CONSULTA Nº /2014



CONSULTA Nº 041/2014

INQUÉRITO CIVIL Nº 0012.11.000048-1

INTERESSADA: Promotoria de Assis Chateaubriand

ASSUNTO: Possibilidade da participação da comunidade no custeio da pavimentação asfáltica do Município.

1. Relatório

Trata-se de consulta solicitada (por telefone) pela Promotoria de Assis Chateaubriand acerca da possibilidade da participação da comunidade no custeio da pavimentação asfáltica do Município, sem que esta situação caracterize violação constitucional.

Dos documentos enviados a este CAOP por email, depreende-se que o Município de Assis Chateaubriand editou a Lei nº 2.298/2007, a qual instituiu o PAVICOM – Programa de Pavimentação Comunitária, com o objetivo de realizar a pavimentação das ruas municipais, mediante a iniciativa e a participação direta dos moradores.

A referida lei facultava à comunidade interessada formular solicitação ao Município, a qual deveria conter, dentre os demais requisitos, a participação de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) dos aderentes na obra, para que, posteriormente, o ente municipal realizasse o procedimento licitatório para a contratação da empresa que realizaria a pavimentação asfáltica.

Conforme consta no art. 3º da Lei nº 2.298/2007, a empresa vencedora do certame, ao invés de firmar o contrato com o Município, pactuaria o contrato com os moradores que haviam efetuado a solicitação, sendo que o ente municipal se eximia de qualquer tipo de responsabilidade decorrente do compromisso firmado pelos interessados.

Destaca-se que o art. 7ª da referida Lei determinava que as pessoas beneficiadas com a pavimentação que não aderissem ao Programa de Pavimentação Asfáltica Comunitária e, consequentemente, não realizassem a contratação direta da empresa vencedora do certame licitatório, seriam identificadas para fins da arrecadação da contribuição de melhoria.

Diante deste cenário, a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Paraná se manifestou pela inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.298/2007, vindo, inclusive, a ajuizar a ADI nº 1.011.493-3, tendo em vista, em síntese, que: i) a contribuição de melhoria possui como fato gerador a valorização imobiliária decorrente de obra pública; ii) a obra pública, por si só, não gera a obrigação de pagar a contribuição de melhoria; iii) o valor da contribuição de melhoria não pode ser superior à vantagem individualizada em razão da obra pública, sob pena de afronta ao princípio da capacidade contributiva; iv) ser inadmissível “dissimular contribuição de melhoria ou prevê-la para resistência de adesão ao programa à míngua de valorização imobiliária resultante de obra pública” e; v) por fim, o fato da Lei nº 2.298/2007 apresentar manifesta violação aos artigos 13, § 1º, 16, caput, 17, inc. III, 27, caput e 129, inc. III da Constituição do Estado do Paraná.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná julgou a ADI nº 1.011.493-3 procedente sendo, consequentemente, declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.298/2007, conforme segue:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 2.298/07 COM AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI MUNICIPAL Nº 2.503/09. MUNICÍPIO DE ASSIS CHATEAUBRIAND-PR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. ÓRGÃO ESPECIAL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. PROGRAMA DE PAVIMENTAÇÃO COMUNITÁRIA. INICIATIVA COMUNITÁRIA. ADESÃO MÍNIMA DE 80% DOS MORADORES. EXECUÇÃO DE OBRA PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DIRETA ENTRE A EMPRESA EXECUTORA E OS PROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS LINDEIROS. MATÉRIA DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. IMPOSIÇÃO DE REALIZAÇÃO E CUSTEIO DE OBRA PÚBLICA AO PARTICULAR. RECUSA OU INÉRCIA À ADESÃO AO PROGRAMA. FATO GERADOR DE CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. CRIAÇÃO DE MODALIDADE DE TRIBUTO NÃO PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA.

1. Lei Municipal. Lei municipal que estabeleceu o "programa de pavimentação comunitária", criando uma forma de cooperação entre o Município de Assis Chateaubriand e os proprietários de imóveis, para a execução de obras públicas de pavimentação das vias urbanas, observado que a recusa ou a inércia à adesão ao programa implica na cobrança de "contribuição de melhoria". 2. Tributo. É incontroverso que o encargo a ser suportado pelo proprietário discordante tem natureza de tributo, já que se trata de "prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (art. 3º, CTN). 3. Contribuição de melhoria. Em que pese a terminologia adotada na lei municipal, a hipótese criada na legislação municipal não configura contribuição de melhoria, já que não preenche o requisito constitucional a ela inerente, qual seja, a valorização imobiliária de propriedade do contribuinte decorrente de obra pública. 4. Custeamento de obra pública. A legislação municipal criou sistema híbrido de obtenção de recursos, violando o sistema tributário brasileiro, definido na Constituição Federal e repetido na Constituição Estadual, porque nele não há modalidade de tributo que corresponda ao valor de obra pública. As obras públicas devem ser custeadas com o produto das receitas gerais do Estado, "representadas, basicamente, pelos impostos". 5. Inconstitucionalidade. Não obstante a possibilidade de cooperação entre os munícipes e o ente público para a realização e custeio de obra pública, não é admissível a imposição deste custeio com a criação de nova modalidade tributária, sem previsão constitucional, restando, assim, evidenciada a inconstitucionalidade da lei municipal questionada, por incompatibilidade vertical com os arts. 17, inc. III, 27 e 129, inc. III, da Constituição do Estado do Paraná. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (TJPR. AI 1011493-3. Rel. Des. Jurandyr Souza Junior. J. 02.09.2013. P. 18.09.2013).

Diante da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.298/07, este CAOP de Proteção ao Patrimônio Público foi consultado pela Promotoria de Assis Chateaubriand a fim de que se manifeste sobre a existência de alguma forma legal de incluir a participação da comunidade na realização das pavimentações asfálticas do Município, sem incorrer em inconstitucionalidade.

É, em síntese, o que consta. Passa-se à manifestação.

2. Das considerações do CAOP/Patrimônio Público

O tributo é definido no art. 3º do Código Tributário Nacional[1] como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Desta forma, o tributo decorre de exigência estatal compulsória, consubstanciada em obrigação de pagar dinheiro ao Estado, obrigação esta que se apresenta como um dever, não sendo voluntária e nem facultativa[2].

Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos[3] afirma que a doutrina define o tributo como o montante pecuniário que o Estado, ou o ente público autorizado por este, exige dos indivíduos submetidos à soberania territorial, sendo a coerção o elemento reconhecido pela doutrina universal como primordial para a caracterização do tributo.

Em relação à compulsoriedade e à decorrente ausência de autonomia de vontade por parte do contribuinte no que condiz a instituição do tributo, destacam-se as palavras de Eduardo Sabbag[4]:

O tributo é prestação compulsória, logo, não contratual, não voluntária ou não facultativa. Com efeito, o Direito Tributário pertence à seara do Direito Público, e a supremacia do interesse público dá guarida à imposição unilateral de obrigações, independentemente da anuência do obrigado. A prestação pecuniária é dotada de compulsoriedade, não dando azo à autonomia de vontade. Traduz-se o tributo em receita derivada, uma vez cobrada pelo Estado, no uso de seu poder de império, tendente a carrear recursos do patrimônio do particular para o Estado. (grifo nosso).

Paulo de Barros Carvalho[5] assevera que a prestação pecuniária compulsória corresponde a um comportamento obrigatório de realizar determinada prestação em dinheiro, devendo ser afastada, de plano, qualquer cogitação que diga respeito às prestações voluntárias.

Ademais, para que reste caracterizado o tributo, esta prestação pecuniária compulsória deve ser instituída por lei[6], não podendo resultar de sanção por ato ilícito e deve ser cobrada mediante lançamento (procedimento de exigibilidade do tributo).

Da análise da obrigação contraída pelos indivíduos que não aderiram ao Programa de Pavimentação Asfáltica[7], verifica-se que a mesma se caracteriza como tributo, uma vez que apresenta todas as características acima descritas.

É uma prestação pecuniária compulsória, pois quem não adere ao Programa é obrigado a efetuar o pagamento da chamada contribuição de melhoria, não havendo voluntariedade alguma. Ademais, esta contribuição foi instituída por lei, não constitui sanção de ato ilícito e a sua cobrança opera-se mediante lançamento, preenchendo todos os requisitos para a caracterização do tributo.

No entanto, a descrição legal da prestação pecuniária compulsória prevista na Lei Municipal nº 2.298/07 como sendo contribuição de melhoria não é condizente com as características desta modalidade de tributo[8].

O art. 81 do Código Tributário Nacional estabelece que a contribuição de melhoria é “instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorram valorização imobiliária”, sendo que o valor total arrecadado mediante o pagamento das contribuições de melhoria não pode ultrapassar o valor das despesas realizadas, e o valor lançado à cada contribuinte não pode ultrapassar o acréscimo do valor resultante da obra para cada imóvel beneficiado[9].

Da redação do dispositivo acima mencionado, depreende-se que o fato gerador da contribuição de melhoria não é a realização de obra pública, por si só, mas sim, a existência de valorização imobiliária decorrente desta obra pública[10].

Nesse sentido, destaca-se a seguinte decisão[11]:

Apelação. Ação anulatória de lançamento tributário cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. Lei municipal que instituiu contribuição de melhoria sob a forma de Plano Comunitário de Melhoria "PCM" para a execução de pavimentação asfáltica  e outras obras. Munícipes obrigados a optar para quem fariam o pagamento da contribuição de melhoria: se à empresa que realizou a obra ou à Municipalidade. Relação de natureza jurídico-tributária, independentemente do munícipe ter anuído ou não ao "PCM". O fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária, que deve ser demonstrada mediante procedimento administrativo. Exigência do tributo somente com prévia demonstração da valorização do imóvel, mediante rateio do custo da obra, como limite do lançamento. Inobservância dos arts. 81 e 82, § 1º do CTN. Lançamento tributário ilegítimo ante a falta de prova de valorização do bem imóvel. Precedentes do C. STJ. Pedido de condenação em verbas sucumbenciais formulado em contrarrazões. Via processual inadequada. Recurso desprovido. (TJSP. AP 0003048-29.2011.8.26.0180. Rel. Des. Roberto Martins de Souza. J. 27.03.2014. P. 31.03.2014)

Neste diapasão, o art. 1º do Decreto nº 195/1967, o qual dispõe sobre a cobrança da contribuição de melhoria, estabelece que esta modalidade de tributo possui como fato gerador “o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas”.

Em desacordo com esta previsão legal, a Lei Municipal nº 2.298/07 obrigava os cidadãos que não aderiram ao Programa de Pavimentação Asfáltica a realizarem o pagamento de contribuição de melhoria, estando ausente a base de cálculo fundada na valorização imobiliária.

Pode-se mencionar que o fator gerador para o lançamento deste tributo, denominado erroneamente de contribuição de melhoria, é o fato do indivíduo não aderir ao Programa de Pavimentação Asfáltica e ter o seu imóvel beneficiado pela obra pública.

Assim sendo, o tributo que estava sendo cobrado não se tratava de contribuição de melhoria e de nenhum outro tributo instituído por lei. Frise-se que a jurisprudência é pacífica em considerar como fato gerador da contribuição de melhoria a valorização da obra pública, afastando a incidência deste tributo nos casos em que somente houve a realização de obra pública, não havendo a incidência de valorização do imóvel.

Nesse sentido, destaca-se o posicionamento do E. Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. FATO GERADOR: QUANTUM DA VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA. PRECEDENTES. 1. Esta Corte consolidou o entendimento no sentido de que a contribuição de melhoria incide sobre o quantum da valorização imobiliária. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (STF, AI 694836 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, julgado em 24.11.2009, publicado em 18.12.2009) (grifo nosso).

Ademais, ressalta-se que a comprovação da existência de valorização imobiliária compete ao ente tributante. Nesse sentido, destaca-se a seguinte decisão do E. Superior Tribunal de Justiça[12]:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. BASE DE CÁLCULO. VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA. ÔNUS DA PROVA DO ENTE TRIBUTANTE. PRECEDENTES: AGRG NO AG 1.159.433/RS, REL. MIN. BENEDITO GONÇALVES, DJE 05.11.2010 E AGRG NO AG 1.190.553/RS, REL. MIN. ELIANA CALMON, DJE 26.04.2011. AGRAVO REGIMENTAL DO MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES DESPROVIDO.

1. Essa Corte Superior tem entendido que a base de cálculo da contribuição de melhoria é a efetiva valorização imobiliária dela decorrente, inadmitida sua cobrança com base exclusivamente no custo da obra. Cabe ainda, ao ente tributante, o ônus da prova da referida valorização. 2. Agravo Regimental do MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES desprovido. (STJ. AgRg no REsp 1304925/RS. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. J. 17.04.2012. P. 20.04.2012) (grifo nosso).

Assim sendo, a contribuição de melhoria somente pode ser cobrada depois que a obra esteja pronta e desde que reste verificada a existência de valorização imobiliária que ela tenha provocado[13].

Além disso, deve ser atribuído tratamento isonômico entre os contribuintes, sendo que as isenções devem ser, necessariamente, decorrentes de lei, a qual deve especificar as condições e os requisitos exigidos para a sua concessão, conforme estabelece o art. 176 do Código Tributário Nacional[14].

Ainda em relação à Lei Municipal nº 2.298/07, salienta-se que após o trâmite do procedimento licitatório, realizado pelo Município, para a pavimentação asfáltica, quem iria contratar com a empresa vencedora do certame seriam os cidadãos que aderiram ao Programa instituído pela referida lei e não o Município.

Ou seja, o ente público realizaria o procedimento licitatório para, após a sua conclusão, ser celebrada uma contratação privada entre a empresa que adjudicou o objeto licitado e os moradores que aderiam ao Programa de Pavimentação Asfáltica.

Importante ressaltar que esta contratação viola a sistematicidade de nosso ordenamento jurídico. Conforme estabelece o parágrafo único do art. 2º da Lei 8.666/93, “para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”.

Da redação do dispositivo acima transcrito e das demais normas estabelecidas na Lei 8.666/93, infere-se que a Administração Pública deve, em regra, realizar a aquisição de produtos e a prestação de serviços mediante procedimento licitatório, do qual resultará a contratação da empresa vencedora do certame, sendo que neste contrato, necessariamente, algum órgão ou entidade da Administração Pública deve estar presente como contratante.

Desta forma, não é possível somente a população interessada e a empresa vencedora do procedimento licitatório firmarem o contrato para a realização do objeto licitado.

A fim de que os cidadãos interessados possam contribuir com a realização de obras públicas, sem que esta participação caracterize a cobrança de tributo e nem viole as demais normas, pesquisou-se diversos estudos para encontrar a melhor solução para o embate.

Por óbvio, a realização de obras públicas é de responsabilidade dos entes públicos. No entanto, nada impede que quem tenha o interesse de contribuir com o bem público, além do pagamento de tributos, assim o faça, desde que em conformidade com as disposições legais.

Afinal de contas, esta colaboração dos entes privados com os entes públicos, ao que parece, não gera nenhum efeito negativo. Muito pelo contrário, possui como finalidade auxiliar na realização de uma obra pública que trará frutos a toda a coletividade.

Uma solução encontrada para que seja possível esta colaboração, seria a realização de convênio[15] entre os indivíduos interessados na realização de determinada obra com o ente público, o qual pode prever a participação de tais cidadãos para o auxílio no financiamento de determinada obra pública[16].

Ao tratar sobre os convênios, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[17] assevera que:

Quanto ao convênio entre entidades públicas e entidades particulares, ele não é possível como forma de delegação de serviços públicos, mas como modalidade de fomento. Caracteriza-se este por ser uma forma de incentivar a iniciativa privada de interesse público. Difere do serviço público, porque, neste, o Estado assume como sua uma atividade de atendimento a necessidades coletivas, para exercê-la sob regras total ou parcialmente públicas; no fomento, o Estado deixa a atividade na iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la, por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade. O incentivo é dado através de auxílios financeiros ou subvenções por conta do orçamento público, financiamentos, favores fiscais, desapropriações de interesse social em favor de entidades privadas sem fins lucrativos, que realizem atividades úteis à coletividade, como os clubes desportivos, as instituições beneficentes, as escolas particulares, os hospitais particulares, etc.

Acerca deste assunto, destacam-se as palavras de Marçal Justen Filho[18]:

O convênio público consiste numa avença em que dois ou mais sujeitos, sendo ao menos um deles integrante da Administração Pública, comprometem-se a atuar de modo conjugado para a satisfação de necessidades de interesse coletivo, sem intento de cunho lucrativo.

A participação no convênio deve ser plenamente voluntária, ficando os colaboradores cientes desta voluntariedade e de que as contribuições realizadas mediante este acordo não geram a isenção do pagamento dos tributos que eventualmente decorram da valorização imobiliária advinda da obra pública.

Esta participação popular para a realização de obra pública, por intermédio de convênio, não caracteriza o tributo, diante da ausência de incidência das características estabelecidas no art. 3º do Código Tributário Nacional.

Isto porque inexiste a compulsoriedade, uma vez que a celebração do convênio é totalmente voluntária, ou seja, há plena facultatividade do sujeito privado em pactuar ou não o convênio, sendo que, independentemente desta decisão, ele terá que efetuar o pagamento de contribuição de melhoria, caso incorra na hipótese de incidência deste tributo, qual seja, a valorização imobiliária.

Ademais, ausente está a característica de cobrança mediante lançamento, o que descaracteriza, de plano, a pactuação do convênio como sendo uma forma de instituir tributo.

Sob pena de afronta ao princípio da legalidade, o ente público deve criar lei que estabeleça esta possibilidade de convênio com os sujeitos privados, a qual deve prever os requisitos para que este acordo possa ser pactuado, o plano de aplicação dos recursos financeiros, a necessidade de especificação do objeto, assim como as demais informações pertinentes à celebração de tais convênios.

Frise-se que para se evitar desentendimentos futuros, o instrumento do convênio deve, necessariamente, estabelecer que a participação pecuniária não exime os indivíduos do pagamento de eventual contribuição de melhoria, caso haja a valorização imobiliária, assim como de qualquer outro tributo que possa vir a ser cobrado em decorrência (seja direta ou indiretamente) da realização desta obra pública.

Isto porque a colaboração econômica voluntária para a execução de determinada obra não possui o condão, por si só, de eximir os indivíduos do pagamento de contribuição de melhoria, uma vez que esta possui como fato gerador a valorização do imóvel e não a mera realização de obra pública.

Ademais, as isenções tributárias necessariamente são decorrentes de lei, sendo que a isenção “genérica” não se estende às taxas e às contribuições de melhoria, consoante os artigos 176 e 177 do Código Tributário Nacional.

Importante ressaltar que o Município possui a obrigação de realizar a arrecadação tributária, não havendo discricionariedade alguma na prática desta atividade, uma vez que o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”[19].

Por fim, salienta-se que constitui ato de improbidade administrativa que gera lesão ao erário a concessão de benefício administrativo ou fiscal, sem que haja regulamentação aplicável à espécie ou a inobservância das formalidades legais, assim como a negligência na arrecadação de tributo, conforme o previsto nos incisos IX e X do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, assim como atenta contra os princípios da administração pública a prática de ato visando fim proibido em lei e a ausência de prática de ato de ofício, ou a sua prática retardatária injustificada, conforme estabelecem os incisos I e II do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

3. Conclusão

Diante do exposto, uma possível solução encontrada por este CAOP de Proteção ao Patrimônio Público para que os sujeitos interessados contribuam financeiramente para a consecução de obras públicas, sem que a forma de colaboração seja passível de inconstitucionalidade, seria por meio da celebração de convênio entre os sujeitos interessados no repasse de verbas ao Município para auxiliar na execução de determinada obra, devendo haver a contrapartida do Município, tendo em vista que é o ente público o responsável pela realização das obras públicas.

Após, o Município deflagraria o regular procedimento licitatório para a realização da obra objeto do convênio firmado e, consequentemente, o contrato com a empresa vencedora do certame.

Frise-se que quem firma o contrato é somente o Município e a empresa que adjudicou o objeto licitado. Os indivíduos participam apenas com o repasse das verbas, o que é feito mediante a celebração de convênio entre estes e o ente público.

Ademais, ressalta-se que para que esta sistemática possa ser executada deve haver prévia lei que regulamente a possibilidade de tais convênios, sendo que no instrumento do convênio, necessariamente, deve constar que a destinação de verba ao ente público é plenamente voluntária e que não exime os colaboradores de realizarem pagamentos de tributos que eventualmente venham a ser cobrados em decorrência da realização das obras.

Ou seja, deve ficar claro que o sujeito que deseja realizar este repasse de verbas ao Município será tratado em condição de igualdade com os demais contribuintes em se tratando das arrecadações tributárias, uma vez que esta destinação de valores em nada influencia as hipóteses de incidência tributária.

Por fim, salienta-se que esta possibilidade de auxílio privado não exime, de forma alguma, os entes públicos da sua responsabilidade e competência para a realização das obras públicas.

Pondera-se que a contribuição privada não pode ser banalizada, devendo ser utilizada apenas em hipóteses excepcionais, nas quais reste comprovado que a Administração Pública não possui condições financeiras de realizar a obra ou que o Município possui outras prioridades.

Na expectativa de que as considerações tecidas tenham contribuído para o esclarecimento das questões suscitadas, este Centro de Apoio reitera estar à disposição para quaisquer esclarecimentos e/ou debates que se fizerem necessários.

Curitiba, 13 de junho de 2014.

Cláudio Smirne Diniz

Promotor de Justiça

Renata Carvalho Kobus

Assessora Jurídica

-----------------------

[1] Ressalta-se que o Código Tributário Nacional estabelece as normas gerais de direito tributário, as quais são aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, conforme estabelece o seu art. 1º.

[2] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 376.

[3] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 424.

[4] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 377.

[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25.

[6] Luciano Amaro destaca que “O nascimento da obrigação de prestar (o tributo) é compulsório (ou forçado), no sentido de que esse dever se cria por força de lei (obrigação ex lege), e não da vontade dos sujeitos da relação jurídica (obrigação ex voluntate)” (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 22).

[7] Acerca da realização dos programas de pavimentação asfáltica pelos entes públicos, Eduardo Sabbag assevera que: “A propósito, insta registrar que muitas municipalidades têm adotado outra forma de arrecadar valores da coletividade para o custeio das obras de pavimentação. Não se trata de taxa, nem mesmo de contribuição de melhoria. Trata-se de “planos comunitários de pavimentação”, intitulados “PCPs”, de iniciativa da Administração ou dos proprietários dos imóveis lindeiros, com previsão de um percentual de adesão mínima (v.g., 70%) dos proprietários. Nesse passo, prestigiando-se o viés participativo do gravame, chama-se a coletividade a participar dos custos da obra pública. Geralmente, aqueles proprietários que não aderem ao plano passam a ser compulsoriamente cobrados por meio de contribuição de melhoria. A nosso ver, a iniciativa tem muitos pontos positivos, principalmente no que tange ao caráter democrático e transparente da exação que, nessa sistemática, sai da retórica para a prática. Todavia, a constitucionalidade da medida deve der aferida no caso concreto, diante da lei ordinária municipal veiculada do “PCP” e das normas afetas ao tributo, previstas no CTN e na CF” (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 455).

[8] O STF já se posicionou, inclusive em relação ao Decreto nº 195/1967 do Município de Assis Chateaubriand, pela impossibilidade de cobrança de taxa de pavimentação: “1- TRIBUTÁRIO. TAXA DE PAVIMENTAÇÃO LANÇADO POR MUNICÍPIO EM RAZÃO DO ASFALTAMENTO DE VIA PÚBLICA NO PERÍMETRO URBANO. 2- TRATANDO-SE DE OBRA PÚBLICA A QUE, SEGUNDO O DECRETO-LEI N. 195, DE 24-11-1967, PODE CORRESPONDER CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA, NÃO TEM O PODER PÚBLICO A OPÇÃO DE INSTITUIR, ALTERNATIVAMENTE, TAXA REMUNERATORIA. 3- ILEGITIMIDADE DA TAXA DE PAVIMENTAÇÃO DE VIA PÚBLICA URBANA DO MUNICÍPIO DE ASSIS CHATEAUBRIAND. 4- RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (STF. RE 95.348. Rel. Min. Alfredo Buzaid. J. 01.10.1982. P. 22.10.1982).

[9] Frise-se que a lei venha a dispor sobre as contribuições de melhoria deve também estar em conformidade com o disposto no art. 82 do CTN e com o Decreto nº 195/1967.

[10] “A base de cálculo da contribuição de melhoria é o quantum de valorização experimentada pelo imóvel, ou seja, o benefício real que a obra pública adicionou ao bem imóvel da zona valorizada” (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 460).

[11] Acerca da inconstitucionalidade da lei que prevê a cobrança de contribuição de melhoria dos munícipes que não aderiram ao Programa de Pavimentação, destaca-se a seguinte decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Contribuição de melhoria - Alegação de que a Lei Municipal n° 2.573/95 de Dracena infringe a Constituição do Estado de São Paulo ao cobrar pelo melhoramento decorrente de obra pública (asfalto) o tributo também dos 30% de munícipes que não foram favoráveis à sua realização - Inadmissibilidade - Por se tratar de tributo previsto tanto na Constituição Federal como no Código Tributário Nacional, independentemente da existência ou não de pedido de asfaltamento feito pelos contribuintes, pode a Municipalidade lançar a contribuição de melhoria e cobrá-la de todos aqueles que foram beneficiados pela obra pública - Inexistência de inconstitucionalidade - Ação julgada improcedente”. (TJSP. ADIN 0008001-67.2006.8.26.0000. Rel. Des. Aloísio de Toledo César. J. 24.01.2007. P. 23.04.2007)

[12] Neste mesmo diapasão, destacam-se as seguintes decisões: i) STJ, REsp 1326502/RS, Rel. Ministro Ari Pargendler, julgado em 18.04.2013, publicado em 25.04.2013, ii) STJ, AgRg no AREsp 417.697/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 10.12.2013, publicado em 18.12.2013; iii) STJ, REsp 147.094/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 15.02.2011, publicado em 21.03.2011; iv) STJ, REsp 1075101/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 03.03.2009, publicado em 02.04.2009; v) STJ, REsp 1137794/RS, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 06.10.2009, publicado em 15.10.2009; vi) STJ, REsp 671.560/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, julgado em 15.05.2007, publicado em 11.06.2007; vii) STJ, AgRg no REsp 1079924/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, julgado em 04.11.2008, publicado em 12.11.2008; viii) STJ, AgRg no REsp 613.244/RS, Rel.Ministro Humberto Martins, julgado em 20.05.2008, publicado em 02.06.2008; ix) STJ, REsp 629.471/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 13.02.2007, publicado em 05.03.2007; x) STJ, REsp 647.134/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 10.10.2006, publicado 01.02.2007; xi) STJ, REsp 280.248/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado em 07.05.2002, publicado em 28.10.2002.

[13] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 533.

[14] Ressalta-se que o art. 177, inc. I, do Código Tributário Nacional estabelece que: “Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva: I- às taxas e às contribuições de melhoria”.

[15] Diógenes Gasparini assevera que “o convênio pode ter por objeto qualquer coisa (obra, serviço, uso de bem certo), desde que encarne, relacionado com cada partícipe, um interesse público” (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 877).

[16] Nas palavras de Fernanda Marinela: “O convênio representa um acordo privado firmado por entidades políticas, de qualquer espécie, ou entre essas entidades e os particulares para realização de objetivos de caráter comum, buscando sempre interesses recíprocos, convergentes” (MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 487).

[17] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 192.

[18] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 428.

[19] Nesse mesmo sentido, o art. 17, inc. III, da Constituição do Estado do Paraná dispõe que compete aos Municípios a arrecadação dos tributos de sua competência, conforme segue: “Art. 17. Compete aos Municípios: III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos [pic]ûxados em lei .

Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção ao Patrimônio Público

Rua Paraguassu, 478, Alto da Glória, Curitiba- obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei”.

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download