USO DE ANTROPÔNIMOS NA FRASEOLOGIA POPULAR



USO DE ANTROPÔNIMOS NA FRASEOLOGIA POPULAR

As frases feitas, como lições de comportamento, mencionam casos específicos para extrair conclusões genéricas; se são, esses casos específicos, reais ou fictícios não importa muito na obtenção dos resultados pretendidos que é passar uma fórmula de domesticação. Um dos recursos para conferir às frases feitas um valor-verdade é citar exemplo de outras pessoas que estão ou estiveram em situação semelhante, nomeando essas pessoas, de forma a obter, na locução, um efeito de sonoridade agradável. Pesquisou-se, em coletâneas de provérbios, a freqüência no uso de antropônimos, observando a preferência por determinados campos, como nomes bíblicos, nomes de santos populares, nomes mitológicos e hipocorísticos. Constatou-se ser apreciável o número de citações envolvendo antropônimos, relacionados, na maioria dos casos, ao campo religioso, de forma consciente ou não. Fazendo trabalho comparativo, ainda em coletâneas, verificou-se ocorrer o mesmo fato em locuções correntes em algumas outras comunidades lingüísticas. Deduz-se não poder ser justificado o uso de antropônimos nas frases feitas, ao menos sincronicamente. Se houve, ou não, um fato verdadeiro na sua origem, quase nunca se pode comprovar, a não ser que se inventem teorias fantasiosas. Comanda a escolha de um ou outro antropônimo a sonoridade, que se obtém por efeitos de aliteração, métrica, ritmo e rima.

São as "maneiras de falar", as "frases feitas" uma expressão constituída pela união de várias palavras formando unidade sintática e fraseológica. O emprego de frases feitas é cômodo, pois nos dispensa da obrigação de pensar, de ser original e, até, por vezes, racional. Alguém já pensou por nós, só nos cabe repetir o já-dito, já consagrado pelo uso, que está à disposição de todos. As frases feitas são reforço e exemplo. Por falta de exemplo real, não ficará o discurso sem ilustração. Há um estoque, em cada comunidade, de exemplos, nos quais se acredita, pela força dos anos e da tradição. Servem de introdução, ou de fecho à peroração. Resumem, ou colorem o que foi dito anteriormente. De qualquer forma, não admitem réplica. São tidas como verdade incontestável, avalizadas, exatamente, pelo seu aspecto arcaizado. Nelas aparecem palavras e torneios sintáticos caídos em desuso. Não sofrem mutação. Sua antigüidade é sua garantia. Os "ditos populares" guardam sobrevivências históricas, idiomáticas e sociais, na sua forma concisa, de sonoridade agradável. Estão à margem do uso normal da língua, por suas características de forma e de som, pelo afastamento das normas lexicais e gramaticais e por seus valores metafóricos particulares.

Na tentativa de análise da motivação inicial, a locução é rebelde, na maioria dos casos, a qualquer estudo histórico. Torna-se, então, difícil e perigoso procurar saber a etimologia das frases que retemos de memória e aplicamos nas diversas circunstâncias. Mesmo as citações encontradas nas obras literárias e de doutrinação não nos tira a dúvida se são criações do autorou registro de expressões já existentes na comunidade. Também a "moral" das fábulas pode ter sido adotada como dito popular, como podem ser as fábulas paráfrases de ditos já existentes.

Por outro lado, há reação contra as frases feitas, tidas como índice de limitação ou, até, de "preguiça" mental. São vistas como folclóricas, vendo-se, também, o folclore, como expressão exclusiva das "classes mais humildes", o que causa uma certa depreciação, embora se afirme ser o folclore, na verdade pertinente a todas as classes sociais. Qualquer membro de uma comunidade reconhece, de imediato, os ditos os "provérbios" como tais; sabem de seu emprego na comunicação, quando o falante quer dar validade a seus argumentos.

Pelo seu caráter de hors-texte, ponto de inserção de um, assim chamado, saber comum da coletividade, [1] exime-se o falante de qualquer questionamento em relação à verdade histórica do dito popular. Empregam-se nuances de entonação ( pausa, mudança de altura ) ou fórmulas de introdução ( como se diz, como diz o outro etc ) a fim de deixar claro que se trata de uma voz tomada de empréstimo. Para que uma fórmula passe a constituir uma unidade lingüística, levam-se em conta a freqüência e a duração com que se apresentam em uma comunidade, o que demanda pesquisa orais, em coletâneas e, até mesmo, nos arquivos da memória pessoal.

Nas fontes pesquisadas ( mencionadas na bibliografia ), encontram-se várias das expressões populares contendo topônimos e antropônimos. Se há, ou não, um fato histórico em sua origem, não se pode comprovar, a não ser que se criem teorias. Ocorre, por vezes, o mesmo aconselhamento com nomes diferentes:

Roma não se fez em um dia.

No se gañó Zamora en una hora.

Paris n'a pas été bâti en un jour.

O mesmo acontece com antropônimos, como veremos nos exemplos a seguir. Não havendo, ou estando perdida, a razão histórica do uso de um ou outro nome, devemos buscar, no âmbito lingüístico, a razão de sua permanência.

As frases feitas sobrevivem, na memória popular, por suas características de ritmo, métrica e rima, como pequenos poemas que são. A presença de antropônimos encontrará, assim, a sua justificativa pelo encaixe nas propriedades poéticas dos provérbios. A presença de nomes de santos terá uma dupla motivação; além da sonoridade agradável, o maior aval, por serem os santos criaturas mais sábias, mais dignas de admiração e mais próximas aos poderes extraterrestres; portanto, com mais capacidade de influenciar os fatos da vida cotidiana. O uso de antropônimos não se observa somente nos provérbios em português, porém em vários outros idiomas, de acordo com as coletâneas consultadas. A mesma idéia, o mesmo aconselhamento, são exemplificados com diversas personagens ou com a mesma personagem em línguas diversas, comandada, a escolha de uma ou outra forma, somente pela sonoridade:

Veremos, a seguir, exemplos de provérbios, mostrando nomes de pessoas, em algumas línguas, para comparação, reunidos pela "lição" que fornecem, pela regra de conduta apresentada. Se essas pessoas mencionadas são reais ou hipotéticas, modernamente não o podemos dizer. A referência a indivíduos reforça a "aparência-verdade", é uma maneira de dizer: o que sucede a João, ou Maria, pode suceder ao ouvinte, ou ao falante, ou a qualquer pessoa.

As pessoas não procuram, ou não atraem seres muito diversos de si próprias:

1. ( português. ) Cada Manoel tem a sua Maria.

2. ( castelhano ) Tal para cual, Juan para Maria y Maria para Juan.

3. ( cast. ) Casaron a Pedro com Marihuela; si ruin es él, ruin es ella.

4. ( alemão ) Jeder Hans hat seine Grete.

5. ( cast. ) Tan honrado es Martín como su rocín.

6. ( provençal. ) Tant tiro Martin coume soun ase.

7. ( cast. ) Tan bueno es Pedro como su amo.

8. ( port. ) Tão bom é Pedro como seu amo.

• É em criança que se adquirem os hábitos e os costumes:

9. ( italiano ) Quello il piccolo Giovannino non imparò non imparerà mai il vecchio Giovanni.

10. ( reto-romance ) Quei ca Hansèt amprenda buc, amprenda Hans mai buc.

11. ( al. ) Was Hänschen nicht lernt, lernt Hans nimmermehr.

12. ( it. ) Bernardo andò e Bernardo tornò.

• Por uma ninharia, por vezes, há grandes prejuízos:

13. ( francês ) Pour un point, Martin perd son âne.

14. ( prov. ) Pèr un poun Martin perdeguè soun ase.

15. ( it. ) Per un punto Martin perse la cappa.

16. ( cast. ) Por un solo punto Martín perdió su asno.

17.( catalão ) Per un punt l'abat va perdre as mula.

– substitui-se, aqui, o personativo pelo designativo de profissão; terá havido um Abade Martin na origem da expressão?

• As pessoas são mais iguais ou mais diferentes entre si do que aparentam:

18. ( cast.) El Alfonso e vos Alfonso. Quanto va de Alfonso a Alfonso!

19. ( cast. ) De Juan a Pedro no va un dedo.

20. ( cast. ) Algo va de Pedro a Pedro.

21. ( port. ) O que é bom para Pedro, é mau para Rodrigo.

22. ( port. ) Com o que Pedro sara, Paulo adoece.

23. ( cast. ) Com lo que Sancho sana, Domingo adolece.

24. ( cast. ) Com lo que Sancha sana, Marta cae mala.

• Os filhos nunca são muito diferentes dos pais:

25. ( cast. ) Cual es María, tal hija cría.

26. ( port. ) Qual é Maria, tal filha cria.

• Quando as pessoas são necessárias, são benvindas, caso contrário, dispensam-se:

27. ( cat. ) Quand es menester María, vinga María; quand no es menester

María, fora María.

• Por sua vez, as pessoas também se retiram, quando satisfeitas:

28. ( cast. ) Bien canta Marta, después de harta.

29. ( port. ) Bem palra Marta depois de farta.

• Cada tolo sempre encontra imitadores:

30. ( fr. ) Quand Jean bête est mort, il a bien laissé des héritiers.

31. ( prov. ) Quand Jean-lou-sot mourè, foueço eiretié laissé.

Observam-se, dos exemplos mencionados, a incidência de nomes populares, com evidente motivação religiosa. A presença do mesmo nome e do mesmo conceito em ditos de línguas diferentes coloca a questão: trata-se de uma poligênese, manifestação do inconsciente coletivo, ou de simples migração do provérbio? De qualquer forma, sua transmissão oral estende-se no tempo e no espaço, levado por viajantes, mercadores, jograis. Tornam-se patrimônio de uma comunidade, o que não impede que outras comunidades o empreguem.

No plano fonético, observa-se ser a escolha do nome comandada pela rima em 3, 5, 12, 13,19 25, 26, 28 e 29, mostrando ser a rima um importante fator determinante de escolha. Observamos, ainda, aliteração (repetição da mesma consoante) em 1, 6, 13, 14, 15, 16, e 24, também compondo sonoridade agradável, auxiliar de memória. Os efeitos de rima e de aliteração podem, até mesmo, ser obtidos com a mesma palavra, como observamos em 12, 18, 20, 27 o que, a primeira vista poderia parecer uma tautologia; porém se "Bernardo andou e Bernardo voltou" não há circularidade de idéia e sim menção à permanência de características numa mesma pessoa.

Em todas as formas mencionadas, pode-se ler um dístico, estrofe de dois versos, uma estrutura binária, alternância entre dois fatos, ascensão e queda, em outras palavras, ritmo - significante de um mundo equilibrado, imutável, em repouso, como o querem os provérbios[2].

Leia mais:

BARROSO, Gustavo. Através dos folclores. S. Paulo: Melhoramentos, Rio: Cayeiras, / s. d. /

CORSO, Felix F. Refranero español. Buenos Aires; Libreria Perlado, 1942.

GOTTSCHALK, Walter. Die bildhaften sprichwörter der Romanen. Heidelberg: Carl Winters Universitätsbuchhandlung.

GREIMAS, Algirdas Julien. "Idiotismes, proverbes et dictons". Cahiers de lexicologie. Paris: Didier Larousse, 1960.

GUIRAUD, Pierre. Les locutions françaises. Paris: Presses Universitaires de France, 1962.

MELLO, Fernando Ribeiro de. Nova recolha de provérbios e outros lugares comuns. Lisboa: Afrodite, 1974.

RIBEIRO, João. Frases feitas. Rio: Francisco Alves, 1960.

ZUMTHOR, Paul. "L'épiphonème proverbial". Révue des sciences humaines. Lille: 1976.

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[1] ZUMTHOR, Paul. 1976. p. 316-328.

[2] GREIMAS, A . J. 1960, p. 41.

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