4 O objeto indireto na tradição gramatical

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4 O objeto indireto na tradi??o gramatical

Neste cap?tulo, passaremos em revista o tratamento do A3, tradicionalmente chamado de "objeto indireto" nos mais importantes tratados gramaticais da l?ngua portuguesa. Dentre os autores mais renomados de nossa literatura gramatical, destaquem-se Soares Barbosa, Maximino Maciel, Said Ali, J. Mattoso C?mara Jr., Carlos Henrique da Rocha Lima, Adriano da Gama Kury, Celso Cunha e Evanildo Bechara. Esse elenco de autores, a que se somam outros gram?ticos, foi apresentado por Vera L?cia Paredes Pereira da Silva, em sua disserta??o de mestrado, intitulada de Complementos Verbais regidos de A transform?veis em LHE (1974, PUC-Rio). Entre os trabalhos a que dispensou aten??o a autora, n?o tivemos acesso aos de Soares Barbosa, Maximino Maciel, Adriano da Gama Kury e Said Ali ("Gram?tica Secund?ria"). Vamo-nos limitar a referir os pontos mais relevantes dos trabalhos desses tr?s autores, destacados na disserta??o de Silva; e nos deteremos na apresenta??o e discuss?o do tratamento dispensado pelos demais autores. Reitere-se que o elenco de autores apresentado por Silva n?o se restringe aos oito autores referidos por n?s. Nossa sele??o se estriba na maior contribui??o de um e outro autor ao desenvolvimento de nosso trabalho: as caracter?sticas mais relevantes do objeto indireto s?o claramente apresentadas nesses autores; ademais, casos controvertidos de objeto indireto (que t?m implic?ncia na quest?o dos dativos) tamb?m s?o lembrados em seus trabalhos.

4.1 Soares Barbosa

O primeiro dentre os autores destacados por Vera L?cia ? Soares Barbosa, autor cuja obra Gram?tica Filos?fica data do in?cio do s?culo XIX (1803). No cap?tulo "Sintaxe de Reg?ncia", o autor dedica-se ao estudo dos complementos, quer nominais, quer verbais. No que toca aos complementos verbais, segundo Barbosa, deve-se distinguir entre o "complemento objetivo" e o "complemento terminativo", fun??es sint?ticas que o autor relaciona, respectivamente, aos casos latinos "acusativo" e "dativo". Esses dois tipos de complementos servem para completar o sentido relativo dos termos regentes (caso em que a complementa??o ? necess?ria). Barbosa define o complemento objetivo sob os pontos de vista

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sem?ntico e sint?tico: do ponto de vista sem?ntico, o complemento objetivo se caracteriza por representar o objeto sobre o qual recai a a??o verbal; do ponto de vista formal, ? o termo com o qual se responde ? pergunta "o que?". O complemento terminativo, a seu turno, ? aquele que completa a significa??o relativa das palavras regentes. Consoante observa Soares Barbosa, assim como as significa??es relativas s?o distintas, assim tamb?m as preposi??es que se empregam com esse tipo de complemento o s?o. Entre as preposi??es que encabe?am o complemento terminativo, inclui o autor a preposi??o "a". Aponta como outra caracter?stica do complemento terminativo a possibilidade de permut?-lo com "lhe", forma pronominal que, segundo ele, desempenha sempre essa fun??o.

O complemento terminativo equivale ao objeto indireto lato sensu, a saber, ?quele que completa o sentido de verbo transitivo indireto (entendido esse tipo de verbo como o verbo que seleciona uma preposi??o obrigat?ria). No que tange ao uso da preposi??o "a", observa Soares Barbosa que se usa "a" normalmente para encabe?ar o complemento cujo n?cleo ? substantivo [+ animado].

4.2 Maximino Maciel

Vera L?cia Paredes P. da Silva, ? p?gina 20, ao se referir ? contribui??o do trabalho de Maximino Maciel, assim se expressou:

"O gram?tico sergipano, que afirma na Introdu??o de sua Gram?tica Descritiva apresentar uma orienta??o totalmente diferente da que at? ent?o se havia feito em l?ngua portuguesa, realmente tem pontos de vista que o distanciam dos demais autores estudados (...)"

No cap?tulo destinado ao estudo da Sintaxologia, que se subdivide em "Sintaxe relacional", "Sintaxe fraseol?gica" e "Sintaxe liter?ria", o autor dispensa aten??o ? quest?o da complementa??o verbal. Na se??o "Sintaxe relacional", se ocupa com as fun??es ou rela??es entre os voc?bulos na senten?a. Entende por "fun??o" o papel que as palavras cumprem na frase em virtude de estabelecerem entre si uma depend?ncia rec?proca.

Maximino Maciel faz alus?o a seis fun??es sint?ticas, entre as quais inclui a fun??o objetiva, que ? definida como aquela a que se transmite de modo mediato ou imediato a a??o do verbo de significa??o incompleta. Distingue o autor entre

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objeto direto e objeto indireto, conquanto os trate conjuntamente. Outrossim n?o se refere a aspectos sem?nticos dessas fun??es. Restringe-se a arrolar palavras e express?es que normalmente desempenham essas fun??es. Para o autor, o objeto indireto pode ser introduzido por diversas preposi??es (a, de, por, em, com, para, etc.).

Ressalte-se que o conceito de objeto indireto se estende a complementos de nomes (substantivos e adjetivos). Destarte, o termo destacado nos seguintes sintagmas ? considerado objeto indireto: "inclina??o ao mal", "voca??o ?s artes", "?vido de carinho", "desejoso de amor". O crit?rio adotado por Maximino, mediante o qual caracteriza o objeto indireto, ? a obrigatoriedade de complementa??o, por meio de preposi??o.

N?o menos importante ? a refer?ncia a express?es encabe?adas pelos chamados "verbos suporte" (dos quais nos ocuparemos alhures), que equivalem a uma constru??o cujo n?cleo ? o verbo simples acompanhado de um complemento, tais como "ter estima a algu?m ? estimar algu?m", "ter gratid?o a algu?m ? agradecer a algu?m", etc. Maximino Maciel considera o termo encetado por "a" que cumpre a fun??o de complemento dos nomes "estima" e "gratid?o" como objeto indireto15.

Finalmente, ao considerar como objeto indireto o complemento oracional de certos substantivos, Maximino Maciel afirma que a an?lise gramatical se assenta prioritariamente na forma e n?o no conte?do l?gico das senten?as.

4.3 Said Ali

Mestre M. Said Ali, que influenciou marcadamente a obra de Evanildo Bechara - seu disc?pulo -, ? p?gina 164 de sua Gram?tica Hist?rica da L?ngua Portuguesa (1964), distribui os verbos em duas classes: a transitiva e a intransitiva. Os verbos transitivos s?o entendidos como verbos "cujo sentido se completa com um substantivo usado sem preposi??o (..)" (Ali, 1964:164). O autor acrescenta que, embora transitivos, alguns verbos se podem acompanhar de um complemento introduzido por "a", que n?o ?, pois, obrigat?rio (trata-se dos casos de "objeto direto preposicionado").

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52 O termo que completa o sentido de um verbo transitivo ? denominado de "objeto direto"; semanticamente, o objeto direto representa "a pessoa ou cousa que recebe a a??o" (id.ibid.); pode representar, por?m, o resultado da a??o verbal, ou tamb?m "o ponto de partida para onde se dirige um sentimento" (id.ibid.) (cf. Otelo ama (a) Iago).. O objeto direto se relaciona, segundo o autor, ao acusativo latino. Vale notar que a preposi??o "a", quer na fun??o de objeto direto (preposicionado), quer na fun??o de objeto indireto, se prende a substantivo [+ animado], muito embora tamb?m possa ser empregada por necessidade de clareza.

15. Nesse tocante, concordamos com Vera L?cia Paredes: o complemento introduzido por "a", nesses casos, ? selecionado pelo substantivo, e n?o pelo verbo. Veja-se que a substitui??o de "gratid?o" por "compaix?o", por exemplo, implica o uso de outra preposi??o, que ? selecionada por "compaix?o" (cf. ter amor ao pr?ximo/ ter compaix?o para com o pr?ximo). Coteje-se "dar testemunho de" a "dar uma olhada em". Ora, as preposi??es "de" e "em" s?o exigidas por "testemunho" e "olhada", respectivamente. Veja-se que esses substantivos podem aparecer fora desses giros, regendo as referidas preposi??es: "A sua gratid?o ao professor significa que voc? reconhece o valor dele"; "A compaix?o para com seu irm?o deve ser cultivada em seu cora??o"; "A olhada na prova foi muito r?pida".

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Said Ali observa que, certos verbos, tais como dar, entregar, pedir, mostrar, dedicar, entre outros, posto que exijam objeto direto, n?o se nos apresentam com significa??o completa. Tais verbos exigem um outro termo que lhes complete o significado. Esse termo tem como n?cleo um substantivo que designa um ente a que a a??o verbal se destina. O autor acrescenta que este termo, "(...) precedido sempre da preposi??o a, denomina-se de objeto indireto, ou, particularizando, objeto dativo" (id.ibid.).

Ademais, Said Ali restringe as formas "o", "a", "os", "as" ? fun??o de objeto direto ou acusativo; as formas "lhe", "lhes" cumprem particularmente a fun??o de dativo ou objeto indireto. No que toca ? fun??o dativa, o autor observa que o dativo tamb?m representa a entidade a quem a a??o verbal aproveita ou desaproveita. Conclui que ? "um t?rmo necess?rio para alguns verbos, por?m acess?rios para outros" (Ali, pp. 164-165). Relacionadas intimamente ao dativo est?o as no??es de "posse", "lugar"/ "dire??o", etc.

Os verbos intransitivos, segundo o mestre, caracterizam-se por n?o exigir objeto direto e subdividem-se em "intransitivos absolutos" e "intransitivos relativos". Note-se que essa no??o de verbos intransitivos difere da no??o tradicional, isto ?, os verbos s?o intransitivos n?o porque dispensam qualquer complemento, sen?o porque dispensam o complemento ou objeto direto. Logo, s?o exemplos de verbos intransitivos absolutos (ou seja, que dispensam qualquer complemento) viver e chorar; tamb?m se incluem entre os intransitivos, ou, mais propriamente, entre os intransitivos relativos, depender, precisar. Said Ali chama ao complemento desses ?ltimos verbos "objeto indireto". Com encerrar, muita vez, id?ia circunstancial, prop?e o autor que se chame a esse termo tamb?m "objeto indireto circunstancial".

A no??o de transitividade em Said Ali, portanto, n?o se assenta na necessidade de complementa??o (concep??o tradicional), sen?o no fato de o objeto direto representar o paciente da a??o verbal; nem todo objeto direto, contudo, representa o paciente da a??o verbal.

Em sua Gram?tica Secund?ria, a que faz refer?ncia Silva, Said Ali classifica os termos da ora??o em dois grupos: os integrantes e os acess?rios. S?o integrantes, segundo o mestre, os termos que completam o sentido de verbos transitivos e intransitivos; s?o acess?rios aqueles que individuam ou acrescentam

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