Desenho da família: perspectiva de crianças em tratamento ...

[Pages:22]Desenho da fam?lia: perspectiva de crian?as em tratamento na oncologia

Maria Alice Luna Sampaio ? J?ssica Nayara de Souza ? Juliana Monteiro Costa?

Ana Paula Amaral Pedrosa? Tha?s Ferreira Pedrosa4

?Graduanda em Psicologia pela Faculdade Pernambucana de Sa?de (FPS). ?Psic?loga Cl?nica e da Sa?de. Doutora em psicologia Cl?nica pela Universidade Cat?lica de Pernambuco

(UNICAP). Docente da Gradua??o e P?s-Gradua??o Stricto Sensu da FPS. ?Psic?loga do Setor de Oncologia Pedi?trica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). Mestre em Educa??o para o Ensino na ?rea de Sa?de pela FPS. Docente da Gradua??o e P?s-

Gradua??o Lato Sensu da FPS. 4Psic?loga do Setor de Oncologia Pedi?trica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira

(IMIP). Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Conselho Regional de Psicologia

Resumo O c?ncer infantil ? um fen?meno que impacta de forma significativa o indiv?duo,

demandando uma reorganiza??o na din?mica familiar, afim de encontrar o equil?brio ora perdido neste sistema em virtude do adoecimento. O objetivo do estudo foi compreender a din?mica familiar de crian?as em tratamento na oncologia atrav?s do teste do desenho da fam?lia. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa realizada em um hospital de refer?ncia de Recife-Pernambuco. Participaram quatro crian?as que estavam em tratamento para o c?ncer e seus respons?veis legais. Para a coleta de dados utilizou-se o teste do desenho da fam?lia com a crian?a, assim como um breve question?rio sociodemogr?fico sobre o hist?rico familiar com os pais e/ou cuidadores. Os desenhos das crian?as, que expressam as rela??es afetivas no meio familiar, foram aplicados de maneira individual e, posteriormente, analisados atrav?s do eixo gr?fico e de conte?do segundo Corman. O estudo obedeceu a Resolu??o 510/16 do Conselho Nacional de Sa?de e foi aprovado pelo Comit? de ?tica em Pesquisa do referido hospital. Os resultados sinalizam que uma situa??o de adoecimento favorece a constru??o de uma nova organiza??o familiar, uma vez que os envolvidos neste processo necessitam lidar com fragilidades, frustra??es, novas demandas de cuidado, sofrimento e luto.

Palavras-chave: c?ncer; crian?a; din?mica familiar; Teste do Desenho da Fam?lia.

Family design: perspective of children being treated in oncology

Childhood cancer is a phenomenon that significantly impacts the individual, demanding a reorganization in family dynamics, in order to find the balance lost in this system due to illness. The aim of this study was to understand the family dynamics of children being treated in oncology through The Family Drawing Test. This is a qualitative research carried out in a reference hospital in Recife-Pernambuco. Four children who were undergoing cancer treatment and their legal guardians participated. For data collection, the Family Drawing Test was used with the children, as well as a brief sociodemographic questionnaire about the family history with the legal guardians. The children's drawings, which express affective relationships in the family environment, were applied individually and subsequently analyzed through the graphic axis and content according to Corman. The study followed Resolution 510/16 of the National Health Council and was approved by the Research Ethics Committee of that hospital. The results indicate that a situation of illness favors the construction of a new family organization, since those involved in this process need to deal with weaknesses, frustations, new demands for care, suffering and mourning.

Key-words: cancer, children, family dynamics, The Family Drawing Test.

Introdu??o

De acordo com a perspectiva sist?mica, a fam?lia configura-se como um sistema complexo composto de diversos subsistemas, encontrando-se inserida em outros sistemas maiores que ela, realizando frequentemente trocas entre eles (BOWERS & BOWERS, 2017; VASCONCELLOS, 2019).

Durante sua exist?ncia, a fam?lia vivencia uma s?rie de dificuldades. Embora uma de suas propriedades seja a adaptabilidade (capacidade de lidar com as mudan?as),

a fam?lia, como qualquer outro sistema, n?o possui a capacidade de controlar os imprevistos que podem ocorrer (GOMES et al, 2014).

Desta maneira, o adoecimento de um dos membros da fam?lia, sobretudo na inf?ncia, configura uma esp?cie de evento estressor e det?m um impacto significativo na din?mica da mesma. Assim, quando um dos membros do sistema adoece, o todo ? afetado. Este fato exige que o sistema familiar se adapte, reorganizando-se ou reequilibrando-se de um modo diferente da organiza??o anterior em busca do equil?brio/homeostase (PINHEIRO et al, 2012; CERVENY & BERTHOUD, 2002; CARTER &MCGOLDRICK, 2001). O impacto e a intensidade que a doen?a vai ter na din?mica familiar ir?o variar de acordo com diversos fatores, tais como: n?vel de esclarecimento sobre a enfermidade em si, o qu?o agressivo ser? o tratamento, as cren?as da fam?lia, dentre outros aspectos (SOARES & FERRETJANS, 2017).

O c?ncer infantil caracteriza-se como uma patologia de aparecimento muito mais raro quando comparado ao c?ncer em outros momentos do ciclo vital, com uma propor??o que varia entre 144 e 148 casos a cada um milh?o de crian?as (BRAAM et al, 2016). O Instituto Nacional de C?ncer [INCA] (2019), configura-o como correspondente a um grupo de v?rias doen?as que t?m em comum a prolifera??o descontrolada de c?lulas anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo. Dentre elas, a Leucemia Linfoide Aguda (LLA), diagn?stico dos sujeitos deste estudo, apresenta-se como a forma mais frequente do c?ncer infantil e constitui-se como rearranjos cromoss?micos estruturais no DNA da medula ?ssea (GORDIJN, 2015; NORDLUND & SYV?NEN, 2018).

Diante do exposto, a pesquisa teve como objetivo compreender a din?mica familiar de crian?as em tratamento na oncologia pedi?trica atrav?s do Teste do Desenho da Fam?lia.

M?todo Trata-se de um estudo de natureza qualitativa realizado em um hospital de refer?ncia da cidade de Recife-PE com crian?as que estavam em tratamento para o c?ncer e seus pais e/ou respons?veis. Foi utilizada a amostragem proposital, tamb?m denominada intencional ou deliberada como crit?rio de escolha dos participantes, quando o pesquisador escolhe deliberadamente os participantes que dever?o compor o

estudo de acordo com os objetivos do trabalho, desde que possam fornecer informa??es referentes ao mesmo (MINAYO, 2017).

Para a coleta de dados utilizou-se o teste do desenho da fam?lia com a crian?a, assim como um breve question?rio sociodemogr?fico sobre o hist?rico familiar com os pais e/ou cuidadores.

Sistematizado na d?cada de sessenta por Louis Corman (2003), o teste do desenho da fam?lia tem como objetivo estudar as rela??es afetivas no meio familiar. Trata-se de um instrumento projetivo e gr?fico, que se utiliza da linguagem simb?lica para traduzir conte?dos do mundo interno do sujeito. No presente estudo, a aplica??o foi baseada nas perguntas norteadoras proposta pelo autor do teste, permitindo que a crian?a falasse sobre os personagens desenhados e explicasse detalhes do desenho. Para isso, foi entregue uma folha de papel, l?pis, borracha e uma prancheta que servisse de apoio para desenhar. Ap?s o fornecimento do material necess?rio, foi requisitado que desenhasse uma fam?lia. Esta instru??o possibilitou a crian?a a liberdade para que fizesse a sua pr?pria fam?lia ou a que fosse de seu desejo. Assim, foi observado como desenhava: seus tra?os, suas hesita??es, express?o facial, coment?rios e a ordem que fazia os membros da fam?lia. Ao t?rmino da atividade, foi pedido para que a crian?a identificasse e descrevesse os membros da fam?lia, explicando os detalhes que fez e como ? a sua rela??o com cada um deles. Durante e ap?s a execu??o do desenho, foram anotados os coment?rios e, principalmente, a denomina??o que a crian?a dava a seus personagens (CORMAN, 2003).

Ap?s finaliza??o dos desenhos, os mesmos foram analisados a partir de dois eixos: n?vel gr?fico e conte?do. Em rela??o ao n?vel gr?fico, foi verificado a amplitude do tra?o, sua for?a, o tamanho do desenho, ritmo, a localiza??o da figura na folha, se o desenho possu?a movimento ou a??o, se havia simetria do tra?o, a qualidade de suas linhas, detalhes do desenho e as rea??es da crian?a ao elaborar o seu desenho. No que diz respeito ao conte?do, foi considerado como base a pr?pria fam?lia do sujeito, independente da fam?lia desenhada. Assim, foram analisadas as tend?ncias afetivas positivas, negativas e ambivalentes. Tamb?m foi verificada a valoriza??o ou desvaloriza??o de cada personagem, por meio de aspectos positivos e negativos apontados no discurso das crian?as. Outros aspectos que foram analisados: a omiss?o de figuras, personagens acrescidas ou canceladas, la?os e rela??es a dist?ncia, rela??es e

rivalidade fraternas. A rela??o com os pais, assim como a atribui??o de pap?is ?s figuras parentais tamb?m foram observadas de acordo com a trama ed?pica vivenciada pelo sujeito (CORMAN, 2003).

As crian?as e seus respons?veis que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e o Termo de Consentimento Livre e esclarecido (TCLE), ap?s explica??o e esclarecimento acerca dos objetivos da pesquisa. O estudo obedeceu a Resolu??o 510/16 do Conselho Nacional de Sa?de e foi aprovado pelo Comit? de ?tica em Pesquisa do referido hospital atrav?s do CAAE n?mero 13151319.4.0000.5201 e Parecer n?mero 3.312.745. Como maneira de preservar o sigilo e anonimato das participantes, foi solicitado que cada crian?a dissesse o nome de seu personagem preferido, pois este seria utilizado dentro do estudo. Os nomes dos respons?veis legais foram escolhidos pelas pesquisadoras utilizando-se das iniciais dos nomes escolhidos pelas crian?as.

Discuss?o dos Resultados: An?lise dos Desenhos Participaram da pesquisa quatro crian?as, sendo tr?s do sexo masculino e seus

respectivos respons?veis legais. A idade das crian?as variou entre oito e onze anos, todas residentes em Pernambuco e com diagn?stico de LLA, enquanto que a idade das respons?veis variou entre 33 e 38 anos.

A express?o infantil por meio do desenho representou uma possibilidade de favorecer as rela??es interpessoais entre a crian?a, fam?lia e equipe de sa?de, pois enquanto atividade expressiva, o desenho propiciou a objetiva??o de aspectos mais internos. Para o melhor aproveitamento do teste, as pesquisadoras adquiriram tamb?m um breve hist?rico da fam?lia da crian?a por meio de um question?rio sociodemogr?fico realizado com os pais e/ou respons?veis.

Conhecendo a hist?ria de Naruto Naruto tem 10 anos e reside no interior de Pernambuco, juntamente com seus pais e um irm?o de doze anos. Tamb?m fazem parte da fam?lia dois animais de estima??o: um gato e um cachorro. Atualmente cursa o quarto ano do ensino Fundamental, e sua genitora, Nat?lia (38 anos), estudou at? o quinto ano do mesmo segmento educacional.

A genitora compartilhou que Naruto sempre se mostra muito interessado em participar das pr?ticas da igreja evang?lica e que o mesmo solicita sempre que a fam?lia participe dos cultos e de outras atividades ofertadas.

Naruto est? em tratamento h? dois meses, no entanto, Nat?lia n?o quis compartilhar o diagn?stico de LLA, em que, de acordo com a autora K?bler-Ross (2017), este momento pode se relacionar com a primeira fase do luto, que ? a de nega??o. Talvez essa postura da genitora sugira que a mesma encontra-se num per?odo de nega??o do diagn?stico de seu filho. As pesquisadoras obtiveram maiores informa??es atrav?s do prontu?rio de Naruto.

A genitora relatou que antes da interna??o Naruto estudava durante o per?odo da manh? e seu irm?o ? tarde. Ressalta que os dois possuem uma boa rela??o fraterna, por?m marcada por alguns atritos. Antes do diagn?stico, Nat?lia trabalhava para sustentar a fam?lia, enquanto o marido permanecia em casa cuidando dos filhos, j? que este encontrava-se em processo de recupera??o da amputa??o da perna. Atualmente, com o processo de interna??o de Naruto, Nat?lia assumiu os cuidados deste.

Durante a pesquisa, ambos (m?e e filho) relataram uma rela??o muito pr?xima entre a fam?lia, estando Naruto bastante mobilizado emocionalmente pela dist?ncia (geogr?fica e afetiva) que a interna??o lhe imp?s. Revela, ainda, que o filho encontra-se triste desde o in?cio da interna??o, com epis?dios frequentes de choro excessivo, onde o mesmo explica ser advindo da saudade do pai e da rotina antiga.

An?lise do Teste do Desenho da Fam?lia

Figura 1 - Desenho de Naruto, 10 anos

Naruto primeiro desenhou de l?pis e, em seguida, cobriu todo o seu desenho com caneta preta com tra?os fortes de forma que ficasse o mais n?tido e forte poss?vel, o que pode ser indicativo de impulsos fortes e certa libera??o instintiva. Optou por n?o colorir o desenho, o que sugere ind?cios de bloqueio emocional e timidez.

O desenho foi realizado na parte superior esquerda da folha, podendo indicar expans?o imaginativa, espiritualidade, objetivos elevados e postura sonhadora. N?o obstante, h? aspectos no desenho de Naruto que denotam certo n?vel de retraimento, como por exemplo, tra?os pouco amplos com linhas curtas e quebradas, o que refor?a introvers?o. Quanto ? simetria, o desenho eleva-se conforme ? elaborado, podendo ser sugestivo de inseguran?a emocional.

Naruto, ao desenhar, confeccionou primeiro a si mesmo, estando localizado ? esquerda, com maior riqueza de detalhes diferenciando-o dos demais personagens e demandando mais tempo para elabora??o. Durante o teste, apontou a si mesmo como o mais triste dos personagens.

A segunda figura a ser elaborada foi a do irm?o mais velho, o qual foi descrito como o mais feliz de sua fam?lia, justificando que ele brinca mais. Durante a an?lise do desenho, ficou percept?vel grande semelhan?a entre o irm?o mais velho e o pai, que ? apontado por Naruto como o preferido e quem ele gostaria de ser. Relata que os irm?os desenhados n?o se d?o bem, pois s? sabem "brincar de brigar". O fato de os filhos serem desenhados antes dos pais pode estar vinculado ao contexto de relacionamento entre eles, mais precisamente em uma situa??o ed?pica disfar?ada, configurando uma r?plica narcisista sobre si mesmo, que consiste na representa??o dos filhos antes dos pais, como uma recusa a enaltecer preferencialmente as figuras paternas, podendo ser fruto da decep??o na rela??o com os pais ligando-se ? frustra??es na fase ed?pica

Posteriormente, o pai aparece como a terceira figura elaborada, sendo o segundo com maior riqueza de detalhes, trazendo consigo uma bengala, uma maleta, uma gravata, e uma perna enfaixada. Naruto compartilhou que o pai desenhado estava jogado bola, por?m, durante a partida, desentendeu-se com os amigos e levou um tiro na perna, necessitando que a mesma fosse enfaixada. O pai carrega uma express?o facial diferente das demais, menos sorridente e mais s?bria, al?m de ocupar uma posi??o central e de destaque na p?gina.

A ?ltima personagem a ser confeccionada foi a m?e, sendo a mesma colocada no no canto da p?gina e desenhada com menos cuidado e investimento do que os outros. Em contrapartida a figura materna encontra-se mais elevada do que os outros membros da fam?lia, o que pode ser um indicativo de posi??o de poder, superioridade e autoridade em rela??o aos demais. No momento de cobrir o desenho, Naruto come?ou pelo pai, em seguida a m?e, depois o irm?o e, por ?ltimo, ele mesmo.

Durante elabora??o da primeira, segunda e terceira figura, v?rios detalhes foram corrigidos, sendo os personagens apagados por completo pelo menos uma vez durante o teste. Em rela??o aos la?os a pequena dist?ncia entre as personagens sugere que cada um tem seu espa?o na fam?lia e os dois filhos abaixo do casal, sinaliza certa depend?ncia das figuras parentais.

Durante a aplica??o do teste, Naruto mostrou-se sensibilizado v?rias vezes. Foi necess?rio que as pesquisadoras parassem por pequenos per?odos de tempo para que ele pudesse se acalmar e se recompor. Esses epis?dios sempre correspondiam ? momentos em que a figura paterna era evocada ou quando a mesma estava sendo desenhada.

Inicialmente Naruto compartilhou com as pesquisadoras que havia criado uma fam?lia fict?cia ao desenhar. Todavia, ao ser questionado sobre quem seria o melhor e pior, Naruto disse que n?o existia nem melhor e nem pior dentro de sua fam?lia. E em alguns momentos respondia as perguntas com "N?o sei dizer, n?o inventei essa parte da hist?ria ainda", por?m, ao fim do teste, revelou que desenhou a pr?pria fam?lia e ficou bastante sensibilizado.

Conhecendo a hist?ria de Goku Goku tem 10 anos e reside em Recife-Pernambuco, juntamente com sua m?e,

padrasto e uma irm? de quinze anos. Atualmente, cursa o sexto ano do ensino fundamental e sua genitora, Gabriela (37 anos), possui ensino m?dio completo. Goku e sua irm? s?o filhos do primeiro relacionamento de Gabriela. A genitora relata, ainda, ter um filho mais velho de 18 anos e ressalta que a fam?lia faz parte da igreja batista.

Goku ficou internado durante doze dias. Recebeu uma breve alta para o filho realizar uma viagem e, quando realizou o teste do desenho, o mesmo havia acabado de retornar para o hospital. O diagn?stico de LLA de Goku foi dado para a fam?lia no dia

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