão, com o afeto e a palavra terna que trocam entre si.

A Escola da Ponte fez o que as outras devem e podem fazer, que é produzir sínteses e não se engajar em um único padrão. Há muitas correntes e quem quer fazer diferente tem de ter mais interrogações do que certezas.

4.1 A metodologia da escola da ponte

No Brasil, quando se confronta, no campo da educação, teoria e prática, percebe-se um grande descompasso. Nas práticas escolares as crianças e adolescentes não são vistos como sujeitos de sua aprendizagem, seres capazes de tomar decisões e seres portadores de saberes. Educadores conscientes deste descompasso não têm conseguido superá-lo. Proliferam então, os discursos que alimentam a idéia de que é sempre o outro o grande culpado. Disso decorre a repetição, a paralisação das mesmas práticas.

Faz-se necessário buscar uma metodologia que rompa com o processo descrito acima. Mas será que há uma metodologia tão eficiente, capaz de romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição e deixar o novo entrar nas práticas escolares cotidianas?

De acordo com Canário (2004), A metodologia da Escola da Ponte está na origem de um movimento educacional que possibilita a superação do descompasso entre teoria e prática. Lá, a escola tornou-se um espaço de vida. Os alunos trazem os saberes da comunidade para a escola e estes saberes não são desconsiderados por ela, muito pelo contrário, são considerados como a base da construção de novos saberes que retornam para a comunidade para depois retornar novamente para a escola e assim sucessivamente. Tal afirmação pode ser ilustrada pela citação abaixo:

“O dialogismo cultural aqui praticado torna a escola permeável à influência cultural da sua. comunidade de inserção. Isto não significa, certamente, a localização radical da ação educativa com perda da identidade da instituição escolar enquanto espaço público institucionalizado erigido em torno de um projeto educativo democrático de âmbito nacional. Pelo contrário, significa o movimento simultâneo de dentro da escola para a comunidade e desta para dentro da escola, no sentido de potenciar a articulação, no espaço comunitário, do projeto educativo. Porem, sobretudo, exprime a concepção do aluno como ser social que trabalha na escola a cultura da sua comunidade, abrindo-se para uma formação

universalista”. (CANÁRIO, 2004:69)

A metodologia da Escola da Ponte não submete o aluno e o professor a um currículo pré-determinado. O aluno é visto na sua singularidade e escolhe as suas tarefas de aprendizagem a cada momento, o que faz dele sujeito de sua aprendizagem e participante do processo de tomada de decisões. Na Escola da Ponte:

“... a ação educativa afirma-se em função de uma dinâmica que não é concebida a partir de um dos pólos que permitem configurar essa ação (aluno, professor, conteúdos curriculares). Mas da relação que se estabelece entre eles. Uma relação que se afirma baseada em um objetivo formativo, em que a centralidade do aluno implica que o professor adquira um protagonismo inédito e o ato de aprender conduza à reconceptualização do ato de ensinar. Uma relação que se desenvolve obrigatoriamente marcada por tensões entre o saber cotidiano das crianças e o saber escolar, sem que isso possa constituir razão suficiente para justificar a renúncia face a um ou a outro”. (CANÁRIO, 2004:73)

O projeto “fazer da Ponte” nasceu do desejo espontâneo de uma pessoa ou de um conjunto delas. Mesmo que – o projeto fazer a ponte – indique um outro caminho para a educação, tem que se buscar na história as idéias que ajudaram na sua construção.

“... a institucionalização da infância por via da criação e expansão de uma instituição específica e exclusiva – a escola – não implicou que a escola pública, desde a sua gênese, adquirisse um ‘modo de produção escolar único e uniforme, ou, pelo menos, que o fizesse dominantemente sem importantes tensões. Com efeito, uma dupla orientação ter-se-á desenvolvido, assente numa antinomia entre a tendência desenvolvimentista – enraizada na perspectiva da formação integral do ser educando e na perspectiva do desenvolvimento infantil como algo que se vai construindo a partir da promoção das próprias capacidades, da mobilização da respectiva experiência de vida e da vitalização pedagógica da livre iniciativa das crianças – e a tendência elementar – academicista e disciplinadora, perspectivadora da prática educativa como de transmissão reprodutiva dos conhecimentos inerentes à cultura escolar, com os correlativos processos de avaliação certificadores da conformidade das aprendizagens com os conteúdos prescritos para serem ensinados e com a subordinação dos alunos a uma disciplina social imposta”. (Canário; Matos; Trindade, 2004:63-64)

A dupla orientação referida na citação acima tem a sua gênese na tendência desenvolvimentista, que começou a criar corpo com Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) e na tendência elementar com John Locke (1632 – 1704)

De acordo Canário (2004) John Locke é considerado o fundador da teoria do conhecimento como uma disciplina autônoma. Na sua obra - Ensaio sobre o entendimento humano – ele trata de forma sistemática a questão da origem, essência e certeza do conhecimento. Para ele a experiência é a única fonte de conhecimento e só é verdadeiro o que tem utilidade e fomenta a vida.

“A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tabula rasa, uma folha em branco onde a experiência escreve. Todos os nossos conceitos, incluindo os mais gerais e abstratos, procedem da experiência”. (Hessen, 1870:68)

Qual a concepção de infância que poderia ser construída a partir da visão de John Locke? Não é de se admirar que:

“A escola tradicional adotou dominantemente um modelo formal envolvido numa concepção elementar, academicista e disciplinadora e assumiu, como pressuposto básico, uma representação da infância como categoria geracional caracterizada por um estatuto pré-social, uma forma de pensamento ‘moldável’ e um comportamento ‘socializável’ e uma presumida heteronomia, inibidora do exercício de direitos participativos próprios. A representação da infância que aqui se contém supõe o exercício legítimo do poder disciplinar pelo adulto que a educa”. (Canário; Matos; Trindade, 2004:64)

Jean-Jacques Rousseau - diferentemente de Bacon, Galileu, Newton e John Locke, que concebiam a natureza como matéria e movimento mecânico inteiramente exterior ao sujeito humano - a concebia como algo que palpita dentro de cada ser humano, como íntimo sentimento de vida. Para ele o sentimento era o verdadeiro instrumento de conhecimento e não a razão ou a experiência. Preocupou-se, nas suas obras, com os seguintes temas: relações entre natureza e sociedade, moral fundada na liberdade, primazia do sentimento sobre a razão, teoria da bondade natural do homem e doutrina do contrato social. Sendo, “Emílio” e “Contrato Social”, as suas obras mais importantes.

“O Emílio é um ensaio pedagógico sob forma de romance e nele Rousseau procura traçar as linhas gerais que deveriam ser seguidas com o objetivo de fazer da criança um adulto bom. Mais exatamente, trata dos princípios para evitar que a criança se torne má, já que o pressuposto básico do autor é a crença na bondade natural do homem. Outro pressuposto de seu pensamento consiste em atribuir à civilização a responsabilidade pela origem do mal. Conseqüentemente, os objetivos da educação, para Rousseau, comportam dois aspectos: o desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e o seu afastamento dos males sociais”. (Pensadores, Cap II. 34, 1973:477)

Para Rousseau, a educação tem como papel principal, fazer da criança, um adulto bom, e isso só é possível afastando-a dos males sociais, pelo menos, até o momento em que ela adquira a consciência de suas relações com os semelhantes, aí então, o processo educativo desloca-se do terreno propriamente pedagógico para os domínios da teoria da sociedade e da organização política.

“A educação deve ser progressiva, de tal forma que cada estágio do processo pedagógico seja adaptado às necessidades individuais do desenvolvimento. A primeira etapa deve ser inteiramente dedicada ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos, pois as necessidades iniciais da criança são principalmente físicas. Incapaz de abstrações, o educando deve ser orientado no sentido do conhecimento do mundo através do contacto com as próprias coisas; os livros só podem fazer mal, com exceção de Robinson Crusoé, que relata as experiências de um homem livre em contato com a natureza”. (PensadoRES, Cap II. 34, 1973:477-478)

Para nossos dias a visão de Rousseau apresenta-se muito contraditória. Não se tem como isolar as crianças do mundo dos adultos para que mais tarde elas possam interagir socialmente sem o risco de serem corrompidas. Mas isto não nega a importância de Rousseau para o início da tendência desenvolvimentista, embora ela nunca tenha predominado durante os dois séculos de existência da escola.

“... toda uma forte tradição pedagógica, com importante influência na construção da reflexividade institucional sobre a educação, filia-se na orientação desenvolvimentista e é confessadamente tributária do pensamento de Rousseau, em flagrante oposição a essa outra figuração da escola tradicional, que é todavia, dominante. Referimo-nos à corrente que passa pelo Movimento da Escola Nova, mas influencia, igualmente, pensadores e pedagogos como J. Dewey, Makarenko, C. Freinet, L. Kholberg, Paulo Freire ou os portugueses Faria de Vasconcelos e Antônio Sérgio. Referimos todos esses nomes – especialmente esses e não ouros – porque a Escola da Ponte torna-se ininteligível sem a consideração da contribuição pedagógica desses autores e dos movimentos que se inspiraram no seu pensamento”. (Canário; Matos; Trindade, 2004:64-65)

A originalidade do – projeto fazer a ponte – está na desconstrução da ruptura entre o aluno e a criança. Neste projeto, o ofício do aluno corresponde ao ofício da criança. Nele a criança explicitou-se como um ser competente que já chega à escola portando saberes referentes à sua cultura, capaz de tomar decisões e organizar-se para aprender com a ajuda de seus professores, que são também, seres que aprendem caminhando lado a lado com seu aluno, num mesmo plano, portanto, nem abaixo e nem acima dele.

“Finalmente, à concepção da competência das crianças e à atribuição de poderes de decisão e participativos aos alunos, adiciona-se a percepção da criança como portadora de saberes. O trabalho dos alunos como centro das aprendizagens, praticado de modo sistemático na Escola da Ponte, não significa a cooptação para atividades ativas de uma ciência de programa e de saberes pré-instituídos. Pelo contrário, ao potenciar a expressão dos alunos, põe-se em campo a mobilização dos saberes que são cultural e geracionalmente enraízados, considerados como formas legítimas de apropriação do real. Esses saberes são considerados como base de aquisição e construção de outros saberes e, sobretudo, da sua conjugação numa multiplicidade de linguagens (verbais, numéricas, informáticas, expressivas etc). A criança sabe e aprende outros saberes a partir da expressão do que sabe. O caráter ora festivo, ora laborioso do espaço comum na Escola da Ponte exprimem essa atividade de seres competentes, expressivos e participativos”. (Canário; Matos; Trindade, 2004:68)

4.2 Escola dos Sonhos Existe Há 25 anos em Portugal

Em 1976, a Escola da Ponte era um arquipélago de solidões. Os professores remetiam-se para o isolamento físico e psicológico, em espaços e tempos justapostos. O trabalho escolar era exclusivamente centrado no professor, informado por manuais iguais para todos, repetição de lições, passividade. Entregues a si próprios, encerrados no refúgio da sua sala, a sós com seus alunos, seu método, seus manuais, sua falsa competência multidisciplinar, em horários diferentes dos de outros professores, como poderiam partilhar, comunicar, desenvolver um projeto comum?

As crianças que chegavam à escola com uma cultura diferente da que ali prevalecia eram desfavorecidas pelo não-reconhecimento da sua experiência sociocultural. Algumas das crianças que acolhíamos transferiam para a vida escolar os problemas sociais dos bairros pobres onde viviam. Exigiam de nós uma atitude de grande atenção e investimento no domínio afetivo e emocional. E tomamos consciência de que não passa de um grave equivoco a idéia de que se poderá construir uma sociedade de indivíduos personalizados, participantes e democráticos enquanto a escolaridade for concebida como um mero adestramento cognitivo.

A Escola da Ponte trabalha com uma pedagogia de incluir crianças portadoras de deficiências no mesmo ambiente. As crianças convivem e aprendem nos mesmos espaços, sem consideração pela faixa etária, mas apenas pela vontade de estar no mesmo grupo. O critério de formação dos grupos é o afetivo e o afeto não tem idade. Já o mestre Agostinho da Silva (2004) dizia que “os grupos devem constituir-se à vontade dos alunos, para que haja coesão e entusiasmo pelo trabalho, alegria criadora de quem se sente a construir um universo”.

A educação das crianças ditas com necessidades educativas especiais constituía mais um problema dentro do problema. A colocação de crianças com necessidades específicas junto dos ditos normais não era medida suficiente para se fazer o que recentemente se designa por inclusão.

A inclusão não se processaria em abstrato, mas passaria por uma gestão diferente de um mesmo currículo, para que os alunos não interiorizassem incapacidades, para que não se vissem cada vez mais negativamente como alunos e depois como pessoas. Freqüentemente, sob o rótulo e o estigma da diferença. Priva-se a “criança diferente”(ainda que inconscientemente) de experiências que lhe permitiriam ganhar consciência de si como ser social-com-os-outros. Hoje, em cada grupo há sempre um aluno “especial”. Se os professores, por qualquer motivo, em determinado momento, não podem acompanhar diretamente o trabalho de uma dessas crianças, logo um colega atento se disponibiliza para a ajudar.

No padrão criado pela Escola da Ponte, os alunos decidem o que estudar montam grupos de interesse e trabalham orientados por professores. E os professores estão lá, atentos e disponíveis. Quando compreendemos que cada criança é um ser único e “irrepetível”, que seria errado imaginar a coincidência de níveis de desenvolvimento, concluímos que não seria inevitável pautar o ritmo dos alunos pelo ritmo de um manual ou pela homogeneização operada pelos planos de aula destinados a um hipotético aluno médio. Uma outra organização da escola, uma outra relação entre os vários grupos que constituem a equipe educativa (pais, professores, alunos, pessoal auxiliar), um outro modo de refletir as práticas. Passou-se de objetivos de instrução a objetivos mais amplos de educação.

Talvez as “pontes” que vão sendo criadas em Portugal venham a atravessar o Atlântico, para desassossegar os espíritos e participar da abertura de outros “buracos”... Seria um modo possível de retribuir a dedicação de um “mineiro da Boa Esperança, teólogo sem dogmas, psicanalista e poeta, pedagogo ocupado a diagnosticar a doença da pedagogia, contador de estórias, catador de estórias dos meninos aos quais gosta de seduzir para a brincadeira, dentro e fora da escola”.

5 – Emef Desembargador Amorim Lima: uma metodologia de ensino inspirada na Escola da Ponte, de Portugal.

A EMEF Desembargador Amorim Lima, vem tentando com sucesso, desde o início de 2004, implantar o projeto inspirado na metodologia da Escola da Ponte, sendo a primeira escola a fazê-lo no Brasil. Nela, qualquer observador atento pode perceber:

▪ Todos participam da construção do projeto (comunidade, alunos, professores, agentes escolares, inspetores de alunos, diretora, voluntários, pais, etc).

▪ As falas nascem do fazer, da prática, não são alimentos do discurso vazio e da repetição do pior.

▪ Todos são aprendizes, inclusive os professores que acabam por ter um esforço duplo: aprender o conteúdo de outras “disciplinas” para aprender orientar melhor os alunos em seus roteiros de estudo.

▪ Todos os envolvidos são considerados agentes educativos de fato. Os limites entre as funções vêm se tornando muito tênues. O próprio aluno só recorre ao professor orientador quando não consegue resolver o seu problema com os demais colegas do grupo.

▪ O educador desenvolveu uma grande paciência no trato com o aluno. Não fazendo uma leitura direta das palavras proferidas pelo aluno consegue manter a serenidade nas situações mais adversas.

▪ Há um movimento instalado na escola. O que não dá certo é avaliado e mudado toda vez que necessário.

Segundo a diretora, Ana Elisa Siqueira, o projeto trouxe a vida, o movimento para a escola. Vida esta que nada mais é do que romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição. Na EMEF Desembargador Amorim Lima, as pessoas não se entregaram ao lamento, esqueceram do outro “distante” que importuna, voltaram-se para o seu cotidiano, arrancando dele cada gota de vida possível.

A experiência da EMEF Desembargador Amorim Lima é a prova de que é possível inspirar-se na metodologia da Escola da Ponte e iniciar o processo de construção de um projeto com a participação de todos. Ela aponta para a superação da falência na relação professor-aluno, ou seja, do fracasso escolar.

A Emef Desembargador Amorim Lima vem causando alvoroço na rede pública paulistana. Em fevereiro de 2003, foi dada a partida a um ousado projeto piloto: implementar uma metodologia de ensino inspirada no trabalho desenvolvido pela Escola da Ponte, de Portugal. O resultado: capoeira, teatro e educação ambiental entraram na grade curricular, paredes foram derrubadas e alunos passaram a decidir com professores seus objetivos de aprendizagem e as formas de avaliação empregadas.

Ana Siqueira que viu no grupo de pais e alunos um "germe de participação" que gradualmente aumentou em quantidade e qualidade. "É uma comunidade muito parceira", elogia a diretora3. As mudanças no Amorim Lima começaram com diversos trabalhos de formação, financiados pelo MEC, dos quais participaram desde funcionários de limpeza até a diretora. Outros trabalhos incluíram parcerias com instituições como Vereda (que segue a proposta do educador Paulo Freire), Instituto Pichon-Rivière e Práxis. "Essa formação foi essencial para darmos um norte ao nosso trabalho", afirma Siqueira. Em outra fronte, a escassez de funcionários levou algumas mães à escola nos recreios, para cuidar das crianças. Elas começaram a organizar brincadeiras com alunos de primeiro e segundo ano, e, em 1998, nasceu o projeto Oficina de Cultura Brasileira. Nessas oficinas, alunos de todas as séries podem ficar na escola para aulas de capoeira, dança brasileira, música e educação ambiental, entre outras atividades. As oficinas foram o embrião da revolução implementada neste ano tratada por todos como "o projeto". "Trabalhar com as tradições brasileiras oferece a oportunidade de lidar com a diversidade também no trabalho de cultura. Traz conflitos, traz vida. Nos dá a oportunidade de falar dessas questões", diz a diretora. Com o aval e o financiamento da Secretaria Municipal de Educação, foi dada a largada em outubro de 2003. "Decidimos apoiar o projeto porque vimos que era muito consistente e que pais e professores estavam convictos", conta a Secretária Municipal de Educação, Maria Aparecida Perez.

"Afinal, o sucesso depende do envolvimento deles: é uma proposta na qual todos participam da construção e da solução dos problemas. E foi a escola que pediu o projeto, em nenhum momento foi algo imposto", acrescenta.

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3 Entrevista realizada em São Paulo, para o jornal Fola de São Paulo 31 de agosto de 2004

Implementado no primeiro semestre deste ano, o projeto piloto cobre o primeiro e o

quinto ano do ensino fundamental. A turma do primeiro ano conta com dois professores "gerais", e o trabalho é pautado na leitura, na escrita e nas "contas". "Especialização antes da oitava série é absurdo. O ensino deve ser integrado", defende Ana Siqueira. No quinto ano, em vez de um professor de história e outro de português, por exemplo, existem três professores que trabalham com todas as áreas do conhecimento e estão sempre juntos em sala de aula. O pressuposto do projeto é a busca de aprendizado pessoal dentro de um processo e de um espaço coletivos. Para concretizar a teoria,

o primeiro passo foi derrubar as paredes entre as classes. "Dentro

desse espírito, os professores também precisavam ficar juntos, para compartilhar experiências e poder discuti-las", explica a diretora.

O segundo passo foi inserir oficinas —de inglês, arte, educação física, teatro, capoeira, leitura, informática e educação ambiental - na grade curricular. Cada uma dessas duas séries piloto, com 105 alunos, foram divididas em 21 grupos de 5 estudantes, que revezam as atividades entre a classe e as oficinas. Em geral, ficam 25 alunos na sala de aula. "Isso elimina um dos problemas crônicos da escola pública: aulas vagas devido a professores que faltam. Mesmo com dois ausentes, um dá conta de uma sala com 25 pessoas", diz Ana.

Os alunos sempre trabalham coletivamente em atividades pessoais —podem pedir ajuda aos colegas e compartilham oficinas, mas as tarefas são individuais. Eles trabalham por objetivos, dentro das áreas propostas pelos professores. Uma vez por semana, há a tutoria, quando a ficha de organização semanal de cada aluno é discutida, e o progresso da semana, analisado. Ainda recém-nascido, o projeto já apresenta aspectos positivos. Um deles é que a presença simultânea de vários educadores ameniza conflitos entre aluno e professor, pois a terceira pessoa faz um contraponto. "Trabalhar em grupo é muito difícil, mas já vemos bastante avanço", diz Ana.

Tudo o que é novo causa um certo desconforto, mas Ana tem na ponta da língua a resposta aos críticos. "A escola está totalmente de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases. Nosso projeto respeita a proposta dos ciclos, a importância do tempo de cada aluno, a busca pela avaliação constante por objetivo", enumera. Outra crítica que costuma ouvir é que, caso o modelo fosse adotado por toda a rede, haveria uma redução nas vagas para professores por disciplina.

A meta da escola para 2005 é ainda mais ambiciosa: expandir o projeto para todas as séries. "Vimos que não dá para ter duas escolas em funcionamento ao mesmo tempo. Ou é para todos, ou não é para ninguém."

O entusiasmo contagiante da diretora é um pré-requisito importante para o rali profissional que escolheu. "Para trabalhar com a coisa pública, é preciso acreditar. Eu acredito que a gente faz a diferença, e é essa força que me motiva todos os dias", diz3.

Ana desconfia que a sua perseverança tenha sido moldada na piscina. Ela foi nadadora de fundo, competindo nas provas de 400 m e 800 m, além de praticar travessia de mar. "Na natação, é preciso ter força para continuar, saber que não é tão fácil. E perseverança é fundamental no trabalho em educação. O resultado não aparece quase nunca3”.O fato de estar virando sua escola de ponta-cabeça não parece preocupá-la. Ana reconhece não ter todas as respostas e acha isso bom. "O inusitado tem de estar presente. É preciso estar o tempo todo aprendendo, mas a formação só tem sentido quando exigida pela prática”.3

6. - METODOLOGIA

O propósito deste trabalho foi conhecer o que predomina na educação brasileira, principalmente nas escolas das classes populares, e ao mesmo tempo, conhecer práticas que têm conseguido fazer com que o novo se manifeste na educação. A finalidade era o desenvolvimento, na EMEF Pres. Campos Salles, de uma metodologia de ensino que fosse portadora de uma nova mentalidade, em que a criança e o adolescente, sejam vistos na relação pedagógica como seres capazes de exercerem a autonomia, a responsabilidade e a solidariedade cotidianamente.

A pesquisa se deu em quatro direções, no que se refere aos procedimentos de fonte e coleta de coleta adotados:

1. Educação Brasileira

Para este aspecto do trabalho, foram realizadas pesquisas bibliográficas, que de acordo com:

Partiu-se de Anísio Teixeira (1969), que no início da segunda metade do século XX, apontava os problemas da educação brasileira, e que de uma certa forma ainda continuam os mesmos, a não ser a generalização do acesso principalmente no Ensino Fundamental. Quanto à qualidade do ensino ainda pode-se irmanar a ele.

A partir do final da década de 70, surge em nosso país, uma linha de pesquisas que se referem ao chamado “fracasso escolar”. Sua principal representante é Maria Helena de Souza Patto (1990). Todas as suas pesquisa e publicações referem-se ao chamado “fracasso escolar” das crianças pertencentes aos segmentos mais empobrecidos que habitam os grandes centros urbanos de uma sociedade capitalista como a brasileira.

Esta linha de pesquisa aponta que os profissionais da escola quando entrevistados remetem o fracasso escolar para as causa extra-escolares. O problema é sempre de aprendizagem e não de ensinagem, e sendo assim, a escola e o sistema não têm nada a fazer, já que o problema é só do aluno. Tenta encontrar nas crianças uma causa orgânica, inerente a elas, que justifique seu mau rendimento. A este processo atribui-se o nome de medicalização do fracasso escolar, a solução que deveria ser pedagógica desloca-se para as áreas da saúo sair desse impasse? Assumir o “fracasso escolar” como problema social e politicamente produzido.

Pesquisas feitas por Leny Magalhães Mrech (1999), na área de educação e psicanálise, apontam que o maior problema da educação brasileira é a falência na relação professor-aluno. Para ela a solução está em dar a fala aos professores e aos alunos para que eles se constituam como sujeitos, pois estes se constituem falando.

2. Escola da Ponte

Para esta direção, foram realizadas:

▪ Pesquisas bibliográficas a partir da leitura dos autores que escreveram sobre a Escola da Ponte, com o intuito de captar a nova mentalidade que traz a metodologia de ensino lá aplicada. Dentre eles destacam-se: José Pacheco (2004), Rui Canário(2004), Rui Trindade (2004), o brasileiro Rubem Alves(2003) entre outros.

▪ Participação em palestras de José Pacheco: em 27 de novembro de 2004, na Universidade Anhembi-Morumbi, por ocasião do lançamento do livro Escola da Ponte Um Outro Caminho Para a Educação; em 20 de maio de 2005, no 12º Congresso Internacional de Educação – Três experiências de vanguarda pedagógica: EMEF Des. Amorim Lima, Escola da Ponte e Escola Lumiar e em 10 de agosto de 2005, no I Seminário de Avaliação do Projeto Amorim Lima.

3. EMEF Des. Amorim Lima

Para conhecer a metodologia de ensino que está sendo desenvolvida, na EMEF Des. Amorim Lima foi realizada uma pesquisa de campo que incluiu:

Observação Sistemática, realizada no período entre 05 de abril de 2005 e 01 de junho de 2005. Ao todo foram 7 dias, perfazendo um total de 20 horas (Anexo F). Os objetivos da observação foram: conhecer e registrar como a escola está organizada para superar a falência na relação professor-aluno; como os alunos e professores se vêm em relação à construção do conhecimento; como os outros funcionários da escola se articulam em relação ao projeto; enfim se há realmente uma nova prática educacional ali instalada.

▪ Entrevistas informais com alunos e professores para captar os seus sentimentos e impressões em relação ao projeto que está sendo construído.

▪ Entrevista com a Diretora, Ana Elisa Siqueira, onde se buscou esclarecer alguns aspectos obscuros que a observação não elucidou. Tais esclarecimentos ainda são buscados, pelo Diretor Braz, por telefone ou em eventos onde os dois se encontram.

▪ Participação no I Seminário de Avaliação do Projeto Amorim Lima, em 10 de agosto de 2005.

4. A participação de um grupo de 6 pessoas da EMEF Pres. Campos Salles, dentre eles o Diretor Braz e o principal líder comunitário de Heliópolis, João Miranda Neto, foi muito importante para a elaboração da proposta de mudança – desenvolvimento de uma metodologia de ensino, na EMEF Pres. Campos Salles, com base nos princípios da “Escola da Ponte” – pois se percebeu com muito mais clareza que um projeto não pode ser reproduzido.EMEF Pres. Campos Salles.

Na EMEF Pres. Campos Salles os procedimentos de pesquisa foram muito variados. No que se refere ao levantamento de dados para efeito de diagnóstico da escola, foram adotados:

▪ Observação para detectar as práticas pedagógicas que predominam nas salas de aula.

▪ Entrevistas informais com professores para contextualizar a escola e também as mudanças no perfil da população atendida por ela desde o início do seu funcionamento até hoje, e quanto a este último aspecto utilizou-se também amostragem dos prontuários dos alunos de cada período da história da escola.

▪ Contatos pessoais diversos com o intuito de perceber a preocupação de pais, alunos, lideranças comunitárias e professores com a qualidade da educação na EMEF pres. Campos Salles.

▪ Pesquisa documental .O principal relatório utilizado para este trabalho foi escrito em 1999 com a participação de todos os segmentos. Nele pode-se perceber que a EMEF Pres. Campos Salles tem continuamente privilegiado a participação como forma de solucionar os seus problemas.

▪ Com o objetivo de detectar o fracasso escolar ou a falência na relação professor-aluno, na EMEF Pres. Campos Salles, procedeu-se a um levantamento estatístico referente ao ano de 2004 para evidenciar a quantidade de alunos: promovidos com rendimento insuficiente (211), evadidos (129), retidos por falta (85) e retidos por rendimento nas 4ª e 8ª séries (33). Isto significa que 458 alunos fracassaram de acordo com os padrões de escola (ANEXO A, B, C e D). Para melhor esclarecer este fenômeno foram realizados mais dois levantamentos estatísticos posteriormente: um para detectar a média de faltas/dia dos alunos no período que transcorreu do dia 01 ao dia 22 de setembro, total de 15 dias letivos, sendo que as médias de faltas/dia foram: 4,73 entre os alunos de 1ª a 4ª séries, 13,25 entre os alunos de 5ª a 8ª séries e 18,76 entre os alunos da suplência; o outro para detectar a média de faltas/dia dos professores, sem atentar para os motivos das faltas, o período levado em consideração iniciou-se em 09 de setembro e terminou em 22 de setembro, total de 10 dias letivos; a média de faltas/dia entre os professores foi de 13,5 num universo de 54 professores (ANEXO E).

As pesquisas realizadas, na EMEF Pres. Campos Salles confirmou a presença do fracasso escolar, como ele se expressa e apontou o caminho que se deve seguir para a superação das práticas pedagógicas que ali predominam e já não satisfazem, nem aos alunos e nem aos professores.

No que se refere aos procedimentos, com vistas ao desenvolvimento de uma metodologia de ensino com base nos princípios da “Escola da Ponte” na EMEF Pres. Campos Salles, foi adotada a pesquisa-ação: :

▪ Sondagem feita por 3 professores com o intuito de perceber o grau de adesão de seus pares ao novo projeto. No início as conversas foram sempre individuais e posteriormente passaram a ser grupais.

▪ Reuniões e conversas individuais com as lideranças comunitárias que desejam a mudança na qualidade de ensino e com lideranças que ainda não são sensíveis quanto à questão educacional.

▪ Conversas informais, com todos os pais que procuram a escola para resolver problemas, por parte do Diretor, da Assistente de Direção e das Coordenadoras Pedagógicas.

▪ Visitas de professores e lideranças comunitárias a EMEF Des. Amorim Lima.

▪ Leitura de textos de livros que falam sobre a Escola da Ponte.

▪ Leitura coletiva e discussão do relatório do estágio feito pelo Diretor Braz por todos os professores da escola.

▪ Apresentação e discussão da Proposta para o início do processo de desenvolvimento de uma metodologia de ensino com base nos princípios da Escola da Ponte para 20 membros da diretoria ampliada da União de Núcleos, Associações e Sociedades de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco.

▪ Apresentação e discussão da proposta para 16 turmas de alunos da EMEF Pres. Campos Salles cuja duração foi de 1h e 30 min em cada turma. Excetuando as 5 8ª séries em novembro de 2005, ainda faltavam 15 turmas. Nestas apresentações percebia-se o brilho nos olhos dos pequenos e o entusiasmo dos maiores, e entre estes, o entusiasmo era maior por parte daqueles que são considerados como alunos problemas.

▪ Apresentação da proposta em 03 de setembro de 2005 no I Seminário – Adolescentes e Jovens de Heliópolis/Unas. Neste mesmo dia nos grupos temáticos formou-se uma comissão com o objetivo de acompanhar e ajudar na implementação do projeto. Muitos disseram estarem tristes, porque na sua época não havia um projeto como este ou porque na escola onde estão as pessoas não pensam nisto.

▪ Aprovação da proposta, em 27 de setembro de 2005, pelo Conselho de Escola. A reunião teve duração de 3 horas. Contou com a participação de mais de 60 pessoas; apenas 21 delas eram conselheiras, 6 delas faltaram e uma não se encontrava na sala de reunião. Apesar das objeções de um professor que não é membro do Conselho a proposta foi aprovada com 21 votos, ou seja, todos os que tinham direito de votar foram favoráveis. Outro aspecto relacionado ao Conselho da EMEF Pres. Campos Salles é que ele não se reduz apenas aos membros efetivos, todo um universo de pessoas gravita em torno dele. Quanto mais importante é o assunto a ser decidido maior é o número de participantes da reunião.

Em 10 de outubro de 2005, a Direção da EMEF Pres. Campos Salles enviou um ofício para a Coordenadoria e uma das solicitações foi o agendamento de uma reunião, com a Coordenadora e com o Secretário da Educação, para discutir o papel das duas esferas na implementação do projeto (Anexo G). Em 01 de novembro de 2005 foi realizada na EMEF Pres. Campos Salles a reunião com a Coordenadora do Ipiranga, Ela mostrou-se muito interessada após tomar conhecimento da proposta mais detalhadamente e dispôs-se a ajudar no que for possível.

As ações visando à implementação de uma metodologia de ensino com base nos princípios da Escola da Ponte na EMEF Pres. Campos Salles já encontrou um alicerce pronto, construído ao longo de 10 anos – as influências recíprocas entre escola e comunidade – e estas exigem mudanças cada vez mais profundas para ambas. Qual o significado, então, destas ações para a implementação do Projeto em pauta? Não se tem dúvida, elas significam apenas as vigas mestras e o madeiramento. Cabe a cada aluno, a cada professor, a cada funcionário da escola, a cada pai, a cada mãe, a cada líder comunitário arregaçar as mangas pegar o martelo, os pregos, a colher, o cimento, os tijolos e começar a nova construção no seu tempo e no seu ritmo. Caso a construção fique com defeito, o problema não será procurado no indivíduo, pelo contrário, o coletivo será mobilizado para resolver o problema.

Com base nos procedimentos apontados na pesquisa ação os resultados serão discutidos no capítulo a seguir.

7. DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A aprovação da proposta para o início do processo de desenvolvimento de uma metodologia de ensino, na EMEF Pres. Campos Salles, com base nos princípios da Escola da Ponte, em 27 de outubro de 2005, pelo Conselho de Escola, tem operado mudanças significativas. Não há dúvidas de que este projeto social/educacional já vem mostrando o seu grande potencial de mobilização das pessoas na busca da melhoria da qualidade de ensino na escola.

As discussões entre os professores têm como referência os princípios da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade, e o mesmo já começa a se transferir para os alunos. A estrutura, os currículos, os tempos e os espaços escolares estão sendo repensados dentro de uma nova ótica que vê o aluno como sujeito de sua aprendizagem e não como objeto a ser formatado com aquilo que o adulto acha que é bom para ele.

Prevê-se que este projeto ganhará contornos mais definidos durante os anos de 2006 e 2007, mas já está em andamento prenúncios de seu sucesso:

- Por iniciativa dos professores formou-se uma comissão para estudo e mudança do Regimento Escolar para melhor adaptá-lo ao projeto. Ela é formada por 4 professores e tem trabalhado arduamente para que as mudanças introduzidas sejam aprovadas ainda em 2005, pela Coordenadoria de Educação do Ipiranga, para que possam vigorar a partir de 2006.

- A professora da Sala de Apoio Pedagógico procurou o Diretor, antes da aprovação da proposta, dizendo de suas preocupações com a questão da inclusão dos alunos portadores de necessidades especiais na EMEF Pres Campos Salles. Afirmou, na ocasião, que na escola havia uma certa preocupação com estes alunos apenas de 1ª a 4ª séries e que a partir da 5ª série eles eram desconsiderados e o novo projeto era uma oportunidade para que os alunos fossem realmente incluídos em todas as séries. O Diretor sugeriu que ela formasse uma comissão permanente com vistas a implementar a inclusão em todas as séries do Ensino Fundamental. A comissão já foi formada e a discussão iniciada.

- Surgiu uma comissão de professores para liderar o processo de aproximação das áreas do conhecimento. Após as primeiras discussões descobriu-se que sua função é muito mais ampla, ou seja, para aproximar as áreas do conhecimento é necessário reorganizar os tempos e os espaços escolares. Sua principal tarefa é romper com as orientações prévias e buscar consensos para que ocorra um trabalho transdisciplinar na escola.

- Formação de 2 grupos de alunos para elaborar e implementar projetos. Um de grafite e outro de teatro. Formas de expressão que adquire um outro valor, um outro significado tanto para os alunos como para os professores. Estes grupos se organizaram em função da mostra cultural ocorrida nos dias 17 e 18 de novembro que teve como tema: O Afro-descendente – Brasil Mostra a tua Cara.

O projeto de grafite nasceu por iniciativa de um professor de história para incluir alguns alunos de uma 6ª série que são usuários de drogas lícitas e ilícitas. Estes alunos vinham causando vários problemas de indisciplina que afetavam professores e os colegas. No período de execução do projeto eles eram olhados com desconfiança por professores e funcionários. O resultado do trabalho levou a perceber que os alunos são portadores de saberes e habilidades que merecem ser valorizadas. O professor contente com as mudanças dos alunos e na visão que se tinha deles, propôs ao Diretor a continuidade do trabalho. O próximo passo será a intervenção nos espaços da quadra de esporte.

O projeto de teatro nasceu por iniciativa da professora de português. As apresentações que o grupo fez na mostra cultural deixaram alguns professores espantados com o resultado. O Diretor ouviu uma professora dizer para a professora de português: “como você conseguiu isso dessas ...”. A professora de português já expressou o desejo de continuar com o projeto e inclusive já encontrou uma parceira para ajudar na coordenação do projeto, a professora de Educação Artística”.

- Uma professora de 1ª série vem tentando trabalhar com seus alunos dentro da nova mentalidade e os resultados já comprovam que o aluno é capaz de tomar decisões, capaz de organizar-se para aprender tanto individual como coletivamente, mesmo sendo muito novo. Os casos de disciplina são discutidos pelos alunos e decisões são tomadas e eles se responsabilizam pela execução das mesmas. Já estabeleceram regras de como se comportarem quando estão nas atividades grupais. Esta professora já quer derrubar as paredes que dividem as salas de aula e está ansiosa para ver as assembléias de alunos da escola.

- Até o momento já se conseguiu 5 voluntários para as atividades de monitoria, por iniciativa da Assistente de Direção e da Orientadora da Sala de Leitura. Sendo 2 deles professores aposentados da escola, 2 de uma escola particular e 1 que já vem ajudando na implementação do projeto.

- Uma pessoa da comunidade que tem participado da implementação do projeto, percebendo a necessidade de uma máquina de xerox para facilitar o trabalho articulado dos professores na construção de um currículo vivo, ofereceu 30.000 cópias/mês até que a escola tenha a sua própria máquina de xerox. Como contrapartida a escola tem que fornecer apenas o papel e a tinta.

- A escola obteve da Coordenadoria de Educação do Ipiranga através da supervisão, a garantia de que os professores concursados, quando da escolha na Secretaria Municipal de Educação, serão avisados de que a escola tem um projeto diferenciado. O mesmo também ocorrerá nas atribuições de aulas/classes na Coordenadoria de Educação no Ipiranga.

- Comissão pró-implementação do projeto. É formada por representantes da Diretoria da União de Núcleos, Associações e Sociedades de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco e outras pessoas da comunidade. Todos já são participantes ativos do projeto de integração escola-comunidade e estão preocupados com a superação do fracasso escolar ou a falência na relação professor-aluno.

Os resultados acima, embora seja um prenúncio, do que ocorrerá nos próximos anos, são responsáveis pelo movimento dentro da escola. O processo dialético está instalado. Os sujeitos falam e se expressam nas várias formas de linguagens. Estão se constituindo como sujeitos com todo o seu vigor e contradição. Neste projeto social/educacional a contradição será incorporada para que o processo não paralise.

8. Plano de ação – Proposta para o início do processo de desenvolvimento de uma metodologia de ensino, na EMEF Pres. Campos Salles, com base nos princípios da “Escola da Ponte”.

Após o estágio de observação na EMEF Des. Amorim Lima, feito pelo diretor da EMEF Pres. Campos Salles, no qual foi sempre acompanhado por representantes de professores, elaborou-se uma proposta que foi apresentada para as lideranças da comunidade de Heliópolis, para um grupo de 100 jovens participantes dos projetos da UNAS, para os alunos e para os professores da escola. Esse processo de apresentação e discussão culminou com a reunião do Conselho de Escola no dia 27 de setembro de 2005. Participaram da reunião mais de 60 pessoas, sendo que desse número apenas 21 delas eram conselheiras. Este fato é muito importante porque revela a forte relação da escola com a comunidade e que o Conselho não se restringe apenas aos 28 membros efetivos, que no dia eram 21, pois 6 haviam faltado. A reunião teve uma duração de 3h, nos trinta minutos iniciais a proposta foi apresentada pelo diretor, em seguida deu-se a palavra para os participantes; após duas horas e 30 minutos de diálogo a proposta foi aprovada pelo voto dos 21 conselheiros presentes. As principais restrições à proposta foram feitas por um professor, mas todos os professores conselheiros votaram favoravelmente.

Os três princípios: Autonomia, Responsabilidade e Solidariedade serão vivenciados nas atividades desenvolvidas no cotidiano escolar por todos os alunos, mas também, pelos profissionais que trabalham na escola. Todos serão aprendizes neste processo. Com o passar do tempo estes princípios perpassarão toda a comunidade de Heliópolis através dos alunos, dos seus pais, da ação dos profissionais da escola e das lideranças que já estão envolvidas com o projeto.

Estes três princípios só farão sentido se articulados. Uma pessoa autônoma é uma pessoa livre, mas uma pessoa livre só pode fazer aquilo pelo qual possa responsabilizar-se e o que ela faz não pode prejudicar o outro. Viver de acordo com estes princípios não é fácil. É uma aprendizagem lenta e gradual. A EMEF Pres. Campos Salles tentará criar condições apropriadas para que estes princípios adquiram sentidos de acordo com a vivência de cada um.

Autonomia, responsabilidade e solidariedade exigem por parte do adulto que trabalha com a criança, uma nova mentalidade, que a perceba como um ser integral, completo; capaz de tomar decisões, portador de saberes e capaz de organizar-se para aprender. Isso exige dos adultos uma nova postura em relação às crianças e adolescentes, ou seja, ajudá-los a se constituir como sujeitos autônomos, responsáveis e solidários e não se tornarem cópias dos adultos. Esta nova mentalidade exige que o adulto caminhe lado a lado da criança e do adolescente.

8.1.Monitoria

Em determinado dia da semana o aluno virá para a monitoria. Os alunos do período serão divididos em grupos de 15 pessoas, cada grupo terá um professor monitor e um aluno, como facilitador escolhido pelos seus pares. O grupo será composto por alunos de séries diferentes. Os professores monitores serão conscientizados para que em nenhum momento se tornem disciplinadores. No grupo de monitoria as atividades terão como objetivo principal o exercício dos princípios da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade. Cabe ao monitor ser o incentivador das atividades escolares dos alunos, dentro e fora da escola; acompanhar os alunos nas suas dificuldades, que podem ir para além da escola; ajudar o seu grupo a se tornar um grupo de auto-ajuda que extrapole os muros da escola; dar e garantir a fala ao aluno quando em plenário.

As atividades da monitoria serão organizadas pelo coletivo de monitores levando-se em consideração as necessidades dos alunos. Até o momento, levando em consideração o trabalho que a escola já vem fazendo, foram propostas três atividades:

1. Pesquisa. Será preparado um questionário pelo coletivo dos professores, com o objetivo, de conhecer a realidade das famílias dos alunos. O monitor e o seu grupo visitarão as famílias de todos os alunos de sua monitoria para contato e também para responder ao questionário. Após o preenchimento do questionário por todas as monitorias, será realizada a tabulação e a interpretação dos dados. Esta pesquisa será fundamental para a construção do currículo da EMEF Pres. Campos Salles.

2. História de vida. Na comunidade de Heliópolis há muitas pessoas idosas e desempregadas, que vivem praticamente isoladas. Precisam interagir, mas ninguém as procuram. Os monitores incentivarão os alunos a procurá-las para virem à escola contar a sua história na monitoria. Os alunos estarão orientados para facilitarem o relato. A história deve seguir o seguinte roteiro: infância, adolescência, juventude e velhice quando for o caso. O objetivo principal desta atividade é oferecer referenciais para que o aluno se constitua como sujeito autônomo, responsável e solidário.

3. História da família. Os alunos da monitoria serão divididos em duplas; cada componente escreverá a história do outro componente. Será dado prazo de alguns meses para a entrega das histórias. Cada monitor escolherá duas histórias bastante significativas para os alunos. De posse das histórias escolhidas pelos monitores individualmente, todos os monitores escolherão as cinco mais significativas. Posteriormente os professores formarão grupos de alunos para a apresentação das histórias para toda a escola e as famílias envolvidas, através de música, jogral, peça de teatro, etc. O principal objetivo desta atividade é levar os alunos a perceberem a função da escrita e a interação entre as famílias.

8.2 Áreas do Conhecimento

Em 2006 não serão derrubadas as paredes físicas que separam as salas de aula. A EMEF Pres. Campos Salles tentará “derrubar as paredes” que separam as disciplinas ou matérias. Para isso, as disciplinas serão agrupadas por áreas de conhecimento, este trabalho ainda está sendo feito. Após a definição das áreas, e para evitar a fragmentação em outro patamar, as áreas do conhecimento realizarão as seguintes atividades:

a. Os professores de cada área se reunirão para estabelecer os objetivos e o sentido de sua área do conhecimento para a formação humana, tendo como foco, o aluno contextualizado e o Ensino Fundamental.

b. Divulgar os objetivos e o sentido de sua área de conhecimento para a formação humana para as outras áreas, para os alunos e para os pais.

c. No final de cada mês haverá uma apresentação cujo objetivo é fazer o “marketing” da área responsável pela apresentação. Esta apresentação será realizada pelos alunos e supervisionada pelos professores da área.

As atividades acima têm como objetivo principal facilitar um trabalho transdisciplinar e preparar os profissionais da escola para derrubarem as paredes físicas da sala de aula, em 2007, caso sintam necessidade. Todas as atividades serão pautadas pelos princípios da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade.

8.3 Salas de Aula

Para que as atividades da sala de aula, 4 dias por semana, não se isolem do trabalho da monitoria e do trabalho das áreas de conhecimento, está sendo proposto:

1. Equipes. Cada turma será dividida em 5 ou 6 equipes de trabalho, dependendo da quantidade de alunos. Elas serão respeitadas por todos os professores da série. Os alunos serão incentivados, mas não obrigados, a se reunirem também fora da escola.

2. Círculos ou plenários. Além do trabalho das equipes nas salas de aula, os professores também utilizarão círculos ou plenários para socializar as novas descobertas dos alunos.

3. Aulas expositivas explicativas. Os professores farão uso deste recurso apenas quando sentirem necessidade, mas de tal forma que ele perda a predominância na sala de aula.

4. Formação de grupos para elaborar e implementar projetos. Os professores convidarão alunos de todas as séries que queiram vir para a escola para trabalhar com projetos fora do horário de aula. Os projetos poderão ser para interferir na escola ou na comunidade. Estes alunos serão conduzidos pelas orientadoras da sala de leitura e pelas orientadoras da sala de informática e também por seus professores de sala de aula.

5. Formação de grupos provisórios. Alunos de 1ª a 4ª séries que não dominam a escrita e a leitura, serão agrupados, no seu período de estudo e também fora dele, para que sejam alfabetizados. Após aprender a ler e escrever, o aluno voltará para a sua série de origem. Esta ação tem como objetivo evitar que o aluno chegue na 5ª série sem dominar a escrita e a leitura.

A Coordenação Pedagógica e a Direção da escola supervisionarão a utilização das atividades ou recursos, descritos acima, pelos professores da série, sempre com o foco nos princípios da autonomia, responsabilidade e solidariedade.

A proposta descrita acima, aprovada pelo Conselho de Escola, em setembro de 2005, é apenas o ponto inicial para a construção do Projeto da EMEF Pres. Campos Salles, a partir do início do ano letivo de 2006. Constitui-se no arcabouço que será a base para a construção de um projeto vivo, em movimento contínuo, com a participação de todos os segmentos, sendo os alunos e os professores, os principais parceiros desta construção.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante as pesquisas e o registro deste trabalho surgiu um turbilhão de idéias. Algumas foram registradas e outras não. O Diretor Braz Rodrigues Nogueira falando na manhã do dia 11 de novembro de 2005, no Fórum da Criança e Adolescente de Vila Prudente, para um público de mais 200 pessoas, quando se referiu à nova metodologia de ensino que está sendo implementada na EMEF Pres. Campos Salles apontou alguns aspectos que merecem ser inscritos mesmo a título de considerações finais. “A comunidade deveria ter o poder de influenciar na contratação e dispensa dos professores e funcionários da escola de suas crianças e adolescentes”. “Não se constrói uma sociedade autônoma, responsável e solidária com pais mandando nos filhos e diretores e professores mandando nos alunos. Esta sociedade só se construirá quando crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos caminharem lado a lado”.

Vê-se nestas citações e nas outras inscritas, no corpo deste trabalho, que está sendo desenvolvida uma nova mentalidade que torna o ser humano independente e sua faixa etária, como um ser integral, e que, portanto, é capaz de tomar decisões, organizar-se individual e coletivamente para aprender e conviver. A escola não pode desconsiderar estas capacidades nas crianças que a ela acessam e principalmente os saberes e valores de que são portadoras. Estas são expressões de sua comunidade de inserção e é a possibilidade de construção de novos saberes e valores. A escola portadora desta nova mentalidade organiza-se para que os alunos se expressem livremente e funde-se com a comunidade onde está inserida, instaura-se então, um processo dialético onde as influências recíprocas – escola/comunidade – produzem síntese cada vez mais elaborada, ou em outras palavras, novos saberes e novos valores.

Este trabalho não tem a pretensão de levar ninguém a imaginar que a solução do fracasso escolar ou a falência na relação professor-aluno pode ser reduzida à questão das metodologias de ensino. Ela é muito importante, mas uma metodologia de ensino só pode ser eficiente se acompanhada da nova mentalidade aludida acima. Esta sim instaura o movimento, a vida dentro e fora da escola.

Parece tão simples deixar o novo, o movimento, a vida entrarem dentro da escola – o desenvolvimento de uma metodologia com base nos princípios da Escola da Ponte que seja portadora de uma nova mentalidade – mas será isto suficiente?

A Doutora Leny Magalhães Mrech (1999) não cansa de falar da necessidade que o educador tem de romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição do pior. Tem que ser dada a palavra aos sujeitos, pois eles se constituem falando; as palavras proferidas veiculam um sentido, mas são desprovidas de concretude, por isso, não se pode interpretar as pessoas, só elas podem vir a saber de si mesmas. O que ela está propondo?

Ela propõe, nada mais nada menos, buscar dentro de cada sujeito, aquilo que o amarra e o impede de emergir, ou seja, as estruturas de alienação no saber. Diz ela:

“Um aspecto fundamental a ser assinalado nas estruturas individuais de alienação no saber é que elas apresentam um vínculo muito estreito com os fantasmas dos sujeitos e das instituições. O fantasma cria uma ‘ambiência’, isto é, um cenário que previamente o sujeito tentará encontrar em todos os lugares. Mais precisamente, o fantasma materializa cenários e cria roteiros previamente estruturados, para evitar que o sujeito entre em contato com os outros concretos”. (MRECH, 1999:16)

Acessar aos outros concretos, tem sido também, a grande preocupação do Diretor Braz. Isto pode ser percebido na citação a seguir:

“Pensando sobre os ensinamentos da Professora Leny não pude também deixar de pensar no Professor Rafael, um ótimo colega de trabalho. Há mais de 19 anos lecionei numa escola estadual e lá tive o prazer de conhece-lo. Nesta época ele já havia lecionado por mais de 45 anos. Chegávamos de manhã, bem cedo, e conversávamos bastante antes de começarmos a trabalhar. Sempre fiquei intrigado com o bom humor deste professor e a sede de se aposentar por parte de outros. Mais intrigado fiquei quando após uma reunião pedagógica ele me disse: Braz, eu gosto muito de sua participação nas reuniões, do seu entusiasmo, mas não se iluda, há mais de 45 anos ouço a mesma coisa. Por favor, não perca o entusiasmo se não você não agüenta. O que será que o professor Rafael estava querendo me dizer? Talvez ele tinha a sensação de que o sujeito não tem quase nenhum ‘poder’ para se construir, já que há uma supremacia das instituições para molda-lo. E a pergunta que eu me faço é a seguinte: Como romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição e deixar o novo entrar?” (ESTÁGIO DE OBSERVAÇÃO – EMEF Des. Amorim Lima)

Para a Doutora Leny Magalhães Mrech (1999), com base em Jacques Lacan (1999), a linguagem não pode ser entificada, quando isso ocorre, e fazendo-se uma leitura direta dela, perde-se então, o sujeito. A paralisação, a fossilização da linguagem é responsável pela paralisação do processo e o sujeito acaba ficando preso às suas modalidades de gozo e são nestas que pode-se encontrar a estrutura de funcionamento do sujeito.

Expressar-se livremente, através da fala ou das outras formas de linguagem possibilita a circulação, o movimento e o rompimento das cadeias de gozo originárias dos sujeitos.

“A linguagem é um tonel que vaza”. A linguagem vai remeter sempre a um outro significante, que remete a um outro significante, que remete a um outro significante. Só que, devido às cadeias de gozo, há uma paralisação desse processo. Então, existem certos sentidos, certas significações na história do sujeito, às quais ele se apega, se atrela, querendo apenas partir delas. Lacan pontua que o sujeito também não está nessas significações prévias. Ele também não está nos sentidos previamente fixados.

Na escola é muito importante que os educadores auxiliem os alunos a soltar o que Lacan designa as amarras da palavra, isto é, as significações prévias. Cabe aos educadores não compactuarem com estas significações estereotipadas. Cabe aos educadores caírem fora das cadeias de gozo originárias dos sujeitos”. (MRECH, 1999:80-81)

O Diretor Braz, no seu relatório reflexivo sobre o projeto da EMEF Des. Amorim Lima faz os seguintes questionamentos: (Anexo F)

“Será que as pessoas da EMEF Des. Amorim Lima conhecem Lacan, os professores: Leny e Rafael? Será que deixaram o novo, o movimento entrarem para ficar? Será que estão introduzindo novas modalidades de gozo mais condizentes com as necessidades dos sujeitos na escola contemporânea?”. (ESTÁGIO DE OBSERVAÇÃO – EMEF Des. Amorim Lima)

A experiência da EMEF Des. Amorim Lima ainda é muito recente, teve seu início em 2004 e o projeto ainda não atingiu toda a escola. Precisa-se de mais tempo para que se faça uma avaliação mais global. Mas a observação, as conversas informais com a Diretora, com alunos, com professores e leituras de publicações sobre o seu projeto nos autoriza a afirmar que lá há uma metodologia de ensino portadora da nova mentalidade aludida no corpo deste trabalho. As amarras da palavra foram soltas e a circulação, o movimento, o novo estão lá instalados. Enfim, o que lá acontece é prova de que as mudanças na educação são possíveis.

O curioso é que a EMEF Des. Amorim Lima, com mais de 1000 alunos, inspirou-se no projeto “Fazer a Ponte” da escola que ficou conhecida como “Escola da Ponte”, localizada na Vila das Aves, em Portugal, que possui menos de 200 alunos, para desenvolver a sua metodologia de ensino. O que se faz na EMEF Des. Amorim Lima não é o que se faz na Escola da Ponte, mas há algo em comum entre elas, que é a crença de que a criança é um ser integral.

A Escola da Ponte é o espaço onde o aluno se expressa culturalmente numa multiplicidade de linguagens – verbais, numéricas, informáticas, artísticas etc. A originalidade do projeto “Fazer a Ponte” está na desconstrução da ruptura entre o aluno e a criança. Nele a criança explicita-se como um ser competente que já chega à escola portando saberes referentes à sua cultura, capaz de tomar decisões e organizar-se para aprender com a ajuda de seus professores, que são também, seres que aprendem caminhando lado a lado com seu aluno, num mesmo plano, portanto, nem abaixo e nem acima dele.

Não há dúvidas quanto à importância e grandeza dessas duas experiências para a superação do “fracasso escolar” ou “falência na relação professor-aluno”. O projeto “Fazer a Ponte” vem sendo construído há quase 30 anos, o da EMEF Des. Amorim Lima há apenas dois anos e estão sempre a começar, pois tanto lá como aqui se evita a paralisação, a fossilização da linguagem. Ambos trouxeram o movimento, a vida para a escola e a certeza de que as outras escolas podem romper com a paralisia à qual foram acometidas.

Na verdade não se implementa uma metodologia de ensino pelo simples desejo das pessoas. É preciso mais que o desejo de mudar, ou melhor, é preciso condições para que o desejo se efetive. Na EMEF Pres. Campos Salles o desejo e as condições estão presentes. Em 10 anos o alicerce foi colocado – a forte relação escola-comunidade – que é uma das condições indispensáveis; a outra foi a discussão da proposta com os vários segmentos e a sua aprovação pelo Conselho de Escola no dia 27 de setembro de 2005.. A proposta para o início do processo de desenvolvimento de uma metodologia de ensino com base nos princípios da Escola da Ponte, presente no corpo deste trabalho, são as vigas mestras e o madeiramento do Projeto a ser construído a partir do início de 2006.

Mudanças esperadas com a implementação de uma metodologia de ensino com base nos princípios da Escola da Ponte na EMEF Pres. Campos Salles no prazo de dois anos (2006 e 2007):

1. Comunidade, alunos, professores, agentes escolares, inspetores de alunos, diretor, coordenadores pedagógicos, assistente de direção, auxiliares de direção, orientadores de sala de leitura, orientadores de sala de informática, pais, voluntários e supervisor escolar caminhando lado a lado na busca de uma educação pública de qualidade.

2. Superação do discurso que responsabiliza o outro pela solução dos problemas.

3. Formação continuada contextualizada, portanto, a partir das práticas cotidianas dos professores e dos alunos.

4. A superação da cisão aluno-criança e o reconhecimento de suas competências pelo adulto.

5. Substituição da competição pela solidariedade no fazer pedagógico, todos ensinando e aprendendo juntos independentemente da faixa etária.

6. Substituição da intolerância pela paciência diante das expressões dos alunos e dos colegas de trabalho.

7. Reconhecimento e superação das orientações prévias que aprisionam os sujeitos, dos preconceitos, dos estereótipos, da repetição do pior, para que o novo, o movimento, a vida possam entrar e ficar na escola.

8. Superação gradual do “fracasso escolar” ou da “falência na relação professor-aluno”

O “fracasso escolar” ou a “falência na relação professor-aluno”, na EMEF Pres. Campos Salles, foi detectado no levantamento feito referente ao ano de 2004 (Anexo E) e não deixa dúvida de que providências devem ser tomadas, o que justifica a implementação deste projeto. O número de alunos promovidos com rendimento insatisfatório, evadidos, retidos por falta e retidos por rendimento corresponde a 32,16% do total dos alunos da escola (Anexos A,B, C e D).

A melhora dos índices: a) promoção com rendimento insatisfatório – 14,82%; b) evasão – 9,06%; c) retenção por falta – 5,97% e d) retenção por rendimento – 2,31% será a garantia de que os objetivos acima estarão sendo atingidos.

Este levantamento será feito anualmente e no final do ano de 2007 espera-se que estes índices tenham baixado, pelo menos, em 50%.

A elaboração deste projeto social/educacional não teria sido possível sem o projeto da Escola da Ponte e o projeto da EMEF Desembargador Amorim Lima, mas é necessário referir-se também a uma outra fonte de inspiração – O Projeto Cidade Educadora Aprendiz –, quase ausente neste trabalho, que pela sua filosofia tem contribuído para a valorização dos dois projetos citados e de muitas outras experiências transformadoras. Em uma de suas atividades – O Clube do Saber – são apresentadas experiências originais, que trazem para os participantes a certeza de que o novo é possível e que o ser humano aprende em todos os espaços e não só nas escolas, e aprenderá muito mais quando estas forem melhores.

Por tudo o que foi dito acima, a EMEF Pres. Campo Salles foi beber na fonte que tornou possível as duas experiências, ou seja, a nova mentalidade que vê a criança como um ser integral, que já chega à escola portando os saberes de sua cultura e é capaz de exercer a autonomia, a responsabilidade e a solidariedade.

Referência Bibliográfica

ALVES, RUBENS. “A Escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”. Editora Papirus,Campinas, São Paulo, 2003.

CANÁRIO, RUI; MATOS, FILOMENA; TRINDADE, RUI (Orgs.). "Escola da Ponte: um outro caminho para a Educação", Editora Didática Suplegraf, São Paulo, 2004.

FRÚGOLI JUNIOR, HEITOR. “Centralidade em São Paulo: tragetórias, conflitos e negociações na metrópole”. Editora Cortez, São Paulo, 2000.

HESSEM, JOHANNES. “Teoria do conhecimento”. Coimbra, Armênio Amado - Editor, 5ª edição, 1970.

LAHIRE, BERNARD. “Sucesso escolar nos meios populares – razões do improvável”. Editora Ática, São Paulo, 1997.

MRECH, LENY. "Psicanálise e Educação - Novos operadores de leitura". Editora Pioneira: São Paulo, 1999.

OS PENSADORES, volume XXIV, Rouseau, São Paulo, Abril Cultural, 1º edição, 1973.

PATTO, M.H.S. “A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo, T.A Queiroz, 1990.

Projeto da EMEF Campos Salles

TEIXEIRA, ANISIO. Educação no Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969.

Dissertações

AMORIM, NILBERTO DE MATOS. “A escola em tempos de mal-estar e drogas”. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. 2004 (Tese de doutorado)

GALLO, MARCIA. “A parceria presente: A relação família – escola da periferia de São Paulo”. São Paulo. Pontifícia Universidade Católica (Dissertação de Mestrado)

ANEXO A

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ANEXO B

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ANEXO C

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ANEXO D

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ANEXO E

|LEVANTAMENTO DE FREQUENCIA POR SÉRIE |

|ANO 2005 |  |  |  |

| | | |COORDENADORIA DE |

| | | |EDUCAÇÃO IPIRANGA |

| | | |COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO IPIRANGA | | | | |

| | | | | | | | | | | | | | | |  |  |Nº DE |Nº TOTAL DE |  |  |  |  |  |  |  |  |  |  |  | |DATA |ESCOLA | PROF. (1) | ESCOLAS (2) |FA |FJ |FI |LM |F |DP |HSPM |D |SI |OUTROS |TOTAL (3) | |16/set |EMEF" Presidente Campos Salles" |50 |1 |7 |  |1 |9 |  |  |  |  |  |  |17 | |19/set | |52 |1 |4 |  |  |11 |  |  |  |  |  |  |15 | |20/set | |50 |1 |4 |  |1 |10 |  |  |  |1 |  |  |16 | |21/set | |51 |1 |2 |  |2 |11 |  |  |  |1 |  |  |16 | |22/set | |49 |1 |  |  |  |11 |  |  |  |  |  |  |11 | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |LEGENDA: | | | | | | | | | | | | | | |FA = FALTA ABONADA | | | | | | | | | | | | | | |FJ = FALTA JUSTIFICADA | | | | | | | | | | | | | |F1 = FALTA INJUSTIFICADA | | | | | | | | | | | | | |LM = LICENÇA MÉDICA | | | | | | | | | | | | | | |F = FÉRIAS | | | | | | | | | | | | | | |DP = DISPENSA DE PONTO | | | | | | | | | | | | | |HSPM = HOSPITAL DO SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL | | | | | | | | | | |D = DOENÇA | | | | | | | | | | | | | | |SI = SEM INFORMAÇÃO | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

ANEXO F

ESTÁGIO DE OBSERVAÇÃO

EMEF “DESEMBARGADOR AMORIM LIMA”

Endereço: Rua Professor Peixoto, nº 50, Butantã

Tel: 3726-1119

Período de Realização: do dia 05/04/2005 a 01/06/2005,

perfazendo um total de 20 horas.

BRAZ RODRIGUES NOGUEIRA

I. REGISTRO DE OBSERVAÇÃO

05/04/05 – Primeiro dia do estágio de observação. Cheguei a escola às 8h, horário de entrada dos alunos de 5ª a 8ª séries. Permaneci na mesma até 11h e 30min. A minha curiosidade e ansiedade eram grandes, pois sabia que estaria observando algo novo.

Fui acolhido por Ednéia, Auxiliar de Direção. Durante a conversa fiquei sabendo que ela trabalha na escola há 24 anos. Enquanto estávamos na sala da Direção chegaram três alunos reclamando que alguém os havia ameaçado com o Conselho Tutelar e Febem. Exigiam que Ednéia tomasse providência.

Após conversar com Ednéia fiquei a vontade e dei uma volta pelo espaço interno e externo da escola. A área interna é extensa e contém muitas plantas. Encontrei as duas quadras de esportes com atividades, sendo uma delas coberta e a outra não.Na quadra coberta quem estava com os alunos, jogando, era Teresinha, uma inspetora com a qual eu já havia falado por telefone. Durante este telefonema fiquei espantado com o conhecimento da mesma a respeito do projeto da escola. Apresentei-me a ela e durante a conversa fiquei sabendo que o projeto, por ser o segundo ano, é feito ainda com os alunos das 5ª, 6ª, 1ªe 2ª séries e que as demais serão incluídas em 2006. Teresinha disse-me que: “Para os alunos é muito fácil adaptar-se ao projeto, mas para nós é muito difícil, temos que nos virar do avesso”.

Por volta da 9h chegou a Diretora, Ana Elisa, toda sorridente. Após conversarmos um pouco Ana Elisa me conduziu por toda a escola (área interna e externa). Numa das salas, conhecida da escola como salão, havia 105 alunos, em grupos de cinco, sendo orientados por cinco professores. Fiquei emocionado, em ver o quanto os alunos estavam organizados e concentrados nas tarefas que estavam desempenhando. Intuitivamente tive a certeza de que ali estava a solução para uma série de problemas que afetam a escola tradicional.

Na medida em que caminhávamos pela escola, Ana Elisa se abaixava para pegar os papéis jogados no chão de uma forma tão natural que parece ter já sido incorporado como um hábito. Ana Elisa mostrou-se muito entusiasmada, durante todo o tempo em que estivemos juntos, mas pareceu desolada quando por alguns instantes falamos sobre a estrutura educacional que dificulta qualquer iniciativa inovadora.

Por último, Ana Elisa apresentou-me ao Geraldo, um profissional capacitado que chegou na escola como voluntário. Geraldo é mestre e doutor em Lingüística pela USP. Atualmente recebe um salário por 20 horas de trabalho semanal. Segundo o mesmo, na medida em que foi se envolvendo foi também se apaixonando pelo projeto. Sua tarefa é fundamental para o sucesso do projeto da escola – ajudar na construção do currículo a partir das necessidades cotidianas dos alunos e também dos professores.

Saí da escola por volta das 11h e 30min muito entusiasmado, mas com um redemoinho de interrogações na cabeça.

12/04/05 – Segundo dia de observação. Cheguei a escola às 7h e 55min. Conversei com Ednéia e informei-lhe que viria uma professora da EMEF Pres. Campos Salles, professora Mara, e que eu estaria na sala específica do projeto (conhecida por todos da escola como salão). Neste segundo dia as observações se restringiram praticamente ao que ocorre no salão.

Por volta das 8h subi para o salão. Inicialmente os alunos de três 5ª séries que estavam no recinto mostravam-se desorganizados e dispersos. Após mais ou menos quinze minutos a situação anterior mudara completamente, os alunos estavam sentados em grupos e concentrados nas atividades.

Durante as três horas e 30 min que permaneci no salão incluindo os trinta minutos de recreio pude perceber:

1. Por volta das 8h e 10min um aluno do grupo se levanta e anota o nome do aluno faltoso de seu grupo no quadro de freqüência que fica afixado na parede.

2. O número de professores orientadores é variável, em alguns momentos, havia cinco e este número chegava a cair para três.

3. Cada aluno tem o seu plano de estudo onde faz as devidas anotações. Este parece ser muito importante para o professor tutor.

4. Os grupos são formados por quatro ou cinco pessoas. A pessoa pode ser trocada de grupo, caso os professores achem necessário.

5. Nos grupos cada aluno pode optar pela atividade que quiser fazer no momento, mas todas as atividades propostas serão feitas por cada um num momento ou no outro de acordo com a opção do aluno.

6. Cada aluno tem um caderno de pauta que o orienta na suas atividades.

7. Esgotadas as possibilidades do grupo os alunos levantam as mãos para pedirem orientação aos professores.

8. Alguns alunos por mim consultados disseram preferir as salas menores, onde há só um professor, o da disciplina, porque no salão há muitas atividades para fazer e quando termina uma o professor passa outras.

9. Num dia da semana há uma tutoria. Neste dia o professor tutor orienta os seus alunos que são em número de quatorze.

10. O recreio é de 30min. Após os alunos comerem, o portão do pátio é aberto e os alunos desfrutam da área externa da escola. Pude observar o encantamento de um grupo de quinze alunos com um galho imenso que havia se desprendido de uma árvore de eucalipto. Ficaram praticamente quinze minutos se balançando sem que ninguém interferisse.

Por último, descobri que as atividades semanais dos alunos se distribuem da seguinte forma:

Sala específica (Salão) – duas vezes por semana.

Salas normais (atividades com os professores de cada disciplina) – duas vezes por Semana, sendo que cada 110min.

Tutoria – uma vez por semana

27/04/05 – Terceiro dia de observação. Permaneci na escola por um período de três horas, das 8h ás 11h. Uma das coordenadoras pedagógicas da EMEF Pres. Campos Salles, esteve comigo durante todo o período de observação. Mais uma vez fui para o Salão, queria observar as turmas de 6ª séries por serem elas as pioneiras do projeto, ou seja, estão no segundo ano, enquanto que as turmas de 5ª séries entraram no projeto em 2005.

Além daquilo que observei no segundo dia, nas turmas de 5ª séries, pude constatar algumas novidades:

1. A jornada de trabalho mais adequada ao projeto é a JEI (Jornada Especial Integral). A JEA (Jornada Especial Ampliada) dificulta o encontro destes professores com os professores em JEI, pois há uma grande diferença na quantidade de horas adicionais entre ambas. O professor em JEI além das 25 horas aulas com alunos tem 15 horas adicionais semanais, enquanto que os professores em JEA além das 25 horas aulas com alunos tem apenas 5 horas adicionais semanais. A JB (Jornada Básica) é a mais inadequada ao projeto, pois corresponde a 18 horas aulas com alunos e apenas 2 horas adicionais. Este fato foi constatado em conversa com o professor de Educação Física, em JB, que mesmo valorizando o projeto em sua fala disse se sentir deslocado exatamente por não poder se reunir com os colegas e participar da construção do mesmo.

2. Nas turmas de 5ª séries, no segundo dia de observação, parecia que nos grupos não havia nenhuma troca. Em conversa com alunos e professores nas turmas de 6ª séries pude perceber a importância de estarem em grupos. As dúvidas são tiradas com os colegas e só quando eles não conseguem se ajudar é que recorrem aos professores. Uma das professoras me disse que por uma questão de linguagem eles conseguem explicar melhor do que o professor.

3. Descobri que o tema nuclear das 5ª séries é Memória, enquanto que o das 6ª séries é Trabalho. Estes temas facilitam na organização do currículo a partir das necessidades dos alunos e professores.

05/05/05 – Quarto dia de observação. Permaneci na escola das 8h às 11h. O foco de observação foi a Tutoria. Cada professor tutor acompanha um grupo de 14 alunos. Os grupos são acompanhados por voluntários, auxiliar de Direção, professores e mesmo pela Diretora. Os grupos estavam espalhados por toda a escola, havia grupos no salão, no pátio e até mesmo na sala da Diretora. Parece que o objetivo da tutoria seria a construção de vínculos entre professor e alunos e entre os mesmos.

Tive a oportunidade de passar por vários grupos.As atividades desenvolvidas eram diferentes, portanto o grupo é autônomo em relação aos demais. Observei as seguintes atividades:

1. Num dos grupos a professora e os alunos estavam discutindo o significado da tutoria. As principais falas dos alunos foram: “Na tutoria a professora vai ver o nosso plano de estudo. Quando, por exemplo, brigarmos ela vai nos ajudar a solucionar”. “Tutoria é uma reunião onde você pode conversar com o grupo e dizer o que sente”. “Tutor é aquela pessoa que orienta o nosso estudo”.

2. No segundo grupo a professora estava lendo um capítulo do livro de Miguel de Cervantes, ”Don Quixote”.

3. No terceiro grupo a tutora era a Diretora. Inicialmente alguns alunos apresentaram algumas atividades que fizeram em casa. Posteriormente a tutora ditou parte de uma história que os mesmos deveriam continuar.

4. No quarto grupo, cada aluno estava com uma ficha, onde já estava digitado o que ele mais gosta de fazer na escola e fora dela. Havia também, na mesma ficha, duas questões que os mesmos deveriam responder: uma sobre tutoria e outra sobre o plano de estudo.

5. No quinto grupo a atividade era sobre a amizade. Para esta atividade estava sendo usada a “Cartilha do Amigo”. Num certo momento uma menina se retirou do grupo dizendo: “Eu não vou fazer merda de tutoria nenhuma”.

6. As atividades desenvolvidas por três dos grupos se cruzaram. O horário determinado para que cada um deles fosse ao pátio para ter acesso ao material de pintura não funcionou. Os três grupos acabaram se encontrando no pátio e houve até filas. Parece que a pintura era para confeccionar algo para o dia das mães.

7. O último grupo observado é tutorado por Ednéia, auxiliar de direção. Cada aluno estava montando uma revista. A pintura que eu havia presenciado no pátio, serviria como a capa da revista para os membros deste grupo.

10/05/05 – Quinto dia de observação. Havia três professores da EMEF Pres. Campos Salles comigo, mas não ficamos juntos. O meu foco de observação seria a Iniciação e o deles o salão. No momento o grupo de iniciação da 6ª séries é composto por 17 alunos. Os professores se revezam, a cada dia da semana, há uma dupla diferente de professores orientadores com os alunos.

Inicialmente um dos professores entregou a cada aluno um roteiro de pesquisa com 14 objetivos. Na frente de cada objetivo havia a indicação do livro e páginas que deveriam ser consultadas. Os livros indicados eram referentes às disciplinas: Português, Matemática, Ciências, Geografia e História. Em seguida, os professores discutem com os alunos a política do livro didático. Os alunos concluíram que os livros distribuídos pelo governo não são gratuitos já que o dinheiro utilizado para comprá-los vem dos impostos que pagamos.

Os professores pedem para o aluno colocar o seu nome na folha do roteiro de pesquisa. Pedem também para não perdê-la e trazê-la todos os dias. O roteiro passa a ser explicado para os alunos de forma detalhada. Vários alunos não estavam concentrados e a comunicação entre eles mesmos e professores muito prejudicada. Com o intuito de restabelecer a comunicação a Professora Marimar disse aos alunos se quisessem mudar de grupo poderiam fazê-lo, mas era para parar de atrapalhar. O professor Geraldo retomou a palavra e sem motivo nenhum um aluno disse: “professor eu não gosto de você” e sem se alterar o professor disse: “está bom, você precisa gostar de estudar”. Restabelece-se o diálogo e os alunos, com a ajuda dos professores, começam a lembrar de pesquisas passadas que tinham relação com alguns dos objetivos do roteiro de pesquisa.

Como exercício, para que os alunos se orientassem melhor para a tarefa dos dias seguintes, cada um deles leu um dos objetivos em voz alta para os demais. Passado este momento cada um deveria localizar o texto referente ao objetivo lido, lê-lo e fazer anotações para passar para os demais. Iniciada essa etapa do trabalho a concentração dos alunos aumentou e pela primeira vez o silêncio tomou conta da sala e durante todo este tempo os dois professores circularam pelos grupos. Após todos terminarem foi dada a palavra para os alunos exporem o que haviam descoberto. Novamente a comunicação foi prejudicada por alguns alunos. Um deles chamou a professora Marimar de fanhosa ao que esta respondeu: “eu tenho um problema, mas a sua atitude é preconceituosa” e passou a explicar o que é preconceito. Continuando a exposição, o professor Geraldo e o mesmo aluno que disse que não gostava dele iniciaram uma discussão. Geraldo encerrou a discussão dizendo que era hora dele expor o que havia descoberto e o aluno começou a expor como se nada tivesse acontecido anteriormente.

Toda vez que os professores se dirigiam aos alunos estes eram chamados pelo nome. Ninguém ficou esquecido no seu canto. Os alunos eram instigados continuamente a se envolverem com as atividades e com os colegas. Os alunos da iniciação não são os alunos esquecidos pela escola, muito pelo contrário, há um esforço sobre-humano para incluí-los. Nenhuma “autoridade” externa foi mencionada pelos dois professores diante do desacato por parte de alguns alunos.

20/05/05 – Participação no 12° Congresso Internacional de Educação – Tema: Três experiências de vanguarda pedagógica: Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, Escola da Ponte e Escola Lumiar. Participantes: José Pacheco, Ana Elisa Siqueira, Helena Singer e Rosely Sayão. Horário: das 13h30 às 14h30.

Ana Elisa fez um diagnóstico da escola antes do projeto e referiu-se ao processo de sua implantação na escola e às mudanças ocorridas. Disse que o projeto trouxe a vida para dentro da escola e que o respeito e a solidariedade começaram a ser entendidos na prática sem discurso.

01/06/05 – Horário: das 8h às 11h. Cheguei à escola com uma série de questões, sendo que a principal delas era a respeito da missão e/ou objetivos da escola, portanto eu teria que conversar. Sabendo que todos lá estão muito ocupados com os alunos poderia não alcançar o meu intuito. Quando a Diretora chegou já havia alguém à sua espera, mesmo assim ela foi muito atenciosa, mas como eu sabia que naquele momento a mesma tinha compromisso com os alunos no salão senti que estava interferindo. Procurei ser um pouco rápido e disse-lhe que se eu tivesse o projeto da escola em mãos a nossa conversa seria mais curta, pois nele eu poderia me certificar dos objetivos, ela prontamente se levantou e começou a procurá-lo, não o encontrando ofereceu-se a enviá-lo por fax. Continuamos a conversa e as principais descobertas do dia foram as seguintes:

1. Para meu espanto e alegria a Diretora disse que houvera uma reunião e os professores resolveram acabar com a Iniciação. Ainda estão estudando como irão trabalhar com os alunos que anteriormente eram enviados para a Iniciação.

2. Os professores assumem a autoria do projeto em construção, e portanto, estão dispostos a mudar quando percebem que as opções feitas não estão atingindo os objetivos propostos.

3. O projeto trouxe a vida para a escola. Para a Diretora isso significa que: “o que está em jogo é o movimento, não pode haver cristalizações.”

4. A escola está muito preocupada com o currículo que favorece a vida de seus alunos.

5. Há uma preocupação por parte do professor de cada disciplina em ajudar o aluno construir a sua “caixa de ferramentas”. Segundo a Diretora este é um trabalho mais conceitual e visa capacitar os alunos para os seus roteiros de estudo. Explicou que este conceito – caixa de ferramentas- é de Rubens Alves.

6. Para a Diretora a Jornada de trabalho mais adequada é a JEA e não a JEI como eu imaginava.

7. A tutoria que era feita, até recentemente, uma vez por semana, durante meio período de aula se estenderá por todo o período.

II. Relatório REFLEXIVO

Fazer o estágio de observação na EMEF Desembargador Amorim Lima, foi para mim, assim como para os alunos da Iniciação (atividade observada no dia 10/05/05), uma oportunidade para relembrar de outros conhecimentos que antecederam o meu atual roteiro de estudo. Foi um relembrar acompanhado por atividades: reler textos por mim escritos, ligar para uma professora muito especial que tive, procurar e certificar-me a respeito do conteúdo de alguns livros estudados, conversas com a minha mulher e com alguns professores da EMEF Pres. Campos Salles.

Acabei me detendo mais no livro: MRECH, LENY “Psicanálise e Educação – Novos operadores de leitura”, Editora Pioneira, São Paulo, 1999. Neste livro, a autora à página 39, nos diz: “Há, no Brasil, atualmente, um sintoma social que atinge a maior parte dos processos educacionais: a falência na relação professor-aluno. Por falência estamos entendendo a situação em que o professor se vê impossibilitado em dar cumprimento às suas obrigações, por sentir que lhe faltam determinados conteúdos, sejam eles de base emocional, teórico-práticas ou financeiras”.

A autora citada, quando minha professora, não cansava de dizer da necessidade que o educador tem de romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição do pior. Dizia ainda que: temos que dar a palavra aos sujeitos, pois eles se constituem falando; as palavras proferidas veiculam um sentido, mas não podemos lhes dar concretude; não devemos interpretar as pessoas, pois só elas podem vir a saber de si mesmas. O que é que a professora está nos propondo?

Ela nos propõe, nada mais nada menos, buscar dentro de cada sujeito, aquilo que o amarra e o impede de emergir, ou seja, as estruturas de alienação no saber. Na obra citada acima, ela mesmo nos esclarece, quando diz às páginas 16 e 17: “Um aspecto fundamental a ser assinalado nas estruturas individuais de alienação no saber é que elas apresentam um vínculo muito estreito com os fantasmas dos sujeitos e das instituições. O fantasma cria uma ‘ambiência’, isto é, um cenário que previamente o sujeito tentará encontrar em todos os lugares. Mais precisamente, o fantasma materializa cenários e cria roteiros previamente estruturados, para evitar que o sujeito entre em contato com os outros concretos.

Mas como fazer então para acessar aos outros reais, aos outros concretos? Para a Psicanálise só há uma resposta que é procurar ouvir os alunos, sem nos colocarmos em uma posição de defesa através da escuta prévia. No entanto, este processo não é simples e nem fácil. Muitas vezes, o professor não consegue estabelecê-lo devido ao fato de que ele necessita também ser escutado em toda a sua singularidade.”

Pensando sobre os ensinamentos da Professora Leny não pude também deixar de pensar no professor Rafael, um ótimo colega de trabalho. Há mais de 19 anos lecionei numa escola estadual e lá tive o prazer de conhecê-lo. Nesta época ele já havia lecionado por mais de 45 anos. Chegávamos de manhã, bem cedo, e conversamos bastante antes de começarmos a trabalhar. Sempre fiquei intrigado com o bom humor deste professor e a sede de se aposentar por parte de outros. Mais intrigado fiquei quando após uma reunião pedagógica ele me disse: Braz, eu gosto muito de sua participação nas reuniões, do seu entusiasmo, mas não se iluda, há mais de 45 anos ouço a mesma coisa. Por favor, não perca o entusiasmo se não você não agüenta. O que será que o professor Rafael estava querendo me dizer? Talvez ele tinha a sensação de que o sujeito não tem quase nenhum “poder” para se construir, já que há uma supremacia das instituições para moldá-lo. E a pergunta que eu me faço é a seguinte: Como romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição e deixar o novo entrar?

Num dos textos utilizado na pós-graduação: MRECH, LENY. Subversão do Sujeito. FEUSP, 1999, p.1. A professora nos ajuda a responder a questão acima quando diz: Com Lacan, “... o parâmetro da discussão se desloca do plano da consciência para o plano do inconsciente articulando de que maneira o inconsciente estruturado como uma linguagem, possibilita a própria constituição do sujeito”. Para ele a linguagem não pode ser entificada, se isso ocorre, há uma paralisação, fossilização da mesma, o processo se cristaliza e o sujeito fica preso às suas modalidades de gozo. E são nelas que encontramos a estrutura de funcionamento do sujeito. Recorrendo ainda ao seu livro, obra já citada nesta reflexão, às páginas 80 e 81, a autora nos diz: ‘A linguagem é um tonel que vaza.’ A linguagem vai remeter sempre a um significante, que remete a outro significante, que remete a um outro significante. Só que, devido às cadeias de gozo, há uma paralisação desse processo. Então, existem certos sentidos, certas significações na história do sujeito, às quais ele se apega, se atrela, querendo apenas partir delas. Lacan pontua que o sujeito também não está nessas significações prévias. Ele também não está nos sentidos previamente fixados.

Na escola é muito importante que os educadores auxiliem os alunos a soltar o que Lacan designa as amarras da palavra, isto é, as significações prévias. Cabe aos educadores não compactuarem com estas significações estereotipadas. Cabe aos educadores caírem fora das cadeias de gozo originárias dos sujeitos.”

Será que as pessoas da EMEF Desembargador Morim Lima conhecem Lacan, os professores: Leny e Rafael? Será que deixaram o novo, o movimento entrarem para ficar? Será que estão introduzindo novas modalidades de gozo mais condizentes com as necessidades dos sujeitos na escola contemporânea?

Não tenho condições para responder a todas as questões acima. É uma experiência muito recente, teve seu início em 2004 e o projeto ainda não atingiu todos os alunos da escola. Mas alguns aspectos observados atestam que o novo está lá instalado. Como exemplo podemos citar:

1. As pessoas falam (comunidade, alunos, professores, agentes escolares, inspetores de alunos, diretora, coordenadora pedagógica, voluntários, pais, etc)

2. As falas nascem do fazer, da prática, não são alimentos do discurso vazio e da repetição do pior.

3. Todos são aprendizes, inclusive os professores que ao meu ver acabam por ter um esforço duplo: aprender o conteúdo de outras “disciplinas” para aprender a melhor orientar os alunos em seus roteiros de estudo.

4. Todos os envolvidos são considerados agentes educativos de fato. Os limites entre as funções vêm se tornando muito tênues. O próprio aluno só recorre ao professor orientador, no salão, apenas quando não consegue resolver o seu problema com os demais colegas do grupo.

5. Os educadores desenvolveram uma grande paciência no trato com os alunos, não vi nenhum deles se alterar diante de desacatos por parte deles. Penso que essa paciência decorre do fato do educadores terem entendido que as palavras proferidas veiculam um sentido, mas não podemos lhes dar concretude.

6. Há um movimento instalado na escola. O que não dá certo é avaliado e mudado toda vez que for necessário. Podemos exemplificá-lo com a Tutoria e a Iniciação que foram atividades por mim observadas nos dias, 05/05/05 e 10/05/05, respectivamente. A Iniciação não vai existir mais porque não estava atingindo os objetivos propostos e o período de duração da Tutoria será duplicado por estar dando resultados positivos.

7. Segundo a diretora, Ana Elisa Siqueira, o projeto trouxe a vida para a escola e o que está em jogo é o movimento, não pode haver cristalizações.

Eu gostaria de dizer, para encerrar essa reflexão, que o que interessa não é o projeto da EMEF Desembargador Amorim Lima, mas sim a vida que ele trouxe. Vida esta que nada mais é do que romper com as orientações prévias, com os estereótipos, com a repetição. Lá as pessoas não se entregaram ao lamento, esqueceram do outro “distante” que nos importuna, voltaram-se para o seu cotidiano, arrancando dele toda gota de vida possível. Estar lá, foi para mim, a oportunidade para resgatar a esperança já quase adormecida.

III. ESTRUTURA INSTITUCIONAL

1. Objetivos

Segundo a diretora ainda não há o registro do projeto porque o mesmo é muito novo. O projeto inicial de duas páginas, segundo a mesma, apresentado na Secretaria de Educação não foi encontrado para que eu o tivesse em mãos, portanto não tenho como discriminar os objetivos gerais e específicos. Com base na observação penso que o principal objetivo da escola seria: dar ferramentas ao aluno para que ele seja o sujeito de sua aprendizagem.

ANEXO G

[pic]

São Paulo, 10 de outubro de 2005

Ofício nº 17 / 2005

Assunto: Projeto para 2006 – Desenvolvimento de uma metodologia com base nos princípios da

“Escola da Ponte”: autonomia, responsabilidade e solidariedade.

Sra Coordenadora,

Diante do fracasso escolar, a EMEF Pres. Campos Salles, no desejo de fazer bem a parte que lhe cabe, aprovou no Conselho de Escola, no dia 27/09/05, um projeto para 2006, que tem como objetivo: A implementação de uma metodologia de ensino com base nos princípios da “Escola da Ponte”: autonomia, responsabilidade e solidariedade.

Há dois anos fui procurado por alguns professores que assinalaram que a escola era realmente um exemplo no quesito – Integração Escola/Comunidade – mas que as práticas que ocorriam nas salas de aula eram inadequadas. Apontaram, então, a “Escola da Ponte” como um exemplo no qual deveríamos nos inspirar. Fiquei muito receoso quando lhes perguntei qual era o número de alunos da referida escola e eles responderam que era de 190 alunos. A minha grande questão naquele momento foi: Como podemos nos inspirar neste exemplo, se nossa escola, conta com mais de 1400 alunos?

Logo em seguida, início do ano letivo de 2004, a EMEF Des. Amorim Lima, com mais de 1000 alunos, vem implementando um projeto com base nos princípios da “Escola da Ponte”.

No segundo semestre de 2004, iniciei um curso de pós-graduação em Educação Comunitária. No primeiro semestre de 2005, realizei o estágio de observação, uma das exigências do curso, na EMEF Des. Amorim Lima. Após a apresentação do mesmo para meus colegas e professores, os últimos sugeriram para que eu trabalhasse também o projeto social nesta direção. O projeto está sendo escrito e a previsão é de que essa etapa fique pronta até o final de novembro, mas a sua implementação de fato já se iniciou.

Este é um projeto que para ter sucesso a curto, médio e longo prazo precisa de uma rede de parceiros, tanto da esfera púbica como da esfera privada.

A EMEF Pres. Campos Salles, necessitará para o início do ano letivo de 2006:

1. Agendar com urgência, uma reunião com a Coordenadoria de Educação do Ipiranga e o Sr. Secretário de Educação para discutir o projeto e o papel de cada uma destas esferas na implementação do mesmo.

2. Terceirização da Merenda.Três agentes escolares estão na eminência de solicitar aposentadoria, sendo que dois deles já extrapolaram o tempo legal. Alguns serão deslocados para outras atividades para garantir suporte ao projeto.

3. Uma Máquina de Xerox com autonomia para rodar 20.000 cópias/mês. Sem este suporte os professores terão dificuldades de envolverem-se com o projeto e trabalharem articuladamente na construção de um currículo vivo.

4. Voluntários para serem monitores. Os alunos serão divididos em grupos de 14 ou 15 pessoas. Cada um desses grupos terá um monitor. No dia da monitoria, uma vez por semana, o número de professores do período terá que ser multiplicado por 2,5. Diretor, Coordenadores Pedagógicos, Assistente de direção, Agente escolar com magistério, Professores em JEI, JEA e JB do período, todos serão monitores, sendo que nas duas últimas jornadas, se for desejo do professor o mesmo poderá assumir grupos de monitoria em outro período. Mesmo assim, não teremos na escola o número suficiente de monitores, e por isso, gostaríamos da interferência da Coordenadoria e da Secretaria Municipal da Educação no sentido de celebrar convênios com universidades para que a escola pudesse contar com estagiários como monitores.

5. Autonomia para que a escola não seja obrigada, por nenhum meio, a pegar mais que 35 alunos por série.

6. Tratamento diferenciado por parte da Coordenadoria e da Secretaria Municipal da Educação. Inclusive com a indicação de duas pessoas para acompanhar e ajudar na implementação do projeto, sendo uma de cada uma das duas instâncias.

Atenciosamente

Braz Rodrigues Nogueira

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[1] João Miranda Neto, em 1999, tinha um dos filhos estudando na EMEF Pres. Campos Salles, era membro do Conselho e também membro da comissão de Reivindicação da escola. Já era uma das principais lideranças comunitária de Heliópolis. Era e é o Presidente da UNAS (União de Núcleos, Associações e Sociedades de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco). Mesmo não tendo mais filhos estudando na escola continua a participar de todas as reuniões do Conselho, e é um dos parceiros mais interessados na implementação deste projeto social. Continua sendo um dos membros mais aguerrido da comissão de reivindicação.

[2] O “Seminário Escolas sem Muros – Uma Nova Geografia do Aprendizado”, ocorreu no dia 28 de setembro de 2005. Realizou-se para comemorar os oito anos de existência da Cidade Escola Aprendiz. Jaqueline Moll participou da mesa – Trilhas Educativas: Articulação Comunitária como Elemento Transformador da Aprendizagem – com o tema: Juventude, Cidade e Espaço de Convivência e Aprendizagem. O diretor da EMEF Pres. Campos Salles, Braz Rodrigues Nogueira, participou da mesma mesa relatando a Relação Escola - Comunidade de Heliópolis

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PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – SME

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO-IPIRANGA

EMEF PRESIDENTE CAMPOS SALLES

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