Ensino de História da Psicologia e desenhos animados ...

[Pages:10]ISSN 1413-389X

Temas em Psicologia - 2009, Vol. 17, no 1, 275 ? 284

Ensino de Hist?ria da Psicologia e desenhos animados: possibilidades de novas articula??es

Cristina Lhullier Universidade de Caxias do Sul ? RS ? Brasil

Resumo

Os professores do ensino superior devem estar atentos para o desenvolvimento de recursos pedag?gicos que possibilitem novas oportunidades de aprendizagem para os estudantes. Este artigo pretende descrever a utiliza??o, pela autora, do desenho animado de longa metragem George, o Curioso na disciplina de Hist?ria e Sistemas em Psicologia I durante o ano de 2008 . Esse filme possibilita a articula??o dos conceitos e das teorias do Funcionalismo com a hist?ria contada na tela. As vantagens desse tipo de recurso incluem a menor dura??o dos desenhos animados quando comparados com filmes com atores, permitindo melhor uso do tempo em sala de aula, e tamb?m a facilidade em identificar os t?picos levantados pelo professor, pois o roteiro pressup?e consist?ncia de comportamento dos personagens, narrativa linear e desfecho explicativo. Longe de promover uma infantiliza??o dos estudantes, esse recurso abre uma via de di?logo entre estes e a ci?ncia psicol?gica, resgatando a ludicidade da aprendizagem.

Palavras-chave: Hist?ria da psicologia, Desenho animado, Ensino de psicologia, Recursos

pedag?gicos.

The teaching of History of Psychology and animated movies: possible new interactions

Abstract

Higher education teachers should be attentive to the appearance of teaching means that allow new learning opportunities for the students. The present paper intends to describe the use of the "Curious George" animated feature in the History of Psychology class during 2008. This movie allows the relating of concepts and theories of Functionalism to the story being told. The advantages of this teaching resource are a shorter duration of cartoons, compared to live action movies, allowing better in-class time management, and also ease identification of topics raised by the teacher, as the plot presents consistency regarding the characters' behavior, linear narrative and self-explanatory ending. Far from infantilizing the students, this resource opens up dialogue possibilities between the latter and Psychological Science and also brings back the ludic aspects of learning.

Keywords: History of psychology, Animated movie, Psychology teaching, Teaching resources.

O ensino de Hist?ria da Psicologia nos cursos de gradua??o apresenta especificidades que geram a necessidade de refletir sobre sua pr?tica - ver, por exemplo, colet?neas organizadas por Campos (1996) e Brozek e Massimi (1998). Dentre essas, pode-se destacar o car?ter te?rico dessa disciplina e certo distanciamento dos alunos em rela??o aos

conte?dos hist?ricos. O professor deve n?o somente possuir conhecimento relativo ?s teorias e aos sistemas psicol?gicos, mas tamb?m estar atento para o desenvolvimento de recursos pedag?gicos que tornem a aprendizagem mais atrativa aos estudantes.

Um dos recursos utilizados em sala de aula ? a apresenta??o de filmes seguidos de uma

______________________________________ Endere?o para correspond?ncia: Rua Joaquim Cruz, 331, casa 09. Santo Antonio, Porto Alegre, RS. CEP: 90660-3000. Fones: (51) 3223 7924/(51) 9997 3425. Fax: (54) 3218 2809. E-mail: cris.lhullier@.br.

Gostaria de agradecer ao Prof. Dr. Lucas F. de Oliveira pela revis?o do manuscrito e pelas tradu??es do resumo e dos trechos das can??es apresentadas no artigo.

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discuss?o que busca relacionar o que foi visto com o que foi estudado. Contudo, as produ??es cinematogr?ficas nem sempre se adequam ao per?odo da aula, tendo o professor que passar o filme em uma aula e realizar a discuss?o em outra, ?s vezes com um distanciamento de tempo entre elas. Outro poss?vel empecilho ? a linguagem do cinema, que, em algumas situa??es, apresenta-se de forma cifrada ao espectador. Se o aluno n?o consegue compartilhar desse simbolismo, ter? dificuldades em estabelecer rela??es entre os elementos presentes no filme e os conte?dos trabalhos em aula.

Desse modo, por que n?o pensar em outros recursos que se utilizem do mesmo formato, mas que possuam uma linguagem mais acess?vel e uma dura??o mais curta? E, nesses aspectos, os desenhos animados de longa metragem preenchem os requisitos de modo satisfat?rio.

Embora identificados como produtos destinados ao p?blico infanto-juvenil, os desenhos animados de longa metragem comumente s?o tamb?m um divertimento para adultos, em especial para aqueles que cresceram em contato com a televis?o. As produ??es contempor?neas cont?m muitas refer?ncias a seriados, filmes e videoclipes. Isto

talvez seja reflexo do tipo de ambiente que desenhistas e roteiristas tenham tido contato na sua inf?ncia. Em algumas ocasi?es, as crian?as e os adolescentes n?o compreendem o que acontece no filme, enquanto que os adultos explodem em risadas. Desse modo, pode-se pensar que os alunos do curso de gradua??o em Psicologia poder?o se aproveitar desse tipo de m?dia no seu processo de aprendizagem. Outro ponto importante em rela??o aos desenhos de longa metragem refere-se ao uso de t?cnicas de anima??o cada vez mais sofisticadas, que tornam a experi?ncia de assisti-los repleta de prazer est?tico.

Ao longo do ano letivo de 2008, o filme escolhido para ser discutido pela autora com os alunos da disciplina de Hist?ria da Psicologia I, do curso de Psicologia de uma universidade da regi?o nordeste do estado do Rio Grande do Sul, foi George, o curioso. Essa produ??o norte-americana de 2006 foi realizada com uma t?cnica de anima??o considerada cl?ssica, prescindindo de recursos computacionais (( 2006_film)). Entretanto, o filme cativa o espectador pelo colorido das imagens e pelo carisma do seu personagem central, o macaquinho George.

Figura 1. George, o Curioso, como apresentado em um dos cartazes de divulga??o do filme. Reproduzida da p?gina de divulga??o Animatoons. Recuperada em 24 de abril de 2009, de . Copirraite 2006 Universal Studios.

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Este personagem ? oriundo dos livros infantis criados pelo casal Hans August e Margret Rey na d?cada de 1940 (( character)).

Posteriormente, o personagem deu origem a uma s?rie de desenhos de curta metragem para televis?o e a grande variedade de produtos infantis. Adapta??es foram feitas no intuito de transportar George das p?ginas dos livros para a tela. Como o personagem n?o fala, seu protagonismo foi dividido com o Homem do Chap?u Amarelo, agora chamado de Ted. ? ele quem o macaquinho segue at? os Estados Unidos. Nos livros, o Homem de Chap?u Amarelo rapta George da floresta e o leva para a cidade grande, mas no filme ? apresentada uma vers?o menos "colonialista", que ser? apresentada adiante.

Discuss?es a respeito do revisionismo politicamente correto ? parte (Miller, , 02/02/2006; Strike, , 10/02/2006) , o importante ? que a caracter?stica central do personagem ? a curiosidade ? foi mantida. E esse ? o t?pico principal neste artigo. As poss?veis rela??es entre os conte?dos do filme e a teoria do Funcionalismo, nas suas vers?es norte-americana e europ?ia, s?o trabalhadas a seguir articulando a descri??o de cenas do filme e os conceitos desta vertente te?rica. Ao final, s?o discutidas as vantagens do uso deste tipo de recurso pedag?gico em sala de aula e suas consequ?ncias para o processo de aprendizagem da Hist?ria da Psicologia.

George, o Curioso como recurso pedag?gico nas aulas de Hist?ria da

Psicologia

O filme come?a com George na floresta cercado por outros animais. Ele est? mostrando como pintar pedras com a seiva de uma ?rvore e, depois, estando com as m?os sujas, como lav?-las em um lago formado por uma cachoeira. As cenas n?o possuem di?logos, apenas a can??o Upside Down, composta pelo m?sico norte-americano Jack Johnson, cujo refr?o ? o seguinte1:

1 As letras das m?sicas que comp?em a trilha sonora do filme "George, o Curioso" foram obtidas no site STLyrics (), e foram compostas por Jack Johnson. A tradu??o do

I want to turn the whole thing upside down

I'll find the things they say just can't be found

I'll share this love I find with everyone

We'll sing and dance to Mother Nature's songs

I don't want this feeling to go away

George e os outros animais parecem estar se divertindo com as novas descobertas, mas estas perturbam a ordem da floresta. Isso fica claro quando os pais dos animais aparecem e ordenam, por meio de gestos, que George deve deix?-los, pois o fato dele colocar a floresta de cabe?a para baixo com sua curiosidade n?o ? bem-vindo. O macaquinho, ent?o, ? abandonado, enquanto os animais se afastam com seus filhotes.

Os espectadores somente percebem que George e os outros animais s?o filhotes quando os animais adultos aparecem em cena. Antes disso, o filme parece retratar o cotidiano da floresta. A partir do momento em que isso acontece, a floresta se divide em dois mundos distintos ? os dos adultos, marcado pela seriedade e pelo cumprimento das regras, e o dos filhotes, onde as brincadeiras e a experimenta??o imperam. Contudo, os adultos desaprovam essa busca por novidades e preferem que os filhotes fa?am as mesmas coisas que eles. George claramente destoa dos demais.

Este primeiro momento remete ? no??o de crian?a como uma c?pia em miniatura do adulto (Ari?s, 1981; Borstelmann, 1983). Por se parecerem fisicamente com um adulto, esperava-se que estas se comportassem como tal, ignorando a exist?ncia de um mundo e de uma mente infantis. Uma das teorias psicol?gicas que contesta tal no??o ? o Funcionalismo. Tanto na sua vertente norteamericana como na europ?ia, os funcionalistas v?o se interessar pela investiga??o das fases

primeiro trecho encontra-se abaixo. Nas tradu??es, priorizou-se o sentido e a ritmicidade da letra e n?o a literalidade das palavras.

Quero virar tudo de cabe?a para baixo Quero encontrar as coisas que dizem n?o poder ser achadas Vou dividir com todos o amor que eu encontrar Vamos cantar e dan?ar ao som das m?sicas da M?e Natureza N?o quero que este sentimento v? embora

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iniciais do desenvolvimento humano a fim de demonstrar que as crian?as possuem caracter?sticas ps?quicas diferentes dos adultos (Schultz & Schultz, 2005; Campos & Nepomuceno, 2007).

Essas investiga??es tinham como objetivo o estabelecimento de novas pr?ticas pedag?gicas, que deveriam ter a crian?a como centro. O estabelecimento do conceito de interesse como no??o-chave do processo de aprendizagem infantil por E. Clapar?de e as publica??es sobre a inf?ncia e a adolesc?ncia de autores norte-americanos, como J. M. Baldwin e J. McKeen Cattell, s?o exemplos da preocupa??o dos funcionalistas em estabelecer a inf?ncia como um momento diferenciado no desenvolvimento do ser humano (Schultz & Schultz, 2005; Campos & Nepomuceno, 2007). Outro exemplo ? a constru??o de instrumentos de avalia??o das habilidades infantis, como o teste elaborado por A. Binet e Th. Simon e sua adapta??o, o Stanford-Binet (Braunstein & Pewzner, 2003; Ferreira & Gutman, 2007).

A vida infantil, segundo os funcionalistas, deveria ser marcada pela possibilidade das crian?as entrarem em contato com o ambiente sem a regulamenta??o dos adultos, tendo seu corpo como ve?culo de explora??o. A utiliza??o dos sentidos como modo principal de acesso ?s informa??es do ambiente remete ?s bases empiristas desta teoria (Schultz & Schultz, 2005). No entanto, a crian?a n?o ? considerada uma tabula rasa, moldada pelo ambiente, mas um ser dotado de uma consci?ncia capaz de mediar estas intera??es e produzir novos conhecimentos a partir destas. Os adultos surgem como mediadores desse processo, estando atentos aos interesses e ?s necessidades das crian?as, e oportunizando situa??es para que esta aprendizagem pelos sentidos ocorra (Campos & Nepomuceno, 2007).

O personagem de George surge como um representante desta vis?o de inf?ncia proveniente da teoria funcionalista. Sua curiosidade o conduz a novas descobertas, muitas delas acidentais, como quando mistura as tintas na banheira do apartamento de Ms. Plushbottom, vizinha de Ted. Contudo, elas tamb?m s?o geradoras de conflitos com os adultos, tanto humanos como animais. O desenvolvimento da cogni??o nas crian?as se d? atrav?s de v?rias etapas, aproximando-se cada vez mais de uma estrutura de pensamento adulta. Dadas as diferen?as entre estas cogni??es, os adultos podem n?o reconhecer as

habilidades cognitivas presentes nas crian?as e interpretar as consequ?ncias das a??es destes apenas pela ?tica do descumprimento de regras e n?o pela ludicidade da descoberta. E ? o que acontece com George no desenho.

O antropomorfismo do macaquinho ? explorado no filme em diversas situa??es. George apresenta-se n?o como um animal, mas como uma crian?a que ainda n?o fala, tendo suas emo??es reveladas pelo seu rosto e algumas vocaliza??es. Destacam-se dois momentos em que essas caracter?sticas quase humanas s?o exploradas pelos roteiristas.

O primeiro acontece no encontro de Ted e George na floresta. Ted est? em uma viagem de explora??o em busca do ?dolo perdido de Zagawa. Esta est?tua gigantesca h? muito tempo desaparecida ? a salva??o financeira do museu de ci?ncias em que ele trabalha. O dono do museu, Mr. Bloomsberry, um grande aventureiro no passado, n?o pode realizar a viagem por causa da idade avan?ada. Seu filho, Junior, acha melhor que o museu seja vendido e que o terreno torne-se um estacionamento. Portanto, Ted encontra-se investido de uma tarefa que n?o apenas ir? manter seu emprego como tamb?m sua amizade e cumplicidade com Mr. Bloomsberry. Ted entra na floresta vestindo um chamativo uniforme amarelo. George acaba confundindo o chap?u com uma banana e o rouba de Ted. Este, tentando reav?lo, acaba brincando de esconde-esconde com George, o que deixa o macaquinho muito feliz. Ted desiste de conseguir o chap?u de volta e o deixa com George. O macaquinho, querendo continuar a brincadeira, segue Ted at? o navio e acaba por viajar para os Estados Unidos.

Uma vez reunidos, tem-se o segundo momento em que as caracter?sticas quase humanas de George s?o apresentadas. Ted busca uma maneira de devolver George ? floresta, mas este parece mais interessado no que pode descobrir na cidade grande. Em uma das caminhadas pelas ruas, George observa atentamente a maneira como as crian?as passeiam com seus pais, seja de m?os dadas, seja carregadas nos ombros ou abra?adas nas pernas dos pais. A cada novo jeito de passear, George o imita com Ted. A m?sica que acompanha a cena chama-se People watching, e seus versos iniciais afirmam que2:

2 E estamos todos pessoas olhando Outras pessoas olhando a gente Somos t?o solit?rios quanto queremos ser

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And we're all people watching

The other people watching we

We're as lonely as we wanted to be

George se afei?oa a Ted, pois este ? o ?nico a lhe dedicar um pouco de aten??o no momento em que ele est? sozinho. O macaquinho reconhece no homem do chap?u amarelo uma possibilidade de intera??o que ele n?o mais possui na floresta. Inicialmente, Ted acha essa situa??o desconfort?vel, j? que o macaquinho n?o apenas atrapalha a sua rotina de vida como o conduz a muitas confus?es, que o levam a ser expulso do seu apartamento. No entanto, Ted tamb?m est? sozinho na cidade e George aparece como um poss?vel amigo, quem sabe um filho para ser cuidado.

Seu primeiro passeio na cidade come?a com muitos desacertos. George imita as crian?as que enxerga, enquanto Ted n?o parece muito satisfeito no seu papel de pai. Os olhares a eles dirigidos misturam surpresa e desaprova??o, mas, ? medida que o comportamento do macaquinho come?a a se assemelhar aos das crian?as, os passantes acham divertido, e Ted percebe que tamb?m deve aproveitar o momento.

A rela??o que se desenvolve entre Ted e George pode ser associada com o processo de forma??o de h?bitos descrito por W. James (James, 1890/2009). Este conceitua o h?bito como uma via, um modo de fazer as coisas que se torna automatizado (Ferreira & Gutman, 2007). A origem deste h?bito deve ser buscada na capacidade adaptativa da consci?ncia. A consci?ncia desenvolve novas formas de solucionar as tarefas do cotidiano, formas que despendem menos energia e que facilitam a adapta??o do organismo ao ambiente. No momento em que essa nova forma passa a ser utilizada com frequ?ncia, a via que a gerou tamb?m passa a ser mais e mais usada, sendo incorporada ao conjunto de h?bitos j? existentes.

Para Ted, ter o macaquinho por perto parece trazer apenas desvantagens, como perder o seu apartamento, mas, aos poucos, ele se d? conta de que George ? um elemento que o coloca em contato com os outros. Esse contato ? percebido por Ted como satisfat?rio, pois ele sabe que n?o ? bem sucedido nos seus relacionamentos, j? que seus ?nicos amigos s?o Mr. Bloomsberry e Cl?vis, o exc?ntrico inventor que realiza a manuten??o dos objetos eletr?nicos do museu. George d? a ele a

oportunidade de ser respons?vel por outro ser e ser avaliado positivamente pelos demais, o que ser? considerado como mais adaptativo que o modo de agir anterior. Aos poucos, estar com George por perto torna-se um h?bito cuja perda ser? sentida.

A conviv?ncia com George ocasiona em Ted outras mudan?as, ligadas ao modo como ele v? o mundo e o conhecimento. Ted ? apresentado como um leg?timo representante da tribo dos ratos de biblioteca. Embora trabalhe em um museu, ele nunca havia realizado uma viagem para coletar os objetos que comp?em a exposi??o. Ele n?o permite que os visitantes toquem ou interajam com os objetos e acredita que tudo o que ? preciso saber j? est? escrito nos livros. Racional, suas piadas carecem de gra?a, pois n?o possuem emo??o e empatia.

George ir? modificar esta postura ao desafiar Ted a experimentar novos modos de se comportar, que ir?o gerar novos modos de pensar e de conhecer. Em um dado momento do filme, Ted e George est?o no zool?gico. O macaquinho encanta-se com os bal?es coloridos e levanta voo ao segurar muitos deles. Ted vai resgat?-lo, tomando emprestado do vendedor os bal?es remanescentes. Ele descobre que pode utilizar uma pipa como leme e direcionar os bal?es para seguir a trajet?ria de George. Quando finalmente o alcan?a, ele tem de salv?-lo, pois os bal?es de George acabam furando. Juntos, realizam um passeio a?reo pela cidade, e Ted repara que esta parece diferente se vista do alto.

A can??o que embala o passeio ? Talk to the Town3:

And the trouble I find is that the trouble finds me

It's a part of my mind it begins with a dream

And a feeling I get when I look and I see

That this world is a puzzle, I'll find all of the pieces

And put it all together, and then I'll rearrange it

3 E o problema que encontro ? que os problemas me encontram ? uma parte da minha cabe?a que come?a com um sonho E com a sensa??o que tenho quando olho e vejo Que este mundo ? um quebra-cabe?as, e eu vou encontrar todas as pe?as E coloc?-las juntas e depois reorganizar tudo

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Figura 2. George e Ted em seu passeio a?reo, como apresentado em um dos cartazes de divulga??o do filme. Reproduzida da p?gina de divulga??o Animatoons. Recuperada em 24 de abril de 2009, de . Copirraite 2006 Universal Studios.

Se pensarmos em termos do desenvolvimento cognitivo, tal como descrito por J. Piaget (Campos & Nepomuceno, 2007), observa-se que George age como um fator desequilibrador no pensamento de Ted. Ele desafia o homem do chap?u amarelo a sair de sua posi??o habitual e a experimentar novas possibilidades, bem como utilizar o seu conhecimento pr?vio de novas maneiras. Ted sabe que os bal?es o levar?o para perto de George, mas somente conseguir? seguir a mesma dire??o se, ativamente, for impulsionado para isto. Ent?o, ele faz uso da pipa. No c?u, voando com George, ele avista a cidade de uma nova posi??o e descobre que as pe?as que a comp?em, j? conhecidas por ele, podem ser reorganizadas em novos formatos. N?o apenas sua percep??o come?a a se ampliar, mas a se refletir mais adiante no seu comportamento.

George tamb?m ensina Ted que sempre h? oportunidade de aprender coisas novas, mesmo que estas venham de um macaco! Sem lugar para dormir, eles v?o para o parque e Ted deitase em um banco. George escolhe uma ?rvore e constr?i uma cama com as folhas. Ted ri da cama de George. Come?a a chover e Ted fica

todo molhado. Ele percebe que George est? sequinho em sua cama e junta-se a ele. As nuvens se afastam e vagalumes aparecem. George n?o os conhece e tenta captur?-los. Ted o ajuda e George p?e os vagalumes na boca. Ap?s cuspi-los, a l?ngua de George est? fosforescente. Ted explica que isto se deve a uma subst?ncia que os vaga-lumes possuem. George oferece vaga-lumes para Ted. Este hesita em um primeiro momento, mas percebe que ? importante compartilhar da brincadeira. Ele tamb?m "come" os vaga-lumes e fica com a l?ngua igual ? de George. No final da cena, George adormece e Ted observa o c?u estrelado que costuma ficar escondido pelas luzes da cidade. Mais uma vez, as pe?as se reorganizam para mostrar a ele uma realidade diferente, pois seu ponto de vista foi modificado por George. A aprendizagem n?o significa somente apropriar-se do conte?do, mas poder compartilh?-lo com o outro.

A capacidade de George de experimentar coisas novas o levar? a encontrar uma solu??o para os problemas financeiros do museu. Ted trouxe de sua viagem uma c?pia em miniatura do ?dolo perdido de Zagawa, pensando ser o verdadeiro. Desesperado, pois o tempo para a

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apresenta??o do ?dolo no museu est? se esgotando, ele faz uma visita ao seu amigo Cl?vis esperando que ele o ajude a encontrar uma sa?da. Cl?vis parece mais interessado em desenvolver um jeito novo de fazer pipoca a partir de um ?nico gr?o de milho e n?o presta aten??o na afli??o de Ted. George passeia distraidamente pelo laborat?rio de Cl?vis e se assusta com uma aranha enorme que est? na parede. Ap?s o susto, ele percebe que a aranha n?o est? na parede, mas no vidro de um retroprojetor, que a aumenta de tamanho. Ao colocar um vidro de formato circular sobre o vidro do retroprojetor, a aranha aumenta mais um pouco de tamanho. Os animais eletr?nicos de Cl?vis, um elefante-aspirador de p? e um cachorro com nariz de l?mpada, buscam outros vidros e a aranha fica maior e maior. Casualmente, George desenvolve um m?todo para aumentar o tamanho da c?pia do ?dolo e apresent?-lo como verdadeiro.

A maneira como George interage com o retroprojetor pode encontrar paralelo com a aprendizagem por tentativa e sucesso casual desenvolvida por E. Thorndike (Schultz & Schultz, 2005; Ferreira & Gutman, 2007). Este autor postula que o organismo busca solucionar problemas a partir de v?rias tentativas. Aquelas que trazem um efeito percebido como agrad?vel para o organismo s?o conservadas, enquanto que as que produzem efeitos desagrad?veis s?o descartadas. Este postulado ficou conhecido como Lei do Efeito. George n?o est? procurando uma solu??o para o problema de Ted, ele n?o compreende que este est? em apuros. No entanto, uma situa??o inusitada, a aranha na parede, vai atrair sua aten??o para o retroprojetor, e ele dar? in?cio a suas tentativas de aumentar ou diminuir o tamanho da aranha. A curiosidade de George o coloca diante do mundo em uma postura aberta, sem julgamentos pr?vios. Esta postura garante a ele a vantagem de explorar o ambiente sem ter seu olhar direcionado e, portanto, consegue descobrir coisas que n?o s?o percebidas pelos demais. A abertura ao ambiente ? um modo de intera??o valorizada pela teoria funcionalista em rela??o ? educa??o infantil, pois ? necess?rio que a crian?a mantenha-se atenta ?s oportunidades que este ambiente lhe oferece para o aprendizado (Campos & Nepomuceno, 2007).

Outro aspecto que pode ser trabalho a partir do conte?do do filme s?o as transforma??es que o museu em que Ted

trabalha sofre no decorrer da hist?ria. Como foi escrito acima, ele impede que os visitantes toquem nos objetos e esses somente podem olh?-los ? dist?ncia. Isto faz com que o n?mero de visitantes diminua e que o museu esteja amea?ado de fechamento. Encontrar o ?dolo perdido de Zagawa aparece como uma esperan?a de recupera??o financeira. O verdadeiro ?dolo ser? encontrado por Ted e George no final do filme em uma nova expedi??o na floresta, mas tal achado n?o ser? mais t?o importante para o museu.

O homem do chap?u amarelo e Mr. Bloomsberry, com o aux?lio de Cl?vis, ir?o modificar o museu, tornando-o um ambiente interativo para crian?as e adultos. O esqueleto do Tiranossauro Rex que havia sido desmontado acidentalmente por George em um momento do filme, est? enterrado em uma caixa de areia e as crian?as s?o convidadas a escavarem a procura dos ossos. H? um espa?o para que os visitantes pintem com as m?os, imitando tanto o comportamento de George com os dos nossos ancestrais humanos que decoravam as paredes das cavernas. At? o retroprojetor que aumentou o tamanho da aranha ? utilizado para que as crian?as possam brincar com os conceitos de grande e de pequeno.

O museu que, no in?cio do filme, ? apresentado como um lugar r?gido e parado no tempo e, portanto, desinteressante para os visitantes, acaba se transformando em um ambiente cheio de vida e de possibilidades de descobertas. Essa situa??o possibilita uma discuss?o sobre o papel desempenhado pelos museus no processo de aprendizagem de crian?as e adultos. Tal processo seria facilitado se o museu permitisse a intera??o dos visitantes com os objetos l? expostos, colocando-os em uma posi??o de descobridores do conhecimento. A autonomia do visitante para explorar o ambiente ? incentivada, especialmente em rela??o ?s crian?as. Embora autores como Gould (1997) tenham escrito que h? espa?o para todos os tipos de museus, dos mais expositivos aos mais interativos, o filme opta por enfatizar a segunda op??o como a que aproximaria as pessoas do museu e, consequentemente, da ci?ncia.

Novamente, percebem-se influ?ncias do Funcionalismo na imagem de museu que ? veiculada na hist?ria. O livre acesso aos objetos de aprendizagem ? algo preconizado tanto pelos funcionalistas norte-americanos como pelos

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europeus, com um maior desenvolvimento te?rico destes ?ltimos (Ferreira & Gutman, 2007; Campos & Nepomuceno, 2007). Ao indiv?duo devem ser dadas oportunidades de interagir com o ambiente a fim de que este construa o seu pr?prio conhecimento em uma abordagem interacionista. Tamb?m pode se relacionar esta proposta de museu com os objetivos da teoria funcionalista de prepara??o dos indiv?duos para o exerc?cio da cidadania e para a inser??o no mundo do trabalho (Cahan, 1994). Ao se relacionarem ativamente com o museu, os visitantes sentem-se como propriet?rios do mesmo e passam a consider?lo como um patrim?nio da sociedade em que vivem. Isso promoveria o desenvolvimento de uma atitude de respeito e de responsabilidade pela manuten??o deste local, que ser? significado como um espa?o de conviv?ncia da popula??o da cidade.

Considera??es finais

Ao se optar pelo uso de desenhos animados de longa metragem como recurso pedag?gico para o ensino de Hist?ria da Psicologia nos cursos de gradua??o, busca-se mais do que um melhor uso do tempo em sala de aula. Usualmente, esses filmes possuem uma menor dura??o do que os filmes com atores, o que possibilita ao professor projet?-los e promover a discuss?o em uma aula apenas. Al?m disso, permitem uma maior dinamicidade no processo de estabelecimento de rela??es entre os eventos narrados no filme e os conte?dos estudados, fornecendo aos estudantes uma maneira de colocar em pr?tica o que foi aprendido de uma forma divertida.

Este resgate da ludicidade no processo de aprendizagem foi examinado por Mesquita e Soares (2008) na an?lise das vis?es de ci?ncia presentes em desenhos animados de curta metragem veiculados na televis?o. De acordo com os autores, a proposta de utiliza??o de desenhos animados alia o l?dico ao questionamento. O primeiro proporcionaria um encontro do mundo do conhecimento, representado pelo professor, com o mundo da informa??o visual, presente no cotidiano dos alunos. J? o questionamento aconteceria tanto para os estudantes, instigados a relacionar as informa??es te?ricas aprendidas com as situa??es apresentadas nos desenhos, quanto para o professor, que seria instado a revisar suas formas de aquisi??o e transmiss?o do

conhecimento, normalmente ligada aos livros, o

que poderia gerar uma mudan?a de sua postura

em sala de aula.

Al?m disso, os desenhos animados de

longa metragem possuem elementos estruturais

que facilitam a identifica??o dos t?picos

indicados pelo professor em sala de aula. O

roteiro pressup?e uma consist?ncia de

comportamento

dos

personagens.

Normalmente, os her?is e os vil?es se

comportam como tal durante todo o filme,

salvo nas ocasi?es em que o vil?o se redime

dos seus maus atos e se transforma em um bom

sujeito ou que o her?i ?, na verdade, um traidor.

Mas, mesmo nestas situa??es, o filme d? dicas

do que ir? acontecer a seguir. Tal consist?ncia

permite o aluno a fazer infer?ncias sobre as

a??es dos personagens tendo a teoria aprendida

em aula como refer?ncia.

A narrativa linear desse tipo de produ??o

tamb?m vem ao aux?lio dos alunos e

professores, pois dificilmente h? reviravoltas e

flashbacks, o que poderia dificultar a

compreens?o da hist?ria contada, fazendo com

que os espectadores sigam o curso da narrativa

e possam estabelecer rela??es entre teoria e as

situa??es apresentadas no desenho animado.

Caso os espectadores fiquem com alguma

d?vida a respeito do destino dos personagens

ou de situa??es que ficaram abertas ao longo da

narrativa, os filmes de anima??o quase sempre

apresentam um desfecho explicativo, no qual

s?o indicadas as rela??es que permearam o

filme, al?m das recompensas e puni??es para os

her?is e vil?es da hist?ria.

As caracter?sticas mencionadas acima -

curta dura??o, estrutura linear e clara e

desfecho explicativo -, apesar de n?o serem

exclusivas de desenhos animados de longa

metragem, s?o prevalentes nos mesmos quando

comparados a filmes com atores. Dessa

maneira, o professor, ao procurar por um

desenho de longa metragem para exibir em sua

aula, precisa apenas preocupar-se com a

tem?tica que quer representar/discutir. Por

outro lado, se estiver buscando um filme com

atores, teria que, al?m da tem?tica, preocupar-

se com dura??o, estrutura e clareza na hora de

decidir se o filme ? adequado. Al?m disso, os

filmes com atores que compartilham as

caracter?sticas desejadas usualmente n?o

abordam as tem?ticas que est?o sendo buscadas

pelos professores.

Uma segunda vantagem dos desenhos

animados com rela??o a filmes com atores pode

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