A INFLUÊNCIA DE LUDWIG FEUERBACH NA FILOSOFIA DE …

[Pages:9]A INFLU?NCIA DE LUDWIG FEUERBACH NA FILOSOFIA DE ENRIQUE DUSSEL

THE INFLUENCE OF LUDWIG FEUERBACH IN THE PHILOSOPHY OF ENRIQUE DUSSEL

Jo?o Paulo Ara?jo Pimentel Lima1

Resumo: Na constru??o de um pensar aut?ntico latino-americano, o fil?sofo argentino Enrique Dussel, precursor da Filosofia da Liberta??o, ir? trabalhar com a estrat?gia de que n?o ? necess?rio negar a tradi??o filos?fica anterior a ele para a constru??o de algo novo, pelo contr?rio, a proposta do autor ? de um di?logo profundo com a hist?ria da filosofia, visto que a necessidade do novo pensar n?o surge apenas da puls?o criativa de se produzir originalidade, mas do alarmante fato de que toda a filosofia ocidental n?o incluiu no seu horizonte a alteridade ?ltima. Partindo da sua condi??o, do ser encoberto pela raz?o ocidental, Dussel elabora um pensamento ?tico que encontra em Feuerbach uma de suas maiores refer?ncias. O objetivo deste trabalho, ent?o, ? apresentar como Dussel se apropria das teorias do fil?sofo alem?o na constru??o do seu pr?prio pensar. Abordaremos, principalmente, a obra M?todo para uma filosofia da liberta??o, na qual ? descrita a aprecia??o de Dussel sobre o resgate feito por Feuerbach de, pelo menos, tr?s quest?es fundamentais: a sensibilidade, que sempre fora colocada em suspeita pela tradi??o; o reconhecimento do outro, que emerge como alternativa ? filosofia da subjetividade; e sua cr?tica a Hegel, que resplandece como cr?tica a qualquer pensar totalizante, ontol?gico. Finalmente, veremos como Dussel reconhece Feuerbach no grupo dos cr?ticos de Hegel. Esse grupo, para ele, constitui a ?nica filosofia v?lida para a realidade latinoamericana, da qual ele ? um continuador, pois esses fil?sofos formam a pr?-hist?ria da Filosofia da Liberta??o.

Palavras chave: Liberta??o. Am?rica Latina. Ontologia.

Abstract: In the development of an authentic Latin American thought, The argentine philosopher Enrique Dussel, precursor of the Philosophy of Liberation, he will work with the strategy that it is not necessary to deny the previous philosophical tradition back to his time in order to prepare something new, on the contrary, the author's proposal is a deep dialogue with the history of philosophy, once the necessity for a new thinking not only arises from the creative drive to produce originality, but the alarming fact that all Western philosophy not included in its horizon otherness radical. Starting from his condition of being clouded by western reason, Dussel draw up an ethical thought that Feuerbach is in one of its biggest references. This study aims, then, to present how Dussel is adapt to the theories of the german philosopher in the development his own thinking. We discuss mainly the work M?todo para una filosofia de la liberaci?n, in which is described the appreciation of Dussel about the redemption made by Feuerbach of at least three issues: the sensitivity, which had always been put on suspicion of tradition; the recognition of the other, emerging as alternative to the philosophy of subjectivity; and his critique of Hegel, that emerges as critical to any totalizing thinking, ontological. Finally, we will see how Dussel recognizes Feuerbach in the group of critics of Hegel. This group is the only valid philosophy to the Latin American reality, of which he is a follower, so these philosophers form the prehistory of Philosophy of Liberation.

Keywords: Liberation. Latin America. Ontology.

1 Mestrando do Programa de P?s-Gradua??o em Filosofia da Universidade Federal do Cear? - UFC. Email: pimentel-jp@.

A influ?ncia de Ludwig Feuerbach na filosofia de Enrique Dussel

1. Introdu??o

Para pensar a realidade latino-americana e propor uma filosofia aut?ntica, original, o autor argentino Enrique Dussel n?o ir? simplesmente relegar a tradi??o que lhe antecede, mas, ao contr?rio, desenvolver? a estrat?gia de subsumir a tradi??o filos?fica, recuperando os aspectos que podem ser aplicados para o horizonte da liberta??o e assim montar uma arquitetura te?rica nova, capaz de atender aos reais problemas daqueles que constituem o n?cleo do seu sistema filos?fico: as v?timas do sistema (DUSSEL, 2012).

O esfor?o de Dussel em sua filosofia da liberta??o, n?o se constitui somente como cr?tica aos demais fil?sofos, para tentar, no ?mbito te?rico, corrigir seus sistemas. A Filosofia da Liberta??o manifesta-se puramente como uma ?tica e corresponde a uma necessidade real, do seu tempo2, a saber: a condi??o de exclus?o que incide sobre a grande parte da popula??o do orbe (DUSSEL, 2012). ?, portanto, uma filosofia que parte do cotidiano, n?o de debates l?gico-filos?ficos. ? uma filosofia que se apresenta como alternativa ?tica, uma ?tica da vida3.

Dentre os fil?sofos que mais influenciaram os trabalhos de Dussel est? o grupo dos chamados "cr?ticos de Hegel", e nele encontra-se o fil?sofo alem?o Ludwig Feuerbach. Neste trabalho, veremos como o fil?sofo argentino inspira-se nas ideias de Feuerbach e as critica, d? um passo a diante a fim de incluir no interior da hist?ria da filosofia uma realidade jamais pensada em sua exterioridade, a realidade dos povos do Sul.

2 Antes de Dussel, j? dizia Feuerbach que a necessidade da reforma da filosofia corresponde ? necessidade de uma ?poca, da pr?pria humanidade: "Uma nova filosofia que se situa numa ?poca comum ?s filosofias precedentes ? algo de inteiramente diverso de uma filosofia que incide num per?odo totalmente novo da humanidade; isto ?, uma filosofia que deve a sua exist?ncia apenas ? necessidade filos?fica, [...] ? uma coisa; mas uma filosofia que corresponde a uma necessidade da humanidade ? outra coisa inteiramente diferente" (FEUERBACH, 1988, p. 13). 3 Dussel situa assim sua filosofia ?tica: "o contexto ?ltimo desta ?tica ? o processo de globaliza??o; infelizmente, por?m, e simultaneamente, esse processo ? exclus?o das grandes maiorias da humanidade: as v?timas do sistema mundo [...]. Esta ?tica deseja explicar essa dial?tica contradit?ria, construindo categorias e o discurso cr?tico que permitam pensar filosoficamente este sistema performativo autorreferente que destr?i, nega e empobrece a tantos neste final do s?culo XX. A morte das maiorias exige uma ?tica da vida, e seus sofrimentos nos levam a pensar e a justificar a sua necess?ria liberta??o das cadeias que as predem". (DUSSEL, 2012, p.17)

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2. O pensamento do jovem Feuerbach

Na obra M?todo para uma Filosofia da Liberta??o, Enrique Dussel articula uma genealogia da dial?tica, da antiguidade ? contemporaneidade, buscando compreender o significado e uso desse recurso at?, enfim, julg?-lo insuficiente para as pretens?es da Filosofia da Liberta??o. A proposta do fil?sofo ? criar um novo momento, o m?todo anal?ctico. ? neste percurso que nos deparamos com Feuerbach, uma das primeiras manifesta??es cr?ticas do maior representante da filosofia especulativa: Hegel. Dussel ir?, neste cen?rio de supera??o da dial?tica, esmiu?ar a obra de Feuerbach, apontando suas limita??es e trazendo sua relev?ncia para a Filosofia da Liberta??o.

A an?lise que Dussel realiza dos m?todos feuerbachianos se d? cronologicamente. E, de in?cio, ? poss?vel dizer que o objeto de estudo de Feuerbach ? a filosofia da religi?o, e a partir dela a antropologia (DUSSEL, 1986).

No entanto, como salientar? Dussel nas p?ginas seguintes de sua obra, a antropologia de Feuerbach n?o ? ainda suficiente, pois se fundamenta como ontologia, da qual n?o ? poss?vel exprimir a categoria de exterioridade. Tal configura??o n?o permite uma supera??o da totalidade, mant?m-se na vis?o hegeliana. Uma exterioridade radical4 ser? explicitada por fil?sofos futuros, como Xavier Zubiri e Levinas5. Essa ser? a primeira observa??o feita contra Feuerbach, nas palavras de Dussel:

Feuerbach ocupa-se principalmente da filosofia da religi?o [...]. Sua filosofia da religi?o como veremos, negar? a divindade (ser? ent?o ateia) de determinada ordem ou sistema, mas f?-lo-? a partir de um n?vel que n?o deixar? de ser ontol?gico. O interesse do pensar juvenil feuerbachiano, at? 1844, ? ent?o o de ter superado o pensar de Schelling e de ter, por isso, descoberto o n?vel propriamente antropol?gico. Contudo, como veremos a seguir, esta antropologia ? ainda ontol?gica ou, se quisermos, n?o conta com a categoria de exterioridade. Ao permanecer na ontologia, n?o pode afirmar o ?mbito meta-f?sico: ? ainda um pensar moderno europeu. (1986, 139-140)

Feuerbach ir? come?ar a ter d?vidas da filosofia hegeliana j? em 1827, embora chegue a escrever uma resenha positiva da Hist?ria da filosofia de Hegel. No entanto, de acordo com Dussel, tendo contato com a obra Cr?tica ao idealismo de F. Dorguth,

4 Nos termos de Dussel, uma exterioridade alterativa ou metaf?sica. 5 "Feuerbach propor? uma exterioridade ?ntica ou, se o quisermos, uma exterioridade do ser hegeliano que n?o supera, por?m, a totalidade. N?o h? uma exterioridade propriamente alterativa ou metaf?sica (como veremos em Zubiri ou Levinas,?? 23-24)". (DUSSEL, 1986, p. 139)

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Feuerbach alcan?a a maturidade necess?ria para, finalmente, esbo?ar sua pr?pria cr?tica ao seu antigo mestre com o texto Para a cr?tica da filosofia hegeliana (DUSSEL, 1986). Nos termos de Dussel, a cr?tica de Feuerbach ? Hegel fundamenta-se:

Em primeiro lugar, no fato de que a universalidade da totalidade dial?tica desenvolve-se exclusivamente no tempo, isto ?, n?o se assume a dimens?o espacial, que permitiria descobrir o sentido n?o apenas da sucess?o, como tamb?m da coexist?ncia dos diversos momentos; em segundo lugar, no fato que "o sistema hegeliano ? uma auto-aliena??o absoluta da raz?o" porque, sem pressuposi??o nenhuma, parte dela mesma, desconhecendo a experi?ncia sens?vel, a anterioridade da natureza que n?o somente constitui "o maquin?rio elementar do est?mago como tamb?m constr?i o templo do c?rebro" (DUSSEL, 1986, p. 140-141)

3. A Ess?ncia do cristianismo

Em 1841 aparece o texto A ess?ncia do cristianismo, um marco na hist?ria da filosofia e "obra fundamental para a esquerda hegeliana" (DUSSEL, 1986, p. 141). Nela, Feuerbach busca demonstrar que a raiz do Deus crist?o ?, na verdade, o pr?prio homem. O homem exterioriza suas qualidades e a diviniza, cria seu pr?prio Deus. O m?todo do fil?sofo alem?o consiste em construir um movimento inverso, de buscar em Deus a ess?ncia do homem, j? que esse Deus nada mais ? que um ideal humano, livre de suas limita??es (CHAGAS e REDYSON, 2011). A respeito dessa grande obra, comenta Dussel:

? aqui onde se pode observar a principal reviravolta do pensamento europeu produzida por Feuerbach. Nosso fil?sofo volta-se contra a totalidade vigente e pensada por Hegel e desdiviniza-a, profana-a, declara-se ateu de tal ?dolo. (1986, p. 141)

O exame realizado por Feuerbach do cristianismo visa n?o somente a cr?tica da religi?o e o resgate de uma antropologia positiva, mas tamb?m empreender uma cr?tica ?s ideias de Hegel. Esta postura, entretanto, n?o ? suficiente para deslig?-lo definitivamente do sistema do seu antigo mestre:

Feuerbach compreende que o cristianismo, em um primeiro momento (e ? aquele que ele compreendeu adequadamente), ? nega??o dos fetiches e afirma??o do homem como transcend?ncia da "ordem vigente justa" (fetiche); o cristianismo n?o ? somente o face-a-face como o Deus criador, mas "en-carna??o". O equ?voco, todavia est? em que para Feuerbach o ?nico Deus poss?vel ? o "deus" de Hegel e da

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cristandade vigente (a prussiana em primeiro lugar). (DUSSEL, 1986, p. 141)

A revis?o feita por Dussel ? que as reflex?es de Feuerbach, por mais que inspiradoras, deslizam em alguns pontos, n?o abrangem a complexidade e as v?rias manifesta??es do cristianismo, limitando-se ? interpreta??o hegeliana e a realidade da cultura prussiana.

Kierkegaard mostrar? com raz?o que a cristandade (uma cultura) n?o ? o cristianismo. Isto Feuerbach ainda n?o pode ver, e por isso, embora acertada sua dire??o, sua cr?tica n?o ser? suficientemente radical, quest?o essa que, por outro lado, abrir? muitos becos sem sa?da para seus sucessores. (DUSSEL, 1986, p. 141)

N?o obstante, Feuerbach parte de boas premissas e, segundo o fil?sofo argentino, indica mais caminhos a percorrer. A recupera??o da import?ncia do outro, da comunidade, s?o tem?ticas fundamentais para a Filosofia da Liberta??o. A liberta??o visa justamente o outro, aquele que tem fome, sede, que ? oprimido em suas necessidades fundamentais. S? h? liberta??o a partir de uma pr?xis, e esta se d? no contato face-a-face com o outro, que ? carne, sens?vel e n?o um mero espectro ou imagem projetada pela subjetividade. Neste sentido, a teoria de Dussel deve muito ? autenticidade do materialismo feuerbachiano:

A materialidade sens?vel do conhecer humano permite a Feuerbach definir um novo materialismo; n?o se pense, por?m, que seja um "materialismo sem esp?rito", do tipo holbachiano. Trata-se de um sensualismo empirista de raiz antropol?gica, que nos lembra que a realidade ? corporal. (DUSSEL, 1986, p. 142)

4. Feuerbach e uma filosofia para o futuro

Depois de ter escutado Schelling em 1841 em Berlim, Feuerbach escreve suas tr?s pequenas obras mais importantes, quer pela influ?ncia que exercer?o, quer pela precis?o do seu pensamento. Trata-se de Necessidade de uma reforma da filosofia (1842), Teses provis?rias para a reforma da filosofia (1842) e Princ?pios fundamentais da filosofia do futuro (1843). (DUSSEL, 1986, p. 143).

Logo na primeira obra (Necessidade de uma reforma da filosofia) Feuerbach deixar? claro que a filosofia do futuro n?o dever? ter como cerne a supera??o de

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sistemas filos?ficos (como foi o idealismo alem?o), mas ter? com fundamento a realidade pr?pria. O ponto de partida da filosofia n?o ser? sua pr?pria hist?ria, mas a cotidianidade sens?vel (DUSSEL, 1986). Este pensamento ? fundamental para Dussel, que pensa sua filosofia a partir de um contexto e seus problemas reais: a Am?rica latina e os pobres6.

J? a obra Princ?pios fundamentais da filosofia do futuro aponta novas reflex?es, que o autor divide em duas partes:

a primeira, em que se mostra que a identidade do ser e do pensar termina, na filosofia especulativa de Hegel, divinizando o cogito; a segunda, em que se mostra que, no acesso ? realidade e ? exist?ncia, a raz?o ? superada pela sensibilidade que vai mais al?m da primeira que, pelo amor, permite alcan?ar a posi??o alternativa com outro homem.

Temos, ent?o, uma dupla import?ncia nessa obra: uma cr?tica ? filosofia especulativa e principalmente a Hegel e um resgate da sensibilidade, realidade negada por grande parte dos autores modernos. ? dessa sensibilidade que brota a rela??o com outro, ? a partir das determina??es essenciais do homem, na qual est? inclu?do o amor, que o homem se realiza, se plenifica, no contato com o outro, na comunidade7.

A positividade da filosofia feuerbachiana aparece, para Dussel, nestas tr?s dimens?es: a centralidade da sensibilidade, que supera (mas n?o nega) em alguns momentos a raz?o, ou seja, faz o que os fil?sofos especulativos jamais fariam8; a import?ncia do outro, realidade necess?ria para a realiza??o do homem enquanto g?nero, na comunidade, onde o imposs?vel se torna poss?vel9; e a cr?tica a Hegel, que se configura como cr?tica ao pensar totalizante10.

6 Vale lembrar que ao pensar a realidade latino-americana, Dussel inclui as realidades africanas e asi?ticas, por viverem situa??es an?logas. Tamb?m ? importante frisar que a categoria "pobre", usada em seus primeiros textos, ser? atualizada na obra ?tica da Liberta??o pela categoria "v?tima", que contempla a condi??o daqueles oprimidos pelas diversas faces do sistema em qualquer parte do globo. 7 A respeito das determina??es humanas na obra de Feuerbach ver o primeiro cap?tulo da obra A ess?ncia do Cristianismo. Para um coment?rio do tema indicamos o cap?tulo de CHAGAS, Eduardo. A avers?o do cristianismo ? natureza em Feuerbach. In: CHAGAS, Eduardo Ferreira. REDYSON, Deyve (orgs). Ludwig Feuerbach: filosofia, religi?o e natureza. S?o Leopoldo, RS: Nova Harmonia, 2011. 8 Nesse sentido, argumenta Feuerbach: "N?o ? reconhecido que fora da exist?ncia sensorial n?o existe ser? Temos algum outro sintoma ou crit?rio de uma exist?ncia fora de n?s, independente do pensamento, a n?o ser a sensorialidade?" (FEUERBACH, 1989, p. 101). 9 "Mas o que o homem isolado n?o sabe nem pode sabem-no e podem os homens em conjunto" (FEUERBACH, 1988, p. 101). 10 Um dos objetivos da obra de Feuerbach ? a cr?tica ? chamada filosofia especulativa, uma filosofia da invers?o, na qual o pensamento passa a ser sujeito e constituinte da realidade. Essa escola filos?fica alcan?a seu ?pice na doutrina de Hegel e sua cr?tica ser? efetuada por Feuerbach, principalmente, na obra Princ?pios da filosofia do futuro.

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Dussel resume assim o legado de Feuerbach para a filosofia latino-americana:

Feuerbach deixou colocado no m?todo dial?tico a supera??o do ?mbito ser-pensar, um al?m j? proposto por Schelling agora, por?m, concretizado como antropologia. A filosofia nova, latino-americana, dever? assumir igualmente este momento pr?-hist?rico de sua constitui??o: o rosto sens?vel do outro homem, que tem fome e sangue, encontra-se para al?m do sistema onde o ser ? o pensar. (1986, p. 148)

Enrique Dussel reconhece a grande ousadia e as contribui??es te?ricas de Feuerbach. Ao desafiar a teoria do seu antigo mestre, e filosofia hegem?nica do seu tempo, Feuerbach, inspirado em Schelling, tenta superar a identidade entre ser e pensar para, ent?o, passar ? alteridade por meio da sensibilidade (DUSSEL, 2012). A cr?tica ? filosofia de Hegel n?o funciona apenas como a supera??o te?rica de um sistema. O resgate da sensibilidade e a valoriza??o do outro, como j? apontamos, formam, com a supera??o da identidade do pensar e do ser, a grande contribui??o de Feuerbach para a Filosofia da Liberta??o. Logo, ? imprescind?vel a obra do fil?sofo alem?o para a compreens?o de todos aqueles que o sucederam e para o pensamento aut?ntico latinoamericano. Apesar disso, Dussel faz algumas observa??es acerca das limita??es de Feuerbach, e sobre a quest?o da supera??o do ?mbito ser-pensar afirma:

Isto, por?m, ainda n?o ? suficiente, especialmente porque ao final "a verdade ? a totalidade (Totalitaet), da vida e da ess?ncia humana", isto ?, a humanidade como tal constituir-se-ia como um horizonte ontol?gico j? sem exterioridade. O "tu", outro homem, ? exterior ao ?mbito ser-pensar, mas, no fim, permanece inclu?do na comunidade sem exterioridade. Esta quest?o somente poder? ser superada depois que a problem?tica ontol?gica contempor?nea tiver sido colocada. (1986, p. 148)

H?, ent?o, para o fil?sofo argentino, uma dimens?o que foi imposs?vel Feuerbach alcan?ar: a exterioridade. Afirmar o outro dentro de uma totalidade, dentro de um sistema, ainda n?o ? suficientemente radical. ? preciso afirm?-lo em sua diferen?a, abandonar o plano ontol?gico hegem?nico da filosofia europeia. Tal problem?tica ser? posta somente por autores contempor?neos e tematizada na pr?pria Filosofia da Liberta??o. Entretanto, o salto filos?fico dado por Feuerbach ? indiscut?vel, e sua relev?ncia ir? resplandecer naqueles que o sucederam.

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5. Conclus?o

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Se Dussel n?o falha em sua interpreta??o, podemos afirmar que, apesar de suas

limita??es, Feuerbach aponta os caminhos para os fil?sofos futuros para a supera??o do

pensar hegem?nico europeu (portanto, um passo fundamental), assim como os demais

cr?ticos de Hegel, que s?o inclu?dos por Dussel na chamada pr?-hist?ria da Filosofia da

Liberta??o.

A critica ? dial?tica hegeliana, como vimos, foi efetuada pelos p?shegelianos (entre eles Feuerbach, Marx e Kierkegaard). A critica a antologia heideggeriana tem sido efetuada por Levinas. Os primeiros s?o modernos; o segundo ? ainda europeu. Resumiremos indicativamente o caminho seguido por eles, para super?-los partindo da Am?rica Latina. Eles s?o a pr?-historia da filosofia latinoamericana e o antecedente imediato de nosso pensar latino-americano. N?o pod?amos contar nem com o pensar europeu preponderante (de Kant, Hegel ou Heidegger), porque nos incluem como "objeto" ou "coisa" em seu mundo; n?o pod?amos partir daqueles que os imitaram na Am?rica Latina, porque ? filosofia inaut?ntica. Tampouco pod?amos partir dos imitadores latinos-americanos dos cr?ticos de Hegel, porque igualmente eram inaut?nticos. Os ?nicos cr?ticos reais do pensar dominador europeu foram os aut?nticos cr?ticos europeus acima nomeados, ou os movimentos hist?ricos de liberta??o na Am?rica Latina, ?frica ou ?sia. ? por isso que empunhando (e superando) as cr?ticas europeias a Hegel e Heidegger e, escutando a palavra pro-vocante do outro, que ? o latino-americano oprimido na totalidade norte-atl?ntica como futuro, pode nascer a filosofia latinoamericana que ser?, analogicamente, africana e asi?tica. (DUSSEl, 1986, p. 190)

?, portanto, a partir dos cr?ticos de Hegel, que a filosofia latino-americana busca

inspira??o te?rica. E Feuerbach, com seu esfor?o cr?tico, recupera elementos

indispens?veis para a forma??o de um pensamento aut?ntico na Am?rica Latina. Essa

nova filosofia traz consigo um compromisso, para os povos oprimidos (americanos,

asi?ticos e africanos), n?o apenas te?rico, mas essencialmente pr?tico. ? uma filosofia

cr?tica e ?tica que tem como princ?pio a vida, "onde se afirma a dignidade negada da

vida da v?tima, do oprimido ou exclu?do" (DUSSEL, 2012, p. 93), e que se justifica na

alarmante mis?ria que assola a maioria da humanidade, junto ? crescente devasta??o do

planeta Terra (DUSSEL, 2012).

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