Centro de Comunicações do IPB



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Cadastro predial

breves Notas



Manuel Inácio da Silva Pinheiro

Jurista

*

Verbo Jurídico.

Abril 2002

I - Introdução

O presente artigo visa contribuir para um melhor conhecimento da situação do cadastro da propriedade imobiliária em Portugal e dos seus reflexos no comércio e segurança jurídica relacionados com imóveis, rústicos ou urbanos.

O actual regime jurídico do cadastro predial encontra-se regulado no respectivo Regulamento do Cadastro Predial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 172/95, de 18 de Julho, entendendo-se por “cadastro predial” o conjunto dos dados que caracterizam e identificam os prédios rústicos e urbanos existentes em território nacional [1].

O cadastro predial, que possuiu uma natureza geométrica, consiste num registo sistemático e exaustivo dos prédios existentes numa dada área geográfica, elaborado sobre uma base cartográfica apropriada e fidedigna que permite a geo-referenciação precisa dos prédios e suas estremas, bem como a determinação correcta das respectivas áreas.

Por isso, o cadastro predial distingue-se, devido à componente cartográfica e respectiva finalidade, de outros registos mais ou menos sistemáticos sobre os prédios, estabelecidos por métodos meramente descritivos, como sejam o registo da propriedade dos bens imóveis nas Conservatórias de Registo Predial e as matrizes prediais nas Repartições de Finanças.

Esta diferenciação é essencial, pois que só através do cadastro predial é possível identificar e localizar geograficamente de modo inequívoco todos os prédios existentes e estabelecer de modo unívoco a correspondência com a respectiva descrição alfa-numérica. É por isso que, nos países europeus, o cadastro constitui a base de referência aos variados sistemas de informação existentes sobre o seu território, nomeadamente quanto à titularidade, ordenamento do território e, por vezes, na tributação dos prédios rústicos e urbanos.

Tendo em atenção o que se estabelece no artigo 6º do Decreto-Lei nº 172/95, de 18 de Julho, desde o 4º trimestre de 1995 que o regime jurídico do cadastro geométrico da propriedade rústica coexiste com o actual regime jurídico do cadastro predial, enquanto as áreas do território abrangidas por aquele regime cadastral não forem objecto da primeira operação de renovação do cadastro.

Essa operação de renovação cadastral deverá ser realizada pelo Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC) quando se conclua ter havido alterações significativas nas características de uma determinada freguesia ou quando os padrões de precisão dos dados do cadastro se revelem insuficientes.

II - Breve resenha histórica

O cadastro relativo a imóveis teve consagração legal no regime jurídico do cadastro geométrico da propriedade rústica instituído pelo Decreto nº 14 162, de 25 de Agosto de 1927. Este regime sofreu posteriores alterações, de que se destacam os Decretos-Lei nºs 36 505 e 36 800, de 11 de Setembro de 1947 e de 19 de Março de 1948, respectivamente.

Com a entrada em vigor do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, o regime jurídico do cadastro geométrico da propriedade rústica foi adoptado nesse código de natureza fiscal, visando somente a execução do cadastro de prédios rústicos.

Como já se referiu, mesmo após a publicação do Regulamento do Cadastro Predial (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 172/95, de 18 de Julho, e relativamente aos prédios rústicos que já se encontravam cadastrados antes da vigência deste diploma, mantém-se, ainda, a aplicabilidade das normas constantes do referido CCPIIA (artigo 6º do Decreto-Lei nº 172/95).

Contudo, qualquer execução integral ou renovação do cadastro de determinada freguesia ou concelho que actualmente venha a ser levada a efeito deverá reger-se sempre pelo referido RCP.

No momento da entrada em vigor do RCP (4º trimestre de 1995), o cadastro geométrico da propriedade rústica encontrava-se executado em cerca de 50% do território do continente e regiões autónomas.

No momento presente, o cadastro predial, executado de acordo com o novo regime jurídico, e inteiramente digital, encontra-se concluído em 3 concelhos, estando em execução, ainda que parcialmente, em vários outros concelhos do país.

III - Importância do cadastro geométrico

Actualmente coexistem dois regimes de cadastro geométrico, o cadastro geométrico da propriedade rústica e o cadastro predial.

São inúmeras as normas que directa ou indirectamente regulam ou se inter-relacionam com o cadastro geométrico da propriedade rústica. De facto, mesmo preceitos legais que regulam outras matérias ou que se encontrem inseridos em diplomas legais que aparentemente nada têm a ver com o cadastro acabam por ter implicações em zonas do território onde a aplicação do regime jurídico do cadastro geométrico da propriedade rústica ainda persiste.

O cadastro tem sido um elemento de apoio muito importante para a execução do emparcelamento de prédios rústicos, dado que permite a sua concretização de uma forma mais rigorosa.

Acresce que esse regime cadastral está assente em relações a estabelecer obrigatoriamente entre várias entidades públicas de diferente natureza (IPCC, Direcção-Geral dos Impostos, Direcções Regionais de Agricultura, Notários e Conservatórias do Registo Predial).

A forma como as competências e intervenções dos vários serviços são exercidas e a incoerência do sistema resultante da aplicação de muitas das normas dão origem a um deficiente serviço público prestado à comunidade e uma imagem de transparência algo duvidosa, onerando negativamente a função e utilidade que o cadastro geométrico da propriedade rústica deve ter para o país.

A existência de uma ficha cadastral que contemplasse as necessidades da informação alfa-numérica do cadastro e que tivesse o essencial da descrição predial dos prédios possibilitaria a compatibilização e transferência dos dados recolhidos entre o IPCC e a Direcção-Geral dos Registos e Notariado (DGRN), sem que isso colocasse em causa a inserção ou incorporação de posteriores inscrições prediais ou outra informação com relevância exclusiva para o registo predial.

O novo cadastro predial a executar de acordo com o RCP é um cadastro multifuncional, elaborado inteiramente em suporte digital, que regista a localização administrativa e geográfica dos prédios, bem como a sua configuração geométrica e área (cfr. artigos 3º, 4º e 5º do RCP).

Atento, ainda, o disposto no artigo 6º do mesmo diploma, a identificação dos prédios cadastrados é feita através de um código numérico unívoco, designado por número de identificação de prédio (NIP), o que facilitará a resolução dos vários problemas com que os cidadãos sejam defrontados nos vários serviços públicos.

De acordo com o RCP é, pois, da competência do IPCC a execução, conservação e renovação do cadastro predial.

A existência de um cadastro geométrico permite não só conhecer a realidade territorial do país como possibilita que outras instituições públicas ou privadas obtenham informação para executar melhor e com rigor tudo aquilo que se proponham fazer, tendo por base um sistema de informação geográfico relativo aos prédios rústicos e urbanos.

As instituições públicas que usufruirão enormemente do cadastro predial, tendo em vista o desenvolvimento mais competente das suas atribuições, são as Conservatórias do Registo Predial, as Repartições de Finanças, as Câmaras Municipais e todas as entidades da Administração Central que recorram com frequência a expropriações ou reordenamentos do território (Instituto de Estradas de Portugal, Instituto de Hidráulica e Engenharia Rural e Ambiente, Direcção-Geral de Florestas, Instituições com competências na área do Ambiente, etc).

Todas estas entidades, usando informação cadastral, têm a possibilidade de cumprir as suas missões de modo mais eficaz e articulado, contribuindo para uma melhor gestão e ordenamento territorial e para uma simplificação de procedimentos administrativos e burocráticos, com natural repercussão na melhoria da eficácia da Administração Pública.

Daí que a existência de um cadastro geométrico permitirá uma melhor articulação entre os diferentes serviços públicos, com repercussões muito positivas na segurança e no comércio jurídico relacionados com imóveis.

Também os privados, mormente os concessionários de serviços públicos, as empresas exploradoras de rede rodoviária e ferroviária, as empresas prestadoras de serviços nas áreas das telecomunicações, energia, e águas terão uma grande apetência por este tipo de informação para apoio às finalidades que prosseguem.

Por tudo isto, o cadastro predial é uma informação geográfica de base essencial para o desenvolvimento do país em todas as vertentes que explícita ou implicitamente foram apontadas.

Mas, para que essa informação seja fidedigna e credível deve o IPCC estabelecer as normas e especificações técnicas, bem como os procedimentos a desenvolver na execução e conservação do cadastro, de modo a que essas operações sejam bem mais eficazes e eficientes e com menores encargos financeiros.

Tudo isso seria de normalizar sem retirar o rigor técnico-científico e jurídico que deva ser considerado necessário e suficiente e sem colocar em causa a fidedignidade dos dados e da informação cadastral.

Por isso, a execução e conservação do cadastro deveria ter sempre em consideração a efectiva titularidade jurídica dos prédios, em conformidade com o que conste no registo predial, quando exista, e nas escrituras públicas ou matrizes, nos restantes casos.

A identificação dos limites, a configuração geométrica e a determinação da área dos prédios devem respeitar as regras normativas gerais previamente definidas pelo IPCC, tendo em consideração o bom estado da arte quanto a esses aspectos técnicos.

IV - Cadastro predial versus cadastro geométrico da propriedade rústica

Sintetizando em parte o que já foi referido, as principais características diferenciadoras do “cadastro predial” e do “cadastro geométrico da propriedade rústica” são as seguintes:

|Cadastro predial |Cadastro geométrico da propriedade rústica |

|Este cadastro abrange os prédios rústicos e os prédios urbanos. |O cadastro trata somente dos prédios rústicos. |

|Cadastro multifuncional (gestão e ordenamento do território, |Cadastro com finalidade eminentemente fiscal (anteriormente tinha |

|registo predial, tributação do património, etc). |uma relação directa com a avaliação fiscal dos prédios rústicos). |

|O cadastro visa apenas a geo-referenciação e caracterização do |O cadastro visa a geo-referenciação, a descrição física do prédio, |

|prédio. |e ainda a sua caracterização, qualificação e classificação |

| |cultural. |

|Cadastro de base digital. |Cadastro de base analógica. |

|A conservação do cadastro é realizada, pelo IPCC ou por peritos |A conservação do cadastro é efectuada exclusivamente pelo IPCC. |

|cadastrais por este acreditados, após comunicação de alterações | |

|pelos proprietários. | |

V – Sugestões para eventuais alterações legislativas

A experiência entretanto havida sobre a aplicação do Regulamento do Cadastro Predial e da vigência em simultâneo das regras relativas ao cadastro geométrico da propriedade rústica, permitem que seja feito um pequeno balanço sobre a adequabilidade das regras do cadastro predial em vigor e do seu impacto na eficácia e eficiência da actuação da Administração Pública nesta matéria.

As várias dificuldades com que o IPCC se tem defrontado na execução do novo cadastro predial e na sua harmonização com o registo predial permitiram já detectar, por um lado, algumas imperfeições do RCP e, por outro, alguma inadequação de procedimentos na sua execução.

Por isso, importa dar nota dos aspectos mais relevantes que deveriam merecer por parte do legislador alguma reflexão tendo em vista a introdução de correcções e melhorias das normas legais sobre o cadastro predial.

Essas alterações legislativas possibilitariam a execução do cadastro predial de uma forma mais simplificada do ponto de vista técnico, com menores custos e de um modo mais eficaz e eficiente. Apesar disso, essas alterações nunca colocariam em causa o rigor que deve ser inerente ao próprio cadastro predial.

Por isso, e em seguida, identificam-se alguns dos aspectos mais importantes que, em nossa opinião, deveriam ser contemplados em futura revisão legislativa.

1. Estabelecimento de normas legais que permitam a passagem do cadastro geométrico da propriedade rústica a cadastro predial

O estabelecimento de normas legais que permitissem a passagem do cadastro geométrico da propriedade rústica a cadastro predial, evitaria a obrigatoriedade da realização de uma operação de renovação de cadastro para que tal transição fosse possível.

Nas áreas onde existe cadastro geométrico da propriedade rústica, e onde o mesmo se encontra em razoável estado de actualização, pode ser facilmente assimilado pelo cadastro predial desde que esteja disponível em sistema de informação idêntico ao que é utilizado pelo próprio cadastro predial. Actualmente, estão já em curso trabalhos para a informatização integral do cadastro geométrico da propriedade rústica, o que poderá ser uma boa base para alcançar tal finalidade.

Para que se considerasse integralmente executado o cadastro predial no território onde hoje já existe cadastro geométrico da propriedade rústica faltaria somente executar o cadastro das zonas urbanas, o que do ponto de vista técnico e de tempo é de mais fácil execução.

Deste modo, deveria ser definido, ainda que transitoriamente, que essas áreas ficariam submetidas ao regime do cadastro predial a partir do momento em que os dados existentes fossem devidamente informatizados e houvesse despacho do Presidente do IPCC, publicado em Diário da República II série, a dar por concluídos todos os necessários procedimentos técnicos.

Esses procedimentos deveriam permitir obter informação que não diferisse da que seria obtida por via da normal execução do cadastro predial. A partir desse momento os prédios rústicos dessas áreas passariam a estar submetidas ao actual regime do cadastro predial.

Relativamente às áreas urbanas das zonas onde o cadastro predial tivesse tido origem no cadastro geométrico da propriedade rústica, as mesmas iriam sendo sujeitas ao regime do cadastro predial à medida que o cadastro dessas áreas urbanas fosse sendo executado ou quando ocorresse alteração da natureza dos prédios rústicos para urbanos.

2. Prédios urbanos em regime de propriedade horizontal

O tratamento que o regime jurídico do cadastro predial dá aos prédios urbanos em regime de propriedade horizontal deverá ser repensado quanto à necessidade de, no âmbito do cadastro predial, as fracções autónomas terem idêntico tratamento ao dos restantes prédios rústicos ou urbanos.

Ora, considerando a definição de prédio rústico e urbano dada pelo Código Civil, no seu artigo 204º, nº 2, e os elementos que integram a caracterização dos prédios objecto de cadastro, em especial a sua configuração geométrica, não nos parece que, para efeitos de cadastro predial, existam razões que justifiquem um tratamento específico e autonomizado das fracções autónomas dos edifícios em regime de propriedade horizontal.

Por isso, parece-nos que, a lei deveria equiparar esses edifícios a prédios para efeitos meramente cadastrais e, assim, deixar de fazer qualquer referência a fracções autónomas.

Não se vislumbra qual o interesse em se considerarem as fracções autónomas como prédios para efeitos de cadastro predial, uma vez que, para além de tornar muito mais complexas as operações de execução do cadastro sem daí resultar qualquer utilidade prática, tal não inviabilizaria a utilização dos dados cadastrais por parte do registo predial, da administração fiscal ou outras entidades.

Por outro lado, parece-nos que o disposto no artigo 1º, nº 1, alínea b) do RCP traduz uma equiparação por via legislativa das fracções autónomas a prédios o que contraria os conceitos de natureza técnico-científica comummente aceites em matéria de cadastro predial.

Na verdade, se os edifícios em regime de propriedade horizontal fossem considerados para efeitos de cadastro predial como um só prédio seriam identificados com um só número de identificação predial (NIP), o que não impediria que todos os utilizadores do cadastro usassem normalmente essa informação para os seus objectivos. Por esse facto não resultariam quaisquer dificuldades adicionais ou inultrapassáveis, bem pelo contrário, seriam simplificados procedimentos técnicos que em nada prejudicariam o uso da informação cadastral.

A informação relativa às fracções autónomas integrantes de prédios em regime de propriedade horizontal, como se prevê actualmente no regime do cadastro predial, acarreta para o Estado enormes dificuldades na sua recolha e tratamento, nomeadamente, um grande acréscimo dos custos, para além de dar uma noção errónea quanto a alguns dos elementos, como por exemplo o número de prédios existentes no país e quantificação das respectivas áreas.

Assim, parece-nos que a eliminação da referência à “fracção autónoma no regime de propriedade horizontal”, da parte final da alínea b) do nº 1 do artigo 1º do RCP, só pode trazer múltiplos benefícios para a execução do cadastro predial.

3. Titular de prédios

O Regulamento do Cadastro Predial quando se refere ao titular de prédios fá-lo sem grande rigor, utilizando indistintamente a designação de proprietário e/ou usufrutuário, atribuindo-lhes determinadas posições ou obrigações.

Essa opção não nos parece feliz, desde logo, porque a enveredar-se por um caminho em que se pretenda identificar com rigor os titulares de determinados direitos reais que possam ter interesse ou devam ser sujeitos passivos numa relação de cadastro predial ficam de fora situações referentes a alguns dos direitos reais por não se identificar claramente na lei quem são os respectivos titulares.

Ora, atendendo à finalidade do cadastro predial e considerando que a identificação dos titulares dos direitos reais nem é o elemento primordial para o cadastro, afigura-se-nos ser suficiente e mais correcto que no artigo 1º do RCP fosse introduzido o conceito de “titular de prédio”, com as adequadas adaptações nas restantes normas do RCP.

Assim, e para efeitos de cadastro predial, poderia ser admitido como “titular de prédio” a pessoa ou entidade que seja administrador do condomínio dos edifícios em regime de propriedade horizontal e em regime de direito de habitação periódica, ou o respectivo proprietário, nos restantes casos.

4. Área social

O Regulamento do Cadastro Predial acolhe no seu artigo 1º, nº 1, alínea c), o conceito de área social que se nos afigura ser exclusivo do actual regime jurídico do cadastro predial.

Atento o que aí é entendido por esse conceito e as implicações negativas que tem na execução do cadastro é de questionar se se justifica a utilização desse conceito pela lei cadastral.

Do ponto de vista técnico-jurídico, não parece haver paralelo com qualquer outra legislação, sendo que os problemas que traz na correcta identificação jurídica dos prédios, quantificação da sua área e para o ordenamento do território são significativos.

A introdução deste conceito tem por consequência que o cadastro também dê relevância a áreas do território que, em bom rigor, não deveriam ser objecto de qualquer tratamento aquando da sua execução.

A existência desse conceito legal pode conduzir a situações estranhas e anormais, na medida em que permite que existam prédios que possuam áreas do domínio público ou outras (v. g. servidões prediais), que a serem retiradas da sua própria área, colocam problemas à correcta delimitação e quantificação da área dos respectivos prédios. Essa situação, tem permitido ainda que, por parte de quem executa as operações de cadastro, introduza juízos de avaliação que se podem qualificar como arbitrários, o que também em nada contribuem para a certeza e segurança jurídicas que se pretendem ver salvaguardadas no cadastro predial.

Ora, as áreas designadas pelo RCP como áreas sociais possibilitam que se esteja perante prédios que, embora descontínuos quanto à parcela do território em causa, sejam considerados para efeitos cadastrais, e com repercussões jurídicas, como um só prédio.

Sendo o prédio uma parte delimitada do solo juridicamente autónoma, significa que, desde logo, existe o pressuposto de que a todos os prédios deverá corresponder uma parcela contínua do solo bem delimitada. Só assim os prédios terão a necessária coerência estrutural para serem considerados como uma realidade una e indivisível.

De facto, não nos parece razoável admitir-se a existência de prédios a que se deva retirar determinada área por serem atravessados por auto-estrada, estrada, caminho público ou por sobre eles recair alguma servidão de passagem, porque isso colocaria em causa o seu normal aproveitamento ou obtenção de utilidades, seja de natureza agrícola ou outra.

Situações dessas deverão dar origem a mais de um prédio, já que os espaços do domínio público são perenes e não deverão ser considerados como espaços de território existentes no interior de prédios a que se lhes retirarão as denominadas áreas sociais, sob pena de se colocar em causa a própria noção de prédio, como “uma parte delimitada do solo juridicamente autónoma”.

Deste modo, tendo a existência do conceito de “área social” directas repercussões na delimitação, configuração geométrica e áreas dos prédios, e podendo dar origem a realidades equívocas que em nada contribuem para uma boa organização espacial do território, deveria ser eliminada a sua referência dos artigos 1º, nº 1, alínea c) e 20º, nº 1 do RCP.

5. Árvores encravadas

O artigo 20º, nº 2 do RCP dispõe que “a existência de árvores encravadas num prédio é assinalada na caracterização deste, em ordem à ulterior elaboração de um registo próprio articulado com o cadastro”.

Ora, existindo cada vez menos árvores encravadas e sendo reduzida a sua importância económica, parece que a existir qualquer registo desse direito, bastaria o que é realizado no âmbito do registo predial, já que se está perante um direito de superfície sujeito a esse registo (cfr. artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código do Registo Predial).

Por isso não parece haver qualquer utilidade na constituição de um registo próprio junto do organismo público responsável pela execução e conservação do cadastro predial.

A obrigatoriedade de o IPCC assegurar tal registo implica a existência de procedimentos que tornam ainda mais complexas as operações de execução e conservação do cadastro predial, para além de tornar essas operações mais onerosas.

Assim, não fazendo sentido que a propósito da indicação de procedimentos para a recolha de dados se preveja um registo próprio de árvores encravadas deveria ser eliminado o referido artigo 20º, nº 2 do RCP.

VI - Conclusões

Considerando tudo quanto anteriormente se referiu, enumeram-se algumas conclusões que, inclusivé, nos parece serem susceptíveis de implementação e concretização no curto ou médio prazo:

a) O cadastro predial, enquanto conjunto de dados que caracterizam e identificam os prédios existentes em território nacional não pode deixar de se enquadrar e articular com a realidade jurídica dos prédios em causa.

b) Possuindo o cadastro predial a maioria e, por vezes, a totalidade dos elementos caracterizadores dos prédios idênticos aos constantes nos registos das respectivas Conservatórias dos Registos Prediais, parece-nos importante que deva haver aqui uma especial ligação e articulação de modo a evitar-se uma duplicação de custos e de esforços por parte das Conservatórias, já que poderão dispôr de informação actual em base de dados. Desta forma seria dado um primeiro passo para que todos os prédios tivessem uma identificação unívoca perante qualquer entidade pública e assim conseguir-se uma articulação efectiva entre os vários organismos públicos e privados, dispensando os habituais problemas que normalmente advêm da indefinição dos elementos caracterizadores dos prédios como sejam a identificação, a área e a sua localização.

c) As operações de execução de cadastro ao serem iniciadas pelo IPCC deveriam contar com uma colaboração mais activa e participada da DGRN e, em particular, da Conservatória do Registo Predial respectiva. Essa colaboração deveria incidir essencialmente numa maior informação às populações abrangidas por cada uma das operações de cadastro a executar e sensibilizá-las para a sua disponibilidade nos esclarecimentos a prestar aos técnicos responsáveis.

d) Por outro lado, a articulação entre a DGRN e o IPCC deveria estender-se à definição da estrutura da ficha cadastral com o objectivo de melhor servir os fins do cadastro e do registo. A existência de uma ficha cadastral que contemplasse as necessidades da informação alfa-numérica do cadastro e que tivesse o essencial da descrição predial dos prédios possibilitaria a compatibilização e transferência dos dados já recolhidos, sem que isso colocasse em causa a inserção ou incorporação de posteriores inscrições prediais ou outra informação com relevância exclusiva para o registo predial.

e) Devem ser estabelecidas, com urgência, normas e especificações técnicas, bem como os procedimentos a desenvolver na execução e conservação do cadastro predial, de modo a que essas operações sejam mais eficazes e eficientes e com menores encargos financeiros. Tudo isso seria de normalizar sem retirar o rigor técnico-científico e jurídico que deva ser considerado suficiente. Por isso, a execução e conservação do cadastro predial deverá ter sempre em consideração a efectiva titularidade jurídica dos prédios, sempre em conformidade com o que conste do registo predial, quando exista, e das escrituras públicas ou matrizes, nos restantes casos.

f) A identificação dos limites, a configuração geométrica e a determinação da área dos prédios devem respeitar as regras gerais previamente definidas pelo IPCC, tendo em consideração o bom estado da arte quanto a esses aspectos técnicos. A definição de especificações técnicas, regras e procedimentos normativos é de extrema importância, considerando que o artigo 5º, nº 4 do RCP estabelece a presunção de que, para todos os efeitos, a localização, a configuração geométrica e a área dos prédios determinadas por via do cadastro são as reais.

g) De modo a permitir o alargamento do âmbito territorial abrangido pelo cadastro predial, para além das medidas referidas, haverá que promover algumas alterações legislativas que possibilitariam de modo imediato, célere e eficaz a transição do cadastro geométrico da propriedade rústica para cadastro predial. Essas alterações legislativas terão de ser acompanhadas, na prática, pela informatização do cadastro geométrico da propriedade rústica e sua adaptação às exigências do cadastro predial.

h) Também deveriam ser equacionadas algumas alterações legislativas pontuais ao actual RCP, tendo em vista a introdução de alguns ajustamentos que se consideram indispensáveis a uma melhor exequibilidade do cadastro.

i) As alterações legislativas anteriormente sugeridas, conjugadas com uma correcta definição de procedimentos, propiciarão, com certeza, uma execução do cadastro predial de forma mais célere, eficaz, eficiente e consistente, salvaguardando-se sempre os interesses dos titulares dos prédios, bem como do respectivo interesse público na obtenção de um cadastro geométrico que dê resposta adequada às necessidades do país.

Lisboa, 29 de Outubro de 2001

O Jurista

Manuel Inácio da Silva Pinheiro.

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[1] Os artigos 2º a 7º do Regulamento do Cadastro Predial estabelecem a forma de caracterizar e identificar os prédios.

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