INFLUÊNCIA RECÍPROCA ENTRE ARTE E TECNOLOGIA

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ANAIS

III F?RUM DE PESQUISA CIENT?FICA EM ARTE

Escola de M?sica e Belas Artes do Paran?. Curitiba, 2005

INFLU?NCIA REC?PROCA ENTRE ARTE E TECNOLOGIA

Jos? Eli?zer Mikosz*

RESUMO: Os imensos avan?os tecnol?gicos n?o poderiam deixar de tocar a arte, nem de ser tocados por ela. Para demonstrar essa rela??o de m?tua influ?ncia da arte com a tecnologia, foi escolhido o processo de cria??o nos desenhos animados e sua evolu??o, at? as anima??es atuais realizadas mediante a computa??o gr?fica. As id?ias e as necessidades dos artistas estimularam muitas descobertas cient?ficas que est?o ligadas ao cinema e ? computa??o gr?fica. Este artigo discute a influ?ncia dos avan?os tecnol?gicos no processo criativo dos artistas, como tamb?m o papel destes nas inova??es tecnol?gicas para a cria??o de suas obras.

INTRODU??O

Para se produzir anima??es ? necess?ria a manipula??o de materiais e t?cnicas por parte do artista. Desde um simples tra?o realizado com um peda?o de madeira queimada at? a ?ltima vers?o de softwares e hardwares, o artista tem que adequar sua criatividade ao meio usado como forma de express?o. Esta tarefa exige um esfor?o dos artistas para que ultrapassem as fronteiras de sua atividade e ampliem seus conhecimentos para ?reas mais t?cnicas. Nem sempre ? uma tarefa f?cil e, de modo geral, trabalhar em equipes multidisciplinares pode trazer resultados mais r?pidos e satisfat?rios.

* Mestre em Inova??o Tecnol?gica, pelo Centro Federal de Educa??o Tecnol?gica do Paran? (CEFET/PR). Especialista em Engenharia de Software, CEFET-PR. Graduado em Pintura e Licenciatura em Desenho pela EMBAP. Artista Pl?stico e Professor de Desenho tradicional e por computador no JEM Est?dio de Arte. Professor de tratamento de imagem por computador no Centro Europeu. Pesquisador convidado e professor do Centro de Treinamento no Curso Avan?ado de PHP, no CEFET-PR. Coordenador de Pesquisas em Artes Visuais na Universidade Rose Croix Internacional e Consultor da Rede Independ?ncia de Televis?o (RIC).

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O DESENVOLVIMENTO DA ANIMA??O

A anima??o nada mais ? do que uma seq??ncia de imagens (mesmo que apenas duas) com pequenas altera??es, trocadas a intervalos iguais ou superiores a doze imagens por segundo, para que o olho humano tenha a ilus?o de movimento (fen?meno fisiol?gico conhecido como persist?ncia da imagem na retina). Baseadas neste princ?pio, muitas engenhocas foram criadas desde o Antigo Egito para entretenimento, principalmente de crian?as. No s?culo XI, o f?sico ?rabe Al-Hazen analisou as altera??es de cor provocadas pelo movimento de pi?es multicoloridos.1

As primeiras experi?ncias para projetar imagens em movimento, sombras e desenhos, partiram de Athanasius Kircher com sua inven??o, a Lanterna M?gica, por volta de 1646. O projetor usava a luz do Sol como fonte luminosa, mas j? se estudava fonte artificial de ilumina??o.

No s?culo XVII, Isaac Newton retomou a base cient?fica, a an?lise da persist?ncia da imagem na retina. Usando um disco de papel?o pintado com todas as cores do arco-?ris (que ficou conhecido como o Disco de Newton), o cientista ingl?s demonstrou que, ao gir?-lo, as cores se fundem em nossos olhos e o disco parece branco.2 No s?culo XIX, come?aram a aparecer diversos aparelhos simulando anima??es. O Taumatrosc?pio foi colocado ? venda em 1825, na Fran?a, por John Ayrton Paris. Consistia em um c?rculo amarrado por dois peda?os de barbante, um em cada extremo. Girando o disco, as imagens s?o sobrepostas e, com a persist?ncia da imagem, acabam se fundindo em uma imagem s?. Seguiu-se a esta inven??o o Fenaquistosc?pio, em 1832, pelo belga Joseph Antoine Plateau.3 Tratava-se de dois c?rculos sobrepostos, um com a seq??ncia de desenhos e outro acima, com orif?cios retangulares dispostos regularmente na superf?cie. Ao girar o conjunto, os desenhos vistos atrav?s dos orif?cios davam a ilus?o de movimento.

Nesta ?poca, a fotografia se desenvolvia paralelamente com as pesquisas de JosephNic?phore Ni?pce e Louis-Jacques Mand? Daguerre. Ni?pce era qu?mico e pensava na fotografia como uma maneira de aperfei?oar os processos de gravura e impress?o gr?fica. Daguerre, que era um pintor, sentiu necessidade de elaborar uma tecnologia que o ajudasse a lapidar a ilus?o de realidade que seus dioramas provocavam nas pessoas.4 Em 1834, William Henry Fox Talbot iniciava investiga??es que o levaram a desenvolver processos de

1 HALAS, John. Masters of animation. London: BBC Books, 1987. p. 12. 2 PEDROSA, Israel. Da cor ? cor inexistente. 3. ed. Bras?lia: Editora Universidade de Bras?lia; L?o Christiano Editorial, 1982. p. 51. 3 LAYBOURNE, Kit. The animation book. New York: Three Rivers Press, 1998. p. 18. 4 SILVEIRA, Luciana Martha. A percep??o da cor na imagem fotogr?fica em preto-e-branco. S?o Paulo, 2002.Tese (Doutorado em Comunica??o e Semi?tica). PUC/SP. p. 120.

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grava??o permanente de imagens usando a c?mera obscura.5 Fox Talbot foi o inventor do negativo. Isso ocorreu na d?cada de 1840. De l? para c?, todas as demais inven??es foram aperfei?oamentos desse mesmo sistema. Outra revolu??o igual s? veio a acontecer com o advento da c?mera digital.

Outros aparelhos precursores da anima??o foram o Zootrosc?pio e o Praxinostrosc?pio. O Zootrosc?pio ? uma caixa cil?ndrica apoiada num eixo e com orif?cios retangulares, com uma tira de desenhos colocada internamente. O Praxinosc?pio ? um refinamento do Zootrosc?pio. Os orif?cios s?o substitu?dos por um conjunto de espelhos que giram no centro do cilindro, projetando as imagens no estilo de uma lanterna m?gica.

Em 1872, Muybridge fazia experimentos, fotografando seq?encialmente os movimentos humanos e de animais. Em 1892, Emile Reynaud abriu em Paris o primeiro cinema do mundo, apresentando Pantomimas Animadas. Nesta ?poca, era comum o flip-book ou livro m?gico, constitu?do de uma seq??ncia de desenhos ou fotos sobrepostas, no formato de um bloquinho de papel que, ao serem folheados, d?o a ilus?o de movimento. Existiam, na ?poca, caixas que possu?am uma manivela para girar os desenhos ou fotos sobrepostas, para fazer este tipo particular de anima??o.

Em 1895, a partir da inven??o do cinemat?grafo (que projetava fotogramas sucessivos dispostos num rolo de filme de celul?ide), pelos irm?os Louis e Auguste Lumi?re, come?ou-se a produzir pel?culas cinematogr?ficas. Antecipando t?cnicas que tamb?m viriam a ser utilizadas pelas anima??es, o franc?s Georges M?li?s come?ou a fazer pel?culas com trucagens diversas. Uma delas consistia em, interrompendo-se a filmagem em andamento, substituir as roupas do ator por uma fantasia, voltando o ator ? posi??o anterior. Ao se retomar a filmagem, obtinha-se o efeito de, numa fra??o de segundo, a pessoa transformar-se num monstro diante dos espectadores. Homens como M?li?s, Williamson e Smith exploraram recursos especiais na tomada de imagens como a dupla exposi??o, a interrup??o da filmagem para a inclus?o ou exclus?o de objetos na cena, a invers?o de movimentos, a c?mera lenta ou acelerada, entre outras interven??es poss?veis. Eles conseguiram, com esses expedientes, com a interven??o da m?quina, produzir as imagens mais delirantes que povoam a imagina??o, n?o cumprindo as finalidades inscritas no aparelho, obtendo deles objetos significantes para os quais os aparelhos n?o estavam programados. Antes, talvez o que estivesse na mira de M?li?s e seus colegas fosse a produ??o de sonhos artificiais, por meio de uma utiliza??o ao mesmo tempo intensiva e desviante das potencialidades do cinemat?grafo.6

5 HALAS. Op. cit., p. 14. 6 MACHADO, Arlindo. Repensando Flusser e as imagens t?cnicas. PUC/SP. S?o Paulo, 1999. Dispon?vel em: . Acessado em abr. 1999. p. 38.

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AS ANIMA??ES NO SECULO XX

Anima??es para o cinema Inspirado nas trucagens de M?li?s, o norte-americano James Stuart Blackton foi o

pioneiro na t?cnica de tomar imagens frame a frame, que viria a ser utilizada na confec??o de desenhos animados. Em 1906, Blackton exibiu o primeiro filme animado feito inteiramente de trucagens, A Casa Mal-Assombrada, em que cadeiras e mesas se moviam sozinhas. Na proje??o, os fotogramas encadeavam-se diante do espectador num fantasmag?rico passeio de m?veis pela casa. Nessa mesma ?poca, Blackton apresentou o primeiro desenho animado do mundo, Fases humor?sticas de caras engra?adas, filmando uma seq??ncia encadeada de desenhos, cada um dando origem a um fotograma.

Nos Estados Unidos, as t?cnicas de desenhos animados foram sendo aperfei?oadas logo nas primeiras d?cadas do s?culo XX e muitos profissionais dedicaram-se ? sua cria??o. Devido a isso, o desenho norte-americano exerceu forte influ?ncia em muitos pa?ses. No final de 1914, o norte-americano Earl Hurd contribuiu para o aprimoramento total dessa t?cnica, introduzindo o uso do cell (celul?ide). Tratava-se de pel?culas transparentes que permitiam ao artista desenhar os cen?rios de fundo e os personagens em folhas separadas, para depois sobrep?-las. A partir da t?cnica de Hurd, criou-se a trucagem de m?ltiplos planos, com a sobreposi??o de uma s?rie de folhas transparentes de celul?ide, cada uma com uma personagem ou elemento m?vel da paisagem, dispostas uma atr?s da outra em molduras separadas. Variando-se os movimentos e as dist?ncias entre as molduras em rela??o ? c?mera, as cenas ganharam realismo e profundidade. Exemplo do uso dessa t?cnica est? em Branca de Neve e os sete an?es, dos est?dios Disney, em 1937.

Anima??es para a televis?o No final dos anos 50, come?aram a ser feitas anima??es para televis?o. A t?cnica foi

simplificada para agilizar o processo e reduzir os custos: os desenhos eram feitos diretamente sobre as folhas de celul?ide, dispensando os desenhos a l?pis feitos em papel e copiados no celul?ide posteriormente; as folhas de celul?ide e os fundos eram coloridos com aer?grafo; os mesmos desenhos eram fotografados sobre fundos diferentes, fazendo composi??es diferentes, reutilizando-se, assim, o material j? produzido. Os close-ups ficam bem na tela da televis?o pelo tamanho reduzido da tela em compara??o ao cinema, o que permitiu trabalhar com eles para diminuir os detalhes e o trabalho de desenhar algumas cenas.

O material produzido geralmente era filmado em 16mm e passado para v?deo mais tarde.

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Anima??es e os computadores Com o surgimento dos computadores, esses desenhos eram digitalizados por

interm?dio de um scanner e coloridos diretamente no computador. Um artista conseguia pintar 50 celul?ides por dia anteriormente; no computador, neste mesmo per?odo de tempo pode colorir 500.7 Al?m disso, todo o processo de gerenciamento, composi??o e edi??o eram feitos por computadores. Nos anos 80, este processo estava plenamente desenvolvido e utilizado pelas principais produtoras de anima??es como a Disney e a Warner Bros.

Em muitos dos avan?os da computa??o gr?fica esteve a mente criativa de George Lucas e de sua produtora de efeitos especiais, a Industrial Light and Magic, criada a partir do segundo filme da saga Guerra nas Estrelas, em 1980.8

O computador veio ajudar nos processos criativos, pois possibilita uma est?tica nova e capacita, com programas de anima??o em tr?s dimens?es, a gera??o de imagens e simula??es, em que ? poss?vel dar par?metros aos objetos como gravidade, vento, choque entre objetos e diversos outros fen?menos naturais. As anima??es em 3D podem ser integradas com anima??es em 2D ou para produzir efeitos especiais em filmagens do natural. As simula??es em 3D permitem a cria??o de modelos virtuais para desfiles de moda, apresentadores de televis?o ou figurantes em filmes.

Outras aplica??es possibilitadas mediante o uso do computador e da computa??o gr?fica:

? possibilidade de interfer?ncia por parte do usu?rio: programas que reagem ?s a??es do usu?rio dando sensa??o de intera??o, gerando, assim, novas possibilidades art?sticas ? as pessoas deixam de ser observadoras passivas diante da obra;

? realidade virtual: possibilidade de o usu?rio imergir no ambiente simulado, seja para fins art?sticos ou aprendizados diversos, como pilotar um avi?o ou conhecer uma c?lula por dentro;

? anima??es vetoriais: extremamente leves, facilitando sua visualiza??o pela internet e de custo muito baixo em rela??o ? produ??o e aos custos dos softwares usados;

? games e mundos virtuais: os usu?rios de quase todas as partes do mundo podem compartilhar espa?os virtuais ou jogos e interagir entre si para os mais diferentes prop?sitos.

CONCLUS?O

7 RIGBY, Rita. Hanna-Barbera's Morning `Toons. Step-by-Step Magazine, Dynamic Graphics, Ilinois, nov.-dez. 1988. p. 87. 8 BARBOSA JUNIOR, Alberto Lucena. Arte da anima??o. T?cnica e est?tica atrav?s da Hist?ria. S?o Paulo: Senac, 2002. p. 430.

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Neste artigo, foi visto como a anima??o participou do desenvolvimento de v?rias inova??es tecnol?gicas, estabelecendo, assim, um exemplo da intera??o entre a arte e a tecnologia. A anima??o existia, em processos mais rudimentares, antes do cinema. O cinema surgiu e se desenvolveu, enquanto a anima??o soube trazer as inova??es para o seu processo de cria??o. Mais tarde, com o aparecimento das tecnologias digitais, a anima??o come?ou a fazer parte do cinema, no qual se faziam necess?rios efeitos especiais de qualidade e como forma de express?o.

Esta influ?ncia da tecnologia no processo criativo dos desenhos animados foi vista em tr?s diferentes momentos: no cinema, na televis?o e nos computadores, demonstrando, assim, como o artista assimilou as tecnologias que, ao mesmo tempo, o obrigaram muitas vezes a adquirir conhecimentos mais espec?ficos de outras ?reas como, por exemplo, a inform?tica.

Ficou demonstrado que a aproxima??o dos artistas das tecnologias levou tamb?m a uma associa??o com profissionais de ?reas t?cnicas, cientistas, programadores e engenheiros de software, para que juntos usassem suas capacidades num todo multidisciplinar exigido na anima??o atual. Portanto, demonstrou-se que a criatividade art?stica, nesse caso, sofre forte influ?ncia das tecnologias como tamb?m est? ligada diretamente ao desenvolvimento delas.

Refer?ncias BARBOSA JUNIOR, Alberto Lucena. Arte da anima??o. T?cnica e est?tica atrav?s da Hist?ria. S?o Paulo: Senac, 2002. HALAS, John. Masters of animation. London: BBC Books, 1987. LAYBOURNE, Kit. The animation book. New York: Three Rivers Press, 1998. MACHADO, Arlindo. Repensando Flusser e as imagens t?cnicas. PUC/SP. S?o Paulo, 1999. Dispon?vel em: . Acessado em abr. 1999. PEDROSA, Israel. Da cor ? cor inexistente. 3. ed. Bras?lia: Editora Universidade de Bras?lia; L?o Christiano Editorial, 1982. RIGBY, Rita. Hanna-Barbera's Morning `Toons. Step-by-Step Magazine, Dynamic Graphics, Ilinois, nov.dez. 1988. SILVEIRA, Luciana Martha. A percep??o da cor na imagem fotogr?fica em preto-e-branco. S?o Paulo, 2002.Tese (Doutorado em Comunica??o e Semi?tica). PUC/SP.

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