OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA

DGAE Direc??o-Geral da Administra??o Escolar

OLIMP?ADAS DA L?NGUA PORTUGUESA Ensino Secund?rio 1.? Fase Dura??o da prova: 90 minutos. Data: 10 de mar?o de 2017

Utilize apenas caneta ou esferogr?fica de tinta indel?vel, azul ou preta. Escreva, de forma leg?vel, a numera??o dos grupos e dos itens, bem como as respetivas respostas. Todas as respostas devem ser registadas na folha de respostas. Por cada item, apresente apenas uma resposta. Se escrever mais do que uma resposta a um mesmo item, apenas ? classificada a resposta apresentada em primeiro lugar. As respostas ileg?veis ou que n?o possam ser claramente identificadas s?o classificadas com zero pontos. Para responder aos itens de escolha m?ltipla, escreva, na folha de respostas:

o n?mero do item; a letra que identifica a op??o escolhida. As cota??es dos itens encontram-se no final do enunciado da prova. A ortografia dos textos e de outros documentos segue o Acordo Ortogr?fico de 1990, devendo o mesmo ser respeitado na reda??o das respostas.

Olimp?adas da L?ngua Portuguesa 2017 - 1.? Fase

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Grupo I

Leia o texto que abaixo se transcreve.

Ensinada desde os onze anos por uma exigente mestra alem?, M?nica nem sempre correspondia ?s expectativas.

1

De sobra sabia Fr?ulein1 que eram plebeus enriquecidos os seus patr?es. Mas n?o

tinha nada com isso. O seu papel era urbanizar a lambisgoia da mi?da, civiliz?-la, e a

tarefa, come?ada cedo, tinha andado bom caminho.

O senhor Afonso Ruas mandou p?r o rocking-chair na sala em que Fr?ulein erigira a

5 sua c?tedra e quando as duas apareceram com livros e cadernos j? ele l? estava,

meditabundo, a Hist?ria Universal dos Terramotos fechada sobre o dedo em guisa de

registo. Com a entrada delas foi j? de mente prazenteira que se preparou para assistir ?

li??o da filha. Era esse um dos seus regalos, tanto monta que a mat?ria do dia fosse

l?nguas, literatura ou at? m?sica. Noventa e nove vezes por cento ficava sem perceber

10 patavina, mas embora, contentava-se com o cantarolar da voz juvenil, os gestos e as

atitudes duma representa??o de todo nova para ele que n?o conhecera mestre nem

mestra.

A alem? erguia de tempos a tempos olhos para os seus, como a tom?-lo por

testemunha, se n?o a pedir-lhe apoio ou aplauso. N?o era positivo que semelhantes

15 olhares fossem a medir o po?o sem fundo da sua ignor?ncia. Mas se era, deix?-lo! O que

lhe interessava era ver a menina a desfiar cambulhadas de palavras nunca ouvidas nem

sonhadas, contar coisas do arco-da-velha acontecidas antigamente, l? para os tempos da

Maria Castanha, botar mais ci?ncia que um doutor.

? Brekekekex, coax, coax, que quer dizer ent?o, Monichen2? ? interrogava Fr?ulein,

20 venta no ar, em posi??o de batalha.

? As R?s obedeciam a um prop?sito manifesto: fazer a apologia de ?squilo em

desprimor de Eur?pedes 3 , cuja mem?ria ia num crescendo de admira??o entre os

atenienses... ? pronunciou M?nica em tom de recitativo.

? Est? bem, mas que significa o Brekekekex, coax, coax? ? tornou a mestra,

25 interrompendo-a.

M?nica quedou um instante perplexa, como se houvesse perdido o rumo, e rompeu

adiante com desopressiva e cantante articula??o:

? Puh, em meu ju?zo, n?o deve querer dizer nada. Vozes ao vento.

? Ora essa!

30

? Pois que poder? significar...? As r?s da lagoa Est?gia4 entoam o seu Brekekekex,

coax, coax; ? esse o seu papel ou assim o entendem.

A alem? abria muito os olhos espantada. M?nica tornou, cabe?a baixa, como se

1 Fr?ulein (voc?bulo alem?o) ? menina; senhora solteira. 2 Monichen (voc?bulo alem?o) ? diminutivo do nome M?nica. 3 ?squilo e Eur?pedes ? tragedi?grafos gregos do s?culo V a.C.. 4 Lagoa Est?gia ? lagoa das regi?es infernais (mundo dos mortos).

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procurasse o fio do discurso:

? Sem d?vida que o berreiro das r?s pode ser interpretado como uma s?tira de 35 Arist?fanes5 aos fil?sofos, pol?ticos e oradores que levam a vida a rufar o seu tambor de

charlat?es; mas n?o ser? mais acertado admitir que se trata simplesmente dum epis?dio

ocasional, dum certo efeito c?nico, no caminho de Baco para os infernos? Sehr gut, sehr gut!6 ? exclamou a mestra quebrando resolutamente o seu assombro.

? E que pretendeu o dramaturgo demonstrar com a sua pe?a?

40

? H? uma tese. Quem tem mais direitos ao cetro da trag?dia, ?squilo ou Eur?pedes?

?squilo p?e em cena as grandes e extraordin?rias paix?es; as suas personagens s?o

todas de sangue real; vestem p?rpura; falam uma linguagem pomposa, sempre com

palavras de casco aurif?lgido; o seu prop?sito ? ensinar o culto das virtudes guerreiras e os

seus dramas est?o do princ?pio ao fim imbu?dos do esp?rito de Marte.

45

Fr?ulein n?o respirava sequer, boquiaberta, olhos assestados sobre a disc?pula.

? Eur?pedes nasceu de facto duma deusa ordin?ria. As suas dramatis personae7 s?o

toda a patuleia menor da Gr?cia, gladiadores, mendigos, gram?ticos, soldados, escravos, a

multid?o numa palavra. Falam a l?ngua que lhes ? trivial; as mulheres praticam as virtudes

e v?cios de todas as mulheres. A farsa de Arist?fanes, cheia de parcialidade, procurava

50 elevar ?squilo acima de Eur?pedes e proclamar a sua realeza. E nada mais inconsistente.

O que surge ? a superioridade de Eur?pedes, realista, perme?vel ao meio, ?timo realizador

de histri?es ao vivo, sobre ?squilo, o gigantesco movimentador de almas imensas, ou

como se diria com menos respeito, o genial botas-de-el?stico. ? Schlecht! 8 ? bramiu Fr?ulein Rottenberg erguendo-se com ares de Minerva

55 ofendida. ? Que pervers?o ? essa, Monichen...? Preferir a ?squilo, autor da maior trilogia

que nos legou a antiguidade cl?ssica, essa divina Or?stia, o autor duma obra charra e

plebeia? Schlecht, schlecht! O seu livro n?o diz isso!...

? Por acaso n?o est? bem? Pe?o perd?o, Fr?ulein, mas j? lhe ouvi dizer que a arte

n?o tem que apresentar certificado de origem. Tamb?m lhe ouvi, se n?o estou em erro,

60 que n?o tem sexo e que quanto mais universal mais resiste ao tempo...

? Sim, mas o seu livro que diz?

? Se ?squilo ? volveu ela com desplante e flu?ncia ? ? o poeta das paix?es

extraordin?rias, e todos est?o de acordo, Eur?pedes ? o dramaturgo que mais fundo levou

o esp?culo aos abismos do ser humano.

65

? Schlecht! ?squilo ? grande como um deus e puro como um diamante. A sua arte

respira nobreza moral. Eur?pedes, pelo contr?rio, pinta-nos com requinte os piores patifes e

fac?noras. Schlecht!

? Eur?pedes ? tornou ela, com vivacidade ? ? um escritor do nosso tempo. N?o ?

arauto de virtudes, est? dito. Por isso o consideramos atual, vivo, enquanto ?squilo n?o

70 passa duma divindade embalsamada.

? Oh, ? o c?mulo! Onde leu isso, Monichen...? No seu livro, n?o, que ? uma edi??o

expurgada, corrigida das obscenidades t?o correntes em Arist?fanes, pr?pria para meninos

5 Arist?fanes ? comedi?grafo grego do s?culo V a.C.. 6 Sehr gut, sehr gut (express?o em l?ngua alem?) ? muito bem, muito bem. 7 Dramatis personae (express?o em l?ngua latina) ? personagens das pe?as. 8 Schlecht (voc?bulo alem?o) ? mal; falso.

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e meninas. Onde leu isso? Isso n?o saiu da sua cabe?a...N?! Deixe ver que publica??es

s?o essas...

75

Fr?ulein Rottenberg, que afinal acabara por desconfiar daquela fac?ndia dial?tica,

ergueu-se da cadeira e demoliu a pilha de livros que M?nica tinha ? sua direita. N?o, ali

n?o estava a fonte do esc?ndalo. E na pasta...?

Com desconchavada sem-cerim?nia travou da pasta, ergueu-a de alto, boca para

baixo como se faz aos afogados a fim de deitarem a ?gua que beberam. Na praia-mar de

80 papel impresso gritou uma parangona: "As R?s de Arist?fanes".

? C? est?! L? me parecia que isso n?o era li??o tirada da sua cabe?a, mas sim trecho

decorado de fio a pavio! L? me parecia, ah! ? exclamava ela radiante, a [revista] Barca do

Inferno em riste. ? Schlecht! Doravante, M?nica, quero que me consulte acerca das suas

leituras. Ouviu? Revistas, livros, quero ver tudo antes. Ah, quem ? o autor do artigo...?

85 Deixe ver... Ricardo Tavarede. ? o Dr. Ricardo o autor desta monstruosidade? Est? dito:

daqui para o futuro as suas leituras passam pela mesa cens?ria. Mas que mania foi essa:

decorar o Dr. Tavarede!? Vamos ? li??o de alem?o...

Aquilino Ribeiro, M?nica, Lisboa: Livraria Bertrand, 2006, pp. 42, 67- 69, 7784 (texto com supress?es)

Para responder a cada um dos itens de 1 a 17, selecione a op??o correta, de acordo com o sentido do texto.

Escreva, na folha de respostas, o n?mero de cada item e a letra que identifica a op??o correta.

1. Na linha 2, "urbanizar a lambisgoia da mi?da" significa:

a. ajudar a jovem a instalar-se adequadamente na cidade. b. explicar ? mi?da as diferen?as entre viver no campo e na cidade. c. apurar a educa??o da jovem. d. acompanhar a inexperiente mi?da nos itiner?rios citadinos.

2. Afonso Ruas era um homem com:

a. apreci?vel erudi??o liter?ria e musical. b. mais ci?ncia do que um doutor. c. algum conhecimento das artes dram?ticas. d. parca instru??o.

3. As li??es de Fr?ulein Rottenberg a que o texto se refere versam sobre:

a. l?ngua grega e alem?o. b. literatura grega e alem?o. c. hist?ria grega e alem?o. d. artes performativas e alem?o.

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4. Nesta aula, as respostas de M?nica alicer?am-se:

a. na interpreta??o de textos por si escolhidos. b. na memoriza??o de textos do livro de estudo. c. na reprodu??o literal de um texto de um peri?dico. d. no pl?gio de um texto selecionado pela mestra.

5. Ter "mais direitos ao cetro da trag?dia" (linha 40) significa:

a. merecer o direito a escolher a melhor trag?dia. b. merecer o lugar cimeiro entre os tragedi?grafos. c. merecer o privil?gio de tomar nas m?os o s?mbolo da resist?ncia ao poder real. d. usufruir do privil?gio exclusivo de ser o tragedi?grafo da casa real.

6. "Palavras de casco aurif?lgido" (linha 43) ? sin?nimo de:

a. palavras endurecidas que ferem o ouvido. b. palavras que brilham como o ouro. c. palavras desgastadas pelo uso. d. palavras rijas como o ouro.

7. As palavras "olhos assestados sobre a disc?pula" (linha 45) revelam que a mestra:

a. dirigia um olhar cansado para a sua disc?pula. b. dirigia para a disc?pula um olhar de assentimento. c. contemplava a aluna com olhos vesgos. d. dirigia determinadamente o olhar para a sua aluna.

8. Na linha 54, "bramiu" ? sin?nimo de:

a. brandiu. b. sibilou. c. gesticulou. d. vociferou.

9. Afirmar que Eur?pedes "levou o esp?culo aos abismos do ser humano" (linhas 63-64) significa que o dramaturgo:

a. deu ?s suas personagens um espelho para se observarem. b. observou o ?ntimo da natureza humana. c. colocou as suas personagens ? beira de precip?cios. d. especulou sobre as virtudes do ser humano.

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