Microsoft Internet Information Services 8



FINANCIAMENTO E ATENDIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DE 0 A 3 ANOS NO BRASIL: DO FUNDEF AO FUNDEB.

Eliane Fernandes[1]

Unicamp/elianefae@

Adriana Missae Momma[2]

Unicamp/adrianamomma@.

Resumo

Este texto objetiva descrever e analisar como vem ocorrendo o financiamento da educação infantil voltado para crianças de 0 a 3 anos de idade no Brasil. Para tanto, contextualiza historicamente o atendimento da educação infantil no país, bem como analisa o comportamento das matrículas no contexto do Fundef (1998 a 2006) e do Fundeb de 2007 a 2016. Segundo dados das Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 1997 a 2015, assim como dos dados referentes a 2016, coletados no site do Instituto Nacional de Educação e Pesquisa Anísio Teixeira (INEP), e das Projeções da População do Brasil por Sexo e Idade, pode-se apontar que, ao final da vigência do Fundef, o déficit de atendimento público em creche foi de 93,12%. Já no contexto do Fundeb, até o ano de 2016, o déficit de atendimento público em creche foi de 82%, Isso indica que avançamos, mas ainda estamos longe de garantir o pleno atendimento em creche, constatando-se que, na vigência do Fundef, a exclusão foi a regra, e no decorrer do Fundeb, ela ainda permanece, dado que o aumento no atendimento público, incluindo expansão via conveniamento, se mostra insuficiente para atender a demanda e oportunizar o acesso à vaga. Caso a União, como um importante ente federado, não venha a ter uma postura mais ativa no financiamento da educação infantil, em colaboração com os municípios, vislumbra-se como cenário a manutenção e aprofundamento da exclusão da maioria das crianças de 0 a 3 anos do direito à educação, em especial, àquelas advindas de famílias pobres.

Palavras-chave: Financiamento da educação infantil, Fundef, Fundeb.

1. Introdução

Embora, a Constituição Federal de 1988 tenha contemplado a creche como direito da criança, opção da família e dever do Estado, é apenas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), que a educação infantil de 0 a 3 anos, é incorporada à educação, sendo contemplada pela primeira vez no Censo Escolar em 1997.

A LDB elenca a educação infantil como a primeira etapa da educação básica e estabelece prazo até 1999, para que as creches e pré-escolas que estavam sobre responsabilidade de outros órgãos fossem integradas à educação.

Com o Fundef, o financiamento da educação esteve destinado ao ensino fundamental, sendo a continuidade do atendimento da educação infantil, operacionalizada via convênios com municípios e governos estaduais por meio Fundo Nacional de Assistência Social.

Com o Fundeb, finalmente, a creche, é incluída na política de financiamento da educação. Todavia, a inclusão no financiamento não garantiu a suficiência de recursos, universalização e/ou ampliação significativa do atendimento, com qualidade, para a primeira etapa da educação infantil, vide indicação de 50% de atendimento em creche no Plano Nacional de Educação- (Lei 13.005/2014) em vigência até 2024, já apontado no PNE anterior.

2. Metodologia

O presente trabalho foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de demonstrar como vem ocorrendo o financiamento da educação infantil de 0 a 3 anos e refletir sobre o comportamento das matrículas, no período de 2001 a 2016. A análise do comportamento das matrículas no contexto do Fundef e Fundeb foi realizada mediante consulta das Sinopses Estatísticas da Educação Básica dos Censos Escolares de 1997 a 2015, assim como dos dados referentes a 2016, coletados no site do Instituto Nacional de Educação e Pesquisa Anísio Teixeira (INEP), e das Projeções da População do Brasil por Sexo e Idade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), bem como por meio do aporte teórico de autores que se debruçaram sobre o tema, tais como kuhlmann Jr. (1991 e 2000), Barreto (2003), Nascimento (2012) e Pinto (2002; 2007 e 2012).

3. O legado deixado pelo assistencialismo

No Brasil, durante muitos anos a educação infantil de 0 a 3 anos, foi concebida não como direito das crianças e mães, mas sim, como ajuda prestada às famílias que não tinham aonde deixar seus filhos enquanto trabalhavam. Dentro desta concepção, o atendimento em creches, prestava-se a guardar os filhos dos trabalhadores, durante o expediente de trabalho, cuidando de sua higiene, saúde e alimentação.

É partir do final do século XIX, que a criança pequena começa a ser atendida fora do espaço doméstico, devido a várias mudanças ocorridas na ordem social e econômica do país, que provocaram modificações nas relações de trabalho, como a Proclamação da República, a imigração, o processo de urbanização e industrialização do país.  

A imigração e a nascente industrialização do país favoreceram a urbanização. Contudo, as condições de moradia, de saúde e higiene dos novos centros urbanos eram precárias. Segundo Oliveira (2002), exigia-se paliativos aos efeitos nocivos da urbanização desordenada e não planejada, que não oferecia infraestrutura mínima como saneamento básico, ocasionando o perigo de constantes epidemias. De modo que “a creche seria um desses paliativos, na visão de sanitaristas preocupados com as condições de vida da população operária, ou seja, com a preservação e reprodução da mão de obra, que geralmente, habitava ambientes insalubres” (OLIVEIRA, 2002, p.99).

No início do período republicano foram criadas entidades de amparo à criança, cujo objetivo era combater o alto índice de mortalidade infantil e assegurar os cuidados básicos das crianças pobres. Segundo kuhlmann Jr. (1991), em 1899, o médico Arthur Moncorvo Filho, funda o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI-RJ). Em 1908, o IPAI-RJ, cria sua primeira creche popular destinada às crianças de até 2 anos de idade, em sua grande maioria filhos de empregadas domésticas e não de operárias.

No início do século XX, muitos eram os problemas ocasionados pela expansão desordenada dos centros urbanos, a miséria, o desemprego, o abandono infantil, o alcoolismo, e difusão de doenças como sífilis e tuberculose, faziam parte do cotidiano das pessoas, greve e revoltas eclodiam em todas as partes, impondo pressão sobre o governo da época por melhores condições de vida e trabalho. O movimento higienista, que tinha no médico Moncorvo um de seus principais representantes, atuou fortemente neste contexto procurando imprimir controle e vigilância sobre as condições de abandono e criminalidade a que os meninos das “classes perigosas” estavam sujeitados. Respaldando-se no caráter científico, técnico e moderno de seus conhecimentos, o movimento higienista, implantou a chamada “assistência científica”.

Além dos médicos, ao longo do século XX, sociólogos, políticos, juristas, pedagogos, assistentes sociais também se envolveram no trabalho de prestar o que chamavam de “assistência científica” à população, pretendendo não só combater as “mazelas” sociais emergentes, mas conter a população contra possíveis revoltas. Assim, a tendência jurídico-policial, que defendia a infância moralmente abandonada e a religiosa também acompanharam a médico-higienista na implantação de creches pelo Brasil.

Vale frisar que esses grupos promoveram a constituição de associações assistenciais privadas, de cunho filantrópico, que angariavam fundos, tanto por meio da promoção de festas, como por arrecadação de donativos e subsídio do governo às entidades. Como esclarece kuhlmann Jr. (1991):

Os eixos da concepção de “assistência científica” eram: a desobrigação do Estado paralelamente ao fortalecimento das entidades privadas, defendendo um atendimento fracionado em múltiplas instituições, atribuindo ao Estado um papel de supervisão e subsídio às entidades; a proposição de um “método” para arbitrar quais seriam os contemplados com os atendimentos, calcado no rígido controle dos demandatários, instaurando um processo de competição entre eles, mediante inquéritos minuciosos sobre suas vidas particulares; e a caracterização preconceituosa da população pobre, atribuindo um papel educativo à assistência, a fim de evitar a luta de classes (KUHLMANN JR., 1991, p.24).

A concepção da “assistência científica”, previa que o atendimento das crianças pobres não deveria ser feito com grandes investimentos, promovendo uma “pedagogia da submissão”, que preparava os pobres para aceitar sua condição de exploração social. Assim, o Estado, não deveria gerir diretamente as instituições, mas apenas repassar recursos para essas entidades (KUHLMANN JR., 2000).

Na década de 30, é criado o Ministério da Educação e Saúde, ao qual vinculava-se o Departamento Nacional da Criança (DNCr), encarregado de estabelecer normas para o funcionamento das creches, promovendo a publicação de livros e artigos.

A Legião Brasileira de Assistência (LBA) surge, em 1942, como a primeira instituição de assistência social no Brasil, sendo também responsável pelo atendimento à maternidade e infância, criando creches, hospitais infantis, maternidades, entre outras instituições.

Na década de 60, com a instalação da ditatura militar, há a continuidade do caráter assistencialista na educação infantil, acentuando-se a preocupação com a quantidade, em detrimento a qualidade. O crescimento da classe operária, o maior número de mulheres no mercado de trabalho faz crescer a pressão da população por atendimento, resultando no aumento do número de creches.

Em 1977, o Projeto Casulo é implantado pela LBA, visando expandir a educação infantil, a baixo custo, sem a devida preocupação com a qualidade, fazendo uso de recursos comunitários, trabalhos voluntários, bem como das parcerias público-privada. Neste período, ganha fôlego a ideia de “privação cultural”, que vincula o fracasso escolar a “pobreza”, sendo, então, concebida como função da educação infantil, compensar as “carências culturais”.

No contexto dos anos 80, a educação infantil começa a ser defendida como direito, cresce o movimento de luta por creche, coroado, pela Constituição Federal de 1988, que pela primeira vez, estabelece a educação infantil de 0 a 3 anos, como direito das crianças e dever do Estado.

3.1 Fundef: ausência de financiamento para educação infantil

Em 1996, a Emenda Constitucional nº 14/1996 institui o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), introduzindo mudanças significativas na forma de organizar o financiamento da educação em âmbito nacional.

A definição das responsabilidades de cada um dos entes federados no que dizer respeito ao direito à educação, delimitando a cada ente federado uma atribuição específica na prestação dos serviços educacionais, fez com que algumas etapas da educação ficassem sobre a garantia de financiamento de apenas um ente federado, como é o caso da educação infantil. Caberia, então, aos municípios, assumir prioritariamente a educação infantil e o ensino fundamental, enquanto, aos estados foi atribuída, prioritariamente, a responsabilidade pela oferta do ensino fundamental e do ensino médio. A União, por sua vez, ficou responsável por organizar os sistemas de ensino, bem como por financiar as instituições de ensino públicas federais e exercer, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (EC/14, §1º, 2º e 3º, Artigo 3).

A subvinculação de 60%, ou seja, 15% dos 25% previstos no artigo 212 da Constituição Federal, como recursos vinculados a manutenção e desenvolvimento do ensino, por meio dos seguintes impostos e transferências constitucionais: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-exp.) e o imposto referente a Lei Complementar nº 87/96, que trata da compensação feita pela União a estados e municípios pela desoneração do ICMS sobre exportações.

A Emenda Constitucional nº 14/1996, ordenou a concretização da distribuição de responsabilidades e recursos entre os estados e os municípios mediante a criação, no âmbito de cada estado e do Distrito Federal, de um fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério, de natureza contábil. Assim, foram criados 27 fundos para promover a operacionalização do Fundef. Cabendo a cada fundo fazer os devidos repasses, baseados no número de matrículas e no saldo contábil de cada fundo. A União só complementaria os recursos dos fundos, caso não viessem a atingir o valor mínimo anual por aluno definido nacionalmente.

A política de financiamento da educação operacionalizada pelo Fundef, foi um grande indutor da descentralização educacional no país, fato que prosseguiu com o Fundeb. Segundo Pinto (2012), em 2010, 55% das matrículas do ensino fundamental, já estavam a cargo dos municípios, sendo as regiões mais pobres, aquelas que apresentam as redes de ensino mais municipalizadas. Ocorre, de acordo com o autor (2012, p. 161) que "boa parte dos municípios brasileiros possui uma capacidade mínima de arrecadação". Sabendo das extremas desigualdades dos níveis de arrecadação de recursos entre os municípios como os mesmos poderiam se responsabilizar por um custo aluno similar? Em resposta a esta pergunta a legislação que criou o Fundef, procurou estabelecer à União a função "redistributiva e supletiva", a fim de garantir a equidade entre os municípios e estados, bem como padrão mínimo de qualidade de ensino. Todavia, a União, não respeitou as determinações de repasse de recursos estabelecidas, acumulando de 1998 a 2005, nos termos de Pinto e Adrião (2006) um "calote" de mais de 30 bilhões de reais.

Vale lembrar que o Fundef, restringiu o financiamento ao ensino fundamental, deixando desprotegidos a educação infantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos. Para Pinto (2002) o Fundef provocou um desestímulo de investimentos, por parte dos poderes públicos na educação infantil, na educação de jovens e adultos e no ensino médio, o que para a educação infantil significou um grande prejuízo.

3.2 Fundeb: a vinculação da educação infantil no financiamento da educação

Em 2007, após intenso debate e luta dos movimentos em prol da educação infantil, o Fundef foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), permitindo a ampliação do financiamento para todas as etapas da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio).

O Fundeb conservou várias características do Fundef, especialmente, o formato de 27 fundos contábeis, critérios de distribuição, baseados no número de matrículas e no saldo contábil de cada fundo, bem como a responsabilização dos entes federados por etapas/níveis específicas (os) da educação, além de conservar também estados e municípios como os grandes mantenedores dos fundos, participando a União, desta vez, da complementação dos fundos com o valor fixo de 10% sobre o total das contribuições de estados e municípios.

As principais diferenças do Fundeb em relação ao Fundef é a abrangência de atendimento, que passa a abarcar toda a educação básica, bem como a elevação do percentual da subvinculação das receitas dos impostos e das transferências constitucionais dos estados, Distrito Federal e municípios, que passa para 20% e a ampliação da cesta de impostos e transferências constitucionais de cinco para oito, sendo eles:

- Fundo de Participação dos Estados – FPE;

- Fundo de Participação dos Municípios – FPM;

- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS;

- Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPI-exp.;

- Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA;

- Imposto Territorial Rural (Cota parte de 50% devida aos municípios) - ITR;

- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD; e

- Ressarcimento pela desoneração de Exportações de que trata a LC nº 87/96.

De acordo com Davies (2006), a principal fragilidade, tanto de Fundef, como Fundeb é trazer poucos recursos novos para o financiamento da educação, visto que ambos apenas redistribuem os recursos que já são constitucionalmente vinculados à educação. Sendo a complementação da União, no montante máximo de 10% do valor total arrecadado por estados e municípios, o único recurso novo, no caso do Fundeb. Porém este recurso novo só chega para os estados que recebem complementação da União.

Assim, a redistribuição de recursos ocorre, sim, mas dentro dos próprios estados, não no âmbito nacional, haja vista que dos 26 Estados e Distrito Federal, apenas 9 vêm recebendo a complementação da União, sendo a contribuição da União muito ínfima diante da sua capacidade de arrecadação e das necessidades educacionais da população.

Finalmente, com o Fundeb a educação infantil, é incluída na política de financiamento da educação. Todavia, a inclusão no financiamento não garantiu a suficiência dos recursos como será demonstrado no decorrer do trabalho.

4. O comportamento das matrículas da educação infantil de 0 a 3 anos no contexto do Fundef

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha contemplado a creche como direito da criança, opção da família e dever do Estado e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ratificado, é com a LDB, que a educação infantil de 0 a 3 anos, é incorporada a educação, aparecendo assim pela primeira vez no Censo Escolar em 1997. Antes disso, as poucas creches que existiam estavam sob a responsabilidade da assistência social, da saúde ou da previdência social, não havendo coleta de dados ou informações educacionais sobre as instituições e o número de crianças que as frequentavam de forma efetiva e oficial (NASCIMENTO, 2012).

É preciso salientar ainda que a LDB estabeleceu prazo até 1999 para que as creches e pré-escolas fossem integradas à educação, rompendo com uma longa história de atendimento desenvolvido por diferentes áreas com caráter mais assistencial que educativo (FRANCO, 2009).

Como muitas redes só finalizaram a incorporação das creches e pré-escolas em 2001, o período de 1997 a 2001, do Censo Escolar, não conta com dados fidedignos, podendo causar a impressão de forte expansão no sistema educativo da educação infantil, quando, na verdade, o que ocorre é a incorporação de matrículas antes vinculadas a instituições de outras áreas. Por isso, a análise dos dados foi realizada a partir de 2001. Portanto, contabilizamos o intervalo de tempo para análise do comportamento das matrículas em creche no contexto do Fundef de 2001 a 2006.

Assim, esclarecido todo esse contexto, para verificar como se comportaram as matrículas das creches no período de vigência do Fundef, faremos a análise do seguinte gráfico:

Gráfico 01- Matrículas em creche por dependência administrativa- Brasil (1997- 2006) –Fundef.

[pic]

Fonte: Elaborado pelas autoras com dados das Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 1997 a 2006. Disponível em . Acesso em: 18∕06∕2016.

Como se vê parte-se de um atendimento incipiente, procurando, ainda, agregar as creches à educação. Assim, no Brasil, em 2001, existia 682.686 matrículas públicas, chegando, em 2006, a 917.460 matrículas em rede pública, um crescimento de cerca de 35%. A rede privada, em 2001, contabilizava 410.661 matrículas, chega, em 2006, com 510.482, um aumento percentual de aproximadamente 24%. Sendo as instituições privadas responsáveis por 36% do atendimento e a rede pública por 64%, em 2006.

A determinação da LDB de 1996, para que as instituições que prestassem atendimento às crianças fossem integradas à educação até 1999, pressuponha que os recursos para este atendimento deveriam vir da educação. Entretanto, com a aprovação do Fundef também em 1996, que destinava recursos apenas para o ensino fundamental, a educação infantil, foi colocada em uma situação de extrema fragilidade quanto ao financiamento.

Para garantir a continuidade do atendimento, preservando o direito da criança pequena à educação infantil, em 1999, o governo federal deixa de passar os recursos diretamente para as instituições que prestavam este tipo de atendimento, e começa a repassá-lo via convênios para as prefeituras e governos estaduais, por meio de repasse do Fundo Nacional de Assistência Social, para os Fundos Municipais e Estaduais de Assistência Social, cabendo desta forma às Secretarias de Educação no âmbito estadual e municipal administrá-los (BARRETO, 2003).

O cofinanciamento da educação infantil via assistência social ocorreu até que a educação infantil estivesse totalmente integrada ao sistema de ensino. Somente, a partir de 2009, pós- Fundeb, a educação passou a assumir integralmente o financiamento das instituições de educação infantil.

4.1 O comportamento das matrículas da educação infantil de 0 a 3 anos no contexto do Fundeb

Para compreender as implicações do Fundeb para a educação infantil de 0 a 3 anos, passaremos a analisar o comportamento das matrículas em creche no período de 2007 a 2016.

Gráfico 2- Matrículas em creche por dependência administrativa- Brasil (2007-2016) – Fundeb.

[pic]

Fonte: Elaborado pelas autoras com dados das Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 2007 a 2016. Disponível em . Acesso em: 18∕06∕2016.

Obs.: Dados de 2016 conforme Anexos I e II dos resultados finais do Censo Escolar (redes estaduais e municipais), bem como Censo Escolar 2016. Notas Estatísticas. Disponível em: . Acesso em: 21∕02∕2017.

Através da análise dos dados, pode-se afirmar que o atendimento em creches ao longo da vigência do Fundeb, ficou sobre responsabilidade das redes municipais e privadas. A rede municipal assumiu, em 2016, 64% das matrículas e a rede privada respondeu por 36%, sendo a participação de Estado e União inexpressiva.

Em 2016, as matrículas da rede pública totalizaram 2.081.924, enquanto as da rede privada atingiram 1.151.815. Estado e União, por sua vez, apresentam atendimento insignificante de 4.682 de matrículas. Fato compreensível, já que a Constituição Federal, pós Emenda 14/96, atribui a educação infantil como responsabilidade dos municípios, sendo que apenas este ente federado recebe verbas para efetuar o atendimento da educação infantil.

Nota-se também que as matrículas ofertadas pela rede municipal cresceram 99% de 2007 a 2016, ao passo que, as matrículas ofertadas pela rede privada cresceram 117%, no mesmo período. Fato é, que havendo demanda não atendida pelo poder pública há uma corrida por parte da iniciativa privada para abocanhar esse mercado em expansão.

4.2 Contrapondo entre a taxa de atendimento público em creche no contexto do Fundef e Fundeb.

Foi analisado as taxas de atendimento público em creche no contexto do Fundef e Fundeb, a fim de verificar as implicações dos fundos para o atendimento da população nesta faixa-etária.

Gráfico 03 – Evolução na taxa de atendimento público em creche (matrícula/população na faixa etária) 1997 a 2016 –Brasil.

[pic]Fonte: Elaborada pelas autoras a partir de dados do INEP e IBGE como Sinopse Estatística da Educação Básica de 1997 a 2015, Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade de 1980 a 2050 e Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade de 2000 a 2060. Disponível em: e . Acesso em: 18∕06∕2016.

Obs.: Dados de 2016 conforme Anexos I e II dos resultados finais do Censo Escolar (redes estaduais e municipais), bem como Censo Escolar 2016-Notas Estatísticas. Disponível em: . Acesso em: 21∕02∕2017.

Como até 2001 as creches vinculadas a outras áreas ainda estavam sendo incorporadas à educação, não podemos considerar que houve expansão no período de 1997 a 2001, mas apenas incorporação das matrículas já existentes sob responsabilidade de outros órgãos. Por isso, faremos a análise dos dados a partir de 2001. Portanto, foi considerado o intervalo de tempo para análise do Fundef de 2001 a 2006 e para análise do Fundeb de 2007 a 2016.

De 2001 a 2016 o fluxo populacional da faixa-etária de 0-3 anos caiu 16,7%, assim como houve um aumento na taxa de matrícula pública de mais de 300%, saindo o número de matrículas de um patamar de 682.686 e atingindo 2.081.924 num intervalo de 15 anos.

No intervalo de tempo demarcado para análise do Fundef de 2001 a 2006, em relação à necessidade, houve um crescimento tímido de uma média de 5,6 % ao ano, totalizando 34% nos seis anos, passando as matrículas de 682.686, em 2001, para 917.460, em 2006.

No período do Fundeb houve um crescimento mais expressivo, embora ainda insuficiente para cobrir a grande demanda. O primeiro ano do Fundeb apresenta a taxa mais alta de crescimento no período 14,5%, de 2008 a 2012, a taxa de crescimento oscila entre 8,6% e 9,6%. Porém, a partir de 2013 o ritmo de crescimento das matrículas apresenta queda, contabilizando 7,43%, em 2013, 5,86%, em 2015 e 7,47% em 2016.

A taxa de atendimento público, em 2001, foi de 4,91%, atingindo 6,88%, em 2006. Ou seja, no final da vigência do Fundef o déficit de atendimento público em creche era de 93,12% com relação as taxas populacionais na faixa-etária de 0 a 3 anos. Embora tenha ocorrido um crescimento de uma média de 5,6 % ao ano, constatou-se que a exclusão foi a regra, dado o enorme contingente populacional na faixa-etária de 0 a 3 anos, que deixou de receber atendimento público em creche.

Vale lembrar que apesar de reconhecida como direito, pela Constituição Federal e pela LDB, a educação infantil de 0 a 3 anos, ficou excluída do financiamento educacional pelo Fundef.

Em 2007, a taxa de atendimento público foi de 7,99%, chegando a 18%, em 2016. Ou seja, na vigência do Fundeb, até o ano de 2016, o déficit de atendimento público em creche era de 82% com relação às taxas populacionais na faixa-etária de 0 a 3 anos. No período de 2007 a 2016, o atendimento público em creche cresceu dez pontos percentuais, passando de 7,99%, para 18%. Todavia, contata-se que a exclusão ainda permanece, dado que o aumento no atendimento público foi insuficiente para satisfazer a grande demanda.

5. Considerações finais

A educação infantil de 0 a 3 anos, sem sombra de dúvidas, é a etapa mais carente de recursos uma vez que sendo tardiamente reconhecida como direito e incluída no financiamento da educação, de forma mais tardia ainda, conta com enorme déficit no que diz respeito à universalização do atendimento. Isso para não mencionar as amarras culturais, resquícios do seu contexto histórico de atendimento assistencialista, que insistem em remetê-la à filantropia permitindo o atendimento via convênios com entidades deste cunho social, que continuam sob a jurisdição da assistência social.

Quanto ao comportamento das matrículas no contexto do Fundef e Fundeb foi verificado que, em 2006, havia 13.317.664 crianças na faixa-etária de 0 a 3 anos e o atendimento público em creches atingiu 6,88% deste total. Em 2016, havia 11.563.648 crianças na faixa-etária de 0 a 3 anos e o atendimento público em creches foi de 18%. Ou seja, no final da vigência do Fundef o déficit de atendimento público em creche era de 93,12%. Já no contexto do Fundeb, até o ano de 2016, o déficit de atendimento público em creche era de 82%. Isso indica que avançamos, mas ainda estamos longe de garantir o pleno atendimento em creche, constatando-se que, na vigência do Fundef, a exclusão foi a regra, e no decorrer do Fundeb, ela ainda permanece, dado que o aumento no atendimento público se mostra insuficiente para satisfazer a demanda.

Conclui-se que a não obrigatoriedade da educação infantil de 0 a 3 anos, não se torna consolidação do direito de livre escolha dos pais, entre a opção de matricular ou não seus filhos, mas subterfúgio para o poder público, no sentido de eximi-lo da obrigação de prestar o serviço, ou prestá-lo, em número suficiente para atender a demanda da população. Bem sabemos que a demanda não para de crescer e que o mesmo não ocorre com o número de vagas.

Fato é que os recursos destinados ao financiamento da educação continuam praticamente os mesmos, excetuando, na vigência do Fundeb, a complementação de 10% da União. Sem maiores investimentos, será impossível consolidar o atendimento em creche, bem como garantir a sonhada qualidade. Caso a União não venha a ter um papel mais ativo no financiamento da educação, manteremos a insuficiência de atendimento e acentuaremos exclusão de muitas crianças do direito à educação, em especial, daquelas advindas de famílias pobres.

Referências Bibliográficas

BARRETO, Ângela Maria Rabelo Ferreira. A educação infantil no contexto das políticas públicas. Rev. Bras. Educ., Dez 2003, n. 24, p.53-65.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, Brasília, 1988.

_________. Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 set. 1996.

_________. Lei nº 9.324, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

_________. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 1996.

_________. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos art. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2006.

_________. Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007. Dispõe sobre o fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da educação (FUNDEB), regulamenta a Lei 11.494, de 20 de junho de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 nov. 2007a.

_________. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do ato das disposições constitucionais transitórias; altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 2007b.

DAVIES, Nicholas. FUNDEB: A redenção da educação básica? Educação e Sociedade, Campinas, vol. 27, n. 96 - Especial, p. 753-774, out. 2006. Disponível em . Acessado em 18/06/2016.

FRANCO, Dalva de Souza. Gestão das creches para além da assistência social – transição e percurso na Prefeitura Municipal de São Paulo de 2001 a 2004. 2009. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Básica de 1996 a 2015. Brasília: Inep, 2016. Disponível  em:  . Acessado em: 18/06/2016.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da População do Brasil por sexo e idade: 2000-2060- revisão 2013. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: . Acessado em 18/06/2016.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeção da População do Brasil por sexo e idade: 1980-2050- revisão 2000. Rio de Janeiro, 2000. Disponível em:

. Acessado em 18/06/2016.

KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 2 ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.

KUHLMANN JR., Moysés. Instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil (1899-1922). Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 78, p. 17-26, ago. 1991.

_________. Histórias da educação infantil brasileira. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 14, p. 5-18, maio/jun./jul./ago. 2000.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC. Subsídios ao Ministério Público para acompanhamento do FUNDEB. Brasília, DF, 2008.

NASCIMENTO, Ana Paula Santiago do. Avanços e retrocessos na oferta da educação infantil no Brasil: Análise financeiro-orçamentária dos recursos destinados a essa etapa da educação 2001-2010. 2012. 228 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2012.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. Cortez, São Paulo, 2002.

PINTO, José Marcelino de Rezende; ADRIÃO, Theresa. Noções gerais sobre o financiamento da educação no Brasil. Eccos: Revista Científica, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 23-46, jan./jun. 2006.

PINTO, José Marcelino de Rezende. Financiamento da educação básica. A divisão de responsabilidades. Retratos da Escola, Brasília, v.6, n. 10, p. 155-172, jan./jun. 2012.

_________. A política recente de fundos para o financiamento da educação e seus efeitos no pacto federativo. Educação & Sociedade, Campinas, v.28, n.100-Especial, p.877-897, out. 2007.

_________. Financiamento da educação no Brasil: Um balanço do governo FHC. Educação & Sociedade, Campinas, v.23, n.80, p.108-135, set, 2002.

-----------------------

[1] Professora na Secretaria de Educação do Distrito Federal e mestranda em Educação na Universidade Estadual de Campinas/Unicamp no Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: elianefae@.

[2] Professora da Faculdade de Educação da Unicamp. Doutora e mestre em Educação pela Unicamp. Pesquisadora integrante do LaPPlanE-Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional, Fe/Unicamp desde 1998. E-mail: adrianamomma@.

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download