III Seminário sobre “O Processo de Localização do Sistema ...



III Seminário sobre

“O Processo de Localização do Sistema Jurídico de Macau - Questões de Direito Privado e afins”

António Katchi*

António Lobo Vilela**

Realizou-se no passado dia 27 de Março, na Faculdade de Direito da Universidade de Macau, o III Seminário sobre “O Processo de Localização do Sistema Jurídico de Macau - Questões de Direito Privado e afins”, organizado pelo Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito de Macau com a colaboração da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e o patrocínio da Fundação Macau.

Os trabalhos distribuíram-se por cinco sessões, duas da parte da manhã e três da parte da tarde.

O discurso de abertura coube ao Secretário-Adjunto para a Justiça, Jorge Silveira, que sublinhou a dificuldade e o mérito do trabalho de tradução legislativa que tem vindo a ser desenvolvido pelo Gabinete para a Tradução Jurídica. Afirmou também que o processo de localização dos três grandes códigos - Código Civil, Código Comercial e Código de Processo Civil - deverá estar concluído no final do corrente ano. Referindo-se às linhas orientadoras dessa localização, precisou que há, por um lado, um objectivo assumido de preservar a matriz, os valores e os textos do direito vigente, e, por outro, uma necessidade de proceder a modificações. A preservação da matriz, dos valores e dos textos corresponde, segundo Jorge Silveira, a um objectivo de Portugal enquanto estado administrante do Território, além de ser importante para se garantir a base doutrinal e jurisprudencial de que os operadores do direito carecem. Quanto às modificações a empreender, agrupam-se em quatro níveis: a localização em sentido estrito; a adaptação das soluções à realidade de Macau, uma vez que nenhum dos três grandes códigos “sofreu adaptações pensadas para Macau”; a modernização das soluções consagradas; e a adaptação da redacção ao bilinguismo do ordenamento jurídico de Macau.

1. Esta delimitação do âmbito das reformas foi secundada, no que tange ao Código Civil, por Miguel Urbano, que referiu, em acréscimo, a necessidade de reintegrar no Código matérias que em dado momento passaram a ser reguladas por legislação avulsa. Como exemplos dessas matérias citou o contrato-promessa, a forma (simplificada) de certos actos jurídicos, a taxa de juro legal, a usura e o anatocismo, o arrendamento urbano e a propriedade horizontal.

Miguel Urbano elencou e explicou ainda as principais alterações projectadas para cada um dos cincos livros que compõem o Código Civil.

Assim, no Livro I (Parte Geral) excluem-se das fontes do direito os assentos, coroando-se longa contestação doutrinária à sua constitucionalidade e seguindo-se o exemplo de Portugal, onde o preceito que consagra aquela figura como fonte do direito - o artigo 2º - foi revogado pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.

Importantes alterações conhecerá também o Direito Internacional Privado, tendo Miguel Urbano evocado a colaboração de Isabel Magalhães Collaço na revisão do anteprojecto. Afirmou Urbano que, “a manter-se a redacção originária do Código, (...) este se arriscaria no futuro a ser como que um código fantasma em grande parte dos seus institutos (precisamente os que compõem o estatuto pessoal), já que se arriscaria a ser um código sem destinatário”. E isto, porque a lei pessoal seria normalmente a lei da nacionalidade, e Macau não é um estado soberano. Daí a intervenção legislativa feita em 1991 através do Decreto-Lei nº 32/91/M, de 6 de Maio, e que agora se pretende desenvolver.[1]

Ainda em relação à Parte Geral, Urbano destacou o desenvolvimento efectuado na matéria dos direitos de personalidade, salientando que no texto actualmente vigente “se encontra esquecida a regulamentação de dimensões verdadeiramente decisivas da estrutura moral e física da personalidade, como seja a simples afirmação do direito à vida, à integridade, à honra, à liberdade, etc.”.

No que concerne ao Livro II (Direito das Obrigações), o coordenador do projecto de revisão salientou as modificações a efectuar no regime do contrato-promessa, do arrendamento e da cláusula penal e a introdução da figura da sanção pecuniária compulsória.

Em relação ao primeiro ponto, o projecto consagra o abandono do carácter penitencial do sinal: a entrega de sinal deixa de significar a aquisição de um direito ao arrependimento, o qual afastaria a possibilidade de execução específica, e “passa a assumir um significado confirmativo absoluto”. Assim, “o contrato-promessa deverá ficar sujeito a execução específica, salvo se esse direito for afastado por declaração expressa em contrário no contrato e mesmo assim apenas quando não tenha havido entrega da coisa para o promitente-adquirente.”

No que concerne ao arrendamento, incluindo o arrendamento para a habitação, Urbano afirmou ser orientação do projecto a de “reformar o regime do arrendamento no sentido da sua liberalização”, generalizando a sujeição dos contratos a termo, mas acautelando as situações do passado através da fixação, para os arrendamentos sujeitos ao regime vinculístico, de “um prazo razoável - e a ser definido - dentro do qual o senhorio não pode denunciar o contrato”; decorrido este prazo, “o contrato passará a estar sujeito ao novo regime.”

No tocante à cláusula penal, passa-se regular “expressamente a possibilidade de as partes, para além de poderem adoptar a tradicional figura da cláusula penal compensatória, passarem também a poder adoptar uma cláusula penal estritamente compulsória, que funcione como um plus face à indemnização, como uma sanção que pode ser acrescida às perdas e danos sofridos na relação contratual.”

Outro meio de compulsão ao cumprimento que é introduzido é a sanção pecuniária compulsória, “a qual poderá (e não necessariamente deverá) ser arbitrada pelos juízes na sentença condenatória como meio de compulsão das partes ao cumprimento atempado das decisões judiciais”. Essa possibilidade está prevista em termos mais amplos do que em Portugal, pois que o seu âmbito de aplicação não se circunscreve às obrigações de prestação de facto infungível.

Quanto ao Livro III (Direito das Coisas), Miguel Urbano destacou as seguintes alterações: atenuação do “pendor excessiva e desproporcionadamente ruralista do Código”, atendendo “à vocação essencialmente urbana do Território”; reinserção no Código do regime da propriedade horizontal; eliminação da enfiteuse (ou aforamento).

A atenuação do pendor ruralista traduz-se, nomeadamente, na eliminação do regime sobre emparcelamento e fraccionamento dos prédios rústicos e em adaptações no regime das águas, da acessão e da ocupação, bem como no regime de alguns direitos reais especiais.

O regime da enfiteuse foi revogado em Portugal após a Revolução dos Cravos e expressamente proibido na Constituição, mas os diplomas que revogaram aquele regime nunca foram estendidos a Macau. Procede-se agora à eliminação das normas do Código Civil que regulam a figura, mas, segundo Urbano, tal “não se deve tanto (...) aos motivos de ordem ideológica que estiveram presentes em Portugal, mas antes a uma tentativa de racionalização e simplificação do sistema jurídico”, dada a “constatação de um desinteresse manifesto dos operadores na utilização deste direito”.

A proximidade entre a enfiteuse e a venda a prestações ou a locação financeira retira utilidade à primeira.

No livro IV (Direito da Família), a principal inovação será a introdução de um novo regime de bens, que passará, aliás, a ser o regime supletivo: trata-se dum regime que, segundo Urbano, “tem tido cada vez mais seguidores no direito comparado, e que normalmente é designado por participação nos adquiridos.” Este regime consiste basicamente no seguinte: “durante o casamento segue-se o modelo do regime da separação, pelo que cada um dos cônjuges tem, relativamente ao património que leve para o casamento, o poder de livremente o gerir e alienar, sem necessidade de qualquer consentimento por parte do outro cônjuge”; dissolvendo-se o casamento, faz-se “uma avaliação do património de cada cônjuge adquirido onerosamente na vigência do casamento, para que se proceda à compensação do menos beneficiado.”

Miguel Urbano anunciaria ainda, em resposta a pergunta que lhe foi colocada por José Pinheiro Torres, a inserção de normas destinadas a ampliar os efeitos jurídicos da união de facto, verificados os pressupostos que o próprio Código vai fixar para a sua relevância jurídica.

Quanto ao livro V (Direito das Sucessões), foram anunciadas duas alterações: a redução das quotas legitimárias dos actuais dois terços ou metade da herança - consoante haja ou não concurso de herdeiros legitimários - para metade e um terço, respectivamente, e a inclusão no rol dos sucessíveis legítimos da pessoa com quem o de cujus vivesse em união de facto à data da morte.

2. A Augusto Teixeira Garcia coube falar da reforma do Código Comercial, tendo o orador começado por questionar a própria necessidade e conveniência da codificação do direito comercial.

Teixeira Garcia assinalou o contraste que, neste domínio, se verifica entre os sistemas de Civil Law e o sistema de Common Law: naqueles, onde existe uma tradição codificadora, que até se iniciou mais cedo no direito comercial que no direito civil, tem havido uma tendência para se regularem cada vez mais matérias mercantis fora do Código Comercial; nos países do sistema de Common Law, tradicionalmente avessos à codificação, “assiste-se, no domínio da matéria mercantil, ou a uma tendência codificadora, de que é paradigma o Uniform Commercial Code dos EUA, ou à sua exortação.”

O coordenador do projecto de revisão afirmou a sua preferência pela codificação, salientando que a codificação mercantil “mais não fez do que consagrar as práticas mercantis tradicionais, uniformemente aceites e aplicadas no mundo civilizado” e “pretendeu responder a necessidades de certeza e segurança jurídicas e acabar com o arbítrio da administração, que, no vazio legal, encontrava terreno fértil para as maiores injustiças e desmandos”. Além disso, acrescentou, “a criação de um Código Comercial (...) poderá cumprir (...) uma função (...) de promoção de identificação, ou, se se quiser, uma diferenciação dos interesses comerciais no Território, assegurando a manutenção, também no domínio mercantil, das estruturas adequadas a garantir a identidade e idiossincrasia próprias de Macau no futuro próximo.”

Teixeira Garcia salientou também dois aspectos em que o Código Comercial vigente em Macau se mostra desfasado das actuais circunstâncias sócio-económicas: o seu forte espírito objectivista e o facto de regular essencialmente a actividade comercial, “pouca atenção dando às indústrias”. Como explicou o orador, “a concepção objectivista do direito mercantil radicava numa contestação fundamental ao direito comercial do Ancien Régime como direito de classe, como um direito de privilégio”. “O facto de o nosso Código ser de raiz objectivista significa que a ratio da sua aplicação reside no acto de comércio”, e não na qualidade de comerciante. “Esta tendência objectivizante do nosso Código Comercial é ainda visível a nível das fontes com a desconsideração da fonte de direito mercantil por excelência: o costume. (...) Trata-se de, mesmo ao nível das fontes, eliminar todos os vestígios do direito comercial como direito de classe.” Contudo, a doutrina revelou-se incapaz de elaborar o conceito de “acto de comércio”, tendo, por isso, a defesa da autonomia do direito mercantil passado a fazer-se “com base na observação do que de mais intrínseco existia na vida mercantil, tendo Heck chegado à conclusão de que o que caracterizava essa actividade era a prática em massa de actos de comércio (Massenverkehr); o comércio é uma actividade, e este conceito pressupõe repetição sistemática, contínua e ininterrupta.” Desta tese “à concepção do direito comercial como direito de empresa foi um ápice”.

Partindo da constatação de que o conteúdo do direito comercial hoje em dia se estrutura à volta de três elementos essenciais - o empresário, o estabelecimento comercial e actividade externa da empresa -, Teixeira Garcia defende para o Código Comercial a seguinte estrutura: uma primeira parte relativa aos empresários comerciais; uma segunda parte regulando os vários contratos de comércio; uma terceira parte relativa aos títulos de crédito, compreendendo, além da disciplina constante das actuais leis uniformes sobre letras, livranças e cheques, uma teoria geral dos títulos de crédito, baseada num escrito de Vaz Serra elaborado no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil; uma quarta parte regulando a falências; e, finalmente, uma quinta parte constituída por normas sancionatórias.

3. Sobre o Código de Processo Civil falou Borges Soeiro, que indicou como elementos influenciadores mais próximos a Reforma do Processo Civil feita em Portugal em 1995 e o projecto apresentado em 1990 por Antunes Varela, então Presidente da Comissão de Reforma.

Entre a Reforma efectuada em Portugal e as opções tomadas para o Código de Macau existem, porém, algumas importantes diferenças, que o juiz assinalou: em Macau vai ser mantida a figura do despacho liminar; a fase do saneamento não será concentrada na audiência preliminar; instituir-se-á um regime monista no domínio dos recursos, acabando-se com a distinção entre apelação e agravo; e passará a haver apenas duas formas de processo, o processo ordinário e o processo sumário, desaparecendo a forma de processo sumaríssimo.

Como pontos de convergência entre aquela Reforma e o projecto do Código de Processo Civil de Macau mencionou, entre outros, “o registo das audiências e da prova nelas produzida.”

No que se refere à sistemática, explicou o orador, o Código encontra-se dividido em cinco livros: Livro I - Da acção; Livro II - Do Processo; Livro III - Do Processo Comum de Declaração; Livro IV - Do Processo Comum de Execução; Livro V - Processos Especiais e de Jurisdição Voluntária.

Como princípios fundamentais do processo a consagrar no Código, Borges Soeiro indicou: 1) A descoberta da verdade material como fim do processo; 2) A garantia de acesso aos tribunais e o direito de acção judicial; 3) O direito de defesa e o princípio do contraditório; 4) O princípio da igualdade de armas; 5) O princípio da cooperação; 6) O princípio da adequação formal.

Para descobrir a verdade material, o juiz “tem de ser especialmente activo”. Além disso, é necessário mitigar a regra da preclusão dos prazos e dar ao julgador “a possibilidade de oficiosamente suprir a falta de pressupostos processuais, quando a natureza das coisas o permitir.”

O segundo princípio “implica, antes de tudo, o direito ao patrocínio judiciário, sem limitações ou obstáculos decorrentes da condição social ou económica, mas igualmente o direito a obter, em prazo razoável, decisão judicial que aprecie a pretensão deduzida em juízo.” Envolve também “a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito”, não fazendo sentido, por exemplo, “suspender-se a instância até que a parte faça prova de que cumpriu as obrigações fiscais directa ou indirectamente relacionadas com o objecto da causa.”

Por força do princípio do contraditório, o tribunal não deverá poder decidir sobre qualquer tipo de questão, “mesmo de conhecimento oficioso”, sem que previamente haja facultado às partes a possibilidade de se pronunciar sobre a questão.

Em nome do princípio da igualdade de armas “serão derrogados os privilégios de que goza o Ministério Público, nomeadamente no que se refere à prorrogação do prazo para a junção dos articulados, colocando assim qualquer parte litigante em pé de igualdade. No entanto, caso haja manifesta complexidade numa lide, pode o juiz prorrogar, excepcionalmente, o prazo a qualquer das partes (...)”. Além disso, a possibilidade de o juiz convidar as partes a corrigir deficiências ou obscuridades será alargada a todos os articulados, deixando de se limitar à petição inicial.

Em relação ao quinto princípio, advertiu Borges Soeiro que “serão (...) condenados em multa, como litigantes de má fé, todos aqueles que deixem de cumprir o dever de cooperação na administração de justiça.”

“Finalmente”, afirmou Soeiro, “no que tange ao princípio da adequação formal, faculta-se ao juiz, obtido o acordo das partes, e sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adeqúe às exigências da acção proposta, a possibilidade de adaptar o processado à especificidade da causa, através da prática dos actos que melhor se adeqúem ao apuramento da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem inidóneos para o fim do processo.”

4. Houve também lugar a duas intervenções sobre direito registral.

Cândida Pires discorreu sobre o Direito Registral Civil, tendo explicado os fundamentos, a importância funcional e a natureza do registo do estado civil e feito uma breve resenha da história do direito registral civil em Macau.

Cheong Weng Chon, por seu turno, interveio sobre o Registo Predial, fazendo também uma resenha histórica e sublinhando a necessidade de ser aprovado o novo Código do Registo Predial e de no registo predial ser introduzido o uso da língua chinesa. Cheong Weng Chon explicou ainda a situação existente na República Popular da China no que concerne a esta matéria.

5. O Direito de Autor foi objecto de análise por Gonçalo Cabral. Em seu entender, o futuro Código do Direito de Autor de Macau “não deverá ser o resultado de uma adaptação minimal do Código do Direito de Autor vigente” no Território dada a constante evolução e mudança - “ao ritmo frenético da evolução tecnológica” - que este ramo do direito tem sofrido. Concretizou esta ideia com o surgimento de novas formas de criação intelectual, como é o caso dos programas de computador, e de novas formas de exploração económica de obras já protegidas. Além disso, este ramo do direito tem-se imposto no Direito Internacional e daí a sua expansão. Uma das razões que aponta reside na protecção “fácil, barata e que por vezes dá milhões” conferida por este direito. Fácil e barata porque além de a protecção ser mais longa do que a concedida pela propriedade industrial, não está, na maior parte dos sistemas jurídicos, sujeita a registo ou outra formalidade qualquer; dá milhões, tendo em conta os elevados valores envolvidos.

Além disso, assistimos a uma mutação interna deste direito - nascido para proteger o criador intelectual “tem vindo a estender progressivamente a sua sombra protectora ao empresário”.

Alerta para o facto de o legislador de Macau não poder ignorar as alterações verificadas nas últimas décadas por se encontrar vinculado a compromissos internacionais - o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS), do qual o Território é Parte, levou-o a ser Parte de todo um conjunto de instrumentos de Direito Internacional que irão limitar a liberdade de decisão do legislador interno no que concerne ao futuro Código do Direito de Autor.

Mas Gonçalo Cabral avança ainda que, em seu entender, o legislador não deverá restringir-se ao que é imposto por estes instrumentos de Direito Internacional, havendo aspectos em que deve actuar espontaneamente. Entre eles, contam-se as disposições sobre registo da propriedade literária - que nunca se mostrou de grande utilidade na República e que não parece aconselhável instituir em Macau -, o direito de sequência, as sanções ou a responsabilização das pessoas colectivas e equiparadas.

Seguiu a sua intervenção, detendo-se na figura da contrafacção que “assume em Macau, bem como em muitos países asiáticos, dimensões que são sobejamente conhecidas e que têm dado azo a pressões internacionais”, sendo a última “a inclusão de Macau pelos Estados Unidos da América na lista de países e territórios que se encontram sob observação por alegadamente não protegerem de forma conveniente os direitos de Propriedade Intelectual e que, consequentemente, poderão vir a sofrer represálias comerciais no futuro”. Questiona se o legislador pode fazer algo para reprimir o fenómeno, respondendo de seguida que sim: pode actuar a nível dos direitos civil, administrativo, penal e processuais, prever sanções penais, atribuir poderes de fiscalização a entidades administrativas, inverter o ónus da prova, exigir formas especiais para os negócios jurídicos que tenham por objecto obras protegidas ou impor aos fabricantes e comerciantes de certos bens a obrigação de apresentar determinados documentos, nomeadamente comprovativos da autorização do titular dos direitos de autor.

Além disto, afirma que “desiludam-se (…) aqueles que aguardam das opções legislativas a panaceia definitiva para os problemas que afligem os titulares de direitos de autor e de direitos conexos”. E isto porque “a contrafacção (…) não se combate só com leis” mas também com fiscalização efectiva, com preparação técnica especializada e, principalmente, com a presença e colaboração dos titulares dos direitos em causa. É que os direitos violados são meros direitos privados de natureza patrimonial, pelo que os seus titulares não devem esperar - e muito menos exigir - que “os Estados e Administrações Públicas se substituam a eles no policiamento das utilizações que são feitas dos seus programas de computador, fonogramas e videogramas (…).”

A encerrar a sua comunicação levanta a questão de saber se se poderá transpor a legislação vigente na República e, em especial, o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos de 1985. E responde, dizendo que um contributo importante se poderá pedir a essa legislação mas uma simples transposição seria desaconselhável, não só por Portugal ser membro da União Europeia e, por isso, ter obrigações que não vinculam Macau, como por tal legislação enfermar de “flagrantes deficiências ao nível da técnica legislativa” que atribui à “pouca atenção que a disciplina tradicionalmente tem merecido da parte das Faculdades de Direito e da parte dos autores”.

6. O Direito do Trabalho foi objecto de análise por José Pinheiro Torres que aproveitou o convite para, uma vez mais, fazer eco das preocupações que o ordenamento jurídico laboral, em matéria de relações individuais de trabalho, lhe suscita e da necessidade de se proceder a uma profunda remodelação do mesmo. Diz tratar-se de “um grito de alerta que possa despertar as consciências para domínios que, em Macau, não são acautelados”. Para tal, assume a “postura do advogado do diabo que, consciente embora de alguns méritos da posição do adversário, se limita a destacar os seus defeitos”.

Começa por referir que a “consistência das soluções e a clareza do texto legal, com a consequente possibilitação de uma tão fácil quanto possível apreensão do seu sentido, impõe-se sobremaneira neste domínio”. Chama à atenção que os destinatários deste tipo de normas não são “juristas talhados para a compreensão dos intrincados e por vezes arrevezados segredos da hermenêutica jurídica” mas “pessoas simples, medianamente letradas, que da lei retiram, se a conhecem, o sentido que lhes é imediatamente sugerido pelo texto”. O objectivo a atingir seria possibilitar que Macau entrasse no próximo século com uma legislação que consagrasse soluções claras e mais adequadas e arrogar-se, ao lado de um grupo cada vez mais vasto de Nações, de um estatuto de modernidade.

Passa depois revista a uma panóplia muito vasta de aspectos da relação laboral tratados pela lei vigente que, devido a silêncios e omissões ou à forma fragmentária, incompleta e, por vezes, contraditória como são tratados, não permite que se possa afirmar que as garantias estabelecidas o sejam efectivamente ou que os direitos possam, de facto, cumprir a sua função.

E conclui, afirmando que “tal como está, o regime jurídico das relações laborais vigente em Macau não serve os objectivos de “satisfazer as expectativas (…) sobretudo dos trabalhadores”, como se pode ler no respectivo preâmbulo, a que se propõe.” É que, como explica, “o legislador navega sem rumo e sem (a)prumo ao sabor das vagas. E, pior, aparentemente sem a consciência de que, como na arte de navegar, de cada vez que se é arrastado por uma onda já não se pode regressar ao local onde se estava, por muito que se vire o leme. Ainda que se consiga fazer crer do contrário quem segue no barco.” No paralelo com a lei laboral vigente na vizinha China, considera-a mais “avisada”, tendo “o inegável mérito de saber o que quer e para onde vai”.

7. Sobre O Ilocalizável falou Nuno Riquito, que entende que “o procedimento de localização constitui uma obrigação do Estado Português, enquanto encarregue da Administração do Território de Macau, obrigação essa com fonte na Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau”, tendo analisado os limites da localização.

8. Sobre A Propriedade e as Terras no Contexto da Lei Básica da RAEM, apresentou uma comunicação Chan Kuon Seng, na qual analisa o que será diferente no ordenamento jurídico actual no domínio da propriedade e das terras de Macau com a entrada em vigor da Lei Básica e, ainda, a questão das escrituras de papel de seda “sá chi kai”.

9. Quanto à magistratura do Ministério Público, interveio Simões Redinha. A sua palestra teve em vista, com base no direito positivo, “o levantar de algumas questões e dar conta de algumas pistas que possam servir de sugestão, para um melhor enquadramento e clarificação da intervenção do MºPº, na realização da justiça cível”.

Entendeu dever começar por “chamar à atenção para os variados aspectos da intervenção do MºPº, no Processo Civil, tentado o seu enquadramento sistemático, e rematar com algumas sugestões de clarificação ou de melhoria do sistema actual”.

E foi assim que, referindo-se aos momentos em que o MºPº é convocado para a dinâmica do Processo Civil, passando por outros aspectos em que o MºPº intervém na sua “feição de propulsor dos meios processuais” e pelos modos de intervenção processual, acabou com “um remate ao jeito de conclusões”, onde referiu algumas linhas de orientação que devem informar o futuro Código de Processo Civil.

10. Foi dada a palavra a Antunes Varela que deveria tratar da matéria relativa às principais inovações no âmbito do processo declaratório na reforma de 95/96, mas que não o fez dado não ter conhecimento do estádio actual do projecto do Código do Processo Civil de Macau, tendo, em contrapartida, apresentado uma comunicação no âmbito das alterações introduzidas com as reformas processuais civis da República, algumas das quais, em seu entender, não deveriam ser previstas no futuro Código de Processo Civil de Macau.

Além disso, acabou por criticar o processo de localização dos grandes códigos, colocando a questão de saber o que se irá pensar dos portugueses que estiveram neste Território mais de 400 anos e que só na hora da “saída” é que se lembraram de fazer os grandes códigos…

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* Jurista no Gabinete para a Tradução Jurídica.

** Jurista no Gabinete para a Tradução Jurídica.

[1] O mencionado diploma veio introduzir no artigo 31º do Código Civil uma norma com o seguinte teor: “Aos residentes habituais no território aplicar-se-á a lei vigente em Macau.” O desenvolvimento a que o orador alude consiste, nomeadamente, na bilateralização da regra introduzida, passando a lei da residência habitual a ser a lei pessoal prioritariamente aplicável independentemente de o lugar da residência habitual ser ou não Macau.

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