Tese 258 - Ministério Público do Estado de São Paulo



Pesquisa de Jurisprudência e Anotações – Perseu Gentil Negrão – 16/07/2003

OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça.

|Tese 258 |

|ROUBO - REDUÇÃO DA VÍTIMA À incapacidade DE RESISTÊNCIA, POR QUALQUER OUTRO MEIO - USO DE DROGA OU OUTRA SUBSTÂNCIA |

|ANÁLOGA – VIOLÊNCIA IMPRÓPRIA - CARACTERIZAÇÃO |

|O uso de droga ou outra substância análoga pelo agente para reduzir a vítima à incapacidade de resistência e, assim, |

|viabilizar a prática da subtração, caracteriza o delito de roubo. |

|(D.O.E., 19/04/2007, p. 033) |

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos da apelação criminal nº 882.183.3/8-00, comarca de São Paulo, em que figuram como apelantes daniela medeiros dantas correia, gislaine maria Roberto E viviane maria Roberto, não se conformando com o v. acórdão de fls. 296/306 e sua complementação de fls. 321/326, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal, art. 541 do Código de Processo Penal, art. 26 da Lei nº 8.038/90 e o art. 255, §1º, “b”, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, para interpor recurso especial, pelos motivos a seguir expostos.

hipótese dos autos

daniela medeiros dantas correia, gislaine maria Roberto E viviane maria Roberto foram condenadas, pelo Juízo de Direito da 25ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo (autos nº 92/04), por infração ao artigo 157, §2º, inciso II, do Código Penal, a cumprirem, as duas primeiras, cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial fechado, e a pagar 13 dias-multa; e a última a seis anos, dois meses e vinte dias de reclusão, em regime inicial fechado, e a pagar 14 dias-multa (fls. 197/207).

Inconformadas, as sentenciadas interpuseram recursos de apelação e, após o seu processamento, a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento dos apelos (fls. 283/288).

Contudo, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, deu parcial provimento aos recursos, para desclassificar o crime de roubo para o de furto qualificado (art. 155, §4º, inciso IV, do CP), impondo a pena de dois anos de reclusão, em regime aberto, e mais dez dias-multa às apelantes Daniela e Gislaine, e dois anos e quatro meses de reclusão, em regime semi-aberto, e mais 11 dias-multa para a sentenciada Viviane, substituindo as suas penas privativas de liberdade em duas restritivas de direitos, tudo em conformidade com o voto do relator Des. Péricles Piza (fls. 296/306), a seguir transcrito em formato de imagem:

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Esta Procuradoria-Geral de Justiça opôs embargos de declaração (fls. 315/318):

“2. Ocorre, s.m.j., que o v. acórdão ressente-se de uma contradição e de uma omissão, como se expõe a seguir.

2.1 O v. acórdão reconheceu que a subtração dos bens ocorreu porque as apelantes fizeram com que a vitima ingerisse uma substância sedativa.

A fls. 303 constou:

“Mas o que se quer dizer é que se pode afirmar com absoluta certeza que a vítima sofreu grave ameaça ou violência, elementos que tipificam o roubo”.

Contudo, mais adiante decidiu que “... o mais adequado é considerar a conduta das rés como furto e não roubo” (fls. 304).

Como se vê, o primeiro trecho transcrito contradiz os demais termos da fundamentação do v. acórdão, porque reconhece o emprego de grave ameaça ou violência, elementos do delito de roubo.

2.2 Em outro trecho, o v. acórdão conclui que “No roubo a subtração ou inversão da posse ocorre mediante ação do agente infrator, que usa de grave ameaça ou violência, impossibilitando que a vítima defenda seu patrimônio ...” (fls. 304).

Contudo, a denúncia não fez qualquer menção ao uso de grave ameaça ou violência, para a prática da subtração. Constou que as apelantes subtraíram, para elas, “mediante emprego de meio que reduziu à impossibilidade a resistência da vítima, consistente na utilização da substância de efeito tranqüilizante ...”.

De fato, não ficou esclarecido no v. acórdão porque o emprego do sedativo não caracteriza o emprego de qualquer outro meio, capaz de reduzir a resistência da vítima, uma vez que somente há referência expressa à grave ameaça e à violência.

Somente para ilustrar a relevância desse tópico, WEBER MARTINS BATISTA, ao comentar o uso de outros meios no crime de roubo, assevera “É o que acontece quando o agente usa de narcóticos, de hipnose, de inebriante em geral, com o que priva a vítima da possibilidade de opor qualquer reação ao cometimento do crime” (cf. O Furto e o Roubo no Direito e no Processo Penal, Rio de Janeiro, ed. Forense, 1995, p. 214).

Por tal motivo, entende-se que há uma omissão a ser complementada na v. aresto”.

A douta Câmara julgadora acolheu, em parte, os embargos, nos termos do voto do relator Des. Péricles Piza (fls. 321/326), a seguir apresentado:

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Assim decidindo, a Egrégia Corte Estadual contrariou o disposto no art. 157 do Código Penal, bem como dissentiu de julgados de outros Tribunais.

2 - contrariedade à lei federal

Segundo a denúncia, daniela medeiros dantas correia, gislaine maria Roberto, viviane maria Roberto e cristina ferreira souza (autos desmembrados em relação à última) encontravam-se no interior de um automóvel da marca Opala, placa CXU 2310, dirigido pela primeira, e resolveram abordar o táxi conduzido pela vítima Manoel Ferreira da Silva. Gislaine nele ingressou e pediu para que o ofendido a levasse até o bairro de São Miguel Paulista. O taxista a levou até as cercanias da Praça Aleixo Monteiro Mafra, onde Gislaine desceu, para ingressar em uma pizzaria, pedindo para a vítima esperá-la.

Gislaine entrou na pizzaria e, logo depois, saiu, retornando ao veículo da vítima, portando duas latas de cerveja, entregando uma delas, que estava aberta para o taxista. Este ingeriu certa quantidade de cerveja e momentos depois veio a perder completamente os sentidos, uma vez que Gislaine adiciounou à bebida alcoólica uma substância de efeito tranqüilizante (clonazepam do grupo dos benzodiazepínicos), comercializada com o nome “Rivotril”.

Após reduzir a vítima à impossibilidade de resistência, pelo uso do tranqüilizante, as sentenciadas praticaram a rapinagem, assenhorando-se dos bens relacionados na denúncia.

A despeito do uso do narcótico na vítima, o v. acórdão entendeu que a conduta praticada pelas sentenciadas, conhecida como “Boa Noite Cinderela”, caracteriza o delito de furto, de não roubo.

Como se sabe, o que distingue o roubo do furto é o emprego da violência física ou moral, contra a pessoa, ou qualquer outro meio capaz de reduzir à incapacidade de resistência.

Dispõe o art. 157, caput, do Código Penal:

Roubo

“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio (grifo nosso), reduzido à impossibilidade de resistência:”

O uso de narcóticos, soníferos, ou outros meios dissimulados, como a hipnose ou mesmo a bebida alcoólica, têm sido aceitos pela doutrina nacional e estrangeira como caracterizadores da violência (latu sensu), típica do roubo.

NELSON HUNGRIA[1] ensina:

“Aos meios violentos é equiparado todo aquele pelo qual o agente, embora sem emprego de força ou incutimento de medo, consegue privar à vítima o poder de agir, v. g. narcotizando-a à son insu ou dissimuladamente, hipnotizando-a, induzindo-a a ingerir bebida alcoólica até a embriaguez etc. Pressupõe-se que o outro “qualquer meio”, a que se refere o art. 157, caput, é empregado ardilosa ou sub-repticiamente, ou, pelo menos, desacompanhado em sua aplicação, de violência física ou moral, pois, do contrário, se confundiria com esta, sem necessidade da equiparação legal”.

O ilustre doutrinador ainda lembra, em nota de rodapé nº 2, item 21, que o então Código Penal Italiano (art. 628) chegava a agravar a pena do roubo (rapina) “se la violenza consiste nel porre taluno in stato d’incapacità di volere o di agire”.

Da mesma forma, MAGALHÃES NORONHA[2] ao comentar o emprego de qualquer outro meio assentou:

“... Também aqui já tivemos ocasião de discorrer: ‘Cabem na expressão os meios de natureza físico-moral, que produzem um estado fisiopsíquico, o qual tolhe a defesa do sujeito passivo. Assim, a ação dos narcóticos, anestésicos, álcool e mesmo da hipnose. São processos fisiopsíquicos porque atuam sobre o físico da pessoa, mas produzem-lhe anormalidade psíquica, vedando-lhe resistência à ação do agente’. É possível que muitos vejam neles a fraude, pelo emprego sub-reptício, pela ignorância da vítima, o que é mesmo indispensável, porém sua característica principal é atuar sobre o físico da pessoa, acarretando-lhe perturbação mental”.

Outro consagrado autor, DAMÁSIO E. DE JESUS[3] também abordou o tema em sua obra:

“Ocorre a violência imprópria nas hipóteses em que o sujeito emprega um outro meio de conteúdo idêntico à grave ameaça ou violência a pessoa, como embriaguez, narcótico, hipnotismo, jogar substância tóxica ou areia nos olhos da vítima etc”.

No esteio dos outros doutrinadores, CEZAR ROBERTO BITENCOURT[4] explica que o legislador adotou uma fórmula genérica, para descrever o qualquer meio possível de executar o roubo:

“Essa fórmula genérica objetiva tipificar qualquer outro meio utilizado que se assemelhe à violência (real ou moral) e que por ela não seja abrangida, mas que tenha o condão de deixar a vítima à mercê do sujeito ativo. Enfim, à violência ou grave ameaça é equiparado todo e qualquer meio pelo qual o sujeito ativo – sem empregar violência ou incutir medo – consegue evitar que a vítima ofereça resistência ou defesa, por exemplo, o uso de soníferos, anestésicos, narcóticos, hipnose, superioridade numérica ou superioridade física (considerável)”.

...

“Esses outros meios devem ser empregados sub-reptícia ou fraudulentamente, isto é, sem violência física ou grave ameaça, caso contrário estariam incluídos nas outras duas alternativas; devem, contudo, ter capacidade para reduzir ou diminuir a resistência da vítima. Estão abrangidas pela expressão ‘qualquer outro meio’ as ações químicas, estranhas ameaças, que restrinjam ou anulem a consciência, como o emprego de inebriantes, entorpecentes ou similares, ou até mesmo a máquina da verdade ou pílulas da confissão, destinadas a violentar a vontade e a liberdade do ofendido, levando-o a declarar o que pretendia calar”.

Reproduz-se, novamente, o ensinamento de WEBER MARTINS BATISTA, citado na petição dos embargos de declaração, ao comentar o uso de outros meios no crime de roubo: “É o que acontece quando o agente usa de narcóticos, de hipnose, de inebriante em geral, com o que priva a vítima da possibilidade de opor qualquer reação ao cometimento do crime”[5].

A doutrina estrangeira tem a mesma orientação.

FRANCESCO MANTOVANI[6] ensina que “La violenza personale física abbraccia tutte lê iposeti in cui si pone la persona nell’incapacità, totale o parziale, di agire”.

Sobre a violência imprópria do delito de rapina, complementa:

“E che vanno dalle attività che pongono sur sempre il soggetto nell’impossibilità, totale o parziale, di agire (ipnotizzaione, narcotizzazione, inebbriamento com sostanze alcooliche o stupefacenti, seqüestro personale, danneggiamento della sedia a rotelle del paralítico per impedirgli di raggiungere d’allarme, ecc), come risulta anche dagli artt. 613, 628, 629, ...”.

VINCENZO MANZINI[7] também deixa claro que o uso de narcóticos ou outros entorpecentes pelo agente, como meio de reduzir a vítima à incapacidade de resistência, caracteriza o delito de roubo:

“L’uso dei mezzi idonei a porre uma persona in stato di incapacità di volere o dia gire (narcotici o altri stupefacenti, alcoolici, suggestione ipnotica o in veglia, legamenti, ecc) non solo costituisce < violenza alla persona >, ma é considerato circonstanza aggravante della rapina (art. 628 ultimo capoverso n.2)”.

No mesmo sentido é a orientação de FRANCESCO ANTOLISEI[8].

No caso dos autos, as recorridas se utilizaram de um tranqüilizante, “Rivotril”, adicionado a uma bebida alcoólica fornecida ao taxista, para tirar-lhe a consciência, reduzindo-o, assim, à impossibilidade de resistência e viabilizando a rapinagem que se seguiu. Tal conduta enquadra-se na figura típica do roubo, pelo emprego de “qualquer outro meio capaz de reduzir à incapacidade a resistência da vítima”, e não furto, como a doutrina nacional e estrangeira ensina.

O v. aresto impugnado, porém, apesar de ter admitido o uso de uma substância pelas sentenciadas para fazer a vítima dormir, entendeu que tal comportamento configuraria uma fraude, porque não foi ingerida pelo ofendido forçosamente.

Todavia, pouco importa se a vítima ingeriu a substância entorpecente ou tranqüilizante de modo não forçado, uma vez que o emprego dos aludidos “outros meios” pode ser realizado de modo ardiloso ou fraudulento, como destacado pelos doutrinadores.

Por tais motivos, o v. acórdão impugnado negou vigência ao artigo 157 do Código Penal.

3 – dissídio jurisprudencial

O Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por sua Primeira Turma Criminal, no julgamento da Apelação Criminal nº 2001075001727-4, por maioria de votos, em acórdão relatado pelo Des. Otávio Augusto, j. em 7 de março de 2002, publicado na REVISTA DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (repositório autorizado, conforme a Portaria nº 01, de 08/02/1990, DJ de 12/02/1990), que ora se oferece como paradigma, assim decidiu:

“EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO POR FURTO MEDIANTE FRAUDE. DESCRIÇÃO DOS FATOS INDICATIVOS DE ROUBO. INGESTÃO PELA VÍTIMA DE SUBSTÂNCIA QUE IMPOSSIBILITOU SUA RESISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI EM SEGUNDA INSTÂNCIA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

( Evidenciada nos autos a prática do crime de roubo, previsto no art. 157 do Código Penal, com a utilização de substância narcótica, meio que impossibilitou a defesa da vítima, e não crime de furto qualificado pela fraude, tal como descrito na denúncia e acolhido pelo sentenciante, impõe-se a absolvição da apelante, ante a impossibilidade de mutatio libelli em segunda instância.

( Recurso provido. Maioria.

Eis na íntegra o v. aresto paradigma:

“RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por M.T.M.G. contra a r. sentença que a condenou pela incursão ao art. 155, § 4°, inciso II, do Código Penal, a 02 anos e 03 meses de reclusão, em regime aberto, pena esta substituída por duas restritivas de direitos, e ao pagamento de 20 dias-multa, à razão unitária mínima, por ter, no dia 24.09.93, subtraído, mediante fraude, certa quantia em dinheiro, além de outros objetos pertencentes à vítima M. do S.T. de M.

Em razões de recurso, pleiteia a apelante a absolvição, sob a alegação, em síntese, de que não há prova nos autos de que tenha sido ela a autora da subtração dos bens pessoais da vítima, sendo, outrossim, insuficientes as provas para a condenação.

Contra-arrazoado, manifesta-se a douta Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e improvimento do recurso interposto.

É o relatório.

VOTOS

Des. Otávio Augusto (Relator) - Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele se conhece.

Pleiteia a apelante a absolvição, argumentando, basicamente, que inexistem nos autos provas suficientes de que tenha sido ela a autora do crime de furto qualificado.

A materialidade do crime ficou demonstrada pelo boletim de ocorrência, acostado às fls. 08/09, assim como pelas declarações prestadas pela ofendida, tanto em inquérito como em Juízo, onde confirma a subtração de alguns objetos pessoais, entre eles, dinheiro, cheques e outros documentos.

A autoria delitiva, por seu turno, apesar de não haver comprovação do momento exato da subtração levada a efeito, não há como afastar a responsabilização penal da acusada pelo cometimento do crime de furto qualificado pela fraude na sua conduta.

Na hipótese, verifica-se que a dinâmica dos fatos se deu conforme evidenciado na peça acusatória, tendo a vítima, após diálogo com uma senhora (M. de J.) com vistas à aquisição de uma linha telefônica, sido abordada pela ré, a qual se ofereceu para efetuar a venda de outra linha a ela, por um preço aquém do exigido pela mencionada senhora, o que foi aceito pela ofendida, momento em que a acusada, saiu do local dos fatos, retornando, em seguida, com um copo de suco, que foi oferecido à vítima e que a fez perder os sentidos, por motivos não determinados pelo laudo de exame de fl. 22, ocasião em que a ré entrou no interior de um táxi com a vítima, alegando que iria levá-la a um hospital, tendo esta acordado horas depois sem alguns objetos pessoais, subtraídos de sua bolsa.

Como se vê, mesmo não sendo preciso o momento da referida subtração, resta evidente nos autos que a ora apelante, ao fazer com que a vítima ingerisse alguma substância entorpecente, tinha a manifesta intenção de apossar-se, principalmente, do dinheiro da vítima, que seria utilizado para a compra de uma linha telefônica.

Relativamente ao nexo causal existente entre a conduta da apelante e o resultado ou evento lesivo ocorrido, observa-se que a MMª. Juíza sentenciante, de forma precisa, já assentou o seguinte (fl. 164):

“... partindo-se de tal premissa, deve merecer crédito a informação da vítima, corroborada pela que prestada a testemunha M. de J.: a acusada entregou à vítima copo de líquido que se assemelhava a suco de laranja. Aceita tal conclusão, chega-se à subseqüente: o suco continha alguma substância que, muito embora não se possa definir qual, foi suficiente a fazer a vítima sentir-se mal na forma como mencionou (falta de ar, taquicardia, língua enrolada, tontura, sonolência). Impossível deixar-se de estabelecer a relação entre a conduta da acusada e o estado da vítima. Na seqüência, o desaparecimento dos valores, que deve ser imputado direta e isoladamente à acusada, ou pelo menos, com o seu concurso.

Tal forma de agir está a demonstrar claramente a fraude na conduta, pelo que perfeita a subsunção dos fatos em comento ao que previsto abstratamente na norma penal incriminadora pretendida.”

Demais disso, não se pode olvidar que todas as declarações prestadas pela acusada foram bastante contraditórias, ora afirmando não se encontrar no Distrito Federal no dia dos fatos e que a testemunha M. de J. e a vítima estariam querendo prejudicá-la, ora simplesmente negando a autoria delitiva, onde se verifica que restaram totalmente isoladas do conjunto probatório carreado aos autos.

Todavia, o que se constata, analisando a dinâmica dos fatos ocorridos, é que não ficou comprovada a eventual fraude praticada pela acusada com vista à subtração dos pertences da vítima, já que, segundo orientação doutrinária, esta evidencia-se quando o agente utiliza-se de qualquer meio enganoso capaz de iludir a vítima enquanto comete propriamente o crime de furto, subtraindo, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, como por exemplo no caso do agente que, prontificando-se a ajudar a vítima a efetuar operação em caixa eletrônico, subtrai seu numerário sem que perceba.

Na hipótese, ao contrário, verifica-se que a acusada utilizou-se de um meio que impossibilitou, de qualquer forma, a defesa da vítima, fazendo com que a ofendida ingerisse um suco contendo substância capaz de inebriá-la, a ponto de não conseguir oferecer qualquer resistência à subtração de seus bens pessoais. Posto isso, verifica-se que a capitulação legal que efetivamente se subsume aos fatos descritos na denúncia é aquela contida no caput do art. 157 do CP, na sua parte final e não àquela estabelecida na peça acusatória, relativamente à prática do crime de furto qualificado pela fraude.

Bem a propósito, evidencia-se o aresto a seguir:

“Mesmo que se admita tenha a vítima sido subjugada mediante o uso de narcótico, ainda subsistirá o roubo, marcado não só pelo emprego de violência ou grave ameaça, como pelo uso de qualquer meio que prive aquela do poder de agir, depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido a impossibilidade de resistência.” (RT 440/428) (grifo nosso).

Posto isso, crê-se ser hipótese de mutatio libelli, estabelecida no artigo 384, parágrafo único, do Código de Processo Penal, posto que os elementos de prova coligidos aos autos informam a possibilidade de definição jurídica que importa imposição de pena mais grave à apelante. Entretanto, diante do que estabelece a Súmula n° 453 do e. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do CPP, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa”, a solução que se impõe é a absolvição da ré, nos termos do art. 386, inciso IV, do CPP, já que inexiste nos autos prova inequívoca de ter a acusada praticado o crime de furto.

Nesse sentido caminha a jurisprudência dominante, onde se destaca o seguinte julgado:

“TACRSP: Quando o fato descrito na denúncia não constitua a infração penal reconhecida na sentença, se não houver argüição de nulidade, em grau de apelação, a solução forçosa será absolver o réu.” (JTACRESP 48/258)

Nesta conformidade, diante dos argumentos acima expendidos, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso interposto, para absolver a ré M.T.M.G. pela infração ao art. 155, § 4°, inciso II, do Código Penal, com base no art. 386, inc. IV, do CPP.

Des. P. A. Rosa de Farias (Presidente e Revisor) -Tenho o hábito de, como Revisor, aproveitar sempre as recaídas do Relator, que é geralmente muito rigoroso, para sempre aderir aos seus votos, quando o mesmo pede absolvição. Mas, no caso em comento, divirjo de Sua Excelência.

Esse crime praticado pela acusada é aquele que normalmente é utilizado contra homossexuais e chamado, na roda policial, de “Boa-noite Cinderela”. Quando homossexuais se encontram em boates especializadas nesse tipo de relacionamento, e onde o agente do crime faz ministrar ao homossexual um barbitúrico misturado em sua bebida, a fim de que o mesmo fique desmaiado e com isso tenha os seus bens subtraídos.

Não creio que isso tenha de ser analisado como sendo a prática de uma violência ou uma grave ameaça, como é o tipo do art. 157 do Código Penal, depois de haver, por qualquer outro meio, reduzido a impossibilidade de resistência. Admitindo-se, apenas por amor ao debate, que tenha havido uma impossibilidade de resistência da vítima, não vejo aí o produto da violência ou grave ameaça praticada à vítima a titular o tipo específico do art. 157.

A verdade é que os autos demonstram que houve efetivamente um meio incomum e que seria tipificado em uma fraude praticada pela acusada. E a fraude consistiu em que? A fraude consistiu em entregar à vítima um copo de refrigerante, onde o mesmo estava impregnado de uma substância entorpecente, o que causou o seu desmaio. Essa foi a fraude utilizada pela pessoa. Não vislumbro, nesse ato, a prática de grave ameaça ou violência a caracterizar o furto. Se assim entendêssemos, teríamos de desqualificar o crime para algo mais grave, o que seria evidentemente impossível à falta do recurso do Ministério Público e deixar passar in albis uma ação desse naipe, porque não engenhosa, como geralmente são as fraudes, não vejo como deixar-se passar em branco e colocar uma pessoa que viola, conscientemente e flagrantemente, o patrimônio de outra pessoa, mediante esse ardil, mediante essa fraude muito bem engendrada, livre e solta por, talvez, uma compreensão equivocada acerca do tipo penal.

Tenho voto escrito, onde realço a materialidade e autoria e, com essas considerações em relação ao voto do eminente Desembargador do qual ouso discordar muito pouco, mas, hoje, realmente, nego provimento ao recurso e mantenho a pena que foi anteriormente praticada sem qualquer mudança.

Então, abro divergência com Sua Excelência e nego provimento ao recurso.

Conheço do recurso interposto, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Foi o acusado condenado a 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, pelo mínimo legal, como incurso no tipo do art. 155, § 4o, II, do CPB, e com seu recurso pretende a absolvição, ao argumento da insuficiência de provas.

As provas colhidas apontam para autoria do delito, em especial as declarações da vítima e da testemunha ouvida às fls. 26 e 27. É de salientar que a acusada em seus interrogatórios incidiu em inúmeras contradições acerca de fatos que levam ao entendimento de que foi a mesma efetivamente a autora da subtração.

A dosimetria da pena bem guarda a análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CPB, nada havendo a alterar.

Por tais razões, e atento ainda ao parecer da ilustre Procuradoria de Justiça, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É o meu voto.

Des. Natanael Caetano (Vogal) - Peço vista.

DECISÃO

Conhecido. Após o voto do Relator provendo o recurso e do Revisor improvendo-o, pediu vista o Vogal.

VOTO DE VISTA

Des. Natanael Caetano (Vogal) - Cinge-se a questão controversa em se saber se o ato perpetuado pela ré - ministrar sonífero no suco de laranja dado à vítima, fazendo-a cair em sono profundo, possibilitando a subtração de seus pertences - configura a fraude, qualificadora do crime de furto, ou se subsume à parte final do art. 157, do CPB (“Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem...depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”).

A meu sentir, correta a interpretação do em. Des. Relator, em que pese às ponderadas argumentações do nobre Des. Revisor.

Os doutrinadores conceituam a fraude como consistente no emprego pelo agente de ardil ou artifício para ludibriar a atenção e vigilância da vítima e subtrair-lhe os objetos sem que ela o perceba. A vítima é, então, iludida e ao se descuidar vê suas coisas subtraídas.

Tem-se que no furto a violência é exercida contra o patrimônio, enquanto que no roubo, ela é dirigida não só a este mas atinge também a integridade física ou moral da vítima. Assim é que, no caso em tela, tenho que a atividade levada a cabo pela ré, iniludivelmente, atingiu a integridade física da vítima, pois causou-lhe um mal físico capaz de reduzir, ou melhor dizendo, anular totalmente qualquer possibilidade de defesa. Nesse sentido, se pronunciou o STF: “Não é imprescindível a existência de lesão corporal para configurar-se o roubo, pois basta a prova de que a violência tenha tolhido a defesa do ofendido.” (RT 593/453).

Pelo exposto, a conduta, a meu ver, se amolda àquela descrita na parte final do art. 157, do CPB.

Por outro lado, lamento dissentir do em. Des. Relator no tocante à aplicação da impossibilidade da nova classificação da conduta em face da aplicação da Súmula nº 453 do STF.

A absolvição deve ser imposta. Contudo, a meu ver, por outros fundamentos.

É que o caso em comento não é de mutatio libelli, mas sim de emendatio libelli.

Conforme se lê na denúncia, a conduta foi descrita com todas as suas elementares e circunstâncias qualificativas, apenas a sua tipificação foi equivocada. O réu, como se sabe, se defende dos fatos a ele imputados e não da capitulação de sua conduta, podendo o Juiz fazer nova classificação ao prolatar a sentença se constatado o erro em face do princípio jura novit curia (art. 383 do CPP).

Na mutatio libelli, ao contrário, novas provas da existência de circunstâncias elementares, não descritas expressa ou implicitamente na denúncia, são descobertas durante a instrução criminal, de modo que o Juiz não poderá emitir Juízo de valor sem antes oportunizar à Defesa o conhecimento de tais circunstâncias.

No caso em concreto, todas as elementares foram descritas expressamente na denúncia e debatidas durante a instrução criminal. Não houve qualquer alteração dos fatos. Tenho para mim que a hipótese aplicável é a do art. 383 do CPP e não a do art. 384 do mesmo Diploma legal. E, naquele caso, não se aplica a Súmula nº 453 do STF, conforme reiterada jurisprudência. Confira-se:

“STF: A ‘emendatio libelli’ - a peça acusatória, não obstante descrever com precisão o fato concreto, empresta-lhe qualificação legal diversa (CPP, art. 383) - pode ser praticada pelo Tribunal de 2º Grau, por isso que ela não se confunde com a ‘mutatio libelli’ (CPP, art. 384), objeto da Súmula 453-STF”. (JSTF, 226/318).

“A Súmula 453 não inibe que, no juízo de apelação, independentemente de recurso de acusação, se dê nova definição jurídica ao fato, desde que não se aplique pena mais grave, atendidos os arts. 383 e 617 do CPP”. (RT, 601/418). (Grifei)

O obstáculo para que se aplique, nesta instância, a nova tipificação da conduta da ré está em que ao fazê-lo sua situação seria agravada. E sem a apelação da acusação, tal desiderato não pode ser alcançado, razão pela qual, entendo deva ser mantida a absolvição preconizada pelo voto do em. Des. Relator.

Ante o exposto, rogando a mais respeitosa vênia ao em. Des. Revisor, voto com o Relator.

É o voto.

DECISÃO

Conhecido o recurso. Provido. Decisão por maioria”.

Como se vê, exsurge a divergência jurisprudencial em face da prolação do julgado da Egrégia Corte Bandeirante.

No mesmo sentido:

ROUBO AGRAVADO PELO CONCURSO DE AGENTES. ABSOLVIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. REDUÇÃO DE PENA. REGIME PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO CORPORAL POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. Ratifica-se decreto condenatório, expedido com fulcro em prova segura, no sentido de atribuir ao réu a prática de conduta descrita no art. 157, §2º, II, do Código Penal. Incabível a desclassificação para furto qualificado, uma vez comprovado que o lesado – sob efeito de substância química, colocado em sua bebida – ficou privado de capacidade de resistência, restando caracterizada a denominada “violência imprópria”. De igual modo, incabível a desclassificação do roubo para furto privilegiado, não só pelo valor da res furtivae como também por ter sido o delito praticado em concurso de agentes. Penas corretamente fixadas. Regime prisional adequado para o delito de roubo sem emprego de arma. Inaplicabilidade da substituição prevista no art. 44, do Estatuto Repressivo. Recurso Improvido.

(TJRJ, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.050.02254, Oitava Câmara Criminal, rel. Des. SERVIO TULIO VIEIRA, j. 26/09/2002).

ROUBO. CONCURSO DE PESSOAS EMPREGO DE SUBSTÂNCIA SONÍFERA. RECURSO DO MP E DO RÉU. AUTORIA. PROVA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO. PENA. REGIME PRISIONAL.

Se a prova revela que o acusado e seu comparsa usaram de alguma substância sonífera capaz de impossibilitar a resistência da vítima de modo a lhes garantir tranqüilidade na subtração de bens seus, o crime a ser identificado é o de roubo em concurso de pessoas.

...

(TJRJ, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 508/2005, 3ª Câmara Criminal, rel. Des. Ricardo BUSTAMANTE, j. 20/09/2005)

ROUBO. CONCURSO DE PESSOAS. USO DE BEBIDA ALCOÓLICA COM COMPRIMIDOS CONTENDO SUBSTÂNCIA ESTUPEFICANTE. FLAGRANTE. TENTATIVA. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME. IMPOSSIBILIDADE.

Apelação. Penal. Roubo. Coarctação de resistência por subministração de bebida alcoólica com comprimido contendo substância estupeficante. Desclassificação para furto. Impossibilidade. Conjunto probatório firme. Majorante. Concurso de pessoas. Tentativa. Quantum de redução.

A abordagem amistosa da vítima pelas autoras do fato, fazendo-se passar por pessoas que querem estabelecer relação de amizade, para, então, conquistando a confiança da vítima, aproveitando-se o desarme desta, convence-a a beber um copo de cerveja, adrede misturada com comprimido de substância que reduz a capacidade cognitiva da pessoa, constitui modalidade imprópria de violência descrita no tipo penal básico na modalidade “qualquer outro meio”, abstraída a grave ameaça. De resto, tem-se conjunto probatório farto e seguro. Assim é que fica afastada a possibilidade de desclassificação para furto.

...

(TJRJ, Apelação Criminal nº 3468/2003, 1ª Câmara Criminal, rel. Des. NEWTON PAULO AZEREDO DA SILVEIRA, Revista de Direito nº 61, p. 386).

3.1 – Comparação Analítica

Para o v. acórdão recorrido:

“Mas o que se quer dizer é que se pode afirmar com absoluta certeza que a vítima NÃO sofreu grave ameaça ou violência, elementos que tipificam o roubo.

Pelo que se extraiu, repita-se, não é de tudo absurdo que a vítima foi ardilosamente envolvido pelas rés, e em especial por GISLAINE, com quem programou encontro sexual, acabando por ser presa fácil ao ingerir substância que o fez dormir. Outra forma de interpretar os fatos, ‘data venia’ das vozes divergentes, não é crível, pois as narrativas da vítima não encontram liame com o restante das provas, e mesmo com o do próprio filho, que sequer presenciou a cena delituosa.

E, em sendo assim, o mais adequado é considerar a conduta da rés como furto e não roubo.

No roubo a subtração ou inversão da posse ocorre mediante ação do agente infrator, que usa de grave ameaça ou violência, impossibilitando que a vítima defenda seu patrimônio. No furto a mesma subtração ou inversão de posse não decorre de ato de intimidação do agente infrator, mas vítima se torna incapaz de defender seus bens por se encontrar ausente ou envolvida por ato de destreza ou fraude, não caracterizado por grave ameaça ou violência.

No caso em testilha, repita-se, a subtração dos bens se deu porque as rés fizeram com que a vítima ingerisse, não forçosamente, substância que a tornou presa fácil para que conseguissem seu intento, furtar-lhes os bens.

Desclassifica-se, pois, o crime para furto qualificado pelo curso de agentes (art. 155, parágrafo 4º, inciso IV, do Código Penal), pois a comunhão de propósitos restou incontroversa nos autos”

Enquanto que para o v. aresto paradigma:

“Todavia, o que se constata, analisando a dinâmica dos fatos ocorridos, é que não ficou comprovada a eventual fraude praticada pela acusada com vista à subtração dos pertences da vítima, já que, segundo orientação doutrinária, esta evidencia-se quando o agente utiliza-se de qualquer meio enganoso capaz de iludir a vítima enquanto comete propriamente o crime de furto, subtraindo, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, como por exemplo no caso do agente que, prontificando-se a ajudar a vítima a efetuar operação em caixa eletrônico, subtrai seu numerário sem que perceba.

Na hipótese, ao contrário, verifica-se que a acusada utilizou-se de um meio que impossibilitou, de qualquer forma, a defesa da vítima, fazendo com que a ofendida ingerisse um suco contendo substância capaz de inebriá-la, a ponto de não conseguir oferecer qualquer resistência à subtração de seus bens pessoais. Posto isso, verifica-se que a capitulação legal que efetivamente se subsume aos fatos descritos na denúncia é aquela contida no caput do art. 157 do CP, na sua parte final e não àquela estabelecida na peça acusatória, relativamente à prática do crime de furto qualificado pela fraude.

Bem a propósito, evidencia-se o aresto a seguir:

“Mesmo que se admita tenha a vítima sido subjugada mediante o uso de narcótico, ainda subsistirá o roubo, marcado não só pelo emprego de violência ou grave ameaça, como pelo uso de qualquer meio que prive aquela do poder de agir, depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido a impossibilidade de resistência.” (RT 440/428)”.

Como se vê, os dois julgados tratam de situações semelhantes. Discutiu-se se configura roubo ou furto, a conduta do agente, conhecida por “boa noite Cinderela”, que ministra substância sonífera ou assemelhada na bebida da vítima, para reduzi-la à incapacidade de resistência e, assim possibilitar a subtração de seus bens. Para o v. acórdão impugnado, configura-se o delito de furto (“não é de todo absurdo que a vítima foi ardilosamente envolvido pelas rés, e em especial por GISLAINE, com quem programou encontro sexual, acabando por ser presa fácil ao ingerir substância que o fez dormir. .... E, em sendo assim, o mais adequado é considerar a conduta das rés como furto e não roubo”); enquanto que para o v. aresto paradigma, está caracterizado delito do art. 157 do CP (“verifica-se que a acusada utilizou-se de um meio que impossibilitou, de qualquer forma, a defesa da vítima, fazendo com que a ofendida ingerisse um suco contendo substância capaz de inebriá-la, a ponto de não conseguir qualquer resistência à subtração”).

Por seu acerto, deve prevalecer no caso dos autos o entendimento da Egrégia Corte do Distrito Federal e Territórios, consoante, também, a ampla doutrina nacional e estrangeira acima citada, no sentido de tratar-se de crime de roubo.

4 – pedido de reforma

Diante do exposto, demonstrada a contrariedade à lei federal e o dissídio jurisprudencial, aguarda o Ministério Público a admissibilidade do presente recurso especial por esta Egrégia Presidência e a remessa dos autos ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, para o seu conhecimento e provimento, cassando-se o v. acórdão impugnado e restabelecendo-se a r. sentença de primeiro grau de jurisdição, em relação às recorridas daniela medeiros dantas correia, gislaine maria roberto e viviane maria Roberto,

São Paulo, 5 de dezembro de 2006.

Luiz Antonio Cardoso

Procurador de Justiça

Jorge Assaf Maluly

Promotor de Justiça designado

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[1] Cf. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, ed. Forense, 1980, vol. VII, 4ª Ed., p. 55.

[2] Cf. Direito Penal, São Paulo, ed. Saraiva, vol. 2, 22ª ed. 1987, p. 151

[3] Cf. Direito Penal, São Paulo, ed. Saraiva, 2º vol. – Parte Especial, 24ª ed., 2001, p. 341.

[4] Cf. Tratado de Direito Penal – Parte Especial, São Paulo, ed. Saraiva, vol. 3, 2003, pp. 87 e 88.

[5] cf. O Furto e o Roubo no Direito e no Processo Penal, Rio de Janeiro, ed. Forense, 1995, p. 214

[6] Cf. Diritto Penale, Parte Speciale, Delitti Contro Il Patrimônio, Padova, CEDAM, 1989, pp. 48-49

[7] Cf. Trattato di Diritto Penale Italiano, Delitti Contro Il Patrimônio, Torino, UNIONE TIPOGRFICO – EDITRICE TORINESE, 1948, vol. Nono, , p. 346.

[8] Cf. Manuale di Diritto Penale, Parte Speciale, I, Dodicesima Edizione Integrata e Aggiornata a cura di LUIGI CONTI, Milano, - Dott. A. Giuffrè Editore, 1996, p. 382

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