A Psicologia na formação de enfermeiros

[Pages:18]A Psicologia na forma??o de enfermeiros

CLIO-PSYCH?

Psychology in the education of nurses

Carolina Silva Bandeira de Melo*

Ecole de Hautes Edutes en Sciences Sociales ? EHESS, Paris, Fran?a e Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Rodrigo Miranda**

Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

S?rgio Dias Cirino***

Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Regina Helena de Freitas Campos****

Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

RESUMO Analisamos o ensino de Psicologia na forma??o de enfermeiras, nas primeiras d?cadas do s?culo XX, no Brasil. S?o apresentados aspectos relacionados a escolas de Enfermagem no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Os t?picos desenvolvidos nos cursos de Psicologia no ensino de Enfermagem estavam ligados aos debates da Psicologia da ?poca. Durante esse per?odo, podemos observar mudan?as na forma??o das enfermeiras de um modelo baseado na experi?ncia para um novo modelo ancorado no conhecimento cient?fico. O governo brasileiro apoiou essa mudan?a que estava vinculada a um contexto mais amplo do aumento da valoriza??o das ci?ncias no Pa?s. Os diferentes conhecimentos da Psicologia contribu?ram para o estabelecimento de uma nova forma??o te?rica e pr?tica das enfermeiras. A an?lise do ensino de Psicologia na forma??o de enfermeiras contribui para uma melhor compreens?o da Psicologia como disciplina no Brasil. Palavras-chave: psicologia, enfermagem, ensino, historiografia.

ABSTRACT We analyze the teaching of psychology in the education of nurses in the first decades of the twentieth century in Brazil. We present aspects related to nursing schools from Rio de Janeiro and Belo Horizonte. Topics presented in the psychology courses in the education of nurses were connected to the psychological debates at that time. During this period, we can see the changing from a training based on working experiences to a new model based on the scientific knowledge. The Brazilian government sponsored this transformation, which was grounded in a broad context of the raising of the worth of sciences in the country. Psychological knowledge contributed for the establishment of a new theoretical and practical nursing training.

ISSN 1808-4281 Estudos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v. 14 n. 1 p. 337-354 2014

Carolina Silva Bandeira de Melo, Rodrigo Miranda, S?rgio Dias Cirino, Regina Helena de Freitas Campos

A Psicologia na forma??o de enfermeiros

Analyzing teaching of psychology in the education of nurses contributes to a better understanding of psychology as a discipline in Brazil. Keywords: psychology, nursing, teaching, historiography

1 Introdu??o

Nas primeiras d?cadas do s?culo XX a presen?a da Psicologia, como disciplina cient?fica, se disseminou em outras ?reas do conhecimento, tais como a Medicina, a Educa??o e o Direito em diferentes partes do mundo. Essa presen?a tamb?m pode ser percebida no Brasil onde, al?m das rela??es estabelecidas com essas ?reas do conhecimento, observam-se interfaces com a Enfermagem. No presente estudo, focalizamos a Enfermagem como um dos campos para a circula??o dos conhecimentos da Psicologia no Brasil, atrav?s das disciplinas da ?rea lecionadas em cursos de forma??o de enfermeiros no n?vel superior. A an?lise do ensino de Psicologia na ?rea da Enfermagem permite identificar elementos que remetem ao processo de disciplinariza??o da Psicologia. Segundo Gundlach (2006), uma disciplina ? constitu?da por um conjunto de professores e estudantes, vinculados em torno de um corpo de conhecimentos te?ricos e pr?ticos minimamente canonizados. Particularmente, neste artigo, podemos observar quem eram os professores de Psicologia, algumas das institui??es em que se encontravam, que disciplinas ministravam, como constru?am uma identidade para a ?rea da Psicologia atrav?s de seu ensino. Nosso objetivo, assim, ? descrever e analisar como se organizou o ensino de Psicologia em disciplinas lecionadas em tr?s cursos de forma??o de enfermeiros no n?vel superior: a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto; a Escola de Enfermagem Ana Nery (EEAN) e a Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC). As duas primeiras estavam localizadas no Rio de Janeiro e foram criadas, respectivamente em 1921 e 1926. A terceira foi fundada em Belo Horizonte em 1933. Todas foram institui??es de refer?ncia no desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, e constitu?ram um campo prop?cio ? circula??o de conhecimentos psicol?gicos nas primeiras d?cadas dos 1900. As tr?s primeiras d?cadas do s?culo XX (1900-1930) compuseram o per?odo selecionado para a investiga??o. A sele??o dessa temporalidade baseou-se em mudan?as sociais e educacionais que permitiram e estimularam a participa??o da Psicologia em diferentes ?reas do saber. Utilizamos como fontes hist?ricos escolares de alunas1 dessas escolas, correspond?ncias, quadros de professores e reportagens na imprensa escrita. Ao final, tendo abordado aspectos relacionados ?s disciplinas de Psicologia nessas escolas de Enfermagem, buscamos avaliar o campo da Enfermagem como espa?o de circula??o de conhecimentos da Psicologia nos 1900.

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2 Moderniza??o e urbaniza??o: contextos para a Psicologia e a Enfermagem

No Brasil, nas primeiras d?cadas do s?culo XX, ocorreram diversas mudan?as pol?tico-administrativas, al?m de modifica??es econ?micas e sociais. Houve uma crescente urbaniza??o, com aumento da popula??o nas cidades, gerando um conjunto de demandas sociais. Podemos citar o exemplo de Belo Horizonte. Em 1912, a cidade possu?a cerca de 40.000 habitantes; em 1935, a popula??o girava em torno de 115.000 e, em 1950, 350.000 habitantes. Na capital federal, Rio de Janeiro, esse aumento tamb?m foi expressivo. Entre 1900 e 1920, a popula??o saiu de pouco mais de 800.000 habitantes para mais de 1 milh?o. Dentre as demandas sociais, acentuadas pelo processo de desenvolvimento urbano-industrial, fortaleceram-se aquelas vinculadas ? sa?de e ? educa??o p?blicas, que implicavam na necessidade de forma??o de profissionais para atend?-las (Fausto, 1994/2006). Na ?rea da educa??o, a partir dos anos de 1920, ocorreram diversas reformas, destinadas a expandir e modernizar os sistemas de ensino p?blico, como por exemplo a Reforma Francisco Campos-M?rio Casassanta realizada em Minas Gerais em 1927. No ?mbito do ensino superior, nas primeiras d?cadas do s?culo XX foram criadas escolas de forma??o de profissionais especializados, como a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (UMG) em 1911. Assim, uma das respostas para as demandas sociais foi a forma??o de profissionais que atuassem em institui??es educacionais e de sa?de p?blica. Oferecer assist?ncia especializada aos doentes significou buscar, na ci?ncia, solu??es aos problemas da sociedade, o que, no passado, era fun??o de entidades religiosas. Essa busca pelo conhecimento cient?fico, de forte presen?a nos ideais republicanos, tornou-se imperiosa entre as elites intelectuais e pol?ticas. Isso influenciou a cria??o das primeiras escolas de Enfermagem, no Brasil. As mudan?as sociais, pol?ticas e econ?micas, ocorridas nas primeiras d?cadas do s?culo XX, coincidem com o movimento de ordena??o do espa?o social proposto no seio da Rep?blica. Durante esse per?odo, uma das estrat?gias de ordena??o do espa?o social foi o investimento na sa?de. Esse investimento estava atrelado ao cuidado do corpo, higiene e saneamento b?sico. De acordo com Nunes (2000), as elites pol?tico-econ?micas e intelectuais promulgavam o mote ordena??o e controle social, como formas de preven??o e corre??o das mazelas sociais e higi?nicas dos agentes urbanos. Nas palavras da autora, o mote era: "observar, perguntar, apurar, descrever, contabilizar, agrupar, classificar. Em outras palavras: controlar e hierarquizar" (p.352). Associado a esse discurso, Monarcha (1992) aponta outro

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mote do per?odo: "como a ra?a n?o se muda, que fa?amos dele [povo] saud?veis e educados" (p. 42). Nesse contexto de controle e preven??o social como medidas para minimizar consequ?ncias da industrializa??o e da urbaniza??o, uma das explica??es em voga era o higienismo (Silveira, 2008). A urbaniza??o e a industrializa??o geraram m?s condi??es sanit?rias e elevada mortalidade, no pa?s. De acordo com Gois J?nior (2000), podemos considerar o higienismo como um movimento, no Brasil, articulado por intelectuais com o intuito de produzir aten??o ? sa?de e ? educa??o dos habitantes da cidade. Esses intelectuais eram m?dicos, engenheiros e educadores, que em nome da ordem e do progresso, propunham medidas saneadoras de males f?sicos e sociais (Santos, 2006). Nesse sentido, esses intelectuais entendiam que a promulga??o de cuidados com o corpo e com os aspectos mentais, produziria resultados no progresso social do pa?s. Suas propostas de interven??es objetivavam a constru??o de um projeto profil?tico para o Brasil, no ?mbito social, moral e comportamental. Esse grupo de intelectuais buscou contribui??es de diversas ?reas do conhecimento para subsidiar sua pr?tica e encontraram, tamb?m na Psicologia, essas bases. Segundo Campos (2006, p.304): "Para os m?dicos, a Psicologia seria uma disciplina auxiliar para o prop?sito de diagn?stico das doen?as mentais (tradu??o nossa)". Dessa maneira, os higienistas formaram um dos bra?os da Psicologia no Brasil, pois estimularam sua produ??o te?rica. A Psicologia, considerada como ci?ncia afim ? Psiquiatria, foi divulgada e desenvolvida no pa?s por meio, por exemplo, das "Jornadas Brasileiras de Psicologia" (Antunes, 1998/2007). Nos dizeres da ?poca: "A medicina, a pedagogia, a justi?a, a organiza??o do trabalho e outros ramos da vida pr?tica e social reclamam, cada vez mais, o aux?lio da Psicologia Experimental" (Guimar?es, 1928, p. 387). Tudo isso fez parte do movimento de tornar o saber cient?fico. Essa tend?ncia estava presente desde o fim do s?culo XIX e acentuou-se nos anos de 1920-30, na educa??o e na sa?de. O enfoque na forma??o de especialistas, bem como as mudan?as em prol da reorganiza??o do espa?o social foram especialmente evidentes na capital federal de ent?o, o Rio de Janeiro. Como exemplo disso, observamos a cria??o da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (1921) e da Escola de Enfermagem Ana Nery (EEAN) (1926). Al?m da capital brasileira ? ?poca, outras cidades de diferentes estados estabeleceram pol?ticas p?blicas de saneamento e ordena??o social. O planejamento social alcan?ou o campo da sa?de e, dentre as cidades que investiram nessas mudan?as progressistas destaca-se Belo Horizonte. A capital mineira foi uma cidade planejada como forma de materializar a modernidade almejada pela Rep?blica do Brasil. Na d?cada de 1930, per?odo em que Minas Gerais se

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destacou no cen?rio brasileiro, foi criada a Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC) (1933)2.

3 Psicologia e Enfermagem: ensinando Psicologia

Escola de Enfermagem Alfredo Pinto

A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto foi criada pela portaria de 1? de setembro de 1921, expedida por Alfredo Pinto Vieira Melo, ent?o Ministro da Justi?a e Neg?cios Interiores. Ela j? funcionava como se??o feminina da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras da Assist?ncia a Alienados (criada pelo Decreto Federal n.791, de 27 de dezembro de 1890) e como recebia apoio do Ministro, recebia informalmente seu nome (Funda??o Oswaldo Cruz, s/d)3. Em 22 de Setembro de 1942 a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto fundiu-se ? Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras da Assist?ncia a Alienados, que passaram a funcionar em uma sede ?nica, com o nome oficial de Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, segundo o Decreto-lei n? 4.725. A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto funcionava junto ? Col?nia de Psicopatas do Engenho de Dentro, que por sua vez, foi um importante lugar de desenvolvimento da Psicologia brasileira, sobretudo a partir da instala??o, em 1923, do Laborat?rio de Psicologia Experimental, sob a responsabilidade de Waclaw Radecki (Centofanti & Jac?-Vilela, 2007). Radecki (1887-1953) era polon?s, foi chefe do Laborat?rio de Psicologia Experimental da Universidade de Crac?via (Pol?nia) e assistente de Edouard Clapar?de, na Universidade de Genebra (Su??a). A convite de Gustavo Riedel, auxiliou na organiza??o e na dire??o do Laborat?rio de Psicologia Experimental da Col?nia de Psicopatas do Engenho de Dentro. Esse laborat?rio foi instalado na se??o feminina da Col?nia (Guimar?es, 1928). Assim, a se??o de Psicologia estava fisicamente pr?xima ? ?rea da Enfermagem, uma vez que a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto estava justamente na ala feminina. Al?m da produ??o de saberes psicol?gicos para o trabalho com a higiene e a profilaxia mental, o laborat?rio tinha por fun??o o ensino de Psicologia. Em um relat?rio explicitando os instrumentos e as atividade desenvolvidas pelo laborat?rio de Psicologia, Guimar?es (1928) afirma que o ensino de Psicologia era destinado a diferentes profiss?es da ?rea de sa?de, dentre elas, a Enfermagem. Especificamente sobre a forma??o de enfermeira, ele diz: "2 cursos de 25 horas cada um na Escola de Enfermeiras Alfredo Pinto" (p. 393). Outras refer?ncias nos auxiliam a compor as disciplinas de Psicologia que eram ensinadas na Escola Alfredo Pinto (e.g. Antunes, 1998/2007; Porto & Amorim, 2007). Esses trabalhos dizem que a

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disciplina No??es Gerais de Psicologia era ensinada no primeiro ano do curso. Com base no Dicion?rio Hist?rico-Biogr?fico das Ci?ncias da Sa?de no Brasil, da Funda??o Oswaldo Cruz (s/d), havia uma terceira s?rie, no curso de Enfermagem dessa Escola, com o objetivo de formar visitadoras sociais e, nesta terceira s?rie, seriam ensinadas No??es Gerais de Psicologia. Voltando ao relato de Guimar?es (1928), observa-se que o ensino de Psicologia na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto era de responsabilidade do laborat?rio de Psicologia. Ainda nesse relato, notamos que esse laborat?rio era um centro para a Psicologia Geral, Psicologia Individual, Psicologia Coletiva e Psicopatologia. No laborat?rio circulavam testes mentais (e.g. Binet-Simon), instrumentos vinculados ? Psicologia Experimental (e.g. Erg?grafo de Mosso, Quim?grafo) e pr?ticas psicoter?picas vinculadas ? psican?lise. Esses instrumentos eram utilizados nas atividades do laborat?rio, tais como: no aux?lio ? pr?tica m?dica de diagn?stico; exame de crian?as nas escolas; investiga??es forenses; e o ensino de Psicologia (Guimar?es, 1928). Assim, o ensino de Psicologia promovido por esse laborat?rio poderia cobrir uma s?rie de campos. Essa fonte nos sugere, ent?o, que a forma??o em Enfermagem ou das visitadoras sociais estava amparada por uma s?rie de t?picos em Psicologia. As visitadoras sociais foram um ramo de atua??o da Enfermagem que, como sugere o nome, trabalhavam com a popula??o, em suas casas, no intuito de prevenir, n?o apenas doen?as infectocontagiosas, mas tamb?m doen?as mentais. Apesar da diverg?ncia a respeito do ano do curso em que era oferecida, o dado importante ? a exist?ncia da disciplina de Psicologia, no curso da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. A Psicologia parece pois ter desempenhado um papel relevante na forma??o para a atua??o na sa?de p?blica, no processo de moderniza??o da Rep?blica, auxiliando em a??es preventivas para a sa?de da popula??o.

Escola de Enfermagem Ana Nery

A Escola de Enfermagem Ana Nery (EEAN)4 foi criada a partir da vinda de um grupo de enfermeiras dos Estados Unidos da Am?rica (EUA) ao Brasil, a convite do governo brasileiro. Dentre suas propostas para melhorar a sa?de no pa?s, estava a cria??o de um curso de treinamento de visitadoras domiciliares. Em fevereiro de 1923, a Escola de Enfermeiras Dona Anna Nery come?ou a funcionar com o nome de Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Sa?de P?blica (DNSP). A partir do decreto n. 17.268, de 31 de mar?o de 1926, passou a se chamar Escola de Enfermeiras Dona Anna Nery (Porto & Amorim, 2007).

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Como no caso da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, a cria??o da EEAN estava relacionada ? percep??o da sa?de como um problema econ?mico-social, no pa?s. Isso tamb?m tinha rela??o com a Psicologia, pois "naturalmente, na profilaxia das mol?stias mentais, est? compreendida a profilaxia de outras mol?stias capazes de favorecem ou ocasionarem perturba??es f?sicas" (Guimar?es, 1928, p.388). O pr?prio DNSP, ao qual a Escola Ana Neri estava vinculada, havia sido criado em 1920 como parte de uma ampla Reforma Sanit?ria liderada pelo m?dico sanitarista Carlos Chagas5, conhecida como "Reforma Carlos Chagas", atrav?s da qual reorganizaram-se os servi?os de sa?de da capital da Rep?blica. Almejava-se o controle das doen?as transmiss?veis, tais como a s?filis e a tuberculose. Esse contexto contribuiu, tamb?m, para o in?cio da atividade de Enfermagem em sa?de p?blica, por meio do trabalho da visitadora social (Paix?o, 1969). Pesquisadores da hist?ria da Enfermagem consideram que a cria??o dessa escola marca o in?cio da Enfermagem "moderna", no Brasil. Uma das marcas do "moderno" encontrava-se na produ??o e no ensino de saberes cient?ficos. Articulavam-se conhecimentos da Antropologia, Biologia, Pedagogia, Medicina e, tamb?m, Psicologia. A Psicologia surgia como uma ci?ncia do indiv?duo, que contribuiria para a compreens?o cient?fica da atividade mental e da conduta (Carvalho, 1997/2006; Monarcha, 1992). Nesse campo da ci?ncia como dispositivo moderno, a Psicologia j? estava imbu?da da "(...) neutralidade cient?fica e sob o signo do m?todo experimental e da dedu??o de leis gerais ..." (Monarcha, 1992, p.47). Assim, na EEAN tamb?m veremos o ensino de Psicologia, contribuindo com a forma??o "moderna" em Enfermagem. Paix?o (1969) sugere que a EEAN ? a primeira escola de Enfermagem de "alto padr?o" do pa?s. "Alto padr?o" parece significar uma forma??o ancorada em saberes cient?ficos. Machado (1995), nessa mesma dire??o, afirma que a EEAN foi "o mais importante f?rum de decis?es pol?ticas e intelectuais da Enfermagem por cinco d?cadas" (p. 191). Para esse autor, isso significou que as enfermeiras formadas nessa Escola integraram o corpo docente da maioria das demais escolas de Enfermagem, al?m de terem sido importantes l?deres na pesquisa e assist?ncia de Enfermagem, no Brasil. Assim, observamos que as pesquisas em hist?ria da Enfermagem apontam a lideran?a da EEAN como institui??o formadora no pa?s. A vinda da equipe de enfermeiras estadunidenses ao Brasil, em 1921, ocorreu em resposta ao pedido de Carlos Chagas ao International Health Board (Junta Internacional de Sa?de), para organizar o servi?o de sa?de p?blica (Santos, 2006; Sim?es, Cristofolini, Oliveira, Carswell & Azevedo, 1986). Essa miss?o foi subvencionada pela Funda??o Rockfeller6, com a finalidade de promover a sustenta??o ? Reforma Carlos Chagas. A equipe de enfermeiras rec?m-chegadas

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considerou a Enfermagem brasileira defasada em rela??o ao que se fazia em outros pa?ses, tais como os EUA. Os trabalhos realizados no Brasil consistiriam, em grande medida, na doa??o de objetos, de roupas pessoais, de roupas de cama e de alimentos, enquanto a enfermeira deveria ser reconhecida como uma reformadora social (Dornelles, 1995; Porto & Amorim, 2007). A Funda??o Rockfeller ofereceu apoio ao DNSP para organizar o servi?o de enfermeiras e patrocinou o processo de desvincula??o da aten??o m?dica pelas associa??es religiosas (Dornelles, 1995). O incentivo para a cria??o de cursos de Enfermagem permitiu que, em alguns servi?os de sa?de, os profissionais com forma??o cient?fica ocupassem o lugar dos leigos. As enfermeiras diplomadas, sob a supervis?o das enfermeiras estadunidenses, com o apoio da Funda??o Rockfeller e do governo, buscaram consolidar-se como tendo forma??o mais cientifica (Geovanini, 1995). No contrato da Funda??o Rockefeller com o DNSP, em 1926, foi negociada uma regulamenta??o sobre a forma??o e a profiss?o de Enfermagem, o que foi garantido, em 1931, com o Decreto n. 20.109 (Moreira, 1995). Nos hist?ricos escolares de alunas do curso da EEAN, consta a disciplina Psicologia, ensinada no primeiro semestre de curso. O ensino dos conte?dos de Psicologia e dessa disciplina, conforme consta nos hist?ricos escolares, era realizado pelo m?dico sanitarista J. P. Fontenelle. Ele lecionava, tamb?m, as disciplinas de Higiene, Ci?ncia Sanit?ria e Sa?de P?blica. Esse conjunto de disciplinas lecionadas pelo mesmo professor evidencia a presen?a de rela??es estreitas entre os saberes m?dicos e psicol?gicos no campo da higiene tanto f?sica quanto mental nos espa?os sociais. Outras fontes informam que os conte?dos de Psicologia eram abordados em uma disciplina com 6 a 8 horas de curso. Alunas da EEAN que se destacavam, ganhavam bolsas para complementar sua forma??o nos EUA. Dentre os documentos pesquisados na EEAN, encontramos uma carta da Escola de Enfermagem da Universidade de Cornell, de Nova Iorque, sobre o aproveitamento de uma aluna brasileira que por l? passou, al?m de alguns hist?ricos acad?micos, em ingl?s (History Card), onde a disciplina Psicologia estava presente. A presen?a da Psicologia na EEAN foi um diferencial para a rela??o entre a Psicologia e a Enfermagem, pois, em 1931, a EEAN tornou-se escola modelo (Decreto n. 20.109 de 15 de junho). Assim, seu curr?culo e estrutura tornavam-se modelos para as demais escolas de Enfermagem que almejavam o "alto padr?o" e uma forma??o "moderna". Os cursos de Enfermagem criados a partir dessa data - e mesmo os anteriores a 1931 - teriam que passar por um processo chamado equipara??o, no qual, ap?s uma inspe??o, a escola seria, ou n?o, reconhecida. A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, por exemplo, conseguiu a equipara??o em 1959.

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