Fraco na caldeirada mas óptimo para ciência

Fraco na caldeirada

mas ¨®ptimo para a ci¨ºncia

Descoberta. Cientista portuguesa estudou um peixe do Tejo chamado xarroco

que ele usa uma linguagem sofisticada

para comunicar.

FILOMENA NAVES

Pode funcionar como substituto

do tamboril numa caldeirada, mas

o xarroco, um peixe comum no estu¨¢rio do Tejo, n?o tem grande valor comercial. Os pescadores, que

procuram esp¨¦cies mais suculentas, ¨¤s vezes at¨¦ se aborrecem de o

apanhar. No entanto, para a jovem

investigadora Raquel Vasconcelos,

da Faculdade de Ci¨ºncias da Universidade de Lisboa (FCUL), este

peixe tem um valor muito especial: ¨¦ o centro do seu trabalho.

"Jamais comeriaxarroco",

garante,

"n?o conseguiria comer o meu

modelo de investiga??o." Por sinal,

"um ¨®ptimo modelo para estudos

comportamentais

e fisiol¨®gicos

em peixes", diz a especialista.

E tem raz?o. Foi gra?as ao xarro-

chamamentos andou a

durante

as horas de mar¨¦

gravar

baixa, nazonadoMontijo,

que a

da

FCUL

fez

uma

investigadora

descoberta surpreendente: sem

possuir estruturas morfol¨®gicas

para optimizar a sua audi??o, esta

esp¨¦cie consegue fazer uma discrimina??o fina de sons compleco, cujos

xos, apenas com o ouvido interno.

"Por n?o ter essas estruturas de

amplifica??o do som, o xarroco

n?o era considerado um especialista em discrimina??o auditiva,

mas o nosso trabalho revelou o

contr¨¢rio", conta a bi¨®loga.

De t?o surpreendente, a descoberta, que foi feita no ?mbito do

seu trabalho de doutoramento,

acabou por ser publicada autonomamente na revista cient¨ªfica Prode 8

ceedingsofthe?oyalSociety?,

de Fevereiro, antes mesmo da conclus?o do grau acad¨¦mico.

Mas o doutoramento

tamb¨¦m

n?o tarda. Mais um m¨ºs para a en-

trega da tese, e depois a sua defesa.

At¨¦ porque, a seguir, outros caminhos se abrem a?aquelVasconcelos: uma bolsa de tr¨ºs meses nos

Estados Unidos, para testar uma

hip¨®tese sobre este mesmo peixe

e, a partir de Setembro, a Universidade de Macau (ver perfil).

De volta ao xarroco. a ideia da

investigadora era es-

tudar a comunica??o

ac¨²stica e a capacidade auditiva dos

peixes, utilizando a

esp¨¦cie como modelo. ? que apesar de

n?o possuir estruturas morfol¨®gicas espec¨ªficas para amplifica??o da audi??o,

como acontece com

outros peixes que

t¨ºm para isso um conjunto de oss¨ªculos e de c?maras de ar ligados

ao ouvido interno, o xarroco produz uma s¨¦rie de sons diferentes,

Ou

consoante as circunst?ncias.

seja, al¨¦m de um bom "ouvinte"

tamb¨¦m ¨¦ um bom "cantor"

Este peixe tem um repert¨®rio

de pelo menos cinco tipos de voz

diferentes", explica a investigadora. Uma pergunta ¨®bvia colocavase,

portanto:

capacidade

teria ele tamb¨¦m a

de discriminar

todas

essas diferen?as?

Com o apoio

dos

investigadores Paulo

Fonseca, da FCUL, de

Clara Amorim, do

Instituto Superior de

Psicologia Aplicada

(ISPA), seus orientadores, e com a colabora??o de Friedrich

Ladich, da Universidade de Viena (?us-

e

descobriu

? ex¨ªmio a ouvir e tamb¨¦m a cantar

tria) , Raquel decidiu

responder ¨¤quela quest?o e ¨¤s que

viessem atr¨¢s dessa. Consultou as

tabelas de mar¨¦s, e na baixa mar,

na zona do Montijo, foi ¨¤ procura

dos xarrocos, para gravar os seus

cantos, ou chamamentos.

Maio, Junho, Julho s?o os me-

a

O xarroco tem

cinco tipos de voz

diferentes com

fun??es distintas"

RAQUEL VASCONCELOS

INVESTIGADORA

DA FCUL

lhores meses para o fazer porque

correspondem ¨¤ sua ¨¦poca de reprodu??o, quando os machos

emitem o seu chamamento de

corte. "? um som longo, grave, que

est¨¢ descrito na literatura como

uma sirene de barco", explica a investigadora. "Soa como um buuu

prolongado, que faz uma modula??o para o agudo no final."

Por algum motivo, que os investigadores ainda n?o conseguiram

decifrar, os machos, que durante o

per¨ªodo de reprodu??o se aninham debaixo de pedras, emitem

esses sons como se estivessem a

cantar em coro. "Parece haver uma

estrutura nestes coros, mas ainda

¨¦ preciso fazer mais estudos para

perceber a sua fun??o", esclarece a

bi¨®loga.

O que j¨¢ sabe ¨¦ que, para al¨¦m

desta sirene de barco que ¨¦ emitida para atrair as f¨ºmeas (elas n?o

produzem esse tipo de som), h¨¢

um outro canto pr¨®prio desta es-

p¨¦cie, que soa como um coaxar, e

que ¨¦ emitido tanto por machos

como por f¨ºmeas em situa??o de

stress

(perante um predador, por

exemplo) , ou por machos em confronto. Os outros tr¨ºs tipos de voz

destes peixes s?o combina??es

entre sons mais longos ou mais

curtos e a sua fun??o ainda tem de

ser estudada. Mas uma certeza

pelo menos j¨¢ existe: oxarroco discrimina cada um desses sons com

muita efici¨ºncia.

PERFIL

RAQUEL VASCONCELOS

>

Investigadora no Centro de

Ambiental da Faculdade

BioLogia

de Ci¨ºncias da Universidade

de

Lisboa (FCUL)

> Tem 31 anos

> Fez mestrado

em Biologia e

Gest?o de Recursos Marinhos e

est¨¢ a concluir o doutoramento

sobre comunica??o ac¨²stica e

capacidade auditiva em peixes

? especialista em ecof isiologia de peixes. A sua descoberta sobre a discrimina??o de

sons complexos pelo xarroco,

um peixe do estu¨¢rio do Tejo

que n?o era considerado especialista nessa mat¨¦ria, deu origem a um artigo cient¨ªfico que

foi publicado a 8 de Fevereiro

na Proceedings of the Royal

Society?. Com uma proposta

de estudo para tentar saber se

o xarroco tem um mecanismo

neuronal que lhe permita perceber que est¨¢ a emitir sons,

ganhou uma bolsa de investiga??o Grass Fellow, que lhe

permitir¨¢ passar tr¨ºs meses

ainda este ano nos EUA. Em

>

Setembro parte para Macau,

para a Universidade de S?o

Jos¨¦, onde ter¨¢ tamb¨¦m um laborat¨®rio de electrofisiologia,

para continuar o seu trabalho.

A investigadora

Raquel Vasconcelos

no laborat¨®rio

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download