4 Aspectos sintáticos-semânticos

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4 Aspectos sint?ticos-sem?nticos

Como vimos no cap?tulo 2, embora as realiza??es dos verbos medir, pesar, custar e durar apresentem a mesma estrutura sint?tica, as defini??es de objeto direto ou adjunto adverbial, apresentadas pela tradi??o gramatical para os elementos fr?sicos ? direita desses verbos, n?o se justificam.

Em outras palavras, uma an?lise da estrutura morfo-sint?tica n?o d? conta da descri??o dos fatos da l?ngua, ou seja, os processos utilizados para a identifica??o dos complementos ? a interroga??o, a pronominaliza??o, a apassiviza??o, etc. ? mostram que n?o se tratam de complementos diretos. Em suma, uma an?lise puramente sint?tica n?o contempla o relacionamento sem?ntico dos elementos fr?sicos que complementam os verbos medir, pesar, custar, durar, etc.

O que se objetiva mostrar aqui ? a exist?ncia de rela??es sem?nticas estabelecidadas pelos predicadores em quest?o e seus complementos, o relacionamento dos significados lexicais dos complementos entre si e destes com o predicador para que as realiza??es dos predicadores possam ser gramaticais.

Em outras palavras, os verbos aqui estudados condicionam a fun??o sint?tica e sem?ntica que seus complementos ou actantes desempenham no estado de coisas implicado no seu significado. H?, portanto, escolhas de ordem sint?tica, sem?ntica e pragm?tica que s?o estabelecidas pela val?ncia desses predicadores.

Neste cap?tulo, passarei a descrever os fatos da l?ngua no que tange a algumas das realiza??es dos verbos medir, pesar, custar e durar.

Para uma an?lise um pouco mais aprofundada identificarei os semas e os usos diferentes e os tra?os sint?ticos-sem?nticos tamb?m distintos desses predicadores e seus complementos.

Para o cumprimento de tal objetivo, farei uso da teoria da gram?tica de val?ncias, pois esta teoria se distingue da gram?tica tradicional pelo fato de

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considerar o verbo o elemento central da frase. ? o verbo que determina os elementos fr?sicos que se posicionam ? sua esquerda e direita, isto ?, ? o verbo que especifica o tipo de sujeito que ele aceita, assim como o tipo de complementos ou at? se h? ou n?o esses complementos, resultando assim em restri??es sem?nticas, ou seja, delimita??es de significado que s?o respons?veis pela possibilidade ou impossibilidade de determinadas formas ocorrerem relacionadas a outras.

Na vis?o da gram?tica de val?ncias, o verbo atribui aos participantes uma determinada fun??o sint?tico-sem?ntica, das quais resultam rela??es sint?ticas e sem?nticas com seus complementos no interior da proposi??o1, manifestando uma determinada situa??o ling??stica a partir de uma dada vis?o. Isto ?, o verbo ? o n?cleo. ? a partir dele que se estabelece o estado de coisas, a perspectiva a partir da qual se definir? a proposi??o.

Os enunciados s?o representa??es dos estados de coisas. Estes estados de coisas s?o rela??es estabelecidas entre coisas ou "propriedades de coisas, ou rela??es entre rela??es, etc. [...] Trata-se de um `relacionar-se' infindo"(Vilela, 1992, p.46).

Este cap?tulo est? dividido em 7 se??es sendo a primeira se??o constitu?da de alguns dos conceitos da gram?tica de val?ncias para a descri??o das quest?es ling??sticas aqui estudadas, e a segunda, com os conceitos que Borba apresenta no seu dicion?rio. Na terceira se??o desenvolve -se a an?lise de algumas das realiza??es dos verbos objeto deste estudo.

Tal an?lise ter? como base te?rica a Gram?tica de Val?ncias de M?rio Vilela e Winfried Busse (1986), a Gram?tica de Val?ncias de M?rio Vilela (1992), a Gram?tica da L?ngua Portuguesa de M?rio Vilela e Ingedore Villa?a Koch (2001) e An Introduction to Functional Grammar de M. A. K. Halliday (1985), assim como alguns conceitos desenvolvidos em Francisco da Silva Borba em seu Dicion?rio Gramatical de Verbos do Portugu?s do Brasil (1991).

1 Entendo como proposi??o "a estrutura do predicado com os participantes semanticamente especificados" (Vilela e Kock, 2001, p.30).

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4.1 A teoria da gram?tica de val?ncias

Para Vilela e Koch (2001, p.286), as possibilidades de uso e combina??o dos elementos da l?ngua s? s?o poss?veis porque h? rela??es sintagm?ticas e paradigm?ticas que se estabelecem entre esses elementos. Em outras palavras, os elementos ling??sticos se interrelacionam atrav?s dessas rela??es, as quais s?o determinantes para que as estruturas da? resultantes sejam gramaticais e aceit?veis pelos falantes da l?ngua.

H? tamb?m as rela??es sintagm?ticas l?xico-sem?nticas que dizem respeito ?s compatibilidades sem?nticas dos elementos ling??sticos, ou seja, a possibilidade desses elementos co-ocorrerem num mesmo dado contexto por transportarem pressupostos sem?nticos que permitem a sua combina??o (Idem, p.287).

? a partir dessas rela??es sintagm?ticas, paradigm?ticas e l?xico-sem?nticas que se estabelecem o sentido e a constru??o de frases e textos. As palavras2 transportam um conjunto de pressupostos sem?nticos que exigem, prev?em e restrigem a co-ocorr?ncia de outros elementos ling??sticos.

Essa co-ocorr?ncia se d? pelo que se chama a caracter?stica valencial das unidades ling??sticas ou lexemas.

Val?ncia ? a capacidade que um dado lexema (palavra) tem, por for?a do seu significado lexical, de abrir ? sua volta um determinado n?mero de lu gares vazios e de prever a natureza e a forma dos termos que podem ou devem preencher esses lugares (Vilela e Koch, 2001, p.305).

Em outras palavras, val?ncia ? a propriedade de um determinado elemento ling??stico permitir, exigir ou excluir outros elementos para co-ocorrerem com ele numa determinada realiza??o fr?sica.

A val?ncia do predicador ou val?ncia verbal determina o n?mero de complementos, sua qualidade sint?tica e sem?ntica, ou seja, as possibilidades de combina??o dos complementos poss?veis na s realiza??es do modelo fr?sico. A

2 Por palavra entendo ser "uma das unidades b?sicas da l?ngua, em que a dupla vertente significado e significante desempenha um papel relevante" (Vilela e Kock, 2001, p.56).

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val?ncia verbal "condiciona a natureza e a forma das categorias sint?ticas que podem ocorrer como realiza??o dos respectivos lugares vazios" (Vilela, 1992, p.37).

Para exemplificar o acima dito, analiso a frase 76:

76 - *A cenoura fala.

A frase 76 comprova que a rela??o exclusiva que o complemento a cenoura apresenta com o seu regente o verbo falar ? fator determinante para a aceita??o ou n?o dessa realiza??o pelos falantes da l?ngua.

Em outras palavras, a val?ncia do verbo falar apresenta pressupostos sem?nticos que exigem que o elemento ? sua esquerda apresente tra?os [+animado] para que a frase seja uma seq??ncia comunicativa. O termo que realiza o espa?o ? esquerda do processo designado pelo verbo falar s? pode ser `seres vivos', os ?nicos capazes de falar.

? importante mencionar o fato de que em sentido figurado essa frase poderia ser aceita pelos falantes em um contexto em que algu?m tivesse comido muita cenoura e estivesse sentindo um certo desconforto estomacal e dissesse: "A cenoura fala", ou seja, est? presente, denuncia-se, pode-se senti- la no est?mago.

? nesse sentido que afirmo que o dinamismo estruturante do predicador possibilita a escolha dos seus complementos regulando a combina??o dos significados lexicais das palavras, permitindo uns e excluindo outros, ou seja, determinando restri??es de significado. O predicador estabelece os tra?os sem?nticos que seus complementos devem apresentar para que as realiza??es fr?sicas sejam gramaticais.

Esses elementos significativos dos verbos como centro estrututal da frase estabelecem quais os tra?os sem?nticos que devem apresentar os complementos (inclusive o sujeito) (Vilela, 1992, p.40).

Quando esses complementos que tamb?m chamo proposicionais ou simplesmente argumentos se encontram no ?mbito do dinamismo verbal, ou seja,

Por enunciado entendo que "constituem uma unidade comunicativa, julgada e interpretada pela sua finalidade, e as frases s?o unidades gramaticais julgadas pela sua corre??o" (id em, p.29).

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pertencem ao quadro fr?sico do verbo, como ? o caso de a cenoura (exemplo 76) s?o denominados actantes (ou simplesmente complementos) e os que se encontram para al?m do dinamismo proposicional do verbo, chamam-se circunstantes ( domingo de manh? no exemplo 77) (Vilela,1992, p.32).

77 ? Marcos telefonou para Maria domingo de manh?.

Um outro fato interessante ? que, muitas vezes, elementos fr?sicos que a tradi??o gramatical costuma classificar de adjunto adverbial, a gram?tica de val?ncias trata como complementos adverbiais do verbo. Esses complementos pertencem ao quadro fr?sico do verbo, portanto s?o actantes, n?o podendo ser retirados da frase sob pena de torn?-la inaceit?vel pelos falantes.

78 ? Ela vive em Coimbra.3

O verbo viver, aqui realizado no sentido de morar, abre um espa?o ? direita para a sua complementa??o sem?ntica. Em Coimbra, portanto, ? um complemento que pertence ? val?ncia do verbo viver e ?, dessa forma, para a gram?tica de val?ncias, um actante.

Os actantes podem ser obrigat?rios ou facultativos, ambos pertencentes ? val?ncia do verbo. Os complementos facultativos s?o os que podem ser suprimidos da frase sem preju?zo de sua compreens?o. Para que se possa diferenciar os actantes obrigat?rios dos actantes facultativos, aplica-se o teste da omiss?o ou supress?o do actante.

79 ? Paula escreveu uma carta para sua m?e.

A val?ncia do verbo escrever abre 3 lugares vazios ou actantes, por?m quando da sua realiza??o n?o h? obrigatoriamente a necessidade de se preencherem todos os

3 Para a tradi??o grammatical, em Coimbra poderia ser classificado como complemento circunstancial de natureza adverbial (Rocha Lima,2000, p.252), ou adjunto adverbial de lugar (Cunha & Cintra, 1985, p.149) e a maior parte dos outros gram?ticos.

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