Universidade Federal da Bahia Faculdade de Filosofia e ...
Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Filosofia e Ci¨ºncias Humanas
Departamento de Filosofia
Projeto de Pesquisa ¨C P¨®s-doutorado
?rea: Filosofia
Sub-¨¢rea: Est¨¦tica
A rela??o entre o riso e o sublime: sobre uma poss¨ªvel teoria da arte c?mica na
filosofia de Arthur Schopenhauer
Jarlee Oliveira Silva Salviano
Salvador-BA
2021
Sum¨¢rio
1. Introdu??o..................................................................................................................................... 1
2. Objeto............................................................................................................................................ 1
3. Justificativa................................................................................................................................... 8
4. Objetivos..................................................................................................................................... 10
4.1 Geral.......................................................................................................................................... 10
4.2 Espec¨ªficos................................................................................................................................ 10
5. Metodologia................................................................................................................................ 11
6. Cronograma................................................................................................................................. 11
7. Refer¨ºncias.................................................................................................................................. 12
1
A rela??o entre o riso e o sublime: sobre uma poss¨ªvel teoria da arte c?mica na
filosofia de Arthur Schopenhauer
Jarlee Oliveira Silva Salviano *
Institui??o: Univesidade de S?o Paulo (USP)
Supervisora: Profa. Dra. Maria L¨²cia Mello e Oliveira Cacciola
Per¨ªodo: 11 de mar?o de 2021 a 11 de Fevereiro de 2022
1. Introdu??o
A teoria do ris¨ªvel (L?cherlich) em Schopenhauer aparece no contexto de sua teoria do
conhecimento no 1. Livro de sua obra capital O mundo como vontade e representa??o. A despeito
do aparente car¨¢ter epis¨®dico destas 4 p¨¢ginas em que ele tece sua breve teoria, nos Complementos
da 2. edi??o o fil¨®sofo dedica um cap¨ªtulo inteiro ao tema. Surpreendentemente este cap¨ªtulo ¨¦
conclu¨ªdo com uma aproxima??o do fen?meno do riso com o SUBLIME (conceito que em
Schopenhauer deriva de Kant e tem uma import?ncia fundamental) que revoluciona o modo de
compreendermos o riso, o humor e a com¨¦dia como arte em sua filosofia. Na aus¨ºncia de um
aprofundamento nele desta rela??o entre o riso e o sublime, e diante da inexist¨ºncia de uma an¨¢lise
(no Livro 3, que trata de sua filosofia da arte) da com¨¦dia, trata-se ent?o de percorrer seus escritos
na busca de um esclarecimento desta aproxima??o, na tentativa de, a partir da¨ª, construir uma
poss¨ªvel filosofia da com¨¦dia na obra do incur¨¢vel pessimista Schopenhauer.
2. Objeto
Uma inesperada pausa na an¨¢lise das faculdades do intelecto e da raz?o na teoria do
conhecimento de Schopenhauer (primeiro Livro de O Mundo como Vontade e Reperesenta??o 1) nos
coloca diante de sua teoria do ris¨ªvel (L?cherlich). Estamos a¨ª no par¨¢grafo 13 de sua obra magna.
Mostrando que n?o ¨¦ uma mera pe?a sobressalente, este tema retorna no cap¨ªtulo 8 dos
* Professor Associado I do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia.
1 Ap¨®s a reflex?o sobre a utilidade (Nutzen) e a desvantagem (Nachteil) da raz?o no seu uso pr¨¢tico: o que nos faz
lembrar da segunda Extempor?nea de Nietzsche: Sobre a utilidade e a desvantagem da Hist¨®ria para a vida (Vom
Nutzen und Nachteil der Historie f¨¹r das Leben).
2
Complementos. Ao fim deste par¨¢grafo 13 (na terceira edi??o da obra, de 1859) o autor nos remete
ainda ao capitulo 6 do Tomo II dos Parerga, onde encontrar¨ªamos uma explana??o do aspecto f¨ªsico
do ris¨ªvel (diferente do aspecto ps¨ªquico ent?o exposto). A quest?o sobre a ess¨ºncia do riso teria
sido colocada pela primeira vez por C¨ªcero, informa Schopenhauer nos Complementos, com a
imod¨¦stia costumeira, mas s¨® resolvido por ele mesmo 2.
Qual a import?ncia dessa intromiss?o na discuss?o (de raiz kantiana) sobre as faculdades
do conhecimento intuitivo e abstrato? O fil¨®sofo pretende apresentar um refor?o ¨¤ sua tese da
separa??o entre o conhecimento imediato do intelecto (intui??o) e o conhecimento mediato da
raz?o, bem como da superioridade da efic¨¢cia do primeiro em rela??o ao segundo, cuja fun??o ¨¦ a
mera formata??o conceitual do material oriundo do conhecimento intelectual (que por sua vez extrai
seu estofo da sensibilidade, o que faz do conceito um produto de terceira m?o).
Trata-se, no fen?meno do riso, de uma s¨²bita e inesperada percep??o da inadequa??o entre
uma representa??o abstrata e uma representa??o emp¨ªrica que poderia ser adequada num outro
sentido. Esta ruptura da normalidade de uma concord?ncia esperada entre um conceito e seu
equivalente emp¨ªrico ¨¦ a causa do ris¨ªvel. Segue-se da¨ª uma sensa??o de prazer na percep??o desta
incapacidade da raz?o em representar com exatid?o uma experi¨ºncia emp¨ªrica. ¡°Quanto mais
inesperada¡±, diz Schopenhauer, ¡°for esta incongru¨ºncia [Inkongruenz] na apreens?o da pessoa que
ri, tanto maior ser¨¢ a risada¡± (SCHOPENHAUER, 2014, p. 156)3. Ademais, ¡°quanto mais correta,
de um lado, ¨¦ a subsun??o de tais realidades ao conceito, e, de outro, quanto maior e mais flagrante
¨¦ a sua inadequa??o com ele, tanto mais vigoroso ¨¦ o efeito do ris¨ªvel que se origina dessa
oposi??o¡± (SCHOPENHAUER, 2005, p. 109).
Assim explica o fil¨®sofo a origem do deleite do riso:
Em geral o riso ¨¦ um estado prazeroso. A percep??o da incongru¨ºncia entre o pensamento e a intui??o, isto ¨¦,
a efetividade, deixa-nos alegres e nos entregamos com muito gosto ao abalo convulsivo que essa percep??o
provoca. O fundamento disso ¨¦ o seguinte. Em cada um dos s¨²bitos contrastes que aparecem entre o intu¨ªdo e
o concebido, o que ¨¦ intu¨ªdo est¨¢ sempre indubitavelmente certo, porque a intui??o n?o est¨¢ sujeita a erro e
nem necessita de confirma??o vinda de fora, pois ela ¨¦ a advogada de si mesma. Seu conflito com o
pensamento resulta do fato de que este ¨²ltimo, com seus conceitos abstratos, n?o pode abarcar a infinita
variedade de matizes e as delicadas sutilezas do que ¨¦ intu¨ªdo. Esta vit¨®ria do conhecimento intuitivo sobre o
pensamento nos alegra (SCHOPENHAUER, 2014, p. 164).
Destarte, arremata Eduardo Fonseca (operando uma compara??o com o par de conceitos
2 C¨ªcero trata do riso em De oratore (55 a.C). Estudos atuais remontam a tentativa de teorizar o riso a Dem¨®crito.
¡°(...) existem interpreta??es diferentes relacionadas ¨¤ quest?o do riso em Dem¨®crito: de um lado, ele pode estar
imbu¨ªdo de uma vis?o c¨¦tica e niilista em rela??o ao ser humano, de outro, seu riso pode ser entendido como um
instrumento para ¡°conclama[r] os homens ¨¤ sensatez¡±. (ALAVARCE, 2009, p. 79)
3 A teoria da incongru¨ºncia n?o tem sua primeira apari??o em Schopenhauer, ele tem como antecessores: Arist¨®teles,
C¨ªcero e Kant (SALIBA, 2017, p. 15).
3
freudiano ¡°princ¨ªpio de realidade¡± e ¡°princ¨ªpio de prazer¡±):
Deve ser agrad¨¢vel para n¨®s ver aquela estrita, incans¨¢vel e tamb¨¦m t?o problem¨¢tica governanta, a nossa
¡°faculdade de raz?o¡± (Vernunft), a racionalidade, ser por vezes condenada por inadequa??o. ? por isso que a
express?o do riso e a alegria est?o intimamente relacionadas. ? como se tiv¨¦ssemos um al¨ªvio por ver a
racionalidade em condi??o ultrajante, ap¨®s sermos t?o oprimidos pelas suas exig¨ºncias na experi¨ºncia comum
da vida (FONSECA, 2016, p. 14).
Este desencontro epistemol¨®gico entre conceito e intui??o pode ocorrer ou na linguagem
ou na a??o. E haveria, segundo ele, dois tipos de ris¨ªvel: o dito espirituoso (Witz) se d¨¢ quando dois
objetos diferentes, duas intui??es emp¨ªricas, s?o identificadas ¡°arbitrariamente na unidade de um
conceito que os engloba¡±; e o disparate c?mico (Narrheit), ocorre quando dois objetos, iguais num
certo aspecto designado por um conceito que os identifica, aparecem bem diferentes num outro
aspecto (SCHOPENHAUER, 2005, p. 110). Ou seja, no primeiro caso parte-se da discrep?ncia dos
objetos para uma unidade do conceito; no segundo caso parte-se da unidade de um conceito para a
sua aplica??o a objetos que se mostram id¨ºnticos num certo contexto designado pelo conceito. Temse a¨ª caminhos contr¨¢rios: dos objetos para o conceito; ou do conceito aos objetos. O efeito do riso
surge ent?o da percep??o de uma diferen?a antes disfar?ada pela identifica??o de dois objetos em
um conceito. Quanto mais repentino for este desvelamento, maior o efeito do ris¨ªvel.
Conectado ao disparate c?mico est¨¢ o pedantismo, o apego excessivo do entendimento ¨¤
raz?o, em detrimento da diversidade emp¨ªrica dos objetos: sua planifica??o intencional na
composi??o de conceitos ¨C da¨ª uma alfinetada no pedantismo moral de Kant e sua rejei??o de toda
inclina??o ou afeto.
O fil¨®sofo menciona ainda o chiste com jogo de palavras e o duplo sentido (em especial o
que inclui obscenidade): este ¨²ltimo se vale da coincid¨ºncia entre dois conceitos diferentes que se
encontram numa ¨²nica palavra. Apesar de aparentado ao dito espirituoso (que comprime dois
objetos num conceito), diz ele, o efeito l¨¢, ao comprimir dois conceitos numa palavra, ¨¦ mais p¨¢lido
e superficial, ¡°porque n?o nasceu do ser das coisas, mas sim do acaso da nomenclatura¡±
(SCHOPENHAUER, 2005, p. 112).
Se, ao fim desta explica??o da teoria do ris¨ªvel, o leitor, franzindo a testa, sente a
necessidade de exemplos para aclarar o entendimento a respeito desta teoria (e, principalmente, da
diferen?a entre Witz e Narrheit), n?o ter¨¢ ele maior sorte se passar a vista pelas parcas quatro
p¨¢ginas em que ela ¨¦ exposta em O Mundo. N?o ¨¦ um fato t?o inusitado. Sem muito esfor?o podese imaginar que o pessimista Schopenhauer talvez nunca tenha dado uma gargalhada, muito menos
participado de uma roda de piadistas. E ent?o, curiosamente, vemos nele a incorr¨ºncia do mesmo
pecado do abstracionismo t?o criticado pelo fil¨®sofo em seus opositores, Hegel especialmente: o
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