Ler História. 21 (199l) - Universidade NOVA de Lisboa

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?frica (s?c. XVII-XX)

!iU Dias

I

I. Com uma produ??o cient?fica nos ?ltimos quinze anos de algumas centenas de obras abrangendo a hist?ria da interac??o portuguesa com os povos dos cinco territ?rios africanos de l?ngua ponuguesa. ? obviamente imposs?vel, dada as limit:1??es de espa?o impostas, fornecer uma imagem exaustiva e aprofundada do estado dos conhecimentos neste dom?lio. As dificuldades aumentam face lS diferentes perspectivas que se distinguem na abordagem hist?rica da coloniza??o portuguesa, a qual faz pane, evidentemente. da hislOriografia n?o s? de Portugal. mas da Guin?-B issau. Cabo Verde. S?o Tom? e Pr?ncipe. Angola. ~ Y1o?ambique. al?m de outros pa?ses da .?frica austral.

Por isso. pretende-se somente dar conta de algumas das tend?ncias. tem?ticas. e trabalhos considerados mais importantes e directamente relevantes ? perspectiva portuguesa. N?o se incluem obras que tomam, como lema central, as transforma??es ocorridas no seio das sociedades africanas ~m consequ?ncia da influ?ncia colonial, salvo quando elas com?m elementos significativos para o pomo de vista portugu?s. Para um levantamento mais completo remete-se o leitor para as bibliografias publicadas na Revista Internacional de Estudos Africanos, entre 1984 e 198~.

2. A heran?a principal da historiografia coloniaiisla ponuguesa encontra-se no grande desequil?brio cronol?gico dos conhecimentos, os quais incidem maioritariamente sobre o per?odo inicial da cooquista africana, ou seja os s?culos XVI e XVII. Tal situa??o reflecte, obviamente, preocupa??es pol?ticas com a miss?o civilizado? ra ponuguesa e a glorifica??o patr??tica dos colonizadores piooeiros. Se as distor??es assim produzidas permitiram aos propagandistas do Estado Novo refor?ar o mito dos quinhentos anos da ocupa??o ponuguesa de ?frica, ? interessante referir que o mesmo mito foi tamb?m aproveitado para afirmar uma realidade hist?rica de quinhentos anos de explora??o colonial e de resist?ncia africana (D. Boavida, 1981; L. Renderson, 1979). A investiga??o hist?rica dos ?ltimos quinze anos n?o s? destruiu esse e outros mitos. como revelou a enorme complexidade das rela??es coloniais portuguesas com a ?frica, tomando-~e j? imposs?ve? aeeitar interpreta? ??es simplistas a reflectir pontos de vista ideol?gicos. Mesm? assim, os progressos

? Jll.L DIAS - F.C.S.H./U.N.L..

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n?o foram tantos. A qualidade e cobertura irregulares continuam a caracterizar a

investiga??o. e se os s?culos XVIII e XIX come?aram a atrair mais aten??o, a

hist?ria do s?culo XX permanece pouco aprofundada ainda, tendo a falta de acesso

?s fontes sido o principal factor respons?vel.

A persist?ncia de tradi??es historiogr?ficas mais antigas tem-se verificado na

publica??o de compila??es documentais (E. dos Santos, 1976; A. Carreira, 1983;

A. Brasio, 1985; Hist?ria Geral de Cabo Verde ... , 1988; Documentos sobre os

?

Portugueses em Mo?ambique ... , 1989). Embora constituindo valiosos instrumentos de trabalho, falta-lhes ainda, na maior parte, a devida anota??o e contextualiza??o

cr?tica. Excep??es not?veis s?o as edi??es recentes, exemplares. dos manuscritos

do governador Fern?o de Sousa (B. Heintze, 1985e 1988a), e do di?rio de Silva

Pono (M. E. Madeira dos Santos 1986), al?m da publica??o de diversos documentos

in?ditos relacionados com o Congo e Angola (F. Bontinck 1977A, 1977B, B. He-

intze, 1988C) ou com a Guin? e Cabo Verde (A. Carreira 1983, 1985a).

A maior pane dos estudos efectuados sobre o colonialismo portugu?s nos ?lti-

mos anos deixaram de ser exclusivamente euroc?ntricos, inserindo-se, cada vez

mais, nas correntes historiogr?ficas que se desenvolveram sobretudo a partir da

d?cada de 60, em resposta ? descoloniza??o inglesa e francesa. Em termos muiro

esquem?ticos, tais correntes t?m sido dominadas por duas perspectivas principais:

uma, afirmando a capacidade de resposta positiva da popula??o africana face ?

interven??o colonial, reage contra interpreta??es colonialistas que atribu?am ? presen?a

colonial, um papel decisivo no destino desses povos; a outra. mais recente. tenta

situar e explicar o relacionamento hist?rico entre Ponugal e as suas col?nias africanas

no contexto da evolu??o da economia mundial, servindo-se das teorias de ?dependency?

e ?world-systems? desenvolvidas, a partir da tese inicial de Gunder Frank, por

Sarnir Amin e Immanuel Wallerstein, entre outros.

Muito poucos autores ousaram, ainda, apresentar grandes s?nteses globais da

hist?ria do imp?rio africano portugu?s entre os s?culos XVII e XX. S?o excep??es

importantes as obras de M.D.D. Newilt (1981, 1986), que procuram transmitir uma

vis?o equilibrada e compreensiva do colonialismo portugu?s, corrigindo, assim, as

distor??es produzidos por outros autores mais empenhados ideologicamente - quer

apoiassem ou n?o O antigo imp?rio portugu?s; e a hist?ria predominantemente econ?mica

de W.G. Clarence-Smith (1985a). Ambos fornecem muitas pistas para futuros le-

mas de pesquisa. Pela maior pane, no entanto, a grande quest?o da hist?ria da

coloniza??o portuguesa da perspectiva metropolitana - nomeadamente, at? que

ponto Portugal ganhou ou perdeu com o seu envolvimento em ?frica, sobretudo

nos ?ltimos cem anos - continua em aberto.

3. A hist?ria colonial portuguesa entre os s?culos XVII e XIX ? dominada pelo tr?fico de escravos ultramarino. A preocupa??o com os aspectos quantitativos desse tr?fico deu lugar nos ?ltimos anos ? tentativa de abordagem mais ampla, em tennos tanto geogr?ficos como sociais. Tal tend?ncia exemplifica-se no estudo pioneiro

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de Ant?nio Carreira sobre a actua??o das Companhias pombalinas entre a costa da Guin? e o nordeste brasileiro na segunda metade do s?culo XVIII (A. Carreira 1983). Os muitos outros elementos reunidos pelo mesmo autor relativo aos rios da Guin? e de Cabo Verde podem ser aproveitados para um estudo mais aprofundado do

tr?fic~ desta regi?o (Carreira, 1978b, 1978c 1981, 1983b, 1984). Para a ?frica Central ? seminal o trabalho de Joseph Miller, cujos artigos, publicados ao longo

da ?ltima d?cada, sobre aspectos da organiza??o econ?mica e efeitos demogr?ficos do tr?fico setecentista entre Angola e Brasil (I. Miller 1979, 1984, 1986), culminaram, ??recentemente, num livro (J. Miller, 1988), que procura, pela primeira vez, fornecer uma an?lise global das v?rias dimens?es do tr?fico, desde as suas origens nas savanas de ?frica Central, at? ? chegada dos escravos no Brasil. O autor faz uma descri??o dos m?ltiplos aspectos sociais e humanos desse tr?fico no quadro do desenvolvimento do capitalismo internacional e das rela??es muito complexas entre as diferentes economias de ?frica, Europa e o Atl?ntico-sul. Analisando J. complexidade da economia atl?ntica no s?culo XVIII. Miller salienta a relativa independ?ncia do Brasil, apesar da sua rela??o colonial com Portugal. e o fracasso das tentativas pombalinas de consolidar o controlo financeiro portugu?s do tr?fico angolano, face ? crescente imerven??o capitalista e inglesa. Miller demonstra a forte depend?ncia. relativa a este contexto econ?mico, de todos os que intervieram directamente no tr?fico, desde os traficantes metropolitanos e brasileiros, at? aos intermedi?rios luso-africanos e sociedades africanas fornecedoras locais. Depend?ncia semelhante ? assinalada por Carlos Ven?ncio na sua tese sobre J. economia do hinterland de Luanda e ainda por Carlos Neves no seu estudo da evolu??o da economia e sociedade colonial de S?o Tom? e Pr?ncipe na segunda metade do s?culo XVIII (LC.G. Ven?ncio, 1983; C. Neves 1988).

Os padr?es de interac??o entre europeus e africanos e a evolu??o das estruturas econ?micas e sociais nos entrepostos coloniais estabelecidos na costa africana entre os s?culos XVII e XIX, continuam pouco conhecidos ainda, apesar de fornecer temas de pesquisa bastante acess?veis em termos das fontes dispon?veis. Um recente trabalho importante permite avaliar o papel de outras nacionalidades europeias na instala??o pottuguesa nas ilhas atl?nticas (L C. Henriques e A. Margarido, 1989). Os trabalhos ?teis, mas pouco sistem?ticos, de Ant?nio Carreira e de Daniel Pereira parecem constituir as principais contribui??es para a an?lise do povoamento e da evolu??o econ?mica e social do Arquip?lago de Cabo Verde neste per?odo (A. Carreira, 19820, 1982b, 1983b, 1985b; D.A. Pereira 1984, 1985, 1986). Os poucos estudos que referem a actividade colonizadora em Angola antes do s?culo XIX salientam o fracasso das iniciativas e a falta do controlo da metr?pole sobre os habitantes da col?nia (I.M. dos Santos, 197?; B. Heintze 1~8Qa, 1980b; J.c.

e Miller 1983, 1988). A interpenetra??o das culturas europeias africanas, a nature-

za da escravid?o nas povoa??es coloniais de S?o Tom? e Angola, a fraqu~za dos portugueses em rela??o ?s estruturas mais poderosas africanas, o papel das ?lites luso-africanas no tr?fico de escravos e na manuten??o da presen?a portuguesa em

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?frica. e a organiza??o econ?mica e social dos centros urbanos, tal como Luanda,

s?o outras perspectivas que foram abertas na ?ltima d?cada (G. Brooks, 1980,

1987; I.C. Henriques, 1987; B. Heintze 1988b; J.C.G. Ven?ncio 1983, 1984; J.c.

Miller 1988; A. Margarido, 1989). Tratam-se de temas cruciais para uma caracte-

riza??o mais exacta da coloniza??o portuguesa, os quais convidam a novas pesquisas.

O forte empenho de muitos investigadores no sentido de exprimir a perspectiva

africana dos contactos militares e administrativos coloniais talvez explique a falta

?

de pesquisa aprofundada sobre a organiza??o, os mecanismos e o funcionamento do pr?prio aparelho colonial. Com excep??o de um estudo de maior envergadura

(D. Tengwall, 1978) e de outros, muito pontuais (C. Couto, 1981; A. Carreira,

1987), a administra??o colonial n?o se tomou tema central de qualquer pesquisa

hist?rica publicada nos ?ltimos anos, embora seja referida tangencialmente por

muitos autores. Consequentemente. a nossa compreens?o hist?rica do sistema ad-

ministrativo colonial continua ainda muito fragment?ria, para qualquer per?odo.

constituindo um dos campos potencialmente mais ricos de investiga??o futura.

4. A quest?o do abolicionismo ponugu?s s? muito recememente se tornou 3ivo de pesquisa mais sistem?tica (J.P. Sim?es Marques, 1989). Concentrando-se na sua venente pol?tica e diplom?tica, este autor interpreta J conserva??o legal, J.t? 1836. do tr?fico portugu?s ao sul do Equador, como resultado da ?constante gest?o de press?es e de equil?brios geo-estrat?gicos?. Fornece, assim. uma vis?o mais matizada da pol?tica abolicionista portuguesa do que interpreta??es anteriores que explicam a contribui??o desse tr?fico em termos simplistas e nacionalistas da vitoriosa diplomacia portuguesa no Congresso de Viena (J. Capela, 1979). Por sua vez, a. insist?ncia na press?o externa de Inglaterra como ?nica respons?vel pela eventual legisla??o portuguesa abolindo o tr?fico ao sul do Equador (1. Capela, 1974) n?o est? justificada enquanto n?o torem claramente estabelecidos os la?os concretos entre os interesses ingleses e as v?rias fases da pol?tica colonial portuguesa.

H? muito reconheceu-se que. longe de entrar em decl?nio. o tr?fico de escravos ultramarino de Angola e de Mo?ambique atingiu o seu auge no segundo quartel do s?culo XIX, continuando clandestinamente, at? a d?cada de 1870 (J.Capela, 1974, 1979; A. Carreira, 1978a; V. Alexandre, 1979; E. dos Santos 1981; W.G. Clarance-Smitb, 1985b; E. Medeiros e J. Capela, 1987; Carvalho, 1989). V?rios autores chamaram a aten??o para os fortes conflitos de interesses que surgiram no seio da comunidade colonial de Angola em consequ?ncia da resist?ncia ? aboli??o . do tr?fico ultramarino e da implementa??o de outras reformas coloniais (M.A.F. de Oliveira, 1981; 1. R. Dias, 1981, 1984). H? muito a fazer ainda, por?m, antes das circunst?ncias e consequ?ncias deste tr?fico clandestino - tanto em Portugal como na pr?pria ?frica - estarem completamente esclarecidas.

Outra das quest?es fundamentais da hist?ria colonial no mesmo per?odo diz respeito ?s consequ?ncias do aumento do chamado com?rcio ?leg?timo? em mat?rias primas e produtos agr?colas em resposta ?s novas exig?ncias do mercado intema-

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cionaI. A natureza dos conhecimentos ? muito fragment?ria ainda. A evolu??o d?bil de uma economia de planta??o europeia em Angola neste per?odo est? confirmada num estudo recente (A. Freudenthal, 1990), sendo confirmada, tamb?m, a depend?ncia da economia colonial das mercadorias produzidas pelas sociedades africanas aut6nomas do interior do territ?rio atrav?s da ca?a ou da recolec??o (J.R. Dias, 1981; W.G. C1arence-Smith, 1979a, 1979b, 1983). Ainda em rela??o a Angola, Maria Em?lia Madeira dos Santos estudou detalhadamente a traject6ria e as t?cnicas do com?rcio sertanejo do Bi? (M.E.M. Santos, 1986, 1989), enquanto outros autores?.come?aram a analisar a organiza??o e efeitos sociais do com?rcio do marfim, caf? ou borracha (l.R. Dias, 1986. 1989; J.C. Miller. 1989). Reuniram-se, tamb?m, elementos sobre a import?ncia. na primeira metade do s?culo XIX do com?rcio de urzela em Angola e Cabo Verde (M.A.F. de Oliveira, 1981; A. Caneira, 1982), o aumento dos valores das oleaginosas nas exporta??es da Guin? e Mo?ambique (1. Bowman, 1987; A. Chilundo, 1989), faltando aprofundar muitos aspectos deste com?rcio (A. Rita-Ferreira. 1989) antes de conseguir um conhecimento sistem?tico do valor global do com?rcio externo das col?nias Jfricanas. t: da sua aniculJ??o com as actividades econ?micas da metr?pole.

A persist?ncia da escravid?o nas col?nias portuguesas. apesar da sua aboli??o

legal em ?frica na d?cada de 1850, constitui tema central de v?rias obras O, Ca-

pela, 1977; A. Caneira, 1977; V. Alexandre. 1979), tendo a sua interac??o com o desenvolvimento do com?rcio ?leg?timo? na ?frica Central sido objecto de outro estudo recente, mais aprofundado (l.L. Vellut, 1989). As raz?es do fracasso da legisla??o abolindo a escravarura nas col?nias (Torres, 1989). as pol?ticas e os mecanismos de recrutamento de m?o-de-obra para as novas empresas coloniais em desenvolvimento em Angol~ Mo?ambique e S?o Tom?, e o tratamento dos trabalhadores africanos nas planta??es agricolas (W.G. Clarence-Smith, 1976) constiruem s? alguns dos t?picos que. embora referidos em quase todas as pesquisas sobre as col6nias africanas realizadas nos ?ltimos quinze anos, esperam, ainda, receber tratamento mais sistem?tico.

Quanto ? hist?ria geral da expans?o portuguesa no interior do continente africano, dispomos de um resumo cronol?gico das viagens a partir dos primeiros contactos (M.E.M. Santos, 1980), al?m de outros estudos sobre aspectos dessas explora??esJA. Amaral, 1984; D. Wheeler, 1987). A expans?o da fronteira comercial, o balan?o de poder, a implanta??o portuguesa e a delimita??o das fronteiras coloniais no interior africano entre os s6::ulos XVII e XIX tomaram-se temas centrais de v?rios trabalhos (F. Bontinck 1976; T.H. Elkiss, 1981; M.E.M. Santos, 1986; E. dos Santos, 1986; J. Bowman, 1986; M.L. Esteves, 1988; M.M. Lucas, 1989). A descri??o mais detalhada das expedi??es e da diplomacia em. tome do Mapa C?r de Rosa e das suas consequ?ncias encontrava no livro de 'Charles E. Nowell (C.E. Nowell. 1982), enquanto outro esrudo conta a hist?ria da lUla dipl..m?tica portuguesa para o controlo da costa mo?ambicana at? Cabo Delgado (N, Bennetl, 1987). A evolu??o das fronteiras coloniais no s?culo XX ? focado ainda noutro

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trabalho original sobre Angola, baseando-se em documenta??o conservada no Arquivo do Minist?rio dos Neg?cios Estrangeiros (M. Puna, 1988). Entretanto, a obra de maior valor enciclop?dico relativa ? ocupa??o colonial militar dos territ?rios africanos entre as d?cadas de 1880 e 1940 ? de Ren? P?lissier, cuja narra??o pormenorizada da penetra??o militar portuguesa em Angola, Mo?ambique e Guin?, constitui ponto de partida obrigat?rio para uma an?lise mais aprofundada (R. P?lissier, 1977, 1978, 1984, 1985, 1986, 1987).

5. Na verdade, um conhecimento mais aprofundado da natureza da rela??o entre Portugal e ?frica entre os s?culos XIX e XX passar? por interpreta??es que se esforcem por integrar todas as suas m?ltiplas dimens?es, tanto econ?micas e sociais, como pol?ticas e ideol?gicas. A sua veracidade depender?, sobretudo, da compreens?o das altera??es cont?nuas e complexas que afectaram as rela??es entre as administra??es e comunidades coloniais e o governo metropolitano; entre as companhias de com?rcio e agr?colas coloniais e o estado; entre Portugal e os pa?ses vizinhos da Europa e da ?frica austral - al?m do relacionamento de todos estes aspectos com a economia internacional e com as pr?prias popula??es africanas. Ora, apesar de v?rias pesquisas import3I1[es realizadas ao longo dos ?ltimos quinze anos o nosso entendimento destes processos ? bastante fragment?rio ainda.

Uma an?lise recente das despesas coloniais do Estado portugu?s a partir de 1913, parece demonstrar que os gastos militares sempre tiveram mais peso do que as despesas de investimento, levantando, mais uma vez, a velha quest?o de quais as vantagens econ?micas e pol?ticas que motivaram os sucessivos governos portugueses a manter, at? t?o tarde, os territ?rios de al?m-mar, incluindo os africanos (L. Ferreira e C. Pedra, 1988).

H? muito que se reconhece a complexidade dessa problem?tica. Algumas s?nteses gerais, real?ando a import?ncia de interesses econ?micos e grupos de press?o metropolitanos na expans?o portuguesa do imp?rio africano a partir do s?culo 19 (J. Capela, 1975; W. G. Clarence-Smith, 1979a, 1983, 1985a; V. Alexandre, 1979, 1980; G. Pirio, 1982) corrigem a ideia, bastante difundida, de que, dado o atraso econ?mico de Portugal, o imperialismo portugu?s resultou, quase exclusivamente, de considera??es ideol?gicas e pol?ticas (R. Hammond, 1975; M. Newitt, 1981). Clarence-Smith, baseando-se em grande parte nos dossiers e relat?rios das companhi... coloniais (W. G. Clarence-Smith, 1985a), tra?a uma estreita rela??o entre as altera??es da posi??o de Portugal na economia mundial nos ?ltimos cem anos e a expans?o e queda do seu imp?rio africano. N?o basta, por?m, indicar os interesses econ?micos particulares sem provar a sua liga??o directa com a pol?tica e ... ac??es governamentais. A complexidade da quest?o ? apontada por ?ngela Guimar?es (A. Guimar?es, 1983a, 1984), ao chamar a aten??o para as v?rias correntes de opini?o e interesses colonialistas existentes em Portugal no ?ltimo quartel do s?culo XIX, real?ando, tamb?m, a import?ncia da componente ideol?gica. Estudos biogr?ficos de pol?ticos e outras figuras chave do processo colonizador parece

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constituir um dos caminhos prometedores de investiga??o futura (D. Wheeler, 1980). O ?xito de novas pesquisas passar?, por?m, pela disponibilidade das fontes, sobretudo de fundos arquiv?sticos particulares ou ministeriais, que dever?o pennitir interpreta??es mais .aprofundadas.

Outro caminho de investiga??o no sentido de permitir uma nova compreens?o da rela??o colonial entre Portugal e ?frica nos ?ltimos cem anos passa pelo estudo da realidade econ?mica e social das pr?prias comunidades coloniais e das suas rela??es com o governo da metr?pole. Alcan?ar uma imagem t?o diferenciada quanto poss?vel desta realidade ? o maior desafio que enfrenta o investigador. Ora, s? ? poss?vel responder a tal desafio alargando a base emp?rica dos conhecimentos atrav?s de estudo de casos.

Quanto ? realidade econ?mica colonial. uma s?rie de trabalhos rigorosos sobre a organiza??o e actua??o das? Companhias de Niassa e de ~o?ambique (L. Vail, 1975.1976, 1979b; Neil-Tomlinson. 1977:G. Pirio, 1982). culminando no excelent~ estudo emp?rico da hist?ria ~con?mica do distrito de Quelimane (L. Vai! e L. White. 1981; L. VaiI. (983) demons[ram o subdesenvolvimento do norte de :Y?o?ambique ~m consequ?ncia da penetrJ??o do capitalismo colonial; outras an?lises tamb?m salientam o papel da coloniza??o e do capital banc?rio em criar la?os de depend?ncia econ?mica, a partir do s?culo XIX. em Mo?ambique, Angola. S?o Tom? e Guin? (A. Castro, 1978; C. Serra, 1980; A. Torres. 1981. 1983: l.P. Leite e G. Rosario, 1982; A. Guimar?es. 1983b; H. Schoenmarkes. 1986). Essas perspectivas gerais est?o a ser refor?adas e aprofundadas por pesquisas mais recentes sobre a economia e a estrutura social colonial mo?ambicanas levadas a cabo por docentes do Departamento de Hist?ria da Universidade de Eduardo Mondlane, Maputo (D. Hedges e A. Rocha, 1987a, 1987b). Por outro lado, os "feitos tanto do controlo govemamental sobre a economia colonial entre as d?cadas de 1930 e 1950, como da tend?ncia de liberalizar a mesma a partir de 1960 n?o s?o bem compreendidos ainda, apesar de algumas tentativas recentes de an?lise (E. Rocha, 1977; 1982; W,G. Clarence-Smith, 1985a, 1985b; E. Sousa Ferreira, 1985).

Alguns autores tentaram aprofundar estas e outras quest?es examinando nas suas m?ltiplas dimens?es, a hist?ria de uma ?nica colheita agdcola. tal como o a??car (W. G. Clarence?Smith, 1986). No seu estudo da produ??o algodoeira em Mo?ambique, Carlos Fortuna argumenta que o controlo centralizado do prOcesso produtivo desta colheita, a partir de 1930, levou ao fracasso da explora??o por parte dos colonos brancos, devido ? incorpora??o em grande escala de trabalhadores negros (C. Fortuna, 1988). Por outro lado, saliente-se o ?xito da mesma politica de controlo salazarista em promover o desenvolvimento da ind?stria t-ext?l portuguesa atrav?s do assegurar fornecimentos adequados de algo~?~ celonial ? metr?pole (A. Pitcher, 1989).

A nossa compreens?o das transforma??es ocorridas. entre os s?culo& XIX e XX, na sociedade colonial ao n?vel da estrutura de classes e de rela??es raciais ? bastante fragment?ria ainda. Micro-an?lises regionais (J.R. Dias. 1976; D. Birrnin-

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gham. 1978), juntamente com a hist?ria urbana e social das vilas e das cidades coloniais (A. Stamm, 1977; A. Lobato, 1981; 1. Amaral, 1984; E. Medeiros, 1985; Andrade, 1988; Estev?o, 1988; Torres, 1988; Silveira, 1988) constituem m?todos vi?veis - embora ainda pouco explorados em termos anal?ticos - de aprofundar os conhecimentos da realidade colonial. permitindo a abordagem de uma grande variedade de temas relevante ? hist6ria da coloniza??o ponuguesa nos s?culo XIX. XX. Outros autores abordaram as contradi??es raciais e sociais no seio das ?lites assimiladas de Angola e Louren?o Marques (M.A. Fernandes de Oliveira, 1981; J.R. Dias, 1984; C. Messiant, 1988; J. Penvenne, 1989), a forma??o da classe oper?ria em Louren?o Marques (J. Penvenne, 1981a, 1981b, 1984; J. Capela, 1983; A. Rocha, 1985), e as rela??es entre a ra?a. etnia e classe em S?o Tom? (A.G. Dias e A. do N. Diniz. 1988; W.G. Clarence-Smith, 1989). Quanto ao processo da coloniza??o europeia em si, foram realizados dois estudos excelentes relativos ao sul de Angola (C. Alberto Medeiros. 1976, 1977), al?m da obra de Gerald Bender. sobre as rela??es raciais e programas da coloniza??o branc3. em Angola no s?culo XX (G. Bender, 1978). :-Iesta obra, propositadamente tendenciosa, Bender real?" sobretudo a falsidade da ideologia luso-tropic3..lista relativa ao fen?meno da coloniza??o pOI1uguesa em ?frica. N?o obstante o seu tom pol?mico, a obra de Bender cont?m muitos elementos ?teis, especialmente relativos ao sistema administrativo colonial. Na verdade, embora esteja referida em v?rias obras (W.G. Clarence-Smith, 1983; M. Newitt, 1981; R. P?lissier 1978; F.W. Relmer, 1979; K. Middlemas, 1979; A. Freudenthal, 1988) a experi?ncia da sociedade branca nas col?nias africanas ponuguesas continua, at? hoje. a ser um dos temas hist?ricos menos explorado - apesar da sua relev?ncia para a hist?ria social da pr?pria metr?pole. A quest?o dos degredados constitui, por exemplo, um entre muitos, tema aliciante.

Fundamental ? compreens?o correcta da hist?ria da coloniza??o ponuguesa em ?frica s?o os factores condicionantes de clima e da sa?de. A continua??o das pesquisas de Ant?nio Carreira sobre as implica??es das secas e das fomes em Cabo Verde contribuiu, mais uma vez, com muitos elementos b?sicos para futuras interpreta??es hist?ricas, mais sistem?ticas, da coloniza??o dessas ilhas (A. Carreira, 1983, 1985c). Outros estudos realizados neste per?odo analisam, com base , na documenta??o mission?ria e colonial existente. os ciclos repetitivos de seca, fome e epidemia em Angola a partir do s?culo XVI, tentando interpretar a interac??o entre tal contexto ecol?gico e a economia colonial (J.R. Dias, 1981; J.C. Miller, 1982). Na verdade, a hist?ria m?d?ca, focando quest?es epidemiol?gicas e as respostas do governo portugu?s no campo de sa?de p?blica, constitui uma ?rea de investiga??o importante que s? recentemente come?ou a ser bem explorada (M. F. Shapiro, 1983).

A expans?o do cristianismo e as pol?ticas coloniais de educa??o nos territ?rios africanos constituem outros t?picos importantes de pesquisa hist?rica no dom?nio das ideologias e pol?ticas coloniais. A hist?ria da educa??o e da sua articula??o com o sistema colonial come?ou a ser estudada. limitando-se, no entanto, aos con-

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