O JORNAL DAS SENHORAS E A ESPERANÇA: APROXIMANDO AS ...

O JORNAL DAS SENHORAS E A ESPERAN?A: APROXIMANDO AS P?GINAS E REVELANDO OS CONTEXTOS

Resumo

Isadora de Melo Costa Mestranda

Programa de P?s Gradua??o em Hist?ria Pol?tica da UERJ isadoramc95@

Na segunda metade do s?culo XIX peri?dicos voltados para as mulheres afloraram em

diversas regi?es do Ocidente, como O Jornal das Senhoras (1852-1855, Rio de Janeiro)

e A Esperan?a: Seman?rio de recreio liter?rio dedicado ?s Damas (1865-1868, Porto).

Esses impressos abarcam quest?es que permitem problematizar a representa??o

feminina do per?odo, al?m de comparar e conhecer mais das sociedades que os

produziram: Rio de Janeiro e Porto, respectivamente. ? nesse sentido que o presente

ensaio objetiva reconstituir parte do cen?rio pol?tico e cultural desses peri?dicos, assim

como, compreender suas principais caracter?sticas, tais como: quem eram seus redatores

e colaboradores, a localiza??o de suas tipografias, suas principais tem?ticas e suas

liga??es cotidianas. Para tanto, recorre-se ao Jornal das Senhoras e A Esperan?a como

principais fontes e objeto. Utiliza-se, ainda, da hist?ria comparada, nos moldes de Marc

Bloch e da abordagem da hist?ria pol?tica e cultural, como arsenal te?rico-metodol?gico

de compreens?o desses ve?culos de comunica??o.

Palavras-chave: Oitocentos. Brasil. Portugal.

Introdu??o

No s?culo XIX, a imprensa se proliferou como o principal meio de reprodu??o e produ??o de ideias. A partir de 1808, com a abertura da Impress?o R?gia no Rio de Janeiro, essa propaga??o toma maiores vultos, pois ? instalada oficialmente a imprensa no Brasil, ao mesmo tempo em que ? colocado em pr?tica o fim do "decreto de trezentos anos que se proibia todo e qualquer tipo de impress?o" fora de Portugal (EL FAR, 2010, p.89). Nesse contexto, no mundo luso-brasileiro, o papel impresso expandia-se e gerava novos ordenamentos, conte?dos e transmiss?o da palavra que n?o era apenas impressa, mas faladas e manuscritas (MARTINS; LUCA, 2008, p. 28-29).

Embora houvesse a censura pr?via ? que vigorou at? 21 de setembro de 1820 ? a imprensa se tornava um vetor p?bico de anseios, proje??es, vis?es, expectativas, circula??o de ideias e informa??es ? "ainda que restritos ? boa sociedade, pois a maior parcela da popula??o luso-brasileira era iletrada" (NEVES; FERREIRA, 2018, p.83).

Ao longo do s?culo, a imprensa n?o apenas se expandiu em termos de n?mero de tipografias e impressos, mas tamb?m, passou por diversos aprimoramentos, ganhando melhorias significativas, com a "fabrica??o de papel-cont?nuo, a prensa cil?ndrica (...) o vapor, (...) as prensas mec?nicas, as rotativas" e outras (LUCA, 2018, p.10). Al?m disso, na segunda metade do XIX, com a melhoria dos sistemas de ensino, a introdu??o do vapor no transporte das rotas do Atl?ntico Sul e a amplia??o das redes ferrovi?rias, os impressos tornaram-se acess?veis a um maior n?mero de pessoas de modo mais r?pido e din?mico. Para se ter no??o, no per?odo, segundo Tania Regina De Luca, "a travessia entre a Europa e o Rio de Janeiro" caiu de "54 para 29 dias" diminuindo ainda mais na d?cada de 1980. Essas transforma??es se mostraram de suma import?ncia para a maior circula??o, n?o somente de pessoas, mas de ideias que, certamente, se propagavam pela for?a do impresso (LUCA, 2018, p. 8).

Assim, pode-se dizer que no decorrer do s?culo, favorecida pelas transforma??es t?cnicas, a amplia??o do n?mero de leitores, o aumento da concentra??o urbana, a expans?o dos sistemas educacionais e dos transportes, a imprensa luso-brasileira deixou de ter um cunho pol?tico, oficial e local, e se abriu para v?rios temas, p?blicos, interesses, locais de publica??o, redatores e at? redatoras.

As mulheres n?o ficaram alheias a tais mudan?as. No Brasil, embora desde 1820 houvesse a presen?a de manifestos coletivos e de car?ter pol?tico assinados somente por mulheres, foi na segunda metade do s?culo que elas se estabelecem como redatoras e colaboradoras de distintos peri?dicos. No per?odo, propagaram-se jornais voltados ao p?blico feminino e at? mesmo escritos por mulheres, como ? o caso do O Jornal das Senhoras (Rio de Janeiro; 1852-1855) (MARTINS & DE LUCA, 2008, p. 42).

Ao longo do s?culo XIX, em Portugal a imprensa feminina tamb?m se mostrou presente. A historiografia portuguesa mostra-se un?nime em caracterizar 1807 como o "ano do aparecimento do primeiro peri?dico conhecido", em Portugal, voltado para o

p?blico feminino. Trata-se do peri?dico O Correio das Modas (Lisboa; 1807) no qual apresentou apenas um ano de publica??o (LEAL, 1992, p. 14).

A maior longevidade de peri?dicos feitos por e para mulheres mostraram-se presentes, em Portugal, tamb?m, pr?ximos da metade do s?culo, juntamente com a inaugura??o de distintos peri?dicos liter?rios que ao mesmo tempo em que se voltava para o p?blico feminino abria-se para colabora??es de ambos os sexos ? como o peri?dico A Esperan?a: Seman?rio de Recreio Liter?rio Dedicado ?s Damas (Porto; 1865-1866).

Percebe-se que data da segunda metade do XIX, juntamente com uma s?rie de inova??es t?cnicas, a inaugura??o de peri?dicos editados e voltados para o p?blico feminino seja no Brasil, seja em Portugal. Esses peri?dicos, em geral, se caracterizam como revistas, ainda que o termo n?o fosse utilizado no vocabul?rio de ?poca, pois apresentavam "textos longos e de car?ter ensa?stico e as raras imagens configuravam a ambi??o de fornecer mais do que mera distra??o aos seus leitores" (GRANJA; DE LUCA, 2018, p. 22).

Tais revistas, como coloca Jean-Fran?ois Sirinelli, eram "lugar de fermenta??o intelectual e de rela??o afetiva, ao mesmo tempo, viveiro e espa?o de sociabilidade" (SIRINELLI, 1996, 249, Apud DE LUCA, 2006, p. 140). Isso ?, eram produ??es coletivas nas quais diferentes agentes individuais atuavam em prol de objetivos ou temas em comum. Enfim, conhecer, ainda que de modo breve, esses agentes individuais, seus interesses, suas liga??es cotidianas e a conjuntura dos peri?dicos O Jornal das Senhoras (1852-1855, Rio de Janeiro) e A Esperan?a (1865-1868, Porto) mostram-se os objetivos desse ensaio. Embora esses jornais fossem produzidos em diferentes pa?ses, eles nos permitem construir conex?es profundas entre essas sociedades do Atl?ntico, marcadas pelo passado em comum de ex- metr?pole e excol?nia: Brasil e Portugal.

Desvendando p?ginas femininas do Segundo Reinado

Os impressos da segunda metade do s?culo XIX brasileiro se ligavam ? busca de progresso e civiliza??o pr?prios do Segundo Reinado, momento pol?tico que se havia

conseguido solucionar os problemas da crise das Reg?ncias e estabeleceram-se concilia??es pol?ticas visando ? manuten??o do poder e legitimidade da Coroa. O cen?rio pol?tico e cultural valorizava o progresso industrial e material baseando-se, sobretudo, no modelo europeu. Era o per?odo de novos h?bitos e representa??es sociais que podiam ser compreendidas atrav?s dos novos espa?os de sociabilidade ? como os saraus, teatros, livrarias, caf?s, bailes e os passeios ao ar livre. Al?m disso, emergiam novas formas de distin??o social, marcadas pelo uso das indument?rias, dos objetos materiais, das regras de etiqueta e pelo n?vel de ilustra??o ou de educa??o dos indiv?duos.

Em outras palavras, a segunda metade do s?culo XIX brasileiro pode ser considerada como um momento de "mudan?as superficiais e artificiosas", como j? apontava S?rgio Buarque de Holanda (HOLANDA, 1995, p. 78). Tratavam-se de modifica??es t?cnicas, urban?sticas econ?micas e culturais que n?o traziam abalos ?s estruturas mais s?lidas, como a presen?a da escravid?o. Assim, se em termos pol?ticos vistoriava-se certa concilia??o de ideias, em termos econ?micos e materiais, se desenvolvia diversificadas transforma??es e melhorias, como o movimento de regulamenta??o das sociedades an?nimas, funda??o do segundo Banco do Brasil, a abertura ao tr?fego das primeiras linhas de estrada de ferro, a expans?o do cr?dito banc?rio (estimulando a iniciativa particular), abrevia??o e incremento de neg?cios favorecidos pela rapidez das not?cias, e enfim, o estabelecimento de meios de transportes modernos entre os centros de produ??o agr?ria e as grandes pra?as comerciais do Imp?rio (1995, p. 74).

Era um contexto, ent?o, de efervesc?ncia econ?mica e aprimoramento urbano, no qual S?rgio Buarque de Holanda compreendia ser as tentativas de "liquida??o mais ou menos r?pida de nossa velha heran?a colonial" e buscas por modelos de comportamento pr?ximos ?s na??es vistas como "socialmente avan?adas" (1995, p. 79). ?, portanto, um contexto de tentativas, de mudan?as "superficiais e artificiosas" (1995,p. 78), em que as ra?zes de um Brasil rural, patriarcal, do compadrio, do bacharelismo e escravismo continuavam a existir e coexistir com os novos padr?es economicamente e culturalmente vistos como civilizados (1995, p. 73-92). Afinal, para a maior parte dos contempor?neos, no Brasil, liberalismo e escravismo, de modo geral,

se mostravam um falso empasse na busca por novos ares, que n?o mais os coloniais (BOSI, 1996, p. 195).

Nesse cen?rio de grandes transforma??es e contradi??es dos primeiros anos da d?cada de 1850, no Rio de Janeiro, foram inauguradas n?o somente as primeiras linhas tel?grafas do pa?s (HOLANDA, 1995, p. 74), como tamb?m, um dos primeiros jornais brasileiros redigidos somente por mulheres e voltado ao p?blico feminino, como seu pr?prio t?tulo legitimava: O Jornal das Senhoras (MARTINS; DE LUCA, 2006, p. 6768).

O Jornal das Senhoras foi inaugurado pela argentina, poetiza dramaturga e jornalista Joana Paula Manso de Noronha. Nascida em 26 de junho de 1919, em Buenos Aires, presenciou o ex?lio a partir do momento que seu pai escapou da ditadura argentina de Juan Manuel Rosas, que durou de 1829 a 1852. Depois de exilada no Uruguai, veio ao Brasil em 1843, onde viveu dois anos no Rio de Janeiro. Nesses anos, Joana teve contato com os costumes e h?bitos da corte imperial e conheceu pessoas que atuavam no cen?rio cultural fluminense, como a tradutora Violante Bivar e o violinista portugu?s Francisco S? Noronha, a quem Manso se casou (SHUMANHER; BRAZIL, 2000, p.521).

Na d?cada de 1840, Joana voltou a conhecer novas cidades e viajar por diferentes pa?ses, mas dessa vez, visando o sucesso na carreira art?stica do marido (LOBO; 2009, p. 47). Embora n?o se saiba todos os locais que o casal percorreu, sabese que o nome de Francisco Noronha e Joana estiveram presentes nas colunas de diferentes impressos que se destinava a tratar das movimenta??es dos portos brasileiros durante o final da d?cada de 1840. Em outubro de 1845, Francisco e Joana sa?ram do Brasil pelo Vapor S. Salvador em dire??o aos portos do norte (JORNAL DO COM?RCIO, 1845, n.297, p. 4). Em 24 de dezembro 1848 "Noronha, sua mulher e 2 filhos" entravam no Brasil por uma embarca??o que vinha de Nova York (JORNAL DO COM?RCIO, 1848, n. 355, p.4). Em 22 de agosto de 1849 o Paquete Paraense levou Francisco, novamente, aos Portos do Norte (CORREIO MERCANTIL, 1849, n. 230, p. 4), dessa vez, sem sua mulher e as duas crian?as: Eul?lia e Herm?nia Noronha, filhas do casal. Em 7 de junho de 1851 o nome de Francisco era publicado na lista de passageiros

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