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‘Brasileiro’, a palavra, já nasceu pegando no pesadoPor?Sérgio Rodriguesaccess_time17 fev 2017, 14h36 - Publicado em 30 abr 2013, 16h35 “Brasileiro” é uma palavra de forma??o curiosa. O sufixo?eiro?tem empregos numerosos, mas como formador de gentílicos – ou seja, palavras que indicam procedência ou naturalidade – é encontrado em poucos vocábulos: além de brasileiro, temos apenas mineiro, campineiro e outros menos importantes.O fato de n?o serem os naturais do Brasil conhecidos como brasilianos, brasilenses ou mesmo brasileses – termos formados por sufixos empregados habitualmente em gentílicos – parece se dever ao fato de que a palavra, ao nascer, designava uma profiss?o e n?o uma a palavra, o filólogo Silveira Bueno:No tempo colonial, ‘brasileiro’ era adjetivo que indicava profiss?o: tirador de pau-brasil. Como tal, sendo esses homens criminosos, banidos para o nosso país por Portugal, o adjetivo tinha significado pejorativo e por isto ninguém queria chamar-se ‘brasileiro’. Foi o franciscano Frei Vicente do Salvador o primeiro que teve a coragem de usar ‘brasileiro’, n?o já na antiga significa??o de tirador de pau-brasil, mas na de originário, oriundo, nascido no Brasil. Assim procedeu Frei Vicente do Salvador ao escrever a sua “História da Custódia Franciscana do Brasil”.Infelizmente, Bueno n?o reproduz o trecho em que Vicente do Salvador teria empregado a palavra. O dicionário Houaiss n?o corrobora sua tese: data o vocábulo de 1706, quando o escreveu o português José Soares da Silva – cerca de sete décadas após a morte do religioso baiano que ficou conhecido como o primeiro historiador brasileiro. Seja como for, Bueno prossegue em veia patriótica:Daí para cá, passou o adjetivo a pátrio, aureolando-se da glória, do patriotismo de nós todos os que aqui somos nascidos. Concorreu também para esta nova significa??o o desaparecimento do comércio do pau-brasil que era exportado para a Europa. há dúvidas de que veio de pau-brasil (Caesalpina echinata), árvore de madeira vermelha que os portugueses extraíram fartamente nos primeiros anos para emprego na tinturaria.O detalhe é que o nome foi dado antes mesmo da viagem de Cabral, fruto da cartografia imaginária do desconhecido oceano Atl?ntico. De fato, os cartógrafos medievais especularam a existência de uma ilha lendária entre os paralelos da Irlanda e dos A?ores, desde 1339 (cf. cartógrafos como Portulano de Médicis, Solleri, Pinelli, Picignano, Andrés Bianco, Fra Mauro etc.) com nomes como:?Bracia, Bracir, Brazir?(séc. XIV), Bersil?(séc. XIV), Berzil,?Brezil?(séc. XIV), Bra?il?(séc. XV), do irlandês?Hy Brazail?(“Ilha do Atl?ntico”) – que deu origem à atual?Brazil Rock. Dizia-se que nessa ilha misteriosa e fantástica existia um bosque vermelho do qual se extraía uma subst?ncia usada para tingir a l? e o algod?o. Por quê? Explica Pedro Calmon: porque o pau-brasil era produto muito raro e cobi?ado.Há várias explica??es para a etimologia de “brasil”:do s?nscrito?bradsch?ou?bradshita?(luzente, brilhante – como a cor vermelha extraída do pau-brasil)do grego?brazein, “fever”do árabe?bakkan?(séc. IX), “ardente”, para designar árvore de madeira vermelha que os árabes traziam de Sumatra para comercializar na Europa; parecida com o pau-brasil, difere apenas na altura e na necessidade de adicionar uma subst?ncia para obter a cor vermelha desejadatambém do árabe?wars, uma planta corantedo latim?brachium:?brachile?ou?bracile?(cinto usado por monges), ou ainda?brachiale?(braceletes, eventualmente vermelhos)do baixo latim:?brasile?(“com aspecto de brasa”), brasilium, bresillumvariantes (séc. XI e XII):?bresill, brasilly, bracil, presill, pressili, brecillis, brazilis, brazili,?brazile, braxilis?(um inseto vermelho; por extens?o, a tinta dele extraída, ou qualquer tinta vermelha)do tupi?paraci?(“m?e do mar”)parasil?(“terra grande”)do celta?breasail, “príncipe”em germ?nico,?bras?significava “brasa”em toscano, o pau-brasil empregado na tinturaria era conhecido por?verizino,?verzino?ou?bercinoem dialeto vêneto, os mercadores chamavam as lascas de pau-brasil comercializadas de?verzi?ou?berzi?(séc. XVI)em genovês,?brazido italiano para o português arcaico?byr?o, bir?odo italiano para o proven?al?brezill?(“fragmento”), depois para o francês?bresil?(atual?brésil)em francês,?braziller?(verbo para designar uma luz que o mar emite à noite, quando cortado por um navio)do comércio com a Fran?a, os portugueses converteram?bresil?em?brasyll?(séc. XV)Como nome desta terra, come?ou como Terra do Brasil, para identificar o produto de maior peso econ?mico – assim como, na ?frica, as col?nias Costa do Marfim, francesa, Costa do Ouro, inglesa, e Rio de Ouro, espanhola. Era como os traficantes de pau-brasil – e, depois, todos os demais – se referiam a esta terra, em vez de utilizar o nome oficial – Terra de Santa Cruz.O nome foi oficialmente consagrado pelo alvará de nomea??o de Martim Afonso de Souza, de 1530: “Martim Afonso de Souza do meu conselho capit?o-mor d’armada que envio à terra do Brasil”.Há críticas de cunho religioso à mudan?a de nome. P.ex., Jo?o de Barros (apud?Nascentes):“... pelo qual nome Santa Cruz foi aquela terra nomeada os primeiros anos e a Cruz arvorada alguns durou naquele lugar. Porém, como ao dem?nio fez o sinal da Cruz perder o domínio que tinha sobre nós mediante a paix?o de Cristo Jesus consumada nela, tanto que daquela terra come?ou de vir o pau vermelho chamado Brasil, trabalhou que este nome ficasse na boca do povo, como que importava mais o nome de um pau que tinge panos que daquele pau que deu tintura a todos os Sacramentos por que somos salvos, pelo sangue de Cristo Jesus, que nele foi derramado: e pois em outras coisas nesta parte me n?o posso vingar do dem?nio, admoesto da parte da Cruz de Cristo Jesus a todos os que este lugar lerem, que dêem a esta terra o nome que com tanta solenidade lhe foi posto, sob pena de a mesma Cruz que nos há de ser mostrada no dia final, os acusar de mais devotos do pau-brasil que dela; e por honra de t?o grande terra chamemos-lhe Província, e digamos a Província de Santa Cruz, que soa melhor entre prudentes, que Brasil posto por vulgo sem considera??o, e n?o habilitado para dar nomes às propriedades da Real Coroa.”Podia ser pior. Joaquim Norberto lembra que D. Antonio Caetano de Souza queria que, seguindo o exemplo de “América”, em homenagem a Américo Vespúcio (embora haja controvérsias), o Brasil fosse batizado “Manoélica”, em homenagem a D. Manuel I, que reinava à época do “descobrimento”. Para nossa sorte, a sugest?o n?o foi acolhida.BrasileiroN?o é só o nome do país que tem origem econ?mica. O gentílico também. Porque o sufixo “-eiro”, quando forma adjetivos (que podem substantivar-se) para qualificar pessoas, costuma designar: aptid?o, hábito, profiss?o, ofício (Caldas Aulete), p.ex.: pregoeiro, cozinheiro o gentílico, os mais conhecidos s?o “brasileiro” e “mineiro”, sendo que, neste caso, também designa o ofício de quem trabalha com minera??o. Fora isso, em rápida pesquisa num dicionário de gentílicos, encontramos os seguintes:berlengueiro – das ilhas Berlengas; mas também quem usa de berlengas (intrujice, lábia), cf. Silva Bastos;cartaxeiro – da vila de Cartaxo, no distrito de Santarém, Portugal;estevaleiro – da localidade de Estevais, Portugal;fangueiro – da localidade de F?o, no distrito de Braga, Portugal;lagoaceiro – de Lagoa?a (cf. Luiz Vitória; n?o encontrei noutros dicionários);sanjoaneiro ou s?o-joaneiro – de qualquer povoa??o denominada S?o Jo?o, p.ex., S?o Jo?o da Foz, S?o Jo?o da Madeira, S?o Jo?o da Pesqueira, em Portugal.De resto:barranqueiro – n?o é o gentílico de Barrancos, no distrito de Beja, Portugal (barranquenho), mas o morador de ao pé de barranco, ou o habitante ribeirinho do S?o Francisco;canoeiro – n?o é o gentílico da cidade de Canoas (canoense), mas o indígena das margens do rio Tocantins;s?o-pauleiro – n?o é o gentílico de S?o Paulo (paulista e paulistano, conforme o estado ou município), mas o sertanejo que vai trabalhar nos cafezais de S?o Paulo;terranoveiro – n?o é o gentílico de Terra Nova, Canadá (terra-novense), mas o navio que pesca bacalhau em Terra Nova.Ent?o, a palavra “brasileiro” surgiu n?o como adjetivo pátrio, mas para designar quem extraía o pau-brasil e, por extens?o, quem atuou na sua comercializa??o e tráfico – assim como seringueiro, baleeiro, negreiro e pimenteiro (cf. Varnhagen). Na precisa síntese de Therezinha de Castro,?“brasileiro era, portanto, termo de caráter econ?mico e n?o político, já que se ligava aos que se dedicavam ao comércio do pau-brasil”. Dada essa origem, Bernardino José de Souza diz que o gentílico?brasileiro?é uma “visível anomalia gramatical”.Segundo Silveira Bueno, o adjetivo tinha originariamente cunho pejorativo, porque esses profissionais tinham sido criminosos banidos de Portugal, de sorte que ninguém queria ser chamado de “brasileiro”. Até D. Pedro, antes da independência, como se vê neste comentário dele mesmo, relatado pelo padre Belchior Pinheiro (apud?Castellani):?“As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de Rapazinho e de Brasileiro”.Todavia, à medida que o tráfico de pau-brasil diminuiu, o uso dessa palavra com esses sentidos – profissional e pejorativo – também desapareceu.O primeiro a utilizar essa palavra como gentílico foi frei Vicente do Salvador, em sua?História da Custódia Franciscana do Brasil. Para Bernardino José de Souza, sua populariza??o acompanhou a gradual forma??o de uma identidade nacional. Nesse sentido, segundo Frederico Guilherme Costa, quem popularizou o termo foi Joaquim Gon?alves Ledo, no?Revérbero Constitucional, periódico que circulou de 01.09.1821 a 08.10.1822 e pregava a independência do Brasil. O próprio D. Pedro o adotou quando da independência, conforme o já citado relato do padre Belchior, neste trecho:?“Brasileiros, a nossa divisa, de hoje em diante, será Independência ou Morte!”.Até ent?o era mais comum identificar as pessoas pela regi?o (baianos, paulistas, mineiros etc.) e pela ra?a (índios, mulatos etc.). Para se referir ao Brasil inteiro, falava-se em “brasiliano” (pouco freqüente, cf. Bernardino), “brasilense”, “brasiliense” (gentílico que, hoje, é utilizado para os naturais de Brasília), como no?Correio Brasiliense?de Hipólito da Costa (que circulou de 01.06.1808 a dez. 1822), e também “brasílico”, como na Academia Brasílica dos Renascidos (1759) e no?Regulador Brasílico-Luso?do frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio (lan?ado em 21.07.1822).Na realidade, pelo que podemos perceber pela legisla??o da época, a palavra “brasileiro” era utilizada para pessoas, enquanto “brasiliense”, para outros substantivos. Isso fica claro em dois Decretos, ambos com data de 18.09.1922. O decreto que ordena o distintivo “Independência ou Morte” fala na “tranqüilidade de todos os bons Brasileiros”, os “bons e leais Brasileiros”, “todo o Português Europeu ou o Brasileiro”. Já o Decreto que define o tope nacional diz: “Tope Nacional Brasiliense”. Também o Decreto de 03.06.1822 que convoca uma assembléia constituinte a chama de “Assembléia Luso-Brasiliense”. Como se vê, no ano da independência, “brasileiro” se referia claramente às pessoas, enquanto “brasiliense”, às demais coisas.Até aí, tudo bem, n?o fosse... Pedro Calmon. Sim, o autor apresenta outra origem para a palavra “brasileiro”. Diz que sua origem é semelhante a de outros viajantes, p.ex.: romeiro (quem vai peregrinar a Roma), santiagueiro (em Santiago de Compostela) e peruleiro (viajantes do Peru). Brasileiro seria, portanto, quem viajou ao Brasil. Daí se explica que Gregório de Matos, em 1861, fale no português “brasileiro” que retorna à terrinha ostentando fartura e generosidade, gra?as n?o mais ao pau-brasil, mas ao ciclo da cana-de-a?úcar. Também explica que Domingos José Ant?nio Rabelo, na sua?Abreviada história geográfica do Império do Brasil, de 1829, diga que?“os habitantes s?o uma mistura de brasileiros nascidos em Portugal”.Referências bibliográficasALBUQUERQUE, Manoel Maurício de.?Pequena história da forma??o social brasileira. 4? ed. 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