PareSeres da terra e a música popular portuguesa no ... - UMinho

RIBEIRO, Ant?nio Jos? Pacheco. pareSeres da terra e a m?sica popular portuguesa no Conservat?rio do Vale do Sousa. Revista V?rtex, Curitiba, v.5, n.3, 2017, p.1-20

pareSeres da terra e a m?sica popular portuguesa no Conservat?rio do Vale do Sousa1

Ant?nio Jos? Pacheco Ribeiro2

Conservat?rio do Vale do Sousa, Lousada | Portugal Universidade do Minho, CIEC, Braga | Portugal

Resumo: Este artigo aborda a problem?tica do ensino da m?sica em Portugal, ap?s a sua inser??o no sistema geral de ensino, e apresenta um relato de experi?ncia desenvolvido no Conservat?rio do Vale do Sousa - Lousada, no ?mbito do projeto pareSeres da terra. Este projeto tem como principal prop?sito responder ?s necessidades de renova??o da escola de m?sica. Neste sentido, pretende consciencializar para a necessidade de introduzir no curr?culo do Conservat?rio do Vale do Sousa outras tipologias musicais, ou seja, outros estilos e g?neros musicais, divulgar o patrim?nio musical portugu?s n?o erudito, sensibilizar os mais novos para a preserva??o da cultura musical portuguesa e solidificar o projeto de escola. Apresenta, igualmente, uma viagem retrospetiva em torno da programa??o levada a cabo durante estes dez anos de evento e conclui-se que pareSeres da terra representa uma proposta inovadora e de ruptura com a conce??o de escola de m?sica assente no paradigma tradicional.

1 pareSeres da terra and Portuguese popular music at the Conservatory of Vale do Sousa. Submetido em: 03/09/2017. Aprovado em: 23/12/2017. O termo ?popular? utilizado nas l?nguas latinas e anglo-sax?nicas t?m significados diferentes; nas primeiras tem uma conota??o que o aproxima da m?sica tradicional (Sardo, 2009); salvo quando ? indicado, ? neste sentido que ? aqui utilizado. 2 Ant?nio Jos? Pacheco Ribeiro ? Licenciado em Ensino de M?sica pela Universidade de ?vora e Mestre em Estudos da Crian?a - Especialidade de Educa??o Musical pela Universidade do Minho. Realizou a parte letiva do Curso de Mestrado em Etnomusicologia na Universidade de Aveiro. Doutorou-se em 2013 na Especialidade de Educa??o Musical do Doutoramento em Estudos da Crian?a, no Instituto de Educa??o da Universidade do Minho, sob a orienta??o da Professora Helena Vieira. O seu interesse de pesquisa centra-se no ensino art?stico especializado da m?sica em Portugal, ?rea em que tem desenvolvido a sua atividade pedag?gica e de investiga??o, e na etnomusicologia e m?sica tradicional, ?reas em que tem desenvolvido diversos projetos de intera??o com a sociedade. Leciona no Conservat?rio do Vale do Sousa, em Lousada, e no Instituto de Educa??o da Universidade do Minho. ? membro integrado do Centro de Investiga??o em Estudos da Crian?a (CIEC). E-mail: antoniopacheco@ie.uminho.pt

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RIBEIRO, Ant?nio Jos? Pacheco. pareSeres da terra e a m?sica popular portuguesa no Conservat?rio do Vale do Sousa. Revista V?rtex, Curitiba, v.5, n.3, 2017, p.1-20

Palavras-chave: pareSeres da terra; ensino especializado da m?sica; m?sica popular portuguesa; Conservat?rio do Vale do Sousa.

Abstract: This article deals with the problems of music education in Portugal, after its insertion in the general teaching system, and presents an experience report developed at the Conservatory of Vale do Sousa - Lousada, within the context of the pareSeres da terra project. This project has as main purpose to respond to the renovation needs of the music school. In this sense, it intends to raise awareness of the need to introduce other types of music in the Conservatory of Vale do Sousa curriculum, to disclose the non-erudite Portuguese musical heritage, to sensitize the younger generation to the preservation of Portuguese musical culture and to solidify the school project. It also presents a retrospective tour of the programming carried out during these ten years of the event and it is concluded that pareSeres da terra represents an innovative proposal and break with the design of a music school based on the traditional paradigm.

Keywords: pareSeres da terra; specialized teaching of music; Portuguese popular music; Conservatory of Vale do Sousa.

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O ensino de instrumentos musicais em Portugal acontece no chamado ensino art?stico especializado da m?sica. Este, por seu lado, desenvolve-se em dois ramos distintos com o mesmo prop?sito: forma??o de m?sicos profissionais: o ramo vocacional, que compreende as academias e os conservat?rios de m?sica, e o ramo profissional, que compreende as escolas profissionais. O ensino gen?rico da m?sica desenvolve-se nas escolas generalistas mas n?o se centra na aprendizagem de instrumentos musicais.

O ensino art?stico especializado da m?sica ministrado no ?mbito das academias e conservat?rios de m?sica (que nos interessa para este trabalho), sofreu uma importante e significativa reforma em 1983 (Decreto-Lei n? 310/83, de 1 de julho; RIBEIRO; VIEIRA, 2016a). Esta reforma inseriu as artes no sistema geral de ensino e criou um novo conceito de escola: a escola vocacional. Neste sentido, foram criadas ?reas vocacionais de M?sica e Dan?a e integradas no sistema de ensino preparat?rio e secund?rio. A frequ?ncia nos cursos de ensino art?stico especializado poderia ser feita num dos seguintes regimes de frequ?ncia: regime integrado ? quando as disciplinas de forma??o geral e as disciplinas de forma??o espec?fica e vocacional s?o ministradas no estabelecimento de ensino art?stico; regime articulado ? quando as disciplinas de forma??o geral s?o ministradas numa escola de ensino preparat?rio ou secund?rio e apenas as disciplinas de forma??o espec?fica e vocacional s?o ministradas

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no estabelecimento de ensino art?stico especializado. Uma terceira possibilidade de frequ?ncia apontava para aquilo que viria a ser chamado, posteriormente, regime supletivo (Despacho n? 76/SEAM/85, de 9 de outubro) ? quando a forma??o espec?fica e vocacional era ministrada no estabelecimento de ensino art?stico, independentemente das habilita??es do aluno: o aluno frequenta, apenas, a componente de forma??o espec?fica e vocacional, no entanto a certifica??o do curso b?sico de m?sica e do curso secund?rio de m?sica s? ser?o poss?veis quando o aluno comprovar que possui o 9? ano de escolaridade (equivalente ao curso b?sico de m?sica) e o 12? ano de escolaridade (equivalente ao curso secund?rio de m?sica). Ao n?vel superior foram criadas as Escolas Superiores de M?sica, Cinema, Dan?a e Teatro e inseridas no ?mbito do ensino superior polit?cnico.

As transforma??es socioecon?micas ocorridas em Portugal, na d?cada de 90 do s?culo passado, fizeram com que o ensino art?stico especializado da m?sica, sofresse um aumento significativo com a cria??o de v?rias escolas vocacionais (da rede particular e cooperativa), por um lado, devido ? elevada procura deste tipo de ensino como consequ?ncia da democratiza??o do ensino, a valoriza??o da educa??o art?stica nos planos curriculares do ensino b?sico (Decreto-Lei n? 344/90, de 2 novembro) e alargamento da escolaridade obrigat?ria e, por outro lado, pela cria??o do ensino profissional (DecretoLei n? 26/89, de 21 de janeiro).

Os projectos das primeiras escolas profissionais com cursos de M?sica foram promovidos por escolas vocacionais de m?sica particulares, em resposta ?s dificuldades e indefini??es com que o ensino vocacional se defrontava. No quadro da din?mica favor?vel ? cria??o dos cursos profissionais secund?rios, vocacionados para a forma??o de quadros interm?dios (qualifica??o de n?vel III) e para a sua inser??o no mercado de trabalho, foram aprovados cursos profissionais de M?sica (n?veis II e III) com planos de estudo e programas muito semelhantes aos do ensino vocacional, muitas vezes leccionados pelos mesmos professores, que t?m dado resposta com sucesso ? forma??o dos jovens (MINIST?RIO DA EDUCA??O, 2003: 29).

Efetivamente, as escolas profissionais art?sticas afirmaram-se como casos de sucesso, contrariamente ao ensino vocacional que foi perdendo a sua caracteriza??o e identidade, gra?as ao seu modo de funcionamento e ? sua oferta de forma??o cred?vel, assente na autonomia pedag?gica, num plano de estudos pr?prio e frequ?ncia em regime integrado. Segundo Folhadela, Vasconcelos e Palma (1998: 39- 40), tal situa??o adveio do diferente tratamento que ambos os modelos de escola obtiveram da Administra??o, nomeadamente,

(...) no que respeita aos financiamentos, ao acompanhamento pedag?gico, ?s formas de avalia??o da escola, ? produ??o de normativos. De facto, o investimento realizado proporcionou ?s escolas profissionais, dotadas de autonomia, melhores condi??es para optimizarem os seus recursos e desenvolverem os seus projectos, possibilitando-lhes a cria??o dos seus pr?prios curr?culos em regime integrado.

No caso concreto das escolas vocacionais de m?sica, estas transforma??es socioecon?micas

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ocorridas no pa?s ?conduziram a uma transforma??o significativa no que se refere ? procura do ensino especializado da m?sica, com consequente altera??o da popula??o que passou a frequentar estas escolas? (FOLHADELA; VASCONCELOS; PALMA, 1998: 7). Na realidade, as escolas vocacionais de m?sica revelaram grandes dificuldades em assumirem a reforma de 1983, por diversos factores. Por um lado, pela dificuldade de implementa??o dos regimes de frequ?ncia integrado/articulado (estes regimes de frequ?ncia s? vieram a efetivar-se com a reestrutura??o de 2007 que culminou com a Portaria n? 691/2009, de 25 de junho), por outro lado, pela dificuldade de implementa??o de percursos formativos diversificados identificados com as realidades sociais contribuindo, desta forma, para acentuar o dilema com que este tipo de escola se depara, ?(...)confinadas que se encontram a uma oferta que n?o responde ? procura diversificada actualmente existente...? (MINIST?RIO DA EDUCA??O, 2003: 9). De acordo com Silva (2000: 63),

[?] consensual o diagn?stico de que um problema b?sico do ensino vocacional da m?sica (...) ? a converg?ncia de duas procuras distintas: uma procura que pretende, apenas ou sobretudo, uma mais valia pessoal, em termos de forma??o musical; e uma procura que se orienta pela aspira??o a uma forma??o musical propriamente vocacional, para futura profissionaliza??o.

Na verdade, estas escolas s?o hoje frequentadas por um n?mero cada vez maior de crian?as procurando diferentes saberes e conhecimentos, colmatando defici?ncias de forma??o que s?o particularmente sentidas pelas comunidades educativas. A diferente procura n?o foi acompanhada pela necess?ria introdu??o de ofertas curriculares diversificadas capazes de responderem ?s novas expectativas e solicita??es da popula??o escolar. Atente-se nas seguintes palavras de Folhadela, Vasconcelos e Palma (1998: 7-55):

O modelo ?nico de organiza??o curricular e pedag?gica, predominante no ensino especializado da m?sica, que assenta na forma??o de instrumentistas solistas, ancorado numa perspectiva do s?culo XIX e numa ?nica tipologia musical, tem impedido que se d?em respostas adequadas ? procura crescente da aprendizagem musical que correspondam ? heterogeneidade dos territ?rios, dos alunos, dos p?blicos, dos profissionais e do desenvolvimento do mercado de emprego. [...] Por outro lado, ? sabida a apet?ncia dos adolescentes pelas linguagens da m?sica Pop, do Jazz e, mais recentemente pelo fen?meno da World Music, que tem sido, nos melhores casos, um importante ve?culo de divulga??o de culturas extra-europeias, ajudando a promover o respeito pela diferen?a e pelo "outro". A completa aus?ncia destas e de outras tipologias nos actuais curr?culos e a subvaloriza??o destes fen?menos culturais, pela maioria dos docentes, tem provavelmente causas muito semelhantes ?s que levam a uma n?o-aceita??o, quase generalizada, da m?sica do s?culo XX. Esta constata??o deve-nos levar a abordar sem preconceitos o problema da integra??o no curr?culo de outras tipologias musicais, entre as quais se encontram tipologias "mais pr?ximas" dos alunos das nossas escolas.

Os problemas do ensino art?stico especializado da m?sica, que advinham desde a cria??o do Conservat?rio de M?sica de Lisboa ligado ? Casa Pia (1835), tornaram-se, assim, uma realidade cada vez mais particular. Efetivamente, as dificuldades de implementa??o da reforma estrutural mencionada (1983) ainda hoje se fazem sentir e esta mesma reforma n?o resolveu os problemas existentes. Neste

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sentido, este subsistema de ensino foi alvo de uma reestrutura??o iniciada em 2007 (RIBEIRO; VIEIRA, 2016b) com a inten??o de clarificar procedimentos organizativos e institucionais. Esta reestrutura??o culminaria com a publica??o da Portaria n? 691/2009, de 25 de junho, que criou os Cursos B?sicos de Dan?a, de M?sica e de Canto Gregoriano e aprovou os respetivos planos de estudo. Pese embora esta reestrutura??o ter contribu?do para uma melhoria do subsistema de ensino, a verdade ? que os jovens e adolescentes continuam a procurar junto da escola especializada de m?sica (escola vocacional) conhecimentos ligados a outras linguagens musicais, nomeadamente pop/rock, jazz, world music, m?sica popular/tradicional (PACHECO, 2013) e estas mesmas escolas continuam a n?o corresponderem ?s diferentes solicita??es, ancoradas num ensino tecnicista, virtuoso, de forma??o de m?sicos instrumentistas solistas, assente numa ?nica tipologia musical ligada ? m?sica erudita ocidental.

O ensino musical ancorado nas perspetivas de s?culos passados n?o responde aos pressupostos educativos e formativos associados ?s m?ltiplas linguagens musicais e propostas est?ticas contempor?neas e esta realidade est? bem presente no Conservat?rio do Vale do Sousa. O ensino art?stico especializado da m?sica precisa, assim, assumir esta realidade e as escolas necessitam de fomentar os seus projetos nas suas comunidades sem preconceitos de integrar nos curr?culos outras tipologias musicais (PACHECO, 2013).

No in?cio do s?culo XX grandes nomes da m?sica e da pedagogia da m?sica como Cecil Sharp, Zolt?n Kod?ly e Ruth Seeger trabalharam no sentido de incluir no curr?culo das escolas m?sica popular (neste caso concreto, entenda-se toda a m?sica que n?o ? erudita) europeia e norte americana. No entanto, foi a partir da d?cada de 1960 que a m?sica popular entrou nos curr?culos escolares das institui??es de ensino ocidentais, primeiramente com a inclus?o do Jazz nos Estados Unidos. Na Inglaterra a m?sica popular ganhou adeptos, tamb?m, na d?cada de 1960 e o subsequente desenvolvimento de novos materiais curriculares e estrat?gias de ensino colocaram a m?sica popular nos curr?culos escolares de muitos outros pa?ses durante a d?cada de 1980 (GREEN, 2002). Ainda segundo Green (2002), desde as ?ltimas tr?s ou quatro d?cadas do s?culo XX, os profissionais de m?sica: conferencistas, professores de m?sica, professores de instrumento ? que lecionam desde o ensino prim?rio ao superior ? t?m reconhecido e incorporado no seu trabalho v?rios g?neros musicais populares.

pareSeres da terra e o Conservat?rio do Vale do Sousa: a ideia inicial

O projeto pareSeres da terra foi implementado no Conservat?rio do Vale do Sousa ? Lousada, escola do ensino art?stico especializado da m?sica (ramo vocacional), e teve o seu in?cio no ano de 2007. O seu princ?pio orientador fundou-se na ideia intr?nseca bifurcada de um parecer e de um para ser da terra. Neste sentido, desenvolveu-se um programa de aproxima??o a outras tipologias musicais

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