O setor bancário no Brasil: transformações recentes ...

FINAN?AS E MERCADOS FINANCEIROS

O setor banc?rio no Brasil: transforma??es recentes, rentabilidade e contribui??es ? atividade econ?mica

Jo?o Bas?lio Pereima Neto* Rafael Camargo de Pauli**

RESUMO ? H?, atualmente, uma baixa efici?ncia de intermedia??o financeira no Brasil, fruto de uma estrutura banc?ria altamente concentrada, com alto poder de fixa??o de pre?os (spreads e tarifas). As diferen?as de rentabilidade entre os setores produtivo e financeiro e a concentra??o da intermedia??o em segmentos espec?ficos de mercado refletem essa inefici?ncia. As modestas taxas de cr?dito ?s pessoas jur?dicas refor?am a id?ia de que os bancos s?o avessos ao risco, o que leva ? discrimina??o da oferta de cr?dito em dire??o ao cr?dito ao consumo em detrimento ao financiamento do investimento privado. Para que o crescimento n?o seja desacelerado, ? necess?rio criar meios de reduzir o risco de financiamento das atividades produtivas.

Palavras-Chave: Efici?ncia de intermedia??o financeira. Margem de intermedia??o. Crescimento econ?mico. Taxa de Juros. Concentra??o Banc?ria.

1 INTRODU??O O setor banc?rio brasileiro tem passado por grandes mudan?as desde a d?cada de

1960 e, principalmente, desde o in?cio da d?cada de 1990. Elas envolvem inova??es em produtos, pr?ticas de gest?o e governan?a, estrat?gias de mercado, regras de forma??o de pre?os de servi?os e opera??es (spreads), gest?o de ativos e passivos, fus?es e aquisi??es e entrada de bancos estrangeiros.

Neste processo, duas transforma??es se destacam. Uma ? a transforma??o da atividade banc?ria em prestadora de servi?os e facilidades para clientes, como o pagamento de contas por d?bito autom?tico e opera??es via internet, por exemplo. A outra ? a especializa??o e o fortalecimento da atividade de intermedia??o financeira entre poupadores e tomadores no segmento de cr?dito de curto prazo.

* Doutorando em Desenvolvimento Econ?mico e professor do Departamento de Economia da UFPR. Endere?o eletr?nico: joaobasiliop@.br. ** Mestrando em Desenvolvimento Econ?mico pela UFPR. Endere?o eletr?nico: rafaelcdp@.

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N?o obstante, o setor banc?rio enquanto agente intermediador, essencial para o crescimento econ?mico, n?o tem se apresentado eficiente sob determinados aspectos. Isto se configura na elevada taxa m?dia de lucro do setor relativamente ? ind?stria, servi?os e agropecu?ria.

Nas pr?ximas se??es, ser?o apresentados alguns dados e argumentos sobre as transforma??es que deram origem a situa??o atual do setor banc?rio brasileiro. A se??o dois apresenta uma descri??o das mudan?as em uma abordagem institucional, envolvendo desregulamenta??o, mudan?a no perfil operacional, fus?es e aquisi??es etc. Na se??o tr?s, avaliamos a rentabilidade global do setor banc?rio, comparando-a com as demais atividades ligadas aos setores reais da ind?stria, servi?os e agropecu?ria. Na se??o quatro tratamos da contribui??o do setor banc?rio enquanto agente intermediador, atrav?s de opera??es de capta??o e aplica??o e sua efetiva contribui??o ao crescimento da economia brasileira.

2 TRANSFORMA??ES DO SETOR BANC?RIO BRASILEIRO A estrutura atual do sistema financeiro e em particular o setor banc?rio brasileiro

originou-se na grande reforma financeira de 1964, quando se constituiu o mercado de capitais e criou-se a figura do Banco Central. Al?m disso, diversos mecanismos de capta??o e aplica??o de recursos por parte de bancos p?blicos e privados foram aperfei?oados, consolidando o mercado de bancos, hoje chamados de bancos de varejo. O sistema como um todo passou por tr?s altera??es fundamentais no marco institucional-legal desde ent?o.

A primeira delas ? a pr?pria reforma banc?ria de 1964-66 que teve como principal objetivo "estimular a poupan?a privada em um ambiente inflacion?rio, no contexto de uma pol?tica gradualista de combate ? infla??o, e, ao mesmo tempo, criar mecanismos de financiamento n?o-inflacion?rio para o d?ficit do governo" .(DE PAULA, 1998, p. 3)

A estrutura proposta originalmente por esta reforma, implementou um sistema financeiro que mistura as tr?s classifica??es de Zysman (1983): a.) modelo de financiamento sem intermedia??o, baseado em mercado de capitais; b.) modelo de intermedia??o baseado em cr?dito p?blico, via opera??es de empr?stimos; e c.) modelo de intermedia??o privado. A estrutura do sistema financeiro combina os tr?s elementos da tipologia de Zysman de um modo peculiar, diferenciando o pa?s de outros modelos como o alem?o, asi?tico e o americano. O sistema financeiro brasileiro combina: (i) um mercado de capitais relativamente robusto, (ii) um sistema de cr?dito privado baseado em bancos comerciais orientado a financiar o consumo de curto prazo de pessoas f?sicas e o capital de giro para pessoas jur?dicas

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e (iii) um sistema de cr?dito p?blico concentrado no BNDES orientando a financiar investimentos de longo prazo atrav?s da Ag?ncia FINAME, e por opera??es que se executam via mercado de capitais, atrav?s do BNDES-Participa??es S.A..

De modo geral, as necessidades de curto prazo s?o atendidas por bancos privados de varejo e as necessidades de longo prazo pelo mercado de capitais ou pelo sistema de cr?dito p?blico. Estas particularidades do sistema financeiro brasileiro se intensificaram recentemente por conta da especializa??o do segmento banc?rio brasileiro em nichos de mercados de pessoas f?sicas e segmentos corporativos (pequenas, m?dias e grandes empresas) atrav?s dos chamados bancos de varejo. Entretanto, mesmo no atendimento ?s m?dias e grandes empresas, a participa??o do segmento banc?rio no financiamento de longo prazo para amplia??o da produ??o ? pequena. Esta tarefa ? substitu?da pelo mercado de capitais ou pelo cr?dito p?blico. O papel desempenhado pelos bancos de investimento est? praticamente nas m?os do Estado, como agente financiador da produ??o.

A segunda grande altera??o no sistema banc?rio brasileiro foi a reforma de 1988, que permitiu a cria??o de bancos m?ltiplos. Isto veio a formalizar o modo de opera??o j? adotado por muitas das organiza??es banc?rias do pa?s. Seu objetivo era o de "racionalizar o sistema financeiro e reduzir os seus custos operacionais" gerando "um funding mais est?vel para os bancos, atrav?s da fus?o das diversas institui??es existentes em uma ?nica institui??o, com personalidade jur?dica ?nica" (DE PAULA. 1998, p. 5).

A reforma de 1988 coincide com reformula??es do sistema financeiro internacional implementadas pelos pa?ses que comp?em o G-10, atrav?s da ado??o de pr?ticas de regula??o banc?ria determinadas nos Acordos de Basil?ia.

As crises das d?vidas externas de diversos pa?ses em desenvolvimento ao longo dos anos 80 fora atribu?da, entre outros fatores, ao excesso de endividamento que estariam oportunisticamente aproveitando as facilidades concedidas pelas institui??es financeiras internacionais privadas. Os bancos, com passivos expostos por opera??es arriscadas e vultosas tiveram que enfrentar sucessivos pedidos de default. Na tentativa de monitorar o sistema banc?rio e financeiro, os Acordos de Basil?ia estipularam crit?rios de classifica??o de riscos operacionais e de cr?dito e limitaram a alavancagem de opera??es ao estipular que o

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patrim?nio l?quido dos bancos fosse de pelo menos 8% do total dos ativos, mais as opera??es "fora-do-balan?o" (off-balance-sheet)38.

Nos anos 90, novas vers?es dos Acordos de Basil?ia determinaram que os bancos passassem a calcular diversos indicadores de risco, nas mais diversas modalidades operacionais. Mas em fun??o dos custos de implementa??o, a avalia??o de risco operacional e de mercado tem ficado a cargo de ag?ncias externas de rating. A tabela 1 abaixo mostra a evolu??o recente do ?ndice de Basil?ia do setor banc?rio brasileiro, que est? acima do m?nimo exigido no acordo e acima do m?nimo de 11% determinado internamente pelo Banco Central.

TABELA 1 ? ?NDICE DE BASIL?IA DO SETOR BANC?RIO BRASILEIRO

Patrim?nio L?quido - em R$ bilh?es (1) ?ndice de Basil?ia - em % (2)

2002 2003 2004 2005 2006 107,1 121,1 137,6 153,2 185,9 17,7 20,1 20,2 19,1 19,6

FONTE: Bacen-COSIF e FEBRABAN. Nota: (1) Inclui bancos comerciais, m?ltiplos, de investimento, de investimento e desenvolvimento, caixas econ?micas e exclui institui??es financeiras n?o banc?rias e cooperativas de cr?dito. (2) M?dia ponderada dos 50 maiores bancos.

Por fim, a terceira altera??o significativa do sistema banc?rio brasileiro ocorreu em

um ambiente de instabilidade financeira internacional, que teve seu ?pice em 1995 com a crise

Mexicana e foi potencializada com a estabiliza??o dos pre?os promovida pelo plano Real,

fazendo com que a participa??o do setor financeiro no PIB passasse de 15,6% em 1993 para

6,9% em 1995 (CARVALHO, 2002).

A estabiliza??o de pre?os p?s fim a um modelo de opera??o dos bancos no Brasil. O

sistema banc?rio, segundo De Paula (1998, p. 9),

desenvolvia suas atividades nos segmentos de curto prazo do mercado financeiro e direcionava seus recursos basicamente para o financiamento do setor p?blico, em detrimento da oferta de cr?dito ao setor privado. Os t?tulos p?blicos se constitu?ram, assim, na base dos elevados lucros banc?rios, seja na intermedia??o do dinheiro financeiro (moeda indexada), seja na absor??o da "transfer?ncia inflacion?ria" (mais conhecido como os ganhos com o float), assegurando aos bancos ao mesmo tempo liquidez e rentabilidade em seus neg?cios.

38 A atual crise financeira oriunda do segmento de cr?dito sub-prime nos EUA, deflagrada em agosto de 2007, al?m das implica??es para o crescimento da econ?mica, tamb?m revela o fracasso do sistema de Basil?ia em servir como refer?ncia para a??es de supervis?o e monitoramento por parte das autoridades monet?rias. A crise contribuir?, no futuro pr?ximo, para uma grande revis?o do atual regime de regula??o e monitoramento, que dever? certamente, ocupar uma parte significativa das agendas das institui??es e governos. A exist?ncia, simplesmente, de um sistema de indicadores pr?-acordados e de ag?ncias privadas de classifica??o de riscos n?o ? suficiente para estabilidade do sistema financeiro, como esta crise tem demonstrado.

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Com o fim dos ganhos banc?rios atrelados ? hiperinfla??o e em meio a uma onda de empr?stimos em atraso e em liquida??o, o temor de uma crise sist?mica levou o governo a instaurar em 1995 o Programa de Est?mulo ? Reestrutura??o e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), com a finalidade de recuperar insitui??es financeiras em risco de insolv?ncia. As medidas promoviam, sobretudo, o aumento da concentra??o banc?ria, o aumento de garantias aos credores dos bancos e a entrada de bancos estrangeiros. O resultado principal foi a onda de fus?es e aquisi??es (F&As) de bancos de pequeno porte e p?blicos por bancos privados de maior porte, nacionais e estrangeiros. Destaca-se que, ao contr?rio de outros pa?ses emergentes, os bancos nacionais reagiram ? entrada de bancos estrangeiros com vigor, liderando o processo de F&As. A tend?ncia de redu??o do n?mero de bancos ocorrida nos anos 90, por conta da privatiza??o e abertura, continuou nos primeiros anos da d?cada de 2000. O processo de fus?o ainda tem sido liderando por bancos nacionais, como pode ser observado na tabela 2, pela redu??o do n?mero de bancos privados estrangeiros.

TABELA 2 ? N?MERO DE BANCOS NO BRASIL

N?mero de bancos

Privados nacionais com e sem participa??o estrangeira

Privados estrangeiros e com controle estrangeiro P?blicos federais e estaduais

2001 2002 2003 2004 2005 2006 182 167 165 164 161 159 95 87 88 88 84 85

72 65 62 62 63 61

15 15 15 14 14 13

FONTE: BACEN.

O processo de aquisi??es no sistema banc?rio ainda persiste em fun??o dos ganhos

de escala associados ? atividade financeira. Com isto a concentra??o banc?ria tende a

aumentar, impedindo que fatores microecon?micos atuem de modo a aumentar a efici?ncia

da intermedia??o financeira no pa?s.

3 RENTABILIDADE DO SETOR BANC?RIO E OUTRAS ATIVIDADES ECON?MICAS A rentabilidade obtida atualmente pelos bancos prov?m de duas grandes fontes:

tarifas por servi?os prestados e spreads decorrentes da atividade de intermedia??o. Os spreads

s?o a diferen?a entre os juros dos empr?stimos concedidos pelos bancos e os juros pagos por

estes na capta??o de recursos. A compara??o da rentabilidade do setor banc?rio com a

rentabilidade dos setores produtivos, al?m de indicar o n?vel de efici?ncia da intermedia??o

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