A m sica em Portugal na primeira metade do s culo XVIII

[Pages:21]A M?SICA EM PORTUGAL NA PRIMEIRA METADE DO S?CULO XVIII*

Por Jos? Bettencourt da C?mara (Universidade de ?vora)

Uma boa parte do conjunto das fontes musicais manuscritas que no territ?rio portugu?s chegaram at? aos nossos dias respeitam a obras do s?culo XVIII. Embora n?o possamos, naturalmente, arriscar aqui uma quantifica??o, que o adequado tratamento de todas essas fontes e o avan?o tecnol?gico, no futuro, eventualmente possibilitar?, nem por isso tememos o uso da express?o "boa parte", que nos inclinar?amos mesmo a alargar ? de "grande parte" (1). Estribamo-nos, para tal, no conhecimento que vimos acumulando sobre o patrim?nio musical portugu?s, adquirido no conv?vio de toda uma vida com a literatura dispon?vel relativa a esse patrim?nio e pelo estudo dos fundos musicais que em primeira m?o compuls?mos.

Com efeito, ? vasto em Portugal o acervo de obras setecentistas conhecidas, assim como o n?mero dos compositores que naquela cent?ria floresceram: alguns italianos (2), mas portugueses maioritariamente. E ? como ao autor destas linhas aconteceu, nos A?ores, onde deparou com duas significativas colec??es de manuscritos, exclusiva ou predominantemente setecentistas, ainda virgens das m?os de investigadores ? pode admitir-se que algo subsista n?o referenciado no Pa?s, fora da al?ada de institui??es nacionais, particularmente dos arquivos musicais cujos cat?logos j? se encontram publicados (3), ou ainda que algum fundo tenha, por conting?ncias que devemos lamentar, sa?do do Pa?s (4).

Restrinjamo-nos, de momento, ? quest?o da quantidade, reconhecendo que a da qualidade da m?sica portuguesa de Setecentos n?o podia deixar de ser determinante no ?mbito das considera??es que aqui propomos. Seria irrelevante a abund?ncia de fontes musicais se globalmente n?o se nos apresentasse essa m?sica como fruto do trabalho de compositores profissionalmente habilitados para o m?tier, dos quais alguns se destacar?o por melhor qualidade da obra, o que, com todo o cuidado que nos imp?e o actual estado do conhecimento na mat?ria, julgamos ser efectivamente o caso (5).

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* Publicado como artigo na revista Brot?ria (Vol. 168, Lisboa, Fevereiro de 2009), este texto integra a colect?nea Estudos I ? M?sica em Portugal no s?culo XVIII.

Devemos precisar que ? na segunda metade do s?culo que parece concentrar-se esta riqueza patrimonial. De facto, tanto no que respeita ao n?mero de compositores como de obras cujos manuscritos subsistem, pende a balan?a, quantitativamente, para os reinados de D. Jos? e de sua filha D. Maria, parecendo a primeira metade, correspondente ao reinado de D. Jo?o V, menos generosa em produ??o musical.

Se n?o pudermos, mais tarde, concluir que esta abund?ncia de fontes musicais na segunda metade do s?culo XVIII se explica por um conjunto de factores (alguns intr?nsecos, por assim dizer, ? arte musical, outros relativos ao seu contexto hist?ricosocial) que a partir da subida ao trono de D. Jos? (1750) a determinam, tais como a afirma??o na corte portuguesa do gosto pela ?pera e talvez ainda um incremento, a partir de ent?o, da festa religiosa no sentido da magnific?ncia, deveremos decerto admitir que o terramoto de 1755 ter? destru?do o patrim?nio musical de algumas das igrejas de Lisboa e da regi?o envolvente (como destruiu a biblioteca real, instalada no pa?o da Ribeira), n?o permitindo que chegassem at? n?s muitas obras da primeira metade do s?culo XVIII, como outras de s?culos anteriores, privando-nos talvez mesmo do conhecimento do nome de alguns compositores desse per?odo.

Com a ?nica excep??o de Carlos Seixas (1704-1742), cuja obra para tecla que conhecemos se encontra integralmente publicada (6), todos os compositores portugueses setecentistas, incluindo aqueles que parecem salientar-se pela maior qualidade da sua produ??o, n?o foram ainda objecto da investiga??o que desde j? parecem merecer. Este facto ? elucidativo da situa??o do Pa?s em mat?ria de desenvolvimento da investiga??o musicol?gica, de conhecimento da hist?ria da sua pr?pria m?sica, particularmente a do s?culo XVIII, per?odo que junto dos investigadores n?o colheu, efectivamente, a mesma aten??o que os dois s?culos anteriores (7).

N?o construiremos, em nenhum sector do conhecimento, qualquer perspectiva de conjunto sem a investiga??o de pormenor que a deve preceder. Assim, no que ? m?sica portuguesa do s?culo XVIII diz respeito, n?o seria ? revelia do estudo da obra dos compositores desse per?odo que erguer?amos a vis?o larga a que aspiramos ? e at? que seja obtido esse conhecimento de detalhe mesmo as gen?ricas aprecia??es que aqui avan?amos, baseadas numa informa??o necessariamente parcelar do assunto, implicam riscos, que a consci?ncia dos mesmos esperamos nos permita minimizar.

? a maior parte do patrim?nio musical portugu?s do s?culo XVIII que chegou at? n?s composto por obras religiosas. Missas, Te Deum, Miserere, Tantum ergo, ofert?rios, salmos de v?speras, matinas, respons?rios, improp?rios, hinos, motetos,

constituem as formas musicais que, no ciclo do ano, marcaram ent?o a vida lit?rgica nas mais importantes igrejas e conventos do Pa?s, incluindo as ilhas atl?nticas e a col?nia brasileira. Em v?o procurar?amos nos arquivos musicais portugueses, em quantidade significativa pelo menos, determinadas formas que neles porventura gostar?amos de ver mais representadas: para a primeira metade do s?culo XVIII, suites, concerti grossi e exemplares do concerto barroco com um ?nico instrumento solista; para a segunda, sinfonias, concertos, obras para conjuntos de c?mara (quartetos, trios...) e sonatas.

V?rios dos compositores portugueses setecentistas (em vez de compositores pod?amos dizer, mais rigorosamente, nos termos do s?culo XVIII, mestres de capela) juntaram ? profiss?o de m?sico a condi??o eclesi?stica (8). Refira-se ainda, de passagem, o facto curioso, que saibamos at? agora n?o referenciado, da exist?ncia em comunidades religiosas femininas de "mestras" de capela, tamb?m freiras (que n?o conseguimos esclarecer, nos casos que identific?mos, se se tratava ao mesmo tempo de compositoras). Contudo, ? ?bvio que n?o seria nesta associa??o, bastante frequente, da condi??o eclesi?stica ? cria??o musical que encontrar?amos a raz?o determinante para explicar a preval?ncia do sector religioso no patrim?nio musical portugu?s de Setecentos. Nas ordens religiosas e entre o clero secular, houve, nos s?culos XVII e XVIII, padres m?sicos como os houve arquitectos, matem?ticos, fil?sofos; n?o parece representar, por?m, o grupo dos eclesi?sticos que exerceram a profiss?o musical o maior n?mero dos m?sicos portugueses setecentistas; nem a condi??o eclesi?stica, quando tal se verificou, constituiu impedimento ? cria??o e ? pr?tica de m?sica profana.

De algum modo contra a ideia que desde o s?culo XIX pelo menos se vem reproduzindo sobre a clericaliza??o da m?sica portuguesa que D. Jo?o V teria pelo menos acentuado, julgamos descortinar-se ao longo do s?culo XVIII, em parte por via da reforma musical daquele rei, em parte por for?a da pr?pria evolu??o social, uma progressiva tend?ncia para alguma laiciza??o da circunst?ncia musical portuguesa, relativamente ao s?culo anterior (durante o qual grande parte dos compositores pertence ao clero regular sobretudo), tend?ncia tamb?m expressa no que nos parece ser um aumento proporcional dos m?sicos leigos, mesmo que trabalhando sobretudo para a Igreja (9). Mas deixemo-lo aqui apenas na qualidade de proposta, a verificar posteriormente, com eventual fundamenta??o quantitativa.

Cedo o facto de o patrim?nio musical portugu?s do s?culo XVIII ser desigualmente constitu?do por m?sica religiosa chamou a aten??o daqueles que se v?m ocupando da hist?ria da m?sica em Portugal, tendo ?s vezes motivado conclus?es

porventura excessivas sobre a raridade das pr?ticas de m?sica profana no Pa?s de ent?o, em particular de m?sica instrumental, tendencialmente reduzidas, respectivamente, ? ?pera e a alguma m?sica vocal acompanhada de um ?nico instrumento, como a guitarra, o cravo ou a harpa, e a algumas pe?as para estes instrumentos apenas (10).

Podemos, ou deveremos, ver neste facto uma evid?ncia do peso, realmente consider?vel, da Igreja na sociedade portuguesa do Antigo Regime. Todavia, ainda que tenhamos de concluir que a festa religiosa barroca em Portugal suplantou, em dimens?es e frequ?ncia, a festa profana, n?o cremos que isso implique que esta pouco ou nenhum significado teve no Portugal setecentista, tamb?m nos meios eclesi?sticos, onde efectivamente n?o deixaram de ocorrer iniciativas festivas n?o religiosas, com dimens?o musical relevante. O que se refere n?o s? ? m?sica vocal e ?s formas mistas, mas ainda a alguma m?sica exclusivamente instrumental, tanto de conjuntos que tendem j? para uma dimens?o orquestral como de grupos de c?mara.

Nos dois fundos musicais setecentistas que nos A?ores descobrimos, constitu?dos sobretudo por partes cavas de obras religiosas, entre as quais s? esporadicamente surge uma ou outra partitura (poucas vezes aut?grafa), depar?mos tamb?m com as partes separadas de algumas, se bem que raras, obras instrumentais (trios de cordas, por exemplo), o que em fundos de origem mon?stica aponta para alguma pr?tica de m?sica de c?mara, nos pr?prios conventos certamente. Tamb?m o aparecimento, nesses fundos, de partes cavas de obras orquestrais, como aberturas de ?pera, confirmar? a pr?tica, eventualmente em determinados momentos das manifesta??es lit?rgicas, de m?sica orquestral, o que nos alerta, al?m do mais, para a relativa fluidez de fronteiras entre os universos musicais religioso e profano no s?culo XVIII.

Seria improv?vel, ali?s, que na bagagem musical trazida pelos italianos (Jo?o Tom?s Mazza, Pedro Jorge Avondano, Ant?nio e Alexandre Paghetti, entre outros) que por for?a das directivas de pol?tica cultural de D. Jo?o V rumaram at? Portugal a partir do final da segunda d?cada do s?culo XVIII se n?o inclu?ssem, al?m de m?sica vocal, e algumas ?peras certamente, tamb?m obras exclusivamente instrumentais, como concerti grossi e concertos com um ?nico solista. O facto de conhecermos apenas um concerto para cravo e orquestra de autoria portuguesa ? referimo-nos ao de Carlos Seixas, naturalmente (11) ? que representar? ainda o ?nico concerto barroco para instrumento solista de que dispomos, surgiria, fora deste contexto, como um verdadeiro milagre, de facto quase sem possibilidade de explica??o (a n?o ser por via da circula??o de

partituras, n?o tendo o seu autor, tanto quanto sabemos, chegado a sair do Pa?s). O mesmo teria de observar-se a prop?sito dos 12 Concertos Grossos do mestre de capela da s? do Funchal Ant?nio Pereira da Costa (c. 1697-1770), publicados em Londres no princ?pio da d?cada de 40. Todos este factos apontam para pr?ticas de m?sica instrumental, cuja raridade no Portugal setecentista tem vindo a exagerar-se.

N?o deixa, em todo o caso, de ser verdade que tanto os testemunhos liter?rios como a an?lise dos pr?prios fundos musicais que chegaram at? n?s parecem confirmar um significativo predom?nio da m?sica religiosa na produ??o dos compositores portugueses de Setecentos (o que prolonga, em boa parte, a circunst?ncia do s?culo anterior) e, reversamente, uma menor express?o, sen?o da m?sica profana, dada a import?ncia que assume a ?pera na segunda metade do s?culo, pelo menos das formas exclusivamente instrumentais. Para al?m da produ??o, j? referida, para alguns instrumentos, como o cravo e a guitarra, a qual poder?amos englobar no que designar?amos como uma "m?sica de quotidiano", ou mesmo da pr?tica duma musique de table, de que conhecemos alguns relatos, a necessidade do que tamb?m podemos chamar de "m?sica de festa" (12) era na corte portuguesa, durante a primeira metade do s?culo XVIII, predominantemente preenchida pela execu??o de serenatas e, na segunda, de ?peras (13).

O enquadramento da m?sica portuguesa no contexto da m?sica europeia do s?culo XVIII serve a evidenciar este aspecto da situa??o musical do Portugal de ent?o. S? para referir alguns dos nomes mais sonantes, lembremos que Joseph Haydn, ao servi?o dos Esterhazy, produziu missas, orat?rias, mas tamb?m ?peras e, sobretudo, sinfonias, concertos, quartetos, sonatas, como fizeram ali?s o contempor?neo Mozart e tantos outros; que antes deles, na primeira metade do s?culo,Georg Friederich Haendel, Antonio Vivaldi e at? Johann Sebastian Bach, n?o se empenharam menos na m?sica profana do que na religiosa, ainda quando por for?a das circunst?ncias tiveram de atender mais a esta do que ?quela, ou que nem por muita m?sica vocal haverem produzido chegaram a descurar completamente as formas s? instrumentais. Diversamente, no patrim?nio setecentista portugu?s o que abundaria em missas, respons?rios, salmos e, na segunda metade do s?culo, tamb?m em ?peras, parece faltar em concertos, sinfonias, quartetos, sendo mesmo o n?mero de pe?as para tecla relativamente reduzido, com a excep??o, como dissemos, da obra do prol?fico Carlos Seixas ? autor de elevado n?mero de sonatas (tocatas) para tecla, duma Sinfonia, segundo o modelo italiano (quer dizer, estruturada em tr?s andamentos, sendo o

primeiro r?pido, o segundo lento e o terceiro r?pido), duma Abertura "? francesa" (isto ?, em tr?s partes, por seu turno, em andamentos lento, r?pido e lento) e do j? referido Concerto para cravo ? mas cuja semente parece haver ca?do em ?rido ch?o (14). Explicar-se-?o, por exemplo, os dezasseis quartetos de cordas de Jo?o Pedro de Almeida Mota (1744-1817?), "feitos para divertimento de Sua Majestade Cat?lica" (como reza o manuscrito de alguns deles), o rei de Espanha Carlos IV, pelo facto de a carreira deste m?sico portugu?s haver decorrido fora do pa?s natal, al?m de terem sido compostos j? no limiar do s?culo XIX?

Parece faltarem ao Portugal setecentista as condi??es ideol?gicas que, mais a Norte, na Europa, cedo determinaram o desenvolvimento do esp?rito capitalista (n?o se abuse, em todo o caso, da velha tese de Max Weber!), condi??es essas que, "empresarializando" a m?sica, est?o na origem, ainda no Antigo Regime, do concerto enquanto institui??o do mundo contempor?neo. Teria constitu?do o concerto p?blico, se nos centros urbanos portugueses mais importantes se houvesse implantado, um natural est?mulo ? cria??o de m?sica instrumental, seja para grupos de c?mara, seja para orquestra.

Significativamente, ? sobretudo ? comunidade brit?nica na capital portuguesa que parecem estar especialmente ligadas as Assembleias das Na??es Estrangeiras, saraus em cujo ?mbito sabemos ter-se praticado, j? depois de meados do s?culo XVIII, tamb?m m?sica instrumental. Costuma referir-se a desconfian?a da autoridade policial, pelo menos ao tempo do famigerado Pina Manique, relativamente ?s reuni?es p?blicas como mais um dos factores desfavor?veis ao desenvolvimento dum esp?rito empresarial no ?mbito da m?sica. Sem detrimento da realiza??o de um ou outro concerto privado em pal?cios de algumas das melhores fam?lias da aristocracia portuguesa, particularmente nas ?ltimas d?cadas do s?culo, como testemunham os relatos do famoso William Beckford, pode considerar-se reduzida a apet?ncia da nobreza e duma burguesia em Portugal pouco afirmativa, para os valores da m?sica instrumental, que na It?lia seiscentista se j? haviam firmado e que tamb?m na Alemanha e na conservadora ?ustria dos Habsburgos, desde o s?culo XVIII, n?o deixar?o de florescer (15).

Mais do que o catolicismo da chamada Contra-Reforma que, diferentemente da Europa do Norte, bafejada pelos ventos emancipadores da Reforma, teria pesado na circunst?ncia portuguesa, parece-nos de acolher aqui, como factor explicativo primeiro, a proposta reversa de Norbert Elias de que na Alemanha, mas tamb?m na cat?lica It?lia, a m?sica beneficiou da aus?ncia de unidade pol?tica, que a? determinou uma verdadeira

prolifera??o de cortes, rivalizando entre si numa pol?tica de prest?gio, no caso por via do fomento da m?sica (16), o que para a profiss?o de m?sico constituiu natural est?mulo. Este nos parece o factor primeiro a invocar para compreendermos as acentuadas diferen?as na geografia musical europeia do s?culo XVIII, com resson?ncias at? aos s?culos seguintes. Se a It?lia e a Alemanha acabaram por tornar-se nos dois pa?ses que mais contribu?ram para o patrim?nio musical europeu, tal se dever? sobretudo ao facto de tarde, na hist?ria desses pa?ses, se haver consumado o processo de unifica??o pol?tica. Com feito, a fragmenta??o, at? meados do s?culo XIX, dessas duas regi?es da Europa, unidas lingu?stica e culturalmente como na??es, em muitos pequenos estados independentes traduziu-se numa favor?vel multiplica??o de postos de trabalho para os m?sicos, nas in?meras cortes reais, ducais, eclesi?sticas e outras, com condi??es para exercerem um amplo mecenato musical (17).

A circunst?ncia de Portugal, reino politicamente unificado desde muito cedo, na Idade M?dia, difere da de It?lia e da Alemanha, aproximando-se deste ponto de vista da de Inglaterra, Fran?a e Espanha, pa?ses a que pela mesma raz?o deveria a Europa um legado musical sem d?vida menos relevante. Ainda que cambiantes tenham de ser aqui introduzidos (ter? a situa??o espanhola no s?culo XVIII sido mais favor?vel ? pr?tica da m?sica instrumental do que a portuguesa?), a proposta surge como adequada ? percep??o geral duma Europa setecentista muito diversa no que respeita ?s condi??es da pr?tica musical.

Assim sendo, vemos como o projecto que aqui vimos defendendo, em vista ? abordagem da hist?ria da m?sica portuguesa sob a perspectiva da hist?ria social (no sentido amplo que engloba, al?m das estruturas sociais propriamente ditas, as econ?micas, pol?ticas e ideol?gicas) se imp?e verdadeiramente. ? em grande parte por circunst?ncias exteriores ? pr?pria m?sica que se compreendem factos de uma tal ordem de grandeza como a especial relev?ncia dos contributos italiano e alem?o para a hist?ria da m?sica europeia: por condi??es hist?ricas gerais, que n?o, como habitualmente escutaremos, por peregrinas aptid?es especiais de um povo para a arte musical, ausentes em outros menos afortunados.

Regressando ? m?sica portuguesa setecentista, recordaremos que, numa express?o f?cil, a hist?ria ?... como foi, express?o que aqui serve a repisar a elementar mas determinante verdade de que n?o pode, de facto, o historiador, no caso o historiador da m?sica, ir ao encontro do passado como gostaria que ele tivesse acontecido. Temos sempre de preservar como elementar exig?ncia da ci?ncia hist?rica essa atitude de

abertura do homem que a pratica relativamente ao tempo de que se ocupa, que, n?o se identificando com o da sua pr?pria exist?ncia, deve respeitar em toda a sua diferen?a. O que, por outro lado, n?o entenderemos ? ? o que fez o positivismo ? no sentido de se lhe apresentar esse passado como algo que lhe fosse absolutamente exterior, na fria objectividade que temos por caracter?stica dos fen?menos da natureza. N?o ? por si mesma adversa ? ci?ncia hist?rica a empatia que possa o passado ? esta ?poca ou aquela, este tema ou aquele ? encontrar na pessoa do historiador, constituindo, pelo contr?rio, natural impulso ? compreens?o desse per?odo, ou desse assunto.

Se n?o servem ao conhecimento hist?rico os prop?sitos pios de dele extrair li??es, se do passado n?o conv?m abeirarmo-nos na obsess?o de o julgarmos, como vimos de referir, mas para, tanto quanto poss?vel, o compreendermos, nem por isso pode o historiador completamente abdicar do ju?zo. Entre a velha pecha duma hist?ria moralista e o m?tico pressuposto da omiss?o da pessoa do historiador em que incorreu o positivismo, acharemos a boa posi??o (assim a entendemos, pelo menos) de quem n?o temer? reconhecer que tamb?m o historiador fala em nome de valores, ainda que na maior parte das vezes apenas subentendidos.

Circunscrevendo-nos ? ?rea do conhecimento e ao assunto de que nos ocupamos, diremos que constru?mos a hist?ria da m?sica em Portugal, a do s?culo XVIII, aqui visada, com a m?sica que ent?o tivemos, como lograrmos saber que ela ter? sido, isto ?, na parcial configura??o com que chegou at? n?s, pela busca do sentido que lhe consignaram aqueles por e para quem foi feita ? o que n?o obter?amos, evidentemnete, sem o conhecimento da sociedade em que foi essa m?sica produzida. Pouco adiantar? lamentarmos o facto de no patrim?nio portugu?s de Setecentos n?o dispormos de sinfonias, concertos, quartetos, trios; far? sentido procurarmos entender porque tal n?o aconteceu, de facto, compreender pela sua circunst?ncia hist?rica a m?sica portuguesa do s?culo XVIII.

? sem fugirmos a estes pressupostos que, na sequ?ncia das considera??es gerais que aqui deixamos, nos permitimos ainda retomar a perspectiva sobre a m?sica em Portugal no Antigo Regime para que em outros escritos, de passagem, vimos apontando ? de algum modo, reconhecemo-lo, no contraponto da actual situa??o da m?sica no Pa?s, que prolonga, com uma ou outra conjuntura menos desfavor?vel (em que recentemente pesaram aspectos decorrentes da emerg?ncia da chamada cultura de massas, do desenvolvimento dos grandes meios de comunica??o moderna), a circunst?ncia criada pelo liberalismo oitocentista portugu?s.

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