Capítulo II



ÍNDICE

Agradecimentos …………………………………………………….......................I

Página de Pensamento/Citação ……………………………………………………II

Introdução 2

Justificação 3

Objectivos do trabalho 6

Enquadramento Teórico e Metodológico 7

CAPÍTULO I 11

1. O Crioulo em Cabo Verde 11

1.1. A sua origem e formação 11

1.2. O Crioulo como Língua Nacional 16

1.3. O Estatuto do Crioulo em Cabo Verde 18

CAPÍTULO II 23

2. Atitude dos professores quanto à problemática do ensino da Língua Portuguesa: Análise dos questionários a professores do português do Ensino Secundário sobre o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa 23

2.1. A constituição da amostra 24

2.1.1. A recolha dos dados 26

2.1.2. Apresentação dos resultados 26

2.1.3. – Quanto ao tipo de desvios apresentados pelos alunos face ao uso do Português obtivemos as seguintes respostas: 31

2.1.4. – São os seguintes dados relativos ao tipo de desvios mais frequentes: 32

2.1.5. Opinião dos professores relativamente às causas dos desvios apresentados pelos alunos na aprendizagem do Português: 32

2.1.6. Dados Relativos aos Meios de Ensino do Português no Ensino Secundário. 33

2.1.7. Opinião dos inquiridos relativamente aos meios de ensino do português no Secundário: 33

2.2. Caracterização do ensino / aprendizagem da língua portuguesa no secundário em Cabo Verde – situação actual 35

2.2.1. Propostas de soluções para a melhoria do processo ensino/aprendizagem da língua portuguesa no Ensino Secundário em Cabo Verde: 37

2.2.2. Análise dos resultados 39

2.3. A Interferência do Crioulo no uso do Português em Cabo Verde: Análise de uma entrevista sociolinguística a alunos do ensino secundário 43

2.3.1 Levantamento de dados 45

2.3.2. Sistematização dos dados 49

2.3.3 Análise dos dados apresentados 54

2.3.4. Possíveis explicações para as causas dos desvios 59

2.3.5. Propostas de solução 61

CAPÍTULO III 64

3. Considerações finais 64

3.1. Referências Bibliográficas: 67

Anexos 69

Introdução

De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, nos seus artigos 22º e 24º respectivamente, os objectivos essenciais do ensino da língua portuguesa ao nível do Ensino Secundário são: “Promover o domínio da língua, reforçando a capacidade de expressão oral e escrita” e aumentar o nível de conhecimento e possibilitar uma orientação escolar e vocacional.

A interferência que segundo Daniel Medina, entende-se por todos os desvios à norma de uma determinada língua, que consiste na introdução de elementos estranhos, ou estrangeiros, em vários níveis e classes gramaticais, nomeadamente no que diz respeito aos sistemas fónico, morfossintáctico, sintáctico, semântico-lexical, é um fenómino que também se verifica em Cabo Verde, dificultando assim, a aprendizagem e o uso correcto da Língua Portuguesa.

Daí a nossa preocupação em estudar este fenómeno e procurar entendê-lo no sentido de encontrar possíveis soluções que possam minimizar o problema. Pois, acreditamos que através dos resultados obtidos, poderá contribuir para um melhor entendimento da nossa realidade escolar cabo- verdiana, onde o português possui o estatuto de língua oficial/segunda.

O prensente trabalho contempla questionário dirigido aos professores de Língua Portuguesa que leccionam o primeiro e segundo ciclos do Ensino Secundário, e entrevista aos alunos dos dois primeiros ciclos do Ensino Secundário, visto ser este o nível de ensino que é o objecto do presente estudo.

O presente trabalho está ainda estruturado em: Introdução, Desenvolvimento – com os seguintes títulos: - Capítulo I : O crioulo em Cabo Verde, Capítulo II: Atitude dos professores quanto à problemática do ensino da Língua Portuguesa no Secundário, Capítulo III: Considerações finais, Referências Bibliográficas e Anexos.

Justificação

O presente trabalho intitulado “A Interferência do Crioulo na Aprendizagem do Português em Cabo Verde”, visa para além de cumprir as obrigações curriculares, que é a realização de um trabalho de investigação de fim de curso para a obtenção do grau de Licenciatura em Estudos Cabo-verdianos e Portugueses (ECVP), permite-nos, igualmente confrontar os conhecimentos teóricos adquiridos ao longo do curso na disciplina de Linguística Cabo-verdiana. É com grande motivação e com espírito de desenvolver a nossa capacidade ao longo deste percurso que realizamos este trabalho, na expectativa de que o mesmo venha a ser uma pequena, mas valiosa contribuição teórica da nossa parte, no que tange ao conhecimento de vários aspectos linguísticos e culturais da língua materna que coabitam consciente ou inconscientemente com a língua oficial quer no desenvolvimento da oralidade quer no da escrita, por um grosso significativo de falantes da classe alta, média ou baixa, com ou sem grandes instruções académicas que labutam diariamente connosco na vivência do quotidiano.

Todavia, a problemática do processo ensino-aprendizagem do português em Cabo Verde constitui uma preocupação permanente, sobretudo para aqueles que propugnam por um uso eficiente da Língua Portuguesa no arquipélago.

Sendo o português, a língua segunda e de comunicação no processo ensino/aprendizagem em Cabo Verde, e o Crioulo a língua materna e do quotidiano, considero muito relevante o estudo do tema acima citado, pois este irá permitir melhor compreensão da realidade do ensino do português neste contexto.

Deste modo, enquanto professora, estarei em condições de apresentar alguns contributos para o desenvolvimento do ensino.

Se na realidade o grande objectivo é conhecer e dar a conhecer os meandros da interferência do Crioulo na aprendizagem do Português em Cabo Verde e reflectir sobre a problemática do ensino do português em Cabo Verde, também é evidente que subjacente a este grande objectivo está a aprendizagem que o trabalho nos irá proporcionar.

É com esta atitude de quem quer questionar e analisar o fenómeno de interferência linguística tendo em vista abrir caminho à criatividade, ou seja, através de uma pesquisa e tratamento de informações capaz de despertar nas pessoas o interesse pela investigação e valorização das Línguas, Cabo-verdiana e Portuguesa.

E sendo o professor como principal actor do processo ensino – aprendizagem, não pode ficar amarado a princípios, mas sim, questioná-los sempre, pesquisando e adequá-los à realidade que a própria sociedade exige.

Razões suficientes para sentirmos curiosos em pesquisar e apresentar os motivos que estão na base da realização deste trabalho.

Não obstante, o grau de complexidade, que um trabalho desta natureza impõe, toda a nossa intenção é, trabalhar de forma aprofundada, a fim de proporcionar momentos de reflexão e de aprendizagem, por um lado, e por outro, deixar patente algumas pistas sobre a real situação sociolinguística no nosso país, tendo em consideração a própria situação de contacto entre as línguas em causa.

É com o intuito de dar uma maior contribuição sobre a linguística cabo-verdiana, analisando os fenómenos de interferência linguística, particularmente a interferência do crioulo na aprendizagem do português no nosso país, que na qualidade de professor aprendiz, iniciando uma investigação desta índole, pesquisando e analisando, tendo como suporte um conjunto de “corpus” (Questionário dirigidos a professores e entrevistas feitas aos alunos), isto é, recolha e tratamento de dados, que vamos trabalhar este tema, conforme o plano de trabalho proposto.

Apesar das várias limitações defrontadas na sua realização esperemos que o mesmo venha a ser, de facto, um instrumento útil de pesquisa aos nossos colegas, professores, que poderão através disso reflectir e tomar a consciência do problema, e aos demais que se interessam pela matéria.

Trata-se de um tema muito vasto, mas de extrema importância, na medida em que é um tema de actualidade que vem suscitando muita preocupação a todos.

Agora, todos os cidadãos, independentemente do seu estrato social, são convidados a darem o melhor de si, dentro dos seus limites, no campo educacional, para o bem da humanidade.

Objectivos do trabalho

Para o presente trabalho definimos como objectivos gerais:

a) Identificar os meandros da interferência do crioulo na aprendizagem do Português em Cabo Verde.

b) Reflectir sobre a problemática do ensino da língua portuguesa em Cabo Verde.

Em termos específico definimos:

a) Compreender o peso de cada uma das línguas na sociedade Cabo-verdiana, assim como o estatuto das mesmas.

b) Reflectir sobre as atitudes dos professores face à problemática do ensino da Língua Portuguesa em Cabo Verde.

c) Identificar as formas desviantes do português.

d) Identificar os tipos de desvios à norma linguísticos do Português e caracterizá-los quanto à natureza dos mesmos

e) Apresentar hipoteticamente justificação para algumas causas e situações de interferências do Crioulo no uso do português.

f) Apresentar algumas propostas que podem ajudar a compreender e, de alguma forma, minorar o problema.

g) Despertar interesse para essa problemática a todos aqueles que tiveram a oportunidade de ler este trabalho.

Enquadramento Teórico e Metodológico

O trabalho ora apresentado “A Interferência do Crioulo na Aprendizagem do Português em Cabo Verde”, enquadra-se no âmbito da disciplina de Linguística Cabo-Verdiana.

A interferência significa: “dificuldades encontradas pelo aluno e erros que comete em línguas estrangeiras, devido à interferência da sua língua materna e outra língua estrangeira anteriormente estudada.” (Galisson e Coste, Op. Cit. pág. 414)

Nas comunidades onde coexistem duas ou mais línguas, existe normalmente a tendência para que haja um bilinguismo e isto leva os indivíduos a introduzirem a língua materna ao falar a língua segunda. (Op. Cit. ibidem).

A escritora Dulce Almada Duarte, na sua obra Bilinguismo ou diglossia? afirma que

“a cada dia que passa, a utilização do português como língua de escolarização está sendo mais difícil para os alunos cabo-verdianos. Isto porque, há uma grande dificuldade na aprendizagem da língua e uma resistência também. Como prova disso, as interferências que abundam, no sentido crioulo/ português. E que a única solução é fazer do português um instrumento provisório de escolaridade. Portanto, é necessário pôr nas mãos das grandes massas o único instrumento que lhes serve de comunicação e expressão da sua identidade cultural: o crioulo.” ([1])

Segundo Gloria Fischer,

“os problemas de interferência do crioulo na aprendizagem do português que, por vezes só parece ter características de proximidade, leva a situações que devem ser consideradas graves e terão, por tal, de ser objecto de estudos aprofundados certamente a vários níveis de intervenção e será necessário encontrar as soluções mais adequadas.” ([2])

O crioulo cabo-verdiano tendo em conta o contexto da sua formação (plurilinguístico adverso), é uma língua de base lexical portuguesa. Falada pela maioria do povo cabo-verdiano, desde a mais tenra idade, constitui o veículo, o modo de ser, de agir e de viver dos mesmos. E “as línguas maternas crioulas de base portuguesa interferem de um modo específico muito intenso na aquisição de produção e de compreensão da língua portuguesa". ([3])

Sendo assim, o ensino da língua portuguesa em Cabo Verde, deve ter em conta, do ponto de vista metodológico, o seu estatuto de língua segunda e ainda a especificidade da língua materna (língua não oficial, não instrumentalizada, não ensinada nas escolas, de léxico superficialmente idêntico ao léxico português e tradicionalmente avaliadas, mesmo pelos falantes, como sendo de menos prestígio).

Apraz-nos afirmar que “a valorização, na escola da língua materna dos alunos aumenta a sua motivação para a aprendizagem e para a aprendizagem em geral”.([4])

Para a prossecução deste trabalho, e dos objectivos da investigação, seguimos algumas técnicas a saber:

- Questionário escrito dirigido a professores de Língua Portuguesa do ensino secundário que leccionam 1º e 2º ciclos (7,º 8º, 9º e 10º anos), onde recolhemos um conjunto de informações e/ou opiniões sobre a problemática do ensino da Língua Portuguesa em Cabo Verde neste nível de ensino. Através de análise dos dados, inferir sobre os efeitos negativos que as dificuldades da Língua Portuguesa produzem nos alunos, considerando-as como um dos problemas delicados no ensino em Cabo Verde.

O referido questionário foi realizado junto de algumas Escolas Secundárias situadas no arrabalde da Cidade da Praia (Escola Secundária de Achada Grande, Escola Secundária Amor de Deus, Escola Secundária Polivalente Cesaltina Ramos, Escola Secundária Constantino Semedo, Escola Secundária Manuel Lopes, Escola Secundária de Palmarejo, Escola Secundária Pedro Gomes, Liceu Domingos Ramos) e no interior de Santiago (Escola Secundária Amílcar Cabral, Escola Secundária Alfredo da Cruz Silva, Escola Secundária de São Domingos, Escola Técnica Grão Duque Henri, Escola Secundária de São Miguel). Ainda, em algumas Escolas Secundárias situadas nas ilhas de Santo Antão (Escola Técnica de Porto Novo) e São Vicente (Escola Secundária José Augusto Pinto e Liceu Ludgero Lima).

- Realização de uma entrevista sociolinguística (trabalho de campo), recolhemos um conjunto de “corpus” junto de uma das Escolas Secundárias do arrabalde da cidade da Praia através da dita entrevista, feita a alunos do primeiro e segundo ciclos do ensino secundário respectivamente (7º, 8º, 9º e 10º anos), de faixa etária compreendida entre os doze a dezasseis anos de idade.

Foram entrevistados 10 alunos (6 do sexo masculino e 4 do sexo feminino).

O primeiro passo certamente foi o de entrevistar os informantes. De seguida fazer o levantamento dos desvios de cada informante que no passo seguinte são agrupados de acordo com a natureza gramatical dos mesmos. Por último, vem a análise dos desvios, seguida de tentativa de explicação de possíveis causas dos referidos desvios.

Apresentamos também algumas propostas de solução, isto baseando nas análises tanto das respostas dos questionários como das entrevistas.

A entrevista foi realizada ou conduzida exclusivamente pelo investigador, a cada um dos entrevistados. Todas as entrevistas foram audiogravadas e integralmente transcritas pelo investigador. Durante as entrevistas, os informantes falaram descontraidamente e sem receio sobre temas diversos tais como, futebol, novelas, pratos preferidos, infância, os tempos livres, pratos preferidos, entre outros.

É de salientar que a entrevista sociolinguística decorreu apenas num único concelho (Praia), enquanto que os questionários dirigidos aos professores decorreram nos setes concelhos acima referidos.

O questionário foi semi-estruturada com o suporte guião que serviu de eixo orientador ao desenvolvimento, deixando o entrevistado com liberdade para responder as perguntas, sobre matéria em que naturalmente, irão fornecer a informação desejada.

A escolha da natureza semi-estruturada da entrevista é justificada pela garantia de comparação dos dados recolhidos entre vários participantes (Bogdan e Biklen, 1994), a optimização do tempo disponível, tratamento mais sistemático dos dados, permite seleccionar temas para aprofundamento, com a garantia de que todas as questões poderão ser abordadas durante a entrevista, sem a obrigatoriedade de seguir uma sequência rígida.

Da recolha feita quer do questionário, quer da entrevista sociolinguística, não pode ser considerado e representativo do todo em relação aos alunos do Ensino Secundário mais precisamente do primeiro e segundo ciclos e nem em relação aos professores do Ensino Secundário, mas pensamos ter apurado elementos que nos permitem inferir e reflectir sobre a problemática do ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa em Cabo Verde, bem como os factores desviantes da norma linguística da mesma.

Se este trabalho poder suscitar ideias novas a todos quanto de alguma forma serão chamados a desempenhar algum papel no tocante à definição de uma política linguística a bem do ensino do Português em Cabo Verde, estaremos em crer que a nossa contribuição terá sido útil.

CAPÍTULO I

1. O Crioulo em Cabo Verde

1.1. A sua origem e formação

Como confirmam os documentos oficiais, Cabo Verde foi avistado pela primeira vez em 1460 pelos navegadores portugueses ou navegadores ao serviço de Portugal. Há, contudo quem tenha feito afirmações no sentido de que, estas ilhas antes dos portugueses tinham sido visitadas por povos de outras regiões do Globo, nomeadamente da Costa Ocidental Africana e do Mediterrâneo, em tempos muito remotos.

Segundo a História Geral de Cabo Verde (1991) a ocupação deste arquipélago iniciou-se em 1462, dois anos depois do seu descobrimento. Das dez ilhas que constituem o arquipélago, Santiago foi, a primeira a ser povoada, logo seguida da ilha do Fogo. Santo Antão e São Nicolau começaram a ser povoadas só depois de 1570 e as restantes, a partir do séc. XVII, excepto Santa Luzia que até hoje é desabitada.

As primeiras populações que se estabelecerem nas ilhas foram os colonos brancos, (Portugueses, Espanhóis, Genoveses, …) e africanos (escravos) resgatados na Costa da Guiné.

Os escravos negros ao chegarem ao arquipélago eram, de imediato, submetidos a um processo de ladinização (consiste basicamente na preparação do escravo para a vida de serviçal junto do seu dono). A maioria deles era exportado para Europa e América, permanecendo em Santiago por um período pouco mais de dois meses.

Alguns, no entanto, eram aproveitados para os serviços domésticos, sobretudo em povoações como Ribeira Grande e Alcatraz que cedo passaram a ter uma Vida Social bem organizada. O número de escravos passou a aumentar com a implementação do cultivo de algodão (principal moeda de troca no resgate de escravos) nas terras do interior da ilha de Santiago.

Com os colonos, chegaram a Cabo Verde vários dialectos do português, sobretudo do Norte, do Sul, e das ilhas adjacentes. Com os escravos vieram também os vários falares e línguas da costa ocidental africana.

O encontro de colonos brancos e escravos negros num mesmo espaço geográfico (Santiago) constitui, à partida, um problema sério, sobretudo, a nível de comunicação.

Se por um lado, os brancos se entendiam minimamente, por outro, a situação era bem mais complexa. Os negros não se entendiam entre si, porque cada um deles possuía a sua língua própria, muito menos entre eles e os colonos brancos. Por conseguinte, estavam criadas as condições para o surgimento de uma terceira via. Essa terceira via ficou facilitada ainda, devido a um grande desequilíbrio no contingente da colonização (maior número de negros em oposição ao menor número de brancos), o pouco tempo de permanência dos escravos negros em Cabo Verde e o baixo nível cultural dos colonos (muitos deles eram iletrados) que foram para essa ilha. Esses factores contribuíram quanto a nós, de forma decisiva para a não imposição nenhuma das línguas em presença (do colono e dos escravos) abrindo, dessa forma, caminho à formação do crioulo que hoje conhecemos.

Duas causas primordiais estão na base da não imposição da língua dos escravos, apesar do numérico: primeiro, porque apesar de serem em grande número, muitas vezes a sua presença na ilha de Santiago, berço da língua Cabo-verdiana, era transitória, tempo necessário para a ladinização, no termo da qual seguia a rota da escravatura: umas vezes para a Europa e outras vezes para a América. A segunda causa está ligada às variedades étnicas de que pertenciam os escravos e, por conseguinte, pertenciam a uma multiplicidade étnico-linguístico, em que nenhuma era maioritária, dificultando desse modo a imposição de uma das línguas étnicas africanas.

Quanto à língua do dominador, havia em seu desfavor a fraca representatividade a que aludimos (o número de brancos era reduzidíssimos, segundo o historiador António Carreira), o baixo nível cultural, sendo muitos de entre eles iletrados, e ainda a ausência ou a exiguidade de instrumentos e políticas de imposição cultural como escolas, liceus, universidades, professores, segundo Manuel Veiga. Ainda, para o linguista, “a finalidade primeira da dominação, sendo a mais económica do que cultural, favoreceu o surgimento de uma cultura mestiça em que a língua Cabo-verdiana é um dos elementos mais eloquentes.” ([5])

É neste contexto de pluralidade étnica, em que o peso demográfico do negro se sobrepõe ao do branco, aliada à pouca ou nenhuma formação académica do dominador branco que a língua cabo-verdiana, resulte da diversidade dialéctica, encontrou húmus e terreno fértil para a sua germinação, nascimento e crescimento e quiçá para a sua afirmação como língua de comunicação do dia a dia entre os cabo-verdianos. Não é de se olvidar, porém, que nesse processo “o recém-nascido teve quase sempre, uma mãe africana e um pai Europeu”.([6])

Se do ponto de vista histórico, este constitui o percurso da formação de crioulo em Cabo Verde, porém, não é nunca demais dar-lhe um enquadramento teórico ou linguístico.

Segundo Isabel Hub Faria e outros, em Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, o crioulo “é uma língua nativa que surge em circunstâncias especiais que conduzem à aquisição de uma primeira língua com base num modelo de segunda língua efectiva, tipo pré-pidjin ou pidjin”.([7]) Depreende-se desta afirmação que o crioulo exige certas condições ou factores sociológicas, geográficas e até políticas para a sua efectivação.

Segundo alguns estudiosos, a língua crioula forma-se normalmente, em comunidades formadas por elementos de origem sociolinguísticos e culturas diversos, cujos antepassados perderam total ou parcialmente os seus veículos culturais originais, devido, na sua maioria dos casos, à deslocação forçada com um contexto que resultou em escravatura. Esse contexto proporcionou contactos entre falantes de línguas maternas diferentes que, por razões de ordem social e humana, têm necessidades prementes de comunicarem, entre si, surgindo em consequência uma forma de linguagem veicular rudimentar, fragmentada e às vezes variável, a que se dá o nome de pidjin.

Dulce Pereira, In Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo, postula que

“pidjin corresponde aos primeiros estádios da aquisição espontânea de uma das línguas em presença – a língua do grupo socialmente dominante – pelos falantes das outras línguas”. E acrescenta: “com um léxico e morfologia muito reduzido (pode funcionar com pouco mais de mil palavras), o pidjin é suportado por outras formas de linguagem, como o gesto, e depreende, em grande parte, para a sua interpretação, do recurso ao contexto situacional”.([8])

Segundo Dulce Duarte, o Crioulo, de ponto de vista sincrónico surgiu num contexto histórico social colonialista. E na perspectiva diacrónica, afirma que existem outros intervenientes para além da ordem linguística, sociolinguística e a sociopolítica é um produto resultante de encontro de diversas línguas, sendo uma delas que domina (europeia) as outras (africanas) que assumem a condição de dominados. Acrescentou ainda que o crioulo foi criado na ilha de Santiago, que linguisticamente foi uma das primeiras manifestações activas da cultura africana em Cabo Verde, na tentativa de reelaboração do Português e das línguas maternas africanas, como uma forma de superar a possibilidade de comunicação.

Para Isabel Hub Faria, o crioulo é

“termo registado desde o século XVII, derivado de uma extensão de significado do nome. Português cria (de criar), designava inicialmente “animal criado em casa” tendo sido depois apelidado aos escravos nascidos e criados numa colónia na América, por oposição aos nascidos em África. Posteriormente, passou a dominar qualquer indivíduo mestiço nascido naquele tipo de sociedade”.([9])

Manuel Ferreira afirma que

“o crioulo de Cabo Verde processa-se a partir da língua portuguesa, numa tendência constante para a simplificação fonética, morfológica e sintáctica, mantendo permanentemente o cordão umbilical preso ao léxico português, o que lhe garante do ponto de vista etimológico e até prosódico, parentesco sempre próximo do idioma nacional”. ([10])

Para Mesquitela Lima, o crioulo surgiu da dominação cultural a que os povos colonizados estiveram sujeitos, e não do encontro entre a África e a Europa. Sustentou ainda que não é por acaso que todas as línguas do mundo são resultantes da interferência cultural, mas que apenas o contexto é apelidado de Crioulo.

Em relação ao crioulo de Cabo Verde o mesmo estudioso afirma que se formou devido a uma imposição cultural e política, e que tenha derivado de uma situação de tipo colonial. Adiantou ainda que no início da colonização não existia no Arquipélago forma dialectal específica, como aconteceu com outras zonas da África em que as línguas maternas constituíam entidades com vida própria, independente.

Continuando, acrescentou que “o crioulo de Cabo Verde nasce de um processo Sócio - cultural dinâmico e que pouco se sabe quando tomou a carta de alforria, i.e., quando se cristaliza em modelos que lhe conferem o carácter de sistema independente dos troncos de origem”. ([11])

A Linguista Rosine Santos, citada, pelo I Colóquio Linguístico Sobre o Crioulo de Cabo Verde (1979), levantando uma série de hipóteses sobre a origem dos crioulos, acabou por alegar que o crioulo de Cabo Verde, entre outros crioulos, pode ter nascido através das relações comerciais estabelecidas entre Portugal e as populações africanas antes do grande período esclavagista.

Essa forma deficitária de linguagem trilha longos caminhos, passando de geração em geração, complexifica e ganha novas estruturas, de modo a que possa cumprir todas as funções comunicativas dentro da língua materna que é, neste particular, o crioulo.

O pidjin constitui, por si só, uma fase intermédia ou se, quisermos uma forma de falar que faz a ponte entre o momento de encontro de várias línguas diferentes num determinado espaço geográfico, espaço esse diferente do da origem dos falantes, e o crioulo – língua estruturada – com funções de uma língua natural, que depois da sua formação, mesmo estando “em contacto com a língua mãe não se dissolve nela; pelo contrário, mantém intacta a sua personalidade e mesmo quando “o crioulo possui no seu léxico tradicional determinado vocabulário, a influência do português inscreve-se, no sentido dessa forma desaparecer, mas no de ela aproximar o mais possível da forma correspondente portuguesa”. ([12])

Pode-se concluir que o crioulo é a nossa língua original, viva em todos os domínios, em progressivo aperfeiçoamento, em contínuo enriquecimento, e dia-a-dia ganhando maiores possibilidades de comunicação.

1.2 O Crioulo como Língua Nacional

O crioulo, para muita gente, não passa de um dialecto, gíria ou um “pidjin”. Designação irrealista em relação ao que em linguística é chamada de dialecto, tendo em conta que este tem afinidade em relação à Língua Nacional e no âmbito sócio-geográfico é restrito, fazendo com que ele seja uma prática linguística com características que podem ser consideradas como próprias e peculiares ao nível fonético, morfológico e até mesmo sintáctico. O que faz com que ele seja dependente daquela.

Manuel Veiga, contesta esta opinião defendendo que o dialecto nunca pode ser considerado como Língua Nacional tendo em conta, que ele está consignado a uma determinada localidade, a um determinado meio. E estes aspectos Sócio-geográficos nunca o afastam radicalmente da Língua Nacional.Nesta óptica, pode-se falar de dialecto de Mindelo, Santa Catarina, como por exemplo, devido ao modo próprio de falar de cada localidade, sem por em causa a compreensão, continuando a ser o mesmo Crioulo.

Acrescentando que, se existe uma intercompreensão é porque os dois falares não divergem fundamentalmente um do outro. Que além disso, não se trata de um código convencional limitado a um pequeno grupo de indivíduos que não querem ser compreendidos pelas pessoas que não fazem parte do grupo.

Sendo assim, podemos afirmar que existe uma língua Nacional em Cabo Verde, que é o Crioulo.

Segundo o mesmo autor, citando Ferdinand de Saussure “le signe linguistique est arbitraire” (C.L.G.). Realmente, na língua tudo é arbitrário, isto é, imotivado e convencional. Se o código linguístico é o resultado de uma convenção, podemos ter um dialecto em Língua Nacional, conforme a extensão da convenção e da função Sócio-geográfica. E “quando a convenção do código como veículo de cultura é extensiva a todo o povo, (pelo menos a maioria) quer na sua prática, quer na sua compreensão, nós temos Língua Nacional”. ([13])

Para Manuel Veiga, a língua nacional para além de ser o veículo e o suporte de todas as experiências culturais, técnicas e científicas de um povo, constitui um meio de comunicação para todo o povo desde a mais pequena idade. Acrescentou ainda que, o Crioulo de Cabo Verde é uma língua pelo menos de maioria do povo cabo-verdiano, falada desde a mais tenra idade e constitui o veículo de todo o modo de ser, de agir e de viver dos mesmos. E que essas premissas confirmam que realmente o crioulo é uma Língua Nacional.

Na sua contestação, o linguista realçou o problema do Bilinguismo levantando por algumas pessoas, afirmando que realmente esta situação existe em Cabo Verde, mas que também, está claro que só uma certa percentagem da população cabo-verdiana fala o português, e este não traduz o pensar do povo cabo-verdiano.

A esse mesmo respeito, disse que uma outra dúvida que pode ser levantada é que se o crioulo não possuir a escrita como é que se pode considerá-lo como Língua Nacional. Confirmou que neste caso, é bom saber que uma língua é prioritária e principalmente oral e que a escrita tem a função Subsidiária e um complemento da linguagem oral. Para o linguista, “o mais importante é saber falar: … O facto de não estar ainda suficientemente instrumentalizado para veicular todas as experiências técnicas da humanidade não tira o Crioulo nada do seu carácter Nacional. Nenhuma Língua do mundo pode vangloriar-se desta qualidade”. ([14])

De acordo com as ideias defendidas por alguns linguistas, podemos afirmar que o Crioulo, “é portanto a nossa Língua Nacional tanto quanto o Francês ou o Português são respectivamente Línguas Nacionais dos Franceses e dos Portugueses.” ([15])

1.3. O Estatuto do Crioulo em Cabo Verde

O Crioulo de Cabo Verde, tendo em conta o contexto da sua formação (plurilinguístico adverso e limitado), o seu estatuto, teria que ser fruto de um processo que se concretiza através dos tempos. Segundo Manuel Veiga, quando começou o povoamento das ilhas de Cabo Verde em 1462, com um reduzido número de portugueses (colonos), genoveses, escravos africanos e comerciantes, em que cada um falava a sua própria língua, o entendimento entre eles foi um tanto ao quanto difícil. Isto, tendo em conta universos linguísticos em presença.

E diante de um instrumento de comunicação muito limitado, fez com que houvesse confrontos, cedências e tolerância por parte dos diversos sistemas em presença.

Desse processo e/ou entendimento, originou o Pidjin, que é considerado por este estudioso, o primeiro estatuto que o referido instrumento de comunicação ganhou, por ser um “meio de comunicação instável que não obedece a uma estrutura definida, com poucos recursos lexicais e gramaticais, funcionando mais na base de parataxe (ausência de hierarquização e de relação sintáctica) do que de sintaxe.

Segundo Manuel Veiga, depois de um certo tempo (1472), com a presença permanente de colonos brancos mas em número insignificante de uma boa parte do contingente escravocrata, fez com que o referido pidgin ganhasse uma certa estabilidade lexical e gramatical, principalmente por parte dos escravos – filhos. E tendo estas condições, entradas numa nova fase, que é a de crioulização.

Continuando a evoluir, o proto-crioulo já no início do século XVII o estatuto de crioulo, o qual se caracteriza por uma estrutura interna e externa muito mais estáveis e muito mais desenvolvidas do que o pidgin inicial que o originou, segundo as declarações citadas por António Carreira.

Porém, o Crioulo cuja consolidação se processou sem grandes sobressaltos, nos séculos XVII e XVIII, no século XIX passou a ser objecto de ataque cerrado, com a introdução do ensino oficial em Cabo Verde. Neste século a situação agravou-se cada vez mais, tendo em conta que a partir deste século foi imposta a prática efectiva de «assimilação», foi marginalizado social e culturalmente, por muitos, mesmo sabendo que fosse de facto a língua de unidade de todos os cabo-verdianos, língua de identidade nacional.

No século XX, escritores, e trovadores defenderam a causa do crioulo através da escrita e este foi reclamado como suporte principal da cabo-verdianidade. E neste mesmo século, conquistou o estatuto de língua nacional e materna.

A instrumentalização do Crioulo, também constitui um dos aspectos relevantes para a sua afirmação. Desde o século XIX, várias tentativas foram desencadeadas, por estudiosos e pessoas interessados pela matéria, com o intuito de darem os seus contributos. Por não terem formação linguística, os mesmos passaram por muitas limitações, mas os contributos dados por eles foram válidos. A partir do século XX, as obras de cunho científico começaram a surgir, com o escritor Baltazar Lopes da Silva com “O Dialecto do Crioulo de Cabo Verde”. E na sequência deste, outras obras foram escritas. A título de exemplo temos - “Cabo Verde - Contributo para o Estudo do Dialecto Falado no seu Arquipélago,” um trabalho de Maria Dulce Almada que foi publicado em 1961.

Depois da Independência Nacional começou uma nova fase de instrumentalização do Crioulo (1975) segundo Manuel Veiga. De acordo com ele, vários colóquios foram realizados nesse sentido, e na sequência destes vários livros e documentos foram escritos pelos linguistas.

Mas, até agora, não existe ainda um alfabeto oficializado, apesar de todo o percurso feito. Até este momento, escreve-se com base no alfabeto etmológico como também no alfabeto fonológico.

Apraz-nos afirmar que em Cabo Verde, a par do português língua oficial e de escrita, se fala o crioulo ou língua cabo-verdiana, que constitui o vernáculo e o idioma falado por toda a população residente no arquipélago.

No entanto, considerando a diferença de estatuto entre as duas línguas, sublinha-se que a sociedade cabo-verdiana vive numa situação de Diglossia em vez de Bilinguismo, contrariamente ao que muitos pensam. Isto porque, um país é verdadeiramente bilingue “quando, para além da língua materna e vernácula, domina, em qualquer contexto ou circunstância, uma outra língua, e com a mesma competência e eficácia que a língua primeira confere. Um real bilinguismo exige ainda que a língua primeira e segunda sejam complementares, possuindo ambas um estatuto social e funcional útil e prestigiante.” ([16])

De facto, o Crioulo é a língua do quotidiano cabo-verdiano, informal, não escrita, não valorizada socialmente, falada pela totalidade da população, língua exclusiva de uma maioria, esmagadora da população / sociedade. Suporte privilegiado da identidade nacional, com muito peso na comunicação oral (cerca de noventa por cento), na música e na literatura oral. Apesar disso, a nossa língua materna continua a aguardar por melhores dias, no concernente à sua oficialização. O português, ao contrário do crioulo, é uma língua de formalidade ou de situações especiais, falada por uma minoria muito reduzida no universo demográfico Cabo-verdiano que, para além do estatuto de língua oficial, é a língua veicular no contexto escolar, da administração e dos tribunais, da comunicação escrita, dos mass media e de literatura escrita.

“A diglossia contém, pois, em si o gérmen da desigualdade das línguas em presença, desigualdade que é função da sua importância e do seu estatuto na vida Social”. ([17])

Dulce Duarte afirma que a situação linguística em cabo verde talvez tenha sido sempre diglóssica. Sabendo que as duas línguas (Portuguesa e Crioula) coexistem desde o nascimento da segunda (crioula), e desde cedo se impôs em Cabo Verde como língua veicular. E que o Crioulo era praticamente a única língua falada tanto por negros e mestiços como por brancos, exceptuando os portugueses ao serviço da Igreja Católica ou da Coroa/bispos, governadores comerciantes e altos funcionários. E nestas condições não funcionava como uma língua dominada visto que os próprios portugueses adoptavam muitas vezes o crioulo como língua das relações oficiais.

Reconhecido o papel que a língua cabo-verdiana desempenha no reforço da cabo-verdianidade e do desenvolvimento do país, não são poucos os defensores da sua oficialização ao lado do português. Isto, não só, como da sua valorização, mas também, porque é através dela que melhor nos entendemos, que melhor pensamos, sonhamos, nos divertimos, sofremos, trabalhamos, criamos, enfim, vivemos.

Manuel Veiga, estudioso e linguista de muita reputação em Cabo Verde, considera que tanto a Língua Portuguesa como língua Cabo-verdiana estão em construção, apesar de quinhentos anos a conviverem lado a lado. E que é importante que se comece a ensinar o crioulo nas escolas para que o português não continue “Kansadu” e o crioulo “maltratadu”.

De acordo com o mesmo linguista, o ensino do Crioulo deve de ser introduzido no sistema de ensino como a primeira língua de acesso ao conhecimento dos Cabo-verdianos, para que o Português passe a ser ensinado como língua segunda e assumir o seu valor instrumental e civilizacional. Acrescenta ainda, citando o decreto-lei nº67/98 de 31 de Dezembro (BO nº 48) que:

“Sendo o crioulo a língua do quotidiano em Cabo Verde, o elemento essencial da identidade nacional e do desenvolvimento harmonioso do país, esse desenvolvimento não será possível sem a estandardização da escrita do crioulo, ou seja, da língua cabo-verdiana. Ora, a estandardização do alfabeto constitui o primeiro passo para a estandardização da escrita” remata.

Para cumprir esse desiderato, elaborou-se um documento de carácter experimental designado ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana) que modela a estrutura da escrita do crioulo, visto que, antes, cada um escrevia como lhe convinha, de acordo com a mesma fonte.

Com a institucionalização experimental da escrita o instituto Superior da Educação (ISE), através de Departamento de Línguas Cabo-verdiana e Portuguesa criou uma cadeira de Linguística Cabo-verdiana, com o intuito de atender novos desafios que se colocam às instituições de preparação e formação de futuros professores em Cabo Verde.

O Crioulo, hoje, tem maior expressão e visibilidade contando já com alguns trabalhos de cariz científico, tais como dicionários, gramáticas e várias obras escritas, instrumentos indispensáveis à valorização e afirmação de qualquer língua. No entanto, para muitos a sua verdadeira afirmação está condicionada pela sua instrumentalização, estandardização, seguido da sua oficialização e ensino no quadro do desenvolvimento curricular.

É evidente que o crioulo continua a ser uma língua sem estatuto oficial, mas seguramente com raízes bem entranhadas no sangue e na veia de todos os cabo-verdianos, constituindo o nosso orgulho maior como povo e nação.

CAPÍTULO II

2. Atitude dos professores quanto à problemática do ensino da Língua Portuguesa: Análise dos questionários a professores do português do Ensino Secundário sobre o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa

Cabo Verde é um país onde se verifica o fenómeno da coexistência de duas línguas – a Cabo-verdiana, língua materna e nacional e a Portuguesa, língua oficial. Só esta última é ministrada nas escolas, pois a cabo-verdiana até então não passou de codificação e normalização.

Até a Independência, ocorrida a 5 de Julho de 1975, o ensino da língua portuguesa, em Cabo Verde, foi sempre ministrada como que se de uma língua materna se se tratasse, tendo este processo ainda continuado até à presente data. Embora este ensino tenha sofrido não oficialmente, algumas alterações está-se, actualmente, a enveredar por um sistema de ensino cujo processo é ministrado para o das línguas estrangeiras o que também não é adequado. Trata-se de um instrumento de comunicação com estatuto definido tanto “per si” quanto pela legislação que “Estabelece as Bases do Sistema Educativo”. ([18])

A convivência desses dois idiomas no espaço linguístico cabo-verdiano, faz com que haja alguma dificuldade no processo de ensino-aprendizagem, da língua portuguesa, por se tratar de uma língua segunda, cujo primeiro contacto com o falante, muitas vezes, só se efectua num estabelecimento de ensino.

Com o intuito de analisar as atitudes dos professores quanto à problemática do ensino do Português no secundário, foi imprescindível a inquirição dos mesmos, sendo estes os principais agentes do processo ensino - aprendizagem, observadores e privilegiados desse acto, profissionais preparados e vocacionados para nele intervir. Planeamos, assim, questionar os professores de português em exercício de funções com formação superior no ramo.

Em face disto não se poderia esperar dos professores inquiridos sobre este assunto, uma opinião que se demarcasse muito, ou totalmente alheia à esta problemática, como aliás, analisados nos tópicos que se seguem.

2.1. A constituição da amostra

A amostra entendida à luz da acepção consensualmente concebida e generalizada pela maioria de dicionários e enciclopédias, constitui de per si, o acto ou efeito de mostrar pequena parte de um todo que permite formar juízo deste; pode ser ainda interpretado como qualquer coisa tida como exemplar; modelo; indício; sinal; demonstração; ou mesmo, exposição de algo. Ante o paradigma dessas definições e no âmbito do trabalho por nós levado a efeito, torna-se fácil sistematizar a amostra como sendo uma técnica estatística utilizada quando não há possibilidade de abranger todos os fenómenos de um conjunto em análise, devendo assim consistir na generalização para o todo, dos resultados obtidos com fenómenos devidamente seleccionados.

Segundo a pesquisa feita ao Site do Ministério da Educação, Cabo Verde conta com um total de 33 Escolas Secundárias, sendo 16 situadas nos Concelhos pertencentes a Ilha de Santiago e as restantes 17 distribuídas por outras ilhas e Concelhos habitados do nosso arquipélago. Recorde-se que é no Concelho da Praia onde a maioria das aludidas Escolas Secundárias marcam presença (10), com os Concelhos do interior da Praia a apresentar-se em segundo lugar, em número de 6, ou seja, pouco menos de um terço da totalidade das Escolas ao serviço do país, no início do ano lectivo 2006/07.

Escolas e Docentes Contactados:

Escolas Professores

➢ E. S. Achada Grande (Praia) ………………………………. 03

➢ E. S. Alfredo da Cruz Silva (Sta Cruz) ………………....... ..02

➢ E. S. Amílcar Cabral (Sta Catarina) ………………………...03

➢ E. S. Amor de Deus (Praia) ………………………………....03

➢ E. S. Constantino Semedo (Praia) ……………………..........04

➢ E. S. Dr. José Augusto Pinto (São Vicente) ……………….. 01

➢ E. S. Manuel Lopes (Praia) ………………………………....05

➢ E. S. Palmarejo (Praia) ……………………………………...06

➢ E. S. Pedro Gomes (Praia) ………………………………….03

➢ E. S. Polivalente Cesaltina Ramos (Praia). ……………........03

➢ E. S. São Domingos (S. N. Tolentino) …...............................04

➢ E. S. São Miguel (São Miguel) ……………………………..01

➢ E. Técnica Grão-duque Henrique (Sta Catarina) …… ……...04

➢ E. Técnica de Porto Novo (Sto Antão)... ……………………03

➢ Liceu Domingos Ramos (Praia) …………………………….02

➢ Liceu Ludgero Lima (Mindelo – São Vicente)..... ………….03

Total:………….…Escolas: 16…………….Professores: 50

A referida amostra é, assim, constituída por professores de escolas. A constituição e caracterização da população da qual ela foi extraída não oferece muitas dificuldades, em virtude de os professores de português do ensino Secundário (1º, 2º e 3º níveis) serem objectos de uma categoria específica, ou seja, todos têm a formação superior, e na sua maioria, com longos anos de experiências no ramo de ensino do português. Mas reconhecemos que a estimativa de um dado número de professores por escola não se revela válida por as dimensões dos estabelecimentos de ensino serem substancialmente diversificadas. Assim sendo, optamos por tomar como referência o número de escolas secundárias atrás mencionadas e o número de professores que respondeu o nosso questionário.

Segundo G. e Matalon, não se trata de tornar completamente arbitrária a nossa amostra, mas de deslocar a sua significação do conceito de “adequação da amostra aos fins estabelecidos”.

2.1.1. A recolha dos dados

Elaborado o questionário, este foi distribuído aos professores das diversas escolas seleccionadas, num número de cinco exemplares. A distribuição foi feita pessoalmente, onde tivemos a oportunidade de escolher um representante que é um professor e / ou coordenador da Disciplina de Português, a quem explicámos a finalidade do questionário e ao mesmo tempo solicitamos-lhe que distribuísse e recolhesse os questionários junto dos colegas do grupo que preenchiam as condições requeridas. Ainda foi pedido a esse professor / coordenador que, uma vez preenchidos e recolhidos os questionários, os enviassem até nós.

Em alguns casos, a recolha foi feita através de pessoas ligadas aos serviços administrativos e académicos dos estabelecimentos de ensino supra mencionados.

Assim, se procedeu a nossa recolha sem grandes percalços.

2.1.2. Apresentação dos resultados

Os quadros abaixo indicam os dados relativos à avaliação directa dos professores aos seus alunos no que diz respeito aos domínios oral e escrito da Língua Portuguesa no Ensino Secundário.

• Domínio oral:

| | | | |Muito Bom |Não Responde | |

|Mau |Insuficiente |Suficiente |Bom | | |Total |

|2 |10 |35 |3 |0 |0 |50 |

|4% |20% |70% |6% |0% |0% |100% |

• Domínio escrito

|Mau |Insuficiente |Suficiente |Bom |Muito Bom |Não responde |Total |

|1 |7 |37 |4 |0 |1 |50 |

|2% |14% |74% |8% |0% |2% |100% |

Grosso modo, os professores consideram Suficiente tanto o domínio oral como o escrito da Língua Portuguesa, pelos alunos, se levarmos em conta que num universo de 50 professores inquiridos, 35 classificaram de suficiente o domínio da oralidade da Língua Portuguesa pelos alunos no ensino secundário, como discriminado, infra:

Oralidade

❖ 10 (dez) são da opinião que no domínio oral verifica-se ainda muitos casos de alunos com imensas dificuldades em pronunciar correctamente certos vocábulos, na articulação de um discurso coerente, demonstrando, sobretudo uma fraca fluência oral. As justificações apresentadas eram unânimes em concordar que a oralidade é pouco trabalhada nas aulas de Língua Portuguesa e que os alunos não têm o hábito de leitura – actividades que os ajudariam bastante a desenvolver essa habilidade.

❖ 13 (treze) afirmam que apesar de terem adoptado a opção Suficiente, acreditam que os alunos estão muito aquém desta classificação. Acrescentam ainda que o uso da língua portuguesa ocorre praticamente nas salas de aula e que os alunos não têm espaço para desenvolver essa competência. Visto que em casa e no meio onde labutam diariamente, estão habituados a expressar apenas na língua materna.

❖ 2 (dois) consideram que só uma minoria dos alunos tem o domínio conveniente da oralidade, embora os professores a tenham promovido nas aulas. E que verificam que os alunos vêm do ensino básico com fraco domínio da expressão oral.

❖ 2 (dois) justificam que os alunos provenientes de famílias com um poder económico mais elevado, exibem melhor domínio da oralidade e da escrita, uma vez que são bafejados com melhores possibilidades de estarem em contacto com a língua e por conseguinte praticá-la. Daí, a opinião de que os professores devem dar mais atenção à prática da oralidade nas aulas, utilizando os mais variados meios, como forma de levar os alunos a despertar o interesse por essa prática.

❖ 3 (três) pensam que os alunos do secundário têm um domínio oral razoável, apesar de existirem ainda muitos obstáculos a serem ultrapassados como o conhecimento das regras gramaticais, domínio do vocabulário, a timidez entre os outros. Afirmam ainda que os alunos muitas vezes sentem-se mais à vontade em expressar em crioulo do que em português, que até pedem ao professor que os deixem falar em crioulo nas aulas.

❖ → Apenas 10 (dez) do total dos inquiridos, como se pode constatar, avaliam de Insuficiente o domínio oral, afirmando que os alunos apresentam muitas dificuldades a nível da pronúncia; problemas de dicção, e que ao expressarem oralmente sofrem de grande influência do crioulo; ainda alegam que esta componente praticamente não é trabalhada nas aulas, que também os alunos entram no secundário com um índice muito fraco da competência oral, talvez por não tê-la desenvolvido nos anos anteriores. Que muitas vezes preferem falar em crioulo do que em português, mesmo quando forem solicitados durante as aulas. Sentem-se inibidos e com “vergonha”, de expressar em português.

Defendem ainda que os alunos que apresentam maiores dificuldades, são os do 1º ciclo (7º e 8º anos). Estes muitas vezes não conseguem formular e pronunciar correctamente uma frase simples e que insistem em falar o crioulo na sala de aula. Um (1) dos inquiridos alega que o nível socio-económico também influencia esse resultado, tendo em conta que os alunos que apresentam maiores dificuldades em se expressar preferindo muitas vezes não falar, fingindo que não entenderam, porque não conseguem fazê-lo, pertencem à classe menos favorecida. Mas há alunos que se expressam bem.

É bom ressalvar que do total dos inquiridos, ainda 3 (três) professores acham que o domínio da oralidade dos alunos está no nível Bom, com os seguintes argumentos:

a) Numa sala podemos encontrar alunos que apresentam muitas dificuldades, mas também encontramos alguns, ou mesmo, grupo de alunos que se expressam bem, oralmente, embora não aconteça o mesmo ao nível da escrita;

b) Dependendo do nível académico, podemos encontrar alunos com um certo domínio oral e, à medida que subirmos de nível, encontraremos alunos que apresentam as mesmas dificuldades na escrita, mas com um bom domínio da oralidade.

Finalmente, 2 (dois) dos inquiridos que atribuíram a classificação de Mau a este domínio argumentaram que os alunos precisam de praticar a oralidade tendo em conta que este se restringe apenas às salas de aula, acrescentando que há muitas dificuldades ao nível de concordância em termos de tempos e modos verbais; emprego do singular e plural, assim como nomes e pronomes. Neste particular não pouparam críticas à atitude dos professores, segundo os quais, nada fazem para levar os alunos a sentirem motivados e a interessar-se pela expressão oral. Alegaram ainda que os próprios professores manifestam muita falta de interesse, entusiasmo, vontade e dedicação em adoptar métodos e técnicas com vista à obtenção de um resultado mais eficaz.

Escrita

A nível da escrita, 37 (trinta e sete) professores deram uma classificação de Suficiente, com os seguintes argumentos:

- A competência metalinguística não é trabalhada, sendo assim, os erros da escrita persistem, mas que tais situações variam de acordo com as turmas e os anos de escolaridade. Tendo em conta que à medida que os alunos mudam em termos de níveis escolar, a tendência é corrigir esses erros que parecem ser primários e surgirão obviamente outros. Que apesar das dificuldades apresentadas pelos alunos (erros de concordância, caligrafia péssima, entre outros), há sempre uns que têm um bom domínio da Língua Portuguesa e que conseguem expressar utilizando vocabulário simples e adequado às exigências, tendo em conta também o seu nível. Acrescentam também que o professor deve focalizar mais o processo em vez do produto, ou seja, investir nos alunos e levá-los a produzir textos escritos, através das informações recebidas; e deve também contextualizar a produção, escrita para que eles possam mobilizar mais recursos e sentirem motivados.

- Os alunos apresentam aversão à escrita;

- Na escrita, os alunos apresentam muitos erros ortográficas, de concordância e outros que surgem na decorrência dos cometidos na oralidade. Isto é, os alunos não dominam as regras de correcção linguística no emprego do português, demonstrando falta de capacidade quando escrevem palavras deturpadas como são ditas em crioulo, deixando assim que o crioulo interfira no uso do português.

- A escrita em si não é trabalhada, para que desperte nos alunos o gosto e o interesse pelo mesmo;

- Para a maioria dos alunos a prática da escrita restringe-se apenas às salas de aula;

- O próprio programa e os materiais desponíveis nas escolas não facilitam o desenvolvimento eficaz da escrita, e tão pouco a motivação dos alunos. Por isso, aqueles não conseguem escrever/produzir textos coesos e coerentes mesmo quando têm informações para o fazer;

- A má preparação dos alunos nos anos anteriores (Ensino Básico) também não facilita nem o professor e nem o próprio aluno a desenvolver tal competência. O aluno entra no secundário (um número considerável) com um leque muito reduzido do vocabulário, com uma caligrafia péssima, com grandes dificuldades a nível morfológico e sintáctico, entre outras. Por isso, fica difícil e comprometido o trabalho do professor e o processo fica prejudicado.

Ainda no concernente ao domínio escrito no secundário, 4 professores inquiridos deram a classificação de bom, alegando que:

- Os alunos, na sua maioria têm um bom domínio da escrita, principalmente no campo lexical e gramatical, apesar de ainda existir muitos obstáculos a serem ultrapassados.

Do total de 50 inquiridos, 6 deram a classificação de insuficiente, apontando os seguintes argumentos:

➢ Os alunos escrevem com muita dificuldade cometendo erros ortográficos, erros de concordância e de vocabulário;

➢ Em muitos casos a caligrafia apresentada é péssima;

➢ Má organização das ideias e falta de coesão textual;

➢ A escrita, para a maioria é praticada esclusivamente na escola;

➢ Há um grande desinteresse por parte dos alunos em escrever;

Deste total apenas 1 achou que os alunos demonstram ao longo do desempenho uma quase total incapacidade no domínio escrito, por isso, deu uma classificação de Mau. Acrescentou ainda que nos seus escritos não há expressão lógica das ideias; que muitos dos alunos não conseguem escrever e organizar as frases correctamente, utilizando palavras que ficam totalmente sem sentido dentro do contexto.

2.1.3. – Quanto ao tipo de desvios apresentados pelos alunos face ao uso do Português obtivemos as seguintes respostas:

|A – Natureza Sintáctica |% |F |

|1 - Concordância nominal |48% |24 |

|2 - Concordância verbal (verbo com sujeito) |98% |49 |

|3 – Emprego do determinante |42% |21 |

|4 – Emprego do infinitivo |40% |20 |

|5 - Ordem das palavras |40% |20 |

|Total | |50 |

A falta de concordância verbal (verbo / sujeito) constitui o maior desvio apresentado pelos alunos segundo a opinião dos professores.

|B – Natureza Lexical e Sintáctica |% |F |

|1 – Pronome pessoal reflexo |96% |48 |

|2 - Género nominal |16% |8 |

|C – Morfo-sintáctico |% |F |

|1 – Modo e tempo verbais |96% |48 |

2.1.4. – São os seguintes dados relativos ao tipo de desvios mais frequentes:

|A – Natureza Sintáctica |% |F |

|1- Concordância nominal |22% |11 |

|2- Concordância verbal (verbo com sujeito) |88% |44 |

|3-Emprego do determinante |14% |7 |

|4- Emprego do infinitivo |16% |8 |

|5- Ordem das palavras |18% |9 |

| |

|B- Natureza Lexical e Sintáctica |% |F |

|1- Pronome pessoal reflexo |82% |41 |

|2- Género nominal |6% |3 |

|Total |100% |50 |

|C – Morfo-Sintáctico |% |F |

|1- Modo e tempo verbais |84% |42 |

2.1.5. Opinião dos professores relativamente às causas dos desvios apresentados pelos alunos na aprendizagem do Português:

❖ 7 professores acham que as causas desses desvios têm a ver com:

- A falta de material de estudo que contribui para o desinteresse dos alunos pela língua portuguesa;

- A falta de professores qualificados em algumas escolas (principalmente nos concelhos mais pobres do país);

- Os programas longos e que contemplam o português de língua 1ª. Pensam que alguns conteúdos que não são contemplados deveriam constar no programa, em vez de certos que aparecem e que não contribuem para o desenvolvimento da aprendizagem da língua portuguesa.

❖ 10 afirmam que esses desvios justificam-se também pelo facto de :

- A maior parte dos alunos só pratica a língua portuguesa no contexto sala de aula e quando interagem com o professor e os colegas não observam em muitos casos os preceitos da gramática explícita. E que ainda há falta de um estudo orientado, a escassez de materiais didácticos e de outros suportes (audiovisuais, por exemplo) que possibilita uma aprendizagem lúdica e mais autónoma.

❖ 20 (vinte) defendem que uma das primeiras causas é a interferência do crioulo, isto porque os alunos pensam na língua materna, logo as interferências das expressões dessa língua ocorrem com frequência no português falado ou escrito.

❖ E 4 (quatro) são da opinião que também esses desvios podem ser explicados por um lado, pelas falhas na abordagem dos conteúdos programáticos pelos professores do ensino básico e do secundário e, por outro lado, a falta de hábito de leitura e prática da oralidade. E também pela influência do português da norma brasileira.

2.1.6. Dados Relativos aos Meios de Ensino do Português no Ensino Secundário:

| |% |F |

|Muito pouco |18% |9 |

|Pouco |68% |34 |

|Bastante |10% |5 |

|Muito |0% |0 |

|Não responde |4% |2 |

|Total | |50 |

2.1.7. Opinião dos inquiridos relativamente aos meios de ensino do português no secundário:

- Os meios de ensino disponíveis no ensino secundário são insuficientes e pouco ajudam os professores e alunos na concretização das aulas, bem como no desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem;

- Os poucos manuais existentes, estes não são atractivos e nem despertam nos alunos o interesse pela matéria e aprendizagem, tendo em conta que muitos dos materiais didácticos (manuais) não estão adaptados ao contexto sociolinguístico dos alunos;

- Carência de outros meios didácticos (dicionários e obras para pesquisa). Sendo assim, não é possível fazer uma aula com muita comodidade.

- Os manuais adoptados para os dois ciclos (7º e 8º) são pobres e a escola não cobre as despesas quando um professor quer fazer uma aula diferente e mais motivadora, utilizando outros meios que não são disponíveis na escola.

Alguns dos inquiridos acham que os meios disponíveis são suficientes se considerarmos que além dos nacionais há outros que podem ser igualmente aproveitados. Acrescentando que, a variedade dos materiais confluem na complementaridade dos objectivos propostos e na apreensão dos conteúdos, estimulando o ensino/aprendizagem dos alunos. E que o mais importante é saber utilizar os meios disponíveis, usando estratégias, metodologias e técnicas variados, de modo que possamos tirar o melhor proveito destes. Alegando ainda que, os professores devem estar sempre em contacto com os colegas, fazendo troca de ideias, procurando em conjunto novas formas de trabalho e, deste modo, tentando ultrapassar as dificuldades que muitas vezes não reside só na falta ou escassez de meios.

Aqueles que acharam que os meios de ensino estimulam muito pouco, deram a seguinte justificação:

- As bibliotecas não estão devidamente equipadas e são pouco espaçosas. E em alguns casos nem se quer elas existem na realidade. Apenas a estrutura física. E que só os manuais também não se resolve o problema, tendo em conta que existem outros meios mais propícios para estimular a aprendizagem do aluno, como por exemplo os audiovisuais.

- O professor também deve ser mais criativo, tentando adaptar os poucos meios existentes, tornando as aulas mais interessantes e frutíferas.

- Os manuais são pobres, principalmente o do 9º ano deixa muito a desejar. E no 10º ano ela nem sequer existe.

- Os meios audiovisuais para o ensino do português, ainda não se encontram generalizado nas escolas secundárias cabo-verdianas, o que remete os professores muitas vezes para um ensino tradicionalista, sem inovação e criatividade.

2.2. Caracterização do ensino / aprendizagem da língua portuguesa no secundário em Cabo Verde – situação actual

No que diz respeito à caracterização do ensino da Língua Portuguesa, 40 % dos professores inquiridos, afirmam que de acordo com as suas práticas, o ensino da Língua Portuguesa no secundário em Cabo verde, passa por um momento muito particular, tendo em conta que há um número significativo de professores com formação específica na área que discute com maior abertura questões que se prendem com a vida educativa (metodologias, métodos, estratégias, técnicas, meios de ensino e outros). Acrescentam ainda que há um maior entendimento de que a língua portuguesa, por razões várias, deve ser ensinada como língua segunda, não discordando para isso, toda a bagagem cultural, linguística, histórica da Língua Cabo-Verdiana que o aluno aporta e mobiliza em situações de aprendizagem. E que na verdade, há outros meios além dos mais convencionais que apoiam os docentes na sua preparação enquanto gestor e orientador da aprendizagem e ajudam os alunos no seu crescimento.

Afirmam ainda, que o ensino da língua portuguesa é um desafio para o professor que orienta, reflecte e adequa as metodologias ao processo ensino/aprendizagem da língua no intuito de obter eficácia e eficiência no âmbito da aprendizagem.

Sobre esta mesma matéria, 35% dos professores acham que o ensino da língua portuguesa no secundário em Cabo Verde deixa muito a desejar, porque o professor do secundário além de ter que lidar com todas as dificuldades (a situação linguística dos alunos, a carência de materiais didácticos, manuais não adaptados aos contextos sociolinguísticos, número exagerado de alunos por turma), muitas vezes não têm total autonomia para apoiar os que apresentam grandes dificuldades na aprendizagem, dando um tratamento individualizado, tendo em conta que os programas não deixam margens, por vezes, ao docente para que possa agir de acordo com as necessidades que a turma demonstra. Afirmam ainda que o ensino da língua portuguesa em Cabo Verde carece de uma atenção especial, tanto por parte dos docentes como do Ministério da Educação, no sentido de melhorar os resultados que estão muito aquém do desejado.

Alguns dos inquiridos condenam o programa do ensino secundário, (1º e 2º ciclos da Língua Portuguesa) afirmando que este baseia-se essencialmente no ensino da gramática, e não se privilegia o uso da língua (conhecimento das regras gramaticais desgarradas do contexto). Acrescentando que no 7º ano temos um “ bombardeamento” de conteúdos gramaticais e que serão repetidas no 8º ano. Isso leva o aluno à desmotivação e ao desinteresse pela língua portuguesa. Pensam que, deve haver um tempo para trabalhar a leitura e análises de textos, oralidade (debates, entrevistas entre outros). Ainda criticam o sistema, quando afirmam que este, não privilegia a componente qualidade de ensino mas sim, facilita a passagem dos alunos. Justificando que o sistema impõe as suas normas de funcionamento que não vão ao encontro da realidade da sala de aula. Mas acreditam que o ensino de língua portuguesa no secundário pode “melhorar” se o Ministério da Educação ouvisse as preocupações e sugestões dos professores dando-lhes mais estímulos.

Ainda 8 % pensa que é necessário e urgente fazer a revisão dos programas, dos conteúdos e dos manuais passando pela reciclagem dos docentes, no sentido destes melhorarem as suas práticas pedagógicas.

E 4% defende que o ensino da Língua Portuguesa em Cabo Verde no secundário restringe àqueles cujos pais têm posses, ou seja, àqueles que têm possibilidade a outras fontes de informação e conhecimentos que não seja apenas a escola.

A grande maioria considera que a formação científica e pedagógica que se recebe no ISE (Instituto Superior de Educação) ajuda-os bastante a questionar e a reflectir sobre o ensino da língua portuguesa em Cabo Verde.

Notemos que o número dos professores que considera que a formação que recebeu, o ajuda bastante, é muito superior à dos que pensam o contrário.

Dados relativos à formação científica e pedagógica recebida:

| |% |F |

|Muito pouco |6% |3 |

|Pouco |22% |11 |

|Bastante |60% |30 |

|Muito |4% |2 |

|Não responde |8% |4 |

|Total dos inquiridos |100% |50 |

2.2.1. Propostas de soluções para a melhoria do processo ensino/aprendizagem da língua portuguesa no Ensino Secundário em Cabo Verde:

No que concerne a esta questão, dos 50 professores inquiridos, 10 são da opinião que se deve:

- Criar bibliotecas e mais salas de leitura e outros meios que possibilitam o contacto dos alunos com outras situações de aprendizagem;

- Promover intercâmbio entre as escolas (e mesmo entre turmas), o clube de Língua Portuguesa onde os alunos possam expor as suas ideias com toda abertura;

- Organizar as olimpíadas de Língua Portuguesa, o jornal da escola, troca de livros e outros materiais entre os alunos.

- Discutir e negociar os métodos, as metodologias e as técnicas com os alunos, explicando-lhes as vantagens da aprendizagem e domínio da Língua Portuguesa e que a sua aprendizagem não é uma obrigação, mas sim uma necessidade; fazendo com que se sintam desinibidos ao falar, escrever e ler o Português.

25 dos inquiridos defendem que deve-se:

- Ensinar a língua portuguesa como se fosse língua segunda;

- Reestruturar os manuais, tornando-os mais atractivos, motivadores e organizados (principalmente os do 2º ciclo);

- Continuar a apostar na formação científica e pedagógica dos professores nas instituições e universidades especializadas na matéria;

- Incrementar a formação contínua dos professores através de organismos com sensibilidade na matéria, com o fito de reciclar os formandos, levando-lhes a consciencializar e tornar mais responsáveis e conscientes a ponto de se preocuparem mais com o ensino do português. Tendo em conta que a escola precisa de professores mais reflexivos e flexíveis, inovadores, dinâmicos, possíveis para os adaptar de modo a tornar o ensino/aprendizagem mais interessante e eficaz para os alunos.

- Editar novos manuais com temas mais interessantes que motivam os alunos;

- Elaborar os programas, manuais, materiais didácticos e pedagógicos para colmatar as dificuldades do aluno na aprendizagem da língua portuguesa;

- Criar espaços para o incentivo da leitura;

- Reduzir o número de alunos na turma;

- Mostrar aos alunos a importância do ensino/aprendizagem da língua portuguesa.

❖ Ainda 5 dos inquiridos são da opinião que se deve:

- Estimular o gosto pela leitura nos alunos desde muito cedo (ainda no ensino primário), pois, que através da leitura abrimos o nosso léxico;

- Trabalhar muito a ortografia e a caligrafia no ensino primário, incentivar a participação dos alunos nas actividades lúdicas e da oralidade de forma descomplexada, corrigindo em momento propício os erros de pronúncia;

- Fomentar o gosto pela escrita, enfim, fazer com que a aula de português seja mais prática do que teórica, dando mais autonomia aos alunos no processo de ensino aprendizagem.

- 7 (sete) dos professores inquiridos afirmam que é necessário:

- Disponibilizar e apetrechar as escolas com materiais didácticos necessários e indispensáveis à aprendizagem de português. Trabalhar mais a leitura no 1º ciclo e também criar mais espaços para a oralidade de que praticamente é nula.

- 3 (três) apontam para a necessidade de:

- Implementar o ensino da língua cabo-verdiana nas escolas;

- Adoptar um sistema em que todas as escolas secundárias trabalhariam em sintonia umas as outras, de forma a possibilitar que todos os conteúdos do programa fossem seleccionados e trabalhados da mesma forma, sobretudo da melhor forma possível. Uma vez que, tem se verificado que cada escola trabalha da sua maneira, cada professor como bem entender e que há professores que recusam trabalhar determinados conteúdos, porque não se sentem à vontade;

- Promover uma maior comunicação, troca de experiências e uma certa concertação entre os professores;

- Discutir estratégias, produzir materiais, sugerir actividades que despertam nos alunos maior interesse pela disciplina.

- Rever a metodologia de ensino;

- Fazer com que o português tenha o estatuto de língua segunda;

2.2.2. Análise dos resultados

A grande maioria dos docentes inquiridos está satisfeita com o domínio da escrita e da oralidade por parte dos seus alunos nos 1º e 2º ciclos (7º, 8º, 9º e 10º anos) atribuindo uma classificação de Suficiente.

E muitos afirmam que atribuíram esta classificação mas que os alunos estão muito aquém desta, uma vez que a língua portuguesa ocorre praticamente nas salas de aulas e que os discentes não têm espaços para desenvolver essas competências. Entretanto, nota-se com relativa facilidade, que há aqui uma contradição por parte dos avaliadores, que nós, enquanto inquiridores reservamo-nos ao dever de respeitar. Basta ver que para justificar essa classificação, os docentes apresentaram basicamente as mesmas ou quase as mesmas razões apontadas por aqueles que classificaram de Insuficiente esta mesma modalidade, o que nos deixa um pouco reticentes. Aliás, quase todas as justificações relativas às respostas dadas em relação às mais diversas e distintas questões, apresentam um nível elevado de similitude. A título de exemplo, quase todos os que acharam que o domínio do oral e da escrita do português no ensino secundário está no nível Insuficiente, justificaram em primeiro lugar, com a falta de prática, tanto de uma ou de outra modalidade e o desinteresse por parte dos alunos quanto ao uso da língua, a interferência do crioulo no uso do português, o sistema e o programa que não facilita o professor, (…) ocorrendo, igualmente essas mesmas justificações no rol daqueles que classificaram de Suficiente.

Nota-se de facto que os professores têm realmente a consciência do problema e das dificuldades que enfrentam e que a competência linguística dos alunos no secundário deixa muito a desejar, havendo um longo caminho a percorrer para se chegar ao patamar desejado.

Como se depreende das análises anteriores, um número insignificante dos professores considera esse domínio insuficiente devido à falta de prática e o desconhecimento de noções básicas, tanto da oralidade como da escrita. E ainda acusam o currículo e o programa traçado pelo ministério de pobres, por não proporcionarem aos docentes espaços para o desenvolvimento de outras actividades igualmente importantes para as práticas da oralidade e da escrita. Consequentemente, reconhecem que tal situação provoca grande desinteresse pela aprendizagem por parte dos alunos, não só das modalidades em causa (oralidade e escrita) como da própria língua portuguesa.

Grande parte deles reconhece que essa insuficiência ainda pode estar relacionada com o desaparecimento do ensino normativo da gramática, e o alheamento da escola relativamente à vida dos jovens. Encontramo-nos como que presos numa teia donde não se antevê a saída: de um lado, temos a inexistência de treino que impossibilita a aquisição dos conhecimentos básicos da oralidade e da escrita; do outro, temos os interesses dos discentes que parecem ausentes da escola, ou dito de outro modo, aquilo que esta lhe oferece parece nada lhe dizer e por último, a falta de prática das duas modalidades nas escolas, o programa pouco flexível em termos de espaços para o desenvolvimento de actividades lúdicas; o programa que pouco ou nada incentiva e estimula o ensino da escrita e da oralidade, bem como a própria prática da língua; o ensino da gramática de uma forma implícita e conteúdos repetitivos (7º e 8º), como é possível esperar que os alunos aprendem a ler, falar e a escrever correctamente o português e interessar-se pela aprendizagem do mesmo?

Ainda de acordo com os nossos inquiridos, os desvios mais frequentes, apresentados pelos alunos no uso do português são de natureza sintáctica, concordância verbal (V/sujeito) com 88% de natureza lexical e sintáctica no que diz respeito ao emprego do pronome pessoal reflexo com 82% e Morfo-sintáctica com 84%. E este resultado leva-nos a levantar a seguinte questão: Como é possível falar bem uma língua sem conhecer a gramática desta mesma língua?

Realmente se os alunos não conhecem as regras gramaticais, têm um fraco domínio do léxico, com a falta de prática e meios de ensino/aprendizagem deficientes, não têm como aprender e interessar-se pelo uso do português. Para estes docentes, as causas desses desvios e desinteresse dos alunos pela língua portuguesa, para além dos aspectos apresentados apontam ainda como um dos principais factores, a interferência do crioulo, e o próprio método do ensino desta utilizado em Cabo Verde – o ensino do português como se fosse língua materna.Afirmam ainda que, quando peçam aos alunos que falassem em português durante a aula, muitos preferem não expor as suas ideias, mesmo sabendo que ficam prejudicados, ou então pedem permissão para pronunciar em crioulo. E para muitos é estranho falar o português e sentem-se inibidos e até envergonhados perante tal situação.

Verificamos ainda que 52% dos respondentes estão inconformados com a qualidade e tipos de meios de ensino disponíveis nas escolas, quando afirmam que os existentes pouco estimulam a aprendizagem do português no secundário.Sabendo que as escolas (na sua maioria) dispõem apenas dos manuais “pobres” e poucos atractivos e que não retratam, muitas vezes a realidade dos alunos. Estes deixam claro que os meios como audiovisuais que os ajuda a desenvolver actividades de interesse dos alunos e que contribuem para o desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem dos mesmos são escassos. Mas 46% dos mesmos consideram que a formação científica e pedagógica recebida no ISE ajuda-os bastante a questionar e a reflectir sobre ensino do português. Sendo assim, pensamos que estes estão capacitados e habilitados para aproveitar todo e qualquer meio, no sentido de complementarizar os objectivos propostos e apreensão dos conteúdos, estimulando o ensino/aprendizagem dos alunos. Sabendo que o importante é saber utilizar os meios disponíveis, usando estratégias, metodologias e técnicas variados de modo que possamos tirar o melhor proveito destes.

Quanto à caracterização do ensino do português no secundário (em Cabo Verde), a maioria considera que este está num bom ritmo, e reconhece que é importante que os alunos aprendam o português, de modo que possam comunicar com outros povos. Neste sentido apontam a necessidade de aprofundar a prática da língua portuguesa. De acordo com os dados apresentados, é de se notar que um grande número de professores de português têm formação específica na área e que descutem com maior abertura sobre a vida educativa (métodos, metodologias, estratégias e outros meios de ensino). E isto pode constituir motivo de muita preocupação, tendo em conta os resultados dos questionários dirigidos aos professores, e mesmo as entrevistas realizadas aos alunos.

Para que o ensino do português seja mais eficiente, os inquiridos, eles mesmos (mais de 50%), apontam algumas medidas que devem ser tomadas para o bem do ensino e para o bom uso do português: - estimular o gosto pela leitura nos alunos desde muito cedo; trabalhar muito a caligrafia e a ortografia, estimulando os alunos a participar nas actividades lúdicas; que a escola deve apostar na formação e reciclagem dos professores; que a escola precisa de professores reflexivos e flexíveis, inovadores, dinâmicos, que são capazes de aproveitar os recursos disponíveis para os adaptar de modo a tornar ensino aprendizagem mais eficaz para os alunos.

Muitas outras medidas foram apontadas pelos inquiridos. O que nos leva a admitir que os próprios docentes já têm a consciência das suas limitações e das suas responsabilidades, e por isso, não só apontam as causas do insucesso no ensino/aprendizagem do português e do bom uso do mesmo, como também avançam com propostas de algumas medidas a serem tomadas para o melhoramento da situação. E até criticam o sistema, as escolas, os programas e põe muitas vezes em causa os seus próprios desempenhos quando fazem certas afirmações: - “Professores que recusam trabalhar com um determinados conteúdos porque não se sentem à vontade”, entre outras que podemos observar no capítulo anterior. Esta e outras afirmações levam-nos a acreditar que há falta de concertação e comunicação entre os professores de português em algumas escolas, e que o próprio Minsitério deveria dar mais atenção aos anseios dos professores, ouvindo-os e analisando a suas ideias e pontos de vista com o intuito de melhorar o processo e o próprio resultado.

Os agentes educativos que reponderem as nossas questões, as suas respostas revelam que estes estão disponíveis a se empenharem na resolução daquilo que poderíamos chamar a crise escolar do ensino e uso do português no secundário em Cabo Verde. Mas alguns mostram um certo desespero em verem a situação invertida e vêem de forma muito negativa a aprendizagem e o uso do português nas escolas secundárias por parte dos alunos. Muitas ou quase todas as respostas coincidem, e isto não deixará de significar que os docentes estão conscientes dos problemas perante o estado actual do ensino e aprendizagem e o próprio uso do português, bem como das suas responsabilidades perante o processo e o seu bom uso pelos discentes. Alguma coisa vai mal de facto, sendo urgente intervir nesta área de ensino-aprendizagem.

Relativamente à caracterização dos professores de português que aceitaram responder ao nosso inquérito, e a leccionar no ensino secundário, isto é, nos 1º e 2º ciclos (7º, 8º, 9º e 10º anos) respectivamente, 32% deles são mulheres, 54% têm como habilitações a licenciatura, 12% o bacharelato e 56% formou-se há menos de 15 anos. Trata-se de uma população predominantemente feminina, o que acontece de um modo geral na educação, jovem e curricularmente habilitada.

Podemos assim concluir que os nossos inquiridos têm uma imagem positiva da aprendizagem e uso do português por parte dos seus alunos, de uma forma geral, reconhecem que a situação não é fácil e que a tarefa é de todos os intervenientes do processo, no sentido de colmatar e inverter tal situação. Pelas respostas obtidas das várias questões, acreditamos que a maioria está disposta a empenhar e a dar o seu máximo dentro das suas limitações, no sentido de empreenderem as acções que o programa da disciplina avançar desde que este contém objectivos que irão ser desenvolvidos ou trabalhados no sentido de melhorar o resultado do processo ensino-aprendizagem do português e contribuindo para o seu uso correcto.

2.3. A Interferência do Crioulo no uso do Português em Cabo Verde: Análise de uma entrevista sociolinguística a alunos do ensino secundário

Nas comunidades onde coexistem duas ou mais línguas LO (Língua de origem/ e Língua Alvo) existe, geralmente tendência para que haja um bilinguismo individual, ou seja, a propensão que um indivíduo tem de, na aprendizagem de uma língua estrangeira ou segunda, introduzir a sua língua materna.

A este tipo de influência que designamos de interferência pode, quando há sistemas em contacto, verificar-se a todos os níveis, indo da mais débil reestruturação, o léxico, ao nível gramatical, surgindo em primeira-mão a sintaxe e a morfologia.

Esta situação tem vindo a contribuir para o surgimento, nessas comunidades, de um certo número de desvios à norma, na utilização da língua segunda usada como oficial, contribuindo muitas vezes para o aparecimento de uma futura norma desta mesma língua, mas já identificada com a comunidade.

Por isso, a análise deste fenómeno (interferência) deverá ter em consideração a própria situação de contacto entre as línguas em estudo.

Em Cabo Verde, coexistem duas línguas, a segunda e oficial, este fenómeno está-se também, a verificar pois, assiste-se, hoje em dia, a uma tendência de, na utilização da língua segunda, o português, introduzir a língua materna, sobretudo, a nível lexical com decalques do crioulo transportados para o português.

Longe de nós querer afirmar com isto que este fenómeno esteja a contribuir para a génese de uma norma do português cabo-verdiano, sabendo que a língua de uso veicular quer nas cidades, quer no campo é o crioulo. O português circunscreve-se, a um círculo restrito ou às relações ligada na escola, embora haja casos de desvios.

A interferência surge assim, entre falantes pouco escolarizados ou então no processo de aprendizagem da língua portuguesa.

O fenómeno da interferência linguística da língua materna na aprendizagem da língua estrangeira, constitui motivo de análise de vários linguistas e estudiosos.

Mesmo no caso do falante que domina as duas línguas (Crioulo e Português), “no seu falar bilingue há características originais cujo surgimento é favorecido pelo facto de o falante estar ou ter estado exposto a outra gramática, (…)” ([19])

2.3.1 Levantamento de dados

|Informante |Desvios |Pág. |Linha |

|A |“… li uma histórias muito interessante.” |1 |10 |

| |“… barqueiro lhe disse que é muita pena dele não ter conhecimento…” |1 |15/16 |

| |“… nos tempestades do mar…” | | |

| |“… só os teorias de natação…” |1 |21 |

| |“… sábio lhe perguntou lhe disse...” |1 |24 |

| |“… orgulhoso em que dava saber tudo...” |1 |25 |

| |“… na pergunta em que ele pergunta…” |2 |11 |

| |“… não tinha escola que o sábio tinha…” |2 |14 |

| |“nton o sábio dando em saber tudo...” |2 |22 |

| |“… nton vamos ver que ele…” |2 |23 |

| |“… Deus e ficou nton todo orgulhoso…” |2 |24 |

| |“ao ler histórias encontrei duas disciplina em que…” |2 |27 |

| |“… ciência que nos faz orientarmos no…” |2 |1 |

| |“… o meu moral que eu…” | | |

| |“… em que falamos do Deus…” |3 |6 |

| | |3 |8/9 |

| | |2 |28 |

|B |“sob a organização da escola…” |4 |9 |

| |“… acontece alguns infracções…” |4 |9/10 |

| |“… vida estudantil sempre eu foi boa aluna…” |4 |11 |

| |“… desde da E.B.I....” |4 |11 |

| |“…em termo de materiais escolar…” |4 |12 |

| |“… sempre eu foi apoiada em tudo…” |4 |12 |

| |“… eu não|teve nenhuma dificuldade…” |4 |12/13 |

| |“… em relação as minhas nota…” |4 |13/14 |

| |“… eu sou Ø mais pequena da turma…” |4 |16/17 |

| |“… tenho uma altura mínimo…” |4 |17 |

| |“… eu sou Ø mais baixa da turma…” |4 |17/18 |

|C |“Havia dois compadre…” |5 |2 |

| |“… meteu o braço para roubar…” |5 |2/3 |

| |“… meteu o mon dentro… e foi embora queto…” |5 |3/4 |

| |“… pôr outro compadre para furtar…” | | |

| |“… trazeu galinha… e trazeu conta… |5 |4 |

| |“… disse se eu não era “caboverdiene”… |5 |7/8 |

| |“… fui jogar Ø bola com meus colegas….” |5 |8 |

| |“… fui deitar com Ø meus colegas… |5 |11 |

| |“… que eu saio em lugar nenhum…” |5 |11 |

| |“E Ø meu irmão era dois. |5 |13 |

| |“…Ø meu irmão ficou Ø apanhar azedinha…” |5 |17 |

| |“… e dar ela e ela colocou na boca…” |5 |19 |

| |“… eu levantei fui reto jogar Ø bola…” |5 |19 |

| |“… fui jogar posta no futibol…” |5 |22 |

| |“… ganhei dês a quato…” |5 |22 |

| |“… eles tem relação do comportamento…” |5 |22/2 |

| |“… hoje os pais não façam nada nada disso. Os pais criam-se largados…” |6 |2 |

| |“… meu pai diz que nós vermos televisão…” |6 |3/4 |

| |“Há um importância porqui vimos coisas escolares…” | | |

| |“Vimos notícias…” |6 |6 |

| |“… as meninas fica a fazer troças…” |6 |8 |

| |“… fiquei grande e foi ao Portugal…” | | |

| |“… me matriculou no clubi do Benfica e deu grande jogador.” |6 |9 |

| |“E há pequeno eu viajei de avião…” |6 |17 |

| |“… cou de diversão.” |6 |19 |

| |“… mas depôs di ser…” |6 |19/20 |

| |“… --- minha mãe a vez não tem dinheiro…” | | |

| |“… a pedra foi atirar no telhado/então descemos e ficamos a dar com pedra…”|6 |23 |

| |“… e a pedra quase a panhar ela no pé… |6 |25 |

| | |6 |26 |

| | |6 |29 |

| | |6 |34/35 |

| | | | |

| | |6 |36 |

|D |“… ele diz que nós vermos novela…” |7 |5 |

| |“… porqui devia ter televisão dentro da casa…” |7 |8 |

| |“… porqui nos não sabemos o qui passa lá fora…” |7 |8 |

| |“… telejornal que passa no nossa país…” | | |

| |“… e fui jogar Ø bola em San Lourenço,…” |7 |9 |

| |“… já ouvir falar, em Estados Unidos…” |7 |14 |

| |“… é um país muito… saboroso…” |7 |20/21 |

| |“… tenho muito saudade delas, |quero ver o meu sobrinha…” |7 |22 |

| |“… priferia jornalista porqui eu acho um boa profissão…” |7 |22 |

| |“… os filhos tem -- consciência…” | | |

| |“(…) as meninas de agora não está sério…” |8 |1 |

| |“… elas aranjem três as vezes quatro…” | | |

| | |8 |10/11 |

| | |8 |18 |

| | |8 |18/19 |

|E |“… do que passa a volta do mundo…” |9 |7/8 |

| |“… as minhas familiares gostam…” |9 |21 |

| |“… O mundo através de televisão…” |9 |24 |

| |“… podem conhecer outros pessoas…” |10 |3 |

| |“… conhecer outro cultura…” |10 |3 |

| |“… saber viver com eles antes de lá estás…” |10 |4 |

| |“… algum países que não…” |10 |4/5 |

| |“… alvez eu brinco sim…” |10 |14 |

| |“… quero tirar o curso assim é na engenharia…” |10 |15 |

| |“… os professores gosta de mim…” |10 |18 |

| |“… as matéria são fácil...” |10 |19 |

| |“… porque as minhas familiares ajudam…” |10 |20 |

| |“… nton agora o ambiente…” |10 |32 |

| |“…eu faz ele…” |10 |24 |

|F |“… gostar dos meu estudos…” |11 |8 |

| |“… as minhas disciplina preferidas…” |11 |12 |

| |“… eu gostava que ela falava comigo Inglês.” |11 |15 |

| |“… em Língua Portuguesa apanhei dezoito…” |11 |19 |

| |“… os meu colega são muitos…” |11 |23 |

| |“… os menino estavam sempre a lutar…” |11 |24 |

| |“… eles sempre dentro da sala fica a falar…” |11 |25 |

| |“… sou quieta mais os outro são…” |11 |26 |

| |“… alunos que (…) não deixa a professora…” |11 |26/27 |

| |“… porque eles estava só a falar…” |12 |1 |

| |“… uma relação muito bom com os…” |12 |6 |

|G |“As família no dia…” |13 |8 |

| |“… e também vão a missa…” |13 |9 |

| |“… unimos todos Ø familiares…” |13 |12 |

| |“… fazemos actividade…” |13 |18/19 |

| |“… há aluno que não participam” |13 |24 |

|H |“… quando não estou Ø entender…” |14 |2/3 |

| |“… nos meus tempo livre me cozinho…” |14 |4 |

| |“… faço tudo essas coisa.” |14 |5 |

| |“… prego boas nova…” |14 |7 |

| |“… com as meus irmãs…” |14 |12 |

| |“… eles vão os reunião as vezes.” |14 |12 |

| |“… acto que não pode ser practicadas…” |14 |14/15 |

| |“… os trabalho de casa…” |14 |21 |

| |“… tinha dois filhos / chamava onte e hoje…” |14 |24 |

| |“… tinha dois filhos… / A mãe dele saiu…” |14 |26 |

| |“…Ø Polícia correu e as pessoas perguntou…” |14 |27 |

|J |“… tirar as minha nota.” |15 |4 |

| |“… Nas minhas féria…” |15 |7 |

| |“Quando chega mês que está véspera…” |15 |8/9 |

| |“… ajudo ela a fazer os serviços da casa.” |15 |8 |

| |“… vou para Ø interior passar…” |15 |7 |

| |“… depois sai com Ø amigos…” |15 |10 |

| |“… a noite quando venho assisto telenovela.” |15 |11 |

| |“… um longo de descanso de tudo…” |15 |13 |

| |“… tempo p’ra fazer revisão das aula…” |15 |14 |

| |“… P’ra brincar com alguns amigo.” |15 |14/15 |

| |“Sim as vez queles passam….” |15 |17 |

| |“… pessoas que me passa trabalho…” |15 |18 |

| |“… muito trabalhos…” |15 |20 |

| |“…os trabalho porquê é uma manera…” |15 |21 |

| |“… porque as vez quando não tem trabalho…” |15 |22 |

|L |“… as lição que os professores passa…” |16 |4 |

| |“… vou as veze ver Ø meu avó na horta…” |16 |5 |

| |“… e leva nha mãe p’ra casa…” |16 |6 |

| |“As vez não tão bem…” |16 |8 |

| |“… Passo com Ø meus amigo…” |16 |13 |

| |“… ele está embarcado e não dá p’ra passar com ele…” |16 |14 |

| |“…só se ele encontrar em terra…” | | |

| |“… Se meu pai estava cá na terra eu vou passar com ele…” |16 |15 |

| |“… ajudo Ø minha mãe no deveres/…” |16 |18/19 |

| |“…as veze eles me ajuda no deveres de casa…” | | |

| |“… tenho pirguiça de ir Ø missa…” |16 |20 |

| |“… uma vez estava a estudar bíblia mais larguei…” |16 |21 |

| |“… quando não estou não tem nada p’ra ir lá fazer…” |16 |23 |

| | |16 |24 |

| | | | |

| | |16 |29 |

2.3.2. Sistematização dos dados

|De natureza Sintáctica |Desvios e respectivos contextos |Pág. |linha |

|Concordância Nominal |“… nos tempestades do mar…” |1 |21 |

|(Géneros) |“… só os teorias de natação…” |1 |24 |

| |“…em termos de materiais escolar…” |4 |12 |

| |“… o meu moral que eu…” | | |

| |“… acontece alguns insfracções…” |3 |8/9 |

| |“… tenho uma altura mínimo…” |4 |9/10 |

| |“… há um importância…” |4 |17/18 |

| |“… telejornal que passa no nossa país…” |6 |8 |

| |“…as meus irmãs…” |7 |9 |

| |“… tenho muito saudade delas…” | | |

| |“… quero ver o meu sobrinha…” |14 |12 |

| |“… eu acho um boa profissão…” |7 |22 |

| |“… as meninas de agora não está sério…” |7 |22 |

| |“… as minhas familiares gostam…” |8 |1 |

| | |8 |18 |

| | | | |

| | |8 |21 |

| |“… podem conhecer outros pessoas…” |10 |3 |

| |“… conhecer outro cultura…” | | |

|(Números) |“…eles vão os reunião …” |10 |3 |

| |“… li uma histórias muito interessante…” |12 |12 |

| |“… encontrei duas disciplina em que…” |14 |12 |

| |“… em relação as minhas nota…” | | |

| |“…Havia dois compadre…” |1 |10 |

| |“… algum países que não…” | | |

| |“… as matéria são fácil…” |2 |1 |

| |“… gostar dos meu estudos…” |4 |2 |

| |“… as minhas disciplina preferidas…” |5 |13/14 |

| |“… os meu colegas são muitos…” |9 |2 |

| |“… os menino estavam sempre a lutar…” |10 |8 |

| |“… sou quieta mais os outro são…” |11 |19 |

| |“… uma relação muito bom com os…” | | |

| |“As família no dia…” |11 |8 |

| |“… nos meus tempo livre me cozinho…” |10 |12 |

| |“… faço tudo essas coisa.” | | |

| |“… prego boas nova.” |11 |23 |

| |“… eles vão os reunião as vezes.” |11 |23 |

| |“… acto que não pode ser praticadas…” | | |

| |“… os trabalho de casa…” |11 |24 |

| |“… tirar as minhas nota.” |12 |26 |

| |“Nas minha férias…” | | |

| |“… tempo p’ra fazer revisão das aula…” |13 |6 |

| |“… p’ra brincar com alguns amigo.” |14 |18 |

| |“Sim/ as vez queles passam…” |14 |4 |

| |“… muito trabalhos…” |14 |5 |

| |“… as lição que os professores passa…” | | |

| |“Passo com meus amigo…” |12 |7 |

| |“… ajudo minha mãe no deveres/” |14 |21 |

| | |14 |14/15 |

| | |15 |21 |

| | | | |

| | |15 |4 |

| | |15 |7 |

| | |15 |14 |

| | |15 |14/15 |

| | | | |

| | |15 |17 |

| | |16 |20 |

|Concordância Verbal |“… vida estudantil sempre eu foi boa aluna…” |3 |11 |

| |“… sempre eu foi apoiada em tudo.” | | |

|(sujeito/verbo) |“… eu não teve nenhuma dificuldade…” |3 |12/13 |

| |“E o meu irmão era dois…” |3 |13/14 |

| |“… eles tem relação do…” | | |

| |“… as meninas fica a fazer troças.” |4 |17 |

| |“… fiquei grande e foi ao Portugal…” |4 |2 |

| |“… os filhos tem consciência…” |4 |9 |

| |“(…) as meninas de agora não está sério…” |5 |17 |

| |“… os professores gosta de mim…” | | |

| |“… as matéria são fácil…” |6 |10/11 |

| |“Os meus colega são muitos…” |6 |18 |

| |“…os alunos (…) não deixa a professora…” | | |

| |“… porque eles estava só a falar…” |9 |18 |

| |“… há aluno que não participam...” |10 |19 |

| |“…fazemos actividade…” |10 |23 |

| |“… tinha dois filhos/chamava onte e hoje…” |10 |26/27 |

| |“ Polícia correu e as pessoas perguntou…” | | |

| |“… vou para… depois sai com amigos…” |11 |1 |

| |“… pessoas que me passa trabalho…” |11 |24 |

| |“… as lição que os professores passa…” | | |

| | |12 |18/19 |

| | |12 |24 |

| | | | |

| | |13 |27 |

| | | | |

| | |13 |10 |

| | | | |

| | |16 |18 |

| | | | |

| | |16 |4 |

|Emprego do determinante |“… em que falamos do Deus…” |2 |28 |

| |“Sob a organização da escola…” |4 |9 |

| |“… desde da EBI…” | | |

| |“… em relação as minhas nota…” |4 |11 |

| |“… fui jogar Ø bola com Ø meus colegas…” |4 |16/17 |

| |“E Ø meu irmão era dois.” | | |

| |“…Ø meu irmão ficou Ø apanhar azedinha.” |5 |11 |

| |“… fui deitar com Ø meus colegas…” |5 |17 |

| |“… eu levantei e fui recto jogar Ø bola…” | | |

| |“… porqui Ø meu pai diz…” |5 |19 |

| |“… fiquei grande e foi ao Portugal…” | | |

| |“… fui jogar Ø bola em San Lourenço, …” |5 |11 |

| |“Unimos todos Ø familiares…” | | |

| |“… eles vão as reunião as vezes.” |5 |22 |

| |“…Ø Polícia correu e as pessoas |6 |17 |

| |perguntou…” | | |

| |“…depois sai com Ø amigos…” |6 |14 |

| |“…vou as veze ver Ø meu avó na horta.” | | |

| |“…ajudo Ø minha mãe no deveres/ “ |7 |12 |

| |“…tenho pirguiça de ir Ø missa.” |14 |12 |

| |“… atiraram para janela apanhou |14 |27 |

| |Ø polícia…” | | |

| |“… vou para Ø interior passar…” |15 |10 |

| |“… muito trabalhos…” |16 |5 |

| |“… passo com meus amigo…” | | |

| | |16 |20 |

| | |16 |23 |

| | |15 |7 |

| | | | |

| | |15 |20 |

| | |16 |13 |

| | |15 |17 |

|Morfo-Sintáctica |Desvios e respectivos Contextos |Pág. |linha |

|Modo e tempo verbais |“… ciência que nos faz orientarmos…” |3 |6 |

| |“… disse se eu não era “caboverdiené”…” | | |

| |“… não queriam que eu saio em lugar...” |5 |8 |

| |“… me matriculou no club de Benfica e deu grande | | |

| |jogador…” |5 |13 |

| |“… hoje os pais não façam nada disso…” | | |

| |“… porqui meu pai diz que nós vermos novela…” |6 |19/20 |

| |“Há um importância porqui vimos coisas escolares / vimos| | |

| |notícias…” |6 |3/4 |

| |“… já ouvir falar em Estados Unidos…” | | |

| |“… se meu pai estava na terra eu vou passar com ele…” |7 |5 |

| | | | |

| | |6 |8 |

| | | | |

| | |7 |20/21 |

| | | | |

| | |16 |18/19 |

2.3.3 Análise dos dados apresentados

Através de uma entrevista sociolinguística, concedida por dez (10) alunos que estudam em algumas escolas secundárias da capital (Praia), obtivemos um conjunto de “corpus”. Constatamos que neste ocorrem vários tipos de desvios linguísticos: desvios de natureza sintáctica (concordância nominal); concordância verbal; emprego do determinante), Morfo-sintáctica (Modo e tempo verbais).

Segundo José M. Castro Pinto, “as palavras quer seja no discurso quer na frase, encontram-se relacionadas entre si. E um dos aspectos mais importantes a considerar é a relação de concordância que existe entre frases, entre sintagmas e entre elementos de cada sintagma.”([20]) E esse acordo pode dar-se em género, em número e em pessoa. (…)

De entre os vários tipos de desvios acima mencionados, passamos a analisar em primeiro lugar os de natureza sintáctica, mais precisamente concordância nominal, o mais frequente no conjunto de “corpus” adquirido.

De acordo com Maria Helena Mira Mateus (1983), os nomes flexionam em género e em número. E os especificadores do nome apresentam marcas de género em concordância com os nomes que especificam. Assim, o género manifesta-se em português com morfemas que ocorrem na palavra, e que não depende das propriedades sintácticas ou de estratégias de ilocução.

Sendo assim, os nomes são obrigatoriamente integrados num dos dois grupos – masculino e feminino – por que se distribui a categoria gramatical do género. A marca do género é atribuída basicamente pelo especificador (o, a) ou seja, os determinantes concordam com o nome em género.

Em relação aos desvios presentes no “corpus” em estudo, vê-se que os informantes não obedeceram a regra geral da Língua Portuguesa, quando estes, em vez de “nas tempestades”, dizem “nos tempestades”, adulterando a norma. O mesmo se pode dizer em relação ao desvio cometido em “os teorias”, em que o aluno, apesar de ter respeitado o acordo numeral não levou em conta o género. Sabendo que o léxico “teorias” pertence ao género feminino, automaticamente determina o morfema que lhe antecede, nesse caso ficaria correctamente – “as teorias”.

Segundo a mesma autora, nos possessivos, “o processo deíctico associa-se à função de genitivo (posse): a determinação do nome é dada pelo artigo que o precede obrigatoriamente".([21]) Assim, o desvio identificado na página três (3), linha oito (8), “o meu moral” tanto o artigo “o” como o possessivo “meu”, são marcas que não correspondem ao género do nome que antecede “moral”. Tendo em conta que a palavra “moral” é do género feminino, pode-se dizer que não houve concordância.

Ainda sobre os possessivos de acordo com Maria Helena Mira Mateus, “estes ocorrem sem artigo, quando precedem o nome, apenas em exclamações (ex.: Meu Deus do céu!) ou em formas de tratamento, como por exemplo: - (Meu filho, já te deitaste?).([22]) Neste caso, vê-se que, apesar de os informantes terem cometido os desvios em género, respeitaram em parte a regra determinada pela gramática do português no que diz respeito ao emprego dos possessivos. Vejamos alguns exemplos – “quero ver o meu sobrinha”; “as minhas familiares”; “as minhas disciplina preferidas”.

Também no referido “corpus” sistematizado deparamos com desvios da mesma natureza, mas que tem a ver com concordância verbal (v/sujeito). Também constatamos que os nossos informantes, quando empregam o substantivo precedido de um determinante, normalmente aquele não leva a marca do plural, cometendo assim, desvio à norma da Língua Portuguesa, como podemos constatar em construções: “P’ra brincar com alguns amigos…”; “… em relação as minhas nota…”.

Quanto ao uso dos determinantes artigos, os informantes praticamente não os usaram; como se pode verificar nos exemplos: “…fui jogar bola com meus colegas.”; “…porqui meu pai…” (sic); “Unimos todos familiares…” E podemos encontrá-los em alguns casos, mas contraídas com as preposições, e às vezes mal usados – “…desde da EBI…”; “…em que falamos do Deus…”

De acordo com Magnus Bergstrom e Neves Reis, “numa frase ou numa expressão há acordo em pessoa e número entre o sujeito e o predicado verbal.” ([23]) Tomando em conta essa regra, podemos afirmar que os nossos informantes, na sua maioria, não a respeitaram a regra quando, durante a entrevista cometem vários desvios, como demonstrados nos exemplos das seguintes frases: “… sempre eu foi boa aluna”; “Sempre eu foi apoiada em tudo”, “… eu não teve nenhuma dificuldade…”, entre outros exemplos presentes no capítulo da sistematização dos dados. Pode-se verificar que os informantes não fizeram a concordância de pessoa verbal em relação aos elementos constituintes da frase.

O mesmo se verifica em algumas frases em que não houve concordância numérica entre sujeitos e predicados. Vejamos os exemplos: “… eles tem relação da…”; “os alunos não deixa a professora”; e que correctamente ficaria “os alunos não deixam a professora”. Ainda podemos constatar outros exemplos: “os filhos tem a consciência…”, “os professoras gosta de mim…”. Estes são alguns exemplos dentre vários verificados na fala dos vários entrevistados.

A Morfo-sintaxe, sendo a parte da gramática que analisa a estrutura interna das palavras (morfologia), as frases nos seus constituintes e as regras que determinam a boa formação de frases, sabendo que estes são componentes indispensáveis para o funcionamento de uma língua, podemos afirmar que nos dados recolhidos, identificamos alguns desvios nesta área, mais precisamente o do emprego dos verbos num segmento frasal.

Durante o levantamento pode-se constatar que os modos e tempos verbais são dificuldades comuns a todos os informantes. Este tipo de desvio foi notório, em verbos diferentes durante a fala dos vários informantes entrevistados. Como por exemplo, na sequência, “vimos coisas escolares… vimos notícias”, o informante usou uma forma verbal não existente na língua “vimos”, em vez de “vemos”. Pode-se afirmar que o informante não conseguiu distinguir os verbos “vir” e “ver” e acabou por não usar nenhum dos dois.

A realização incorrecta “eles queriam só ir para a escola” é feita incorrectamente no contexto, ou seja, realizou-se esta forma no pretérito imperfeito em vez de presente “querem”.

Nota-se ainda que, na linguagem dos informantes há uma tendência para a não realização do futuro, o que leva muitas vezes a troca de verbos de natureza diferentes. Vejamos a realização “… deu grande jogador…” num contexto em que o informante queria dizer”… seria um grande jogador…” ou darei um grande jogador…”, “dar” no sentido de “ser”. A forma do presente “deu” substituiu o futuro “serei”, nesse caso.

Semelhante desvio se verifica também com o pretérito de alguns verbos que às vezes é realizado no presente; “porque ele diz…”. Sabendo que de acordo com as regras do discurso indirecto exigia-se o pretérito.

Verificamos ainda que a realização do modo conjuntivo é rara durante o discurso dos informantes. Nota-se que quando tentam realizá-lo, empregam-se o indicativo ou o infinitivo. É o caso de “… Se ele perdeu…”, “pôr outro compadre a furtar”, “não queria que eu saio…”, ou ainda o pretérito “se eu não era caboverdiéne”, “se meu pai estava… eu vou…” O conjuntivo presente “não façam” foi realizado num contexto idêntico as outras falhas; o informante empregou o verbo fazer no modo imperativo negativo, sabendo que de acordo com o contexto deveria ficar no presente do indicativo “fazem”.

Em relação ao pretérito perfeito, também em alguns dos casos é mal empregado no contexto da frase, substituindo-o para o infinitivo; exemplo “já ouvir” em vez de “já ouvi”. “… eles tem relação do…”, em vez de “… eles têm relação da…”; “… as meninas fica a fazer troças…”, o que correctamente ficaria “… as meninas ficam a fazer troça”. Isto tendo em conta o contexto da frase. Ainda podemos constatar outros exemplos: “os filhos tem a consciência…” “… os alunos não deixa a professora…. Estes são alguns dentre vários exemplos que verificamos nas falas dos nossos informantes.

Segundo Bergstrom, “nas expressões, há acordo em género e número entre o artigo (e/ou pronome), substantivo e adjectivo”. Tendo em conta essa norma, os informantes, para além de cometerem desvios em género, também cometeram o mesmo em relação ao número.

Assim, o desvio identificado na página 4ª linha 13/14, “…as minhas nota…”, tanto o determinante artigo “as” como o possessivo “minhas”, são marcas que não correspondem ao número do nome ou substantivo que antecede – “nota”. Sabendo que a palavra “nota” não tem a marca do plural. E, respeitando a regra, a expressão em causa ficaria correctamente “… as minhas notas”. Esta é apenas um dos exemplos dentre vários que passamos a citar: “… as minhas discipina preferidas.”, “…os meu colegas são muitos…”, “… tirar as minhas nota.”, “P’ra brincar com alguns amigo.”, “Passo com meus amigo…”, “… fazer revisão das aula…” (…)

No que concerne ao acordo entre o substantivo e o adjectivo, de acordo com Castro Pinto, quando o adjectivo caracteriza um único nome, este concorda com ele em género e número. Isto é, se o substantivo se encontra no singular o adjectivo que o modifica vai para o singular. Regra que alguns dos informantes desrespeitam e que estão presentes nas suas falas. Eis alguns exemplos: - “… acto que… ser praticadas.” Neste exemplo, para além de não respeitarem a norma do número também não respeitaram a do género, sabendo que o léxico “acto” que está a ser qualificado, pertence ao género masculino e praticadas ao género feminino. Citando ainda um outro exemplo que ilustra o não cumprimento da regra – “…disciplina preferidas.” Ainda no que diz respeito à concordância do adjectivo com o nome segundo o mesmo autor, o adjectivo “quando caracteriza vários nomes do mesmo género, vai obrigatoriamente para o plural”: ([24]) e se repararmos os informantes também não obedeceram tal regra de concordância, quando estes em vez de “materiais escolares”, dizem “materiais escolar”.

Nota-se ainda que, a maioria dos alunos entrevistados, principalmente os do 1º ciclo, por não possuírem ainda um certo nível de vocabulário da língua portuguesa, usam com frequência termos crioulos, num tom aportuguesado, gerando assim interferência da língua cabo-verdiana na língua portuguesa, ao comunicar em português. Pode atribuir-se tal facto ao hábito do uso corrente da língua materna. E quando escrevem ou falam em português cometem erros do tipo:”trazeu galinha”, “quero tirar o curso assim é na engenharia”.

Isto quer dizer que esses alunos não conhecem ainda todas as regras da língua portuguesa, mas que já se apropriaram de algumas regras linguísticas mais gerais. Por exemplo, numa construção verbal como ele “trazeu” aplicou-se, por analogia, a regra adequada a uma outra forma verbal, a de ele “bebeu”, verbo regular.

Também na formação de frases”quero tirar o curso assim é na engenharia”, …eu levantei e fui recto jogar bola…” nota-se que estas foram organizadas de acordo com a estrutura frásica oral da língua materna.

2.3.4. Possíveis explicações para as causas dos desvios

Após uma análise cuidada do “corpus”, algumas questões se colocam: O que é que está na base desses desvios? Que quota-parte de responsabilidade cabe aos professores actores do processo do ensino/aprendizagem?

Quanto a nós, as causas desses desvios são múltiplas começando pela política linguística definida no currículo, passando pelo recrutamento do pessoal docente, uso inadequado dos meios de apoio complementados como as que a seguir vamos apontar:

1 - Ensino do português como se fosse língua materna;

2 - Fraco domínio do português por parte dos docentes;

3 - Aprendizagem errada das estruturas do português;

4 - Deficiente definição da política do ensino, do português pelas autoridades;

5 - Deficientes meios de ensino, com maior incidência no ensino básico;

6 - Atribuição ao professor de português a responsabilidade exclusiva do ensino de língua portuguesa;

A situação social em que os informantes se encontram inseridos, não lhes permite o contacto com a língua portuguesa, a não ser no espaço escolar. Não podemos ignorar contudo, o contexto social em que a língua se formou, muito menos a importância que ela representa no sentir e no ser do cabo-verdiano. Isto significa que o aluno, ao comunicar com os professores, colegas e amigos em português pensa e estrutura a sua ideia em crioulo, traduzindo-a para o português mentalmente e só depois a expressa. Esse exercício longo e penoso dificulta a aprendizagem e a comunicação e, consequentemente, facilita os desvios ou mesmo a interferência. Por outro lado, a comunicação em língua portuguesa, para além de ser pouco estimulada é reprimida pela sociedade que a considera como um acto de “exibição”, mesmo para aqueles que têm o domínio da língua.

No que tange aos desvios de concordância de género nominal referido anteriormente, estes ocorrem com frequência, uma vez que o aluno não tendo o domínio oral da língua portuguesa, sente-se inibido a usá-la para evitar represálias por parte do professor, mesmo pelos colegas e amigos. Este tipo de desvio pode ainda ser explicado pela ausência de concordância de género na língua cabo-verdiana que segundo Manuel Veiga, este não existe, “havendo apenas a marca do sexo que se confunde com a identidade do substantivo quando pertencente à classe dos seres animados”. ([25]) E nestes casos, acrescenta o estudioso, registam-se alguns graus (aumentativos e diminutivos) no sentido de reforçar os poucos casos de flexões nominais existentes.

Quanto à marca do número (plural em geral), de acordo com o mesmo autor, raramente é uma desinência, ou seja, este é indicado por um “quantitativo”, que pode ser um numeral, um adjectivo ou um colectivo. E geralmente “utiliza-se uma única marca, tendo em conta que o Crioulo é uma língua sintética".([26]) Esta falta de concordância também se verifica entre determinante e nome. Relativamente ao uso deste na Língua Cabo-verdiana, o mesmo autor afirma que “quando, o substantivo é precedido de um determinante, normalmente apenas este leva a desinência do plural:” ([27]).

Quanto à não utilização do artigo definido podemos considerar que isto deve-se ao facto deste praticamente não existir em Crioulo, atendendo o mesmo autor e o aluno uma vez familiarizado com a língua materna, de uma forma natural e inconscientemente ao utilizar a língua portuguesa, deixa-se influenciar cometendo desvios à norma geral da língua em causa (Portuguesa).

Também ao longo da análise deparamos com o problema da falta de concordância na produção da língua portuguesa entre o sujeito e o verbo, causando erros sistemáticos na construção das frases.

Exemplos: “…eles têm relação do comportamento…”; “…as meninas fica a fazer troças”. “Os professores gosta de mim.”

Em Língua Cabo-verdiana, de acordo com Manuel Veiga, o verbo não tem flexão de pessoa ou número, pelo que essa concordância não existe e o verbo se mantém sempre invariável. Este facto pode estar na origem da causa dos referidos erros.

Ainda a deficiente formação dos professores e alguma negligência por parte de outros, pode propiciar uma má aquisição da língua desde os primeiros dias de aprendizagem. Aliás muitos docentes de outras disciplinas embora usem o português como o veículo de transmissão de conhecimentos, não colaboram com o seu uso correcto dentro da sala de aula, alegando ser tarefa exclusiva dos professores da Língua Portuguesa, dando azo ao nascimento de muitos erros (e os alunos fossilizam-no). Outros porém, nem sequer exigem o uso do português dentro da sala de aula, o que para nós constitui um absurdo.

Outro problema que consideramos gravíssimo e que pode estar por detrás desses desvios está ligado à política curricular, ao sistema e ao programa de ensino de Língua Portuguesa que sendo ensinada como se fosse língua materna do aluno, poderá agravar ainda mais a situação.

2.3.5. Propostas de solução

Feita a análise do “corpus”, inventariados algumas das causas que a nosso ver tem dificultado a aprendizagem e uso correcto da Língua Portuguesa em Cabo Verde, estribados no manancial de experiência que temos no ensino local, podemos avançar com algumas sugestões que, do nosso ponto de vista são adequadas e justas e podem ajudar na melhoria desse processo, apesar de não sermos especialista na área.

Por conseguinte, somos de opinião que:

1- A oficialização da Língua Cabo-verdiana é urgente;

2- O governo deve investir na formação de linguistas e de professores e na produção de materiais didácticos, para que o ensino das línguas Cabo-verdiana e Portuguesa seja feito da forma mais adequada possível, segundo os modernos métodos de ensino das línguas primeira e segunda, de forma a acabar com interferências negativas resultantes do falso bilinguismo;

3- O professor deve estimular o ensino do português através da Língua Cabo-verdiana;

4- O governo deve reconhecer a real necessidade de institucionalizar a Língua Cabo-verdiana como língua de ensino;

5- É necessário fazer um ensino eficiente dessas duas línguas importantes para o desenvolvimento humano e do país, levando os nossos educandos a conhecer e a distinguir as suas semelhanças e diferenças.

6- O governo deverá reconhecer a necessidade de investir na formação didáctica pedagógica, cultural e científica, por parte dos futuros professores da Língua Cabo-verdiana, levando com que os mesmos adquiram uma certa competência linguística quer da língua materna quer da língua oficial;

7- O professor, sempre que entender necessário, deverá recorrer à língua cabo-verdiana para se fazer entender com mais clareza aos seus alunos, tendo sempre presente as fronteiras entre as duas línguas para melhor ensinar;

Atendendo a nossa realidade, em que muitas vezes o primeiro contacto com o português se dá numa sala de aula, ao professor cabe uma responsabilidade muito grande. Responsabilidade essa de criar condições propícias à aprendizagem de uma língua totalmente desconhecida, sem no entanto desrespeitar a língua do aluno. Pelo contrário, deve-se, estimular a aprendizagem da segunda através da primeira. Porém, o professor como “gerenciador” do processo, deve levar em conta o tipo e o nível de aluno que tem, ou seja, o seu background de modo que ele possa conduzi-lo competentemente e habituá-lo a utilizar a referida língua, correctamente.

Muitas vezes, os próprios docentes inibem a aprendizagem do português, levando os alunos a cometerem desvios de vários tipos, como por exemplo, a mistura de estruturas das duas línguas e vários outros cometidos pelos informantes entrevistados.

Nesta óptica, impõe-se ao professor um conhecimento bastante alargado das estruturas de ambas as línguas de forma a poder oferecer um ensino dotado de mais excelência e qualidade.

CAPÍTULO III

3. Considerações finais

Ao longo deste trabalho, as pesquisas efectuadas permitem-nos chegar à conclusão de que, com efeito, a língua portuguesa desempenha um papel fulcral no processo ensino/aprendizagem em Cabo Verde, embora grande parte das dificuldades enfrentadas tanto a nível da oralidade como da escrita fiquem a dever-se ao facto de o crioulo, enquanto língua que se aprende desde o rol do berço, ser uma língua em que se recorre nas mais diversas situações e contextos comunicativos na vivência do quotidiano. Deste modo, não é difícil concluir que a sua interferência constitui uma das principais causas do insucesso na aprendizagem.

Não obstante, torna-se, igualmente, tão necessário quanto importante a valorização da nossa língua materna para que o ensino em Cabo Verde se efectue sem grandes rupturas com a educação sócio-familiar dos nossos educandos.

Neste caso, é muito importante que se criem condições apropriadas que despertem o interesse dos discentes pela competência comunicativa, desde a formação e reciclagem dos professores até aos materiais didácticos, contribuindo assim para um ensino que se quer cada vez mais eficaz.

Mencionamos ao longo do nosso trabalho alguns aspectos que merecem atenção de todos quantos se dedicam ao ensino/aprendizagem do português como língua segunda.

Verificamos também, que dos professores inquiridos, muitos possuem a consciência de que o português não tem muito espaço na vida dos estudantes, e que este restringe-se apenas às salas de aula. Mesmo neste particular, reconhecem que nas escolas há pouca prática dessa língua, tanto a nível da oralidade como da escrita.

E que o crioulo ganhou muito mais espaço particularmente na vida dos alunos e dos Cabo-Verdianos em geral. Aliás, hoje tornou-se comum a prática dessa língua não só no seio familiar, como também em alguns serviços, repartições, convívios, manifestações culturais, nalgumas comemorações ou mesmo em certos actos públicos.

Também, através do inquérito reconhecemos que o ensino do português em Cabo Verde pelas suas características é heterogéneo, necessitando de alguns recursos para que o ensino/aprendizagem da língua seja de qualidade. Heterogéneo porque cada um tem a sua metodologia, a sua estratégia, tentando cumprir o programa traçado pelo ministério, na íntegra.

Verificamos que tantos os professores inquiridos em São Vicente como os inquiridos na Praia, têm uma opinião consentânea acerca dos problemas que afectam o ensino/aprendizagem da língua portuguesa no arquipélago, pelo que não houve diferença em relação às propostas por eles apresentados, com vista a uma possível solução para a melhoria deste problema.

No concernente às entrevistas efectuadas aos alunos, concluímos que estes possuem grandes dificuldades em comunicar em português, cometendo desvios de vária ordem, merecendo por isso uma atenção especial tanto por parte do professor como do próprio Ministério da Educação, no sentido de adoptar medidas urgentes e necessárias para inverter a situação.

Ainda através da entrevista, verificamos que existem sérios problemas comunicativos na língua oficial, interferências e desvios à norma, principalmente a nível oral apesar da sua frequente utilização a nível da comunicação social levada a efeito quer através dos médias, quer através dos espaços do ensino e da administração.

Não é menos relevante sublinhar que os desvios mais frequentes são de ordem sintáctico-lexical (género nominal), de natureza sintáctica (concordância verbal).

Apesar de alguns constrangimentos encontrados ao longo deste trabalho, principalmente na realização de entrevistas e inquéritos, conseguimos ultrapassá-los, desenvolvendo no espírito dos colaboradores a motivação e o incentivo de quão importante eram seus contributos para o bem do ensino da língua portuguesa em Cabo Verde.

O que apreendemos é muito mais do que aqui ficou manifesto. Tendo em conta que as pesquisas, os inquéritos e as entrevistas realizadas ao longo desta tarefa levaram-nos a reflectir mais sobre a problemática do ensino do português em Cabo Verde, o que nos leva a tornar um profissional cada vez mais responsável, trabalhando com mais atenção, interesse e preocupação com a classe.

Deste modo, gostaríamos de dizer que foi, incontestavelmente um trabalho de extrema importância para nós, uma experiência interessante e gratificante.

Esperemos que este trabalho contribua de alguma forma para a consciencialização dos professores pela difícil e nobre tarefa, no sentido de como orientar os seus alunos a obter sucesso neste processo.

3.1. Referências Bibliográficas:

• Bergstrom, Magnus, et alii. Prontuário Ortográfico e Guia de Língua Portuguesa. 36ª Edição. Editorial notícias. 1999.

• Boletim De Propaganda e Informação. Publicação da Imprensa Nacional. Ano X. Nº 113. Praia Fevereiro de 1959.

• Boletim De Propaganda E Informação. Publicação da Imprensa Nacional. Ano X. Nº 116. Praia. Maio de 1959.

• Castro, Rui Vieira de e Sousa Maria de Lourdes. Linguística e Educação. Edições Colibri. Lisboa. Maio de 1998.

• Carreira, António. O Crioulo de Cabo Verde – surto e expansão. Mem Martins. 1982.

• Duarte, Dulce Almada. Bilinguismo ou Diglossia? Spleen Edições. Mindelo. 1998.

• Ferreira, Manuel. A aventura crioula. Plátano editora.3ª Edição revista. 1967.

• Fragmentos – Revista de Letras Artes e Cultura. Nºs 11/15. Dezembro de 1997.

• Galisson, Robert & Coste, Daniel. Dicionário de didáctica das línguas. Livraria Almedina. Coimbra. 1983. Tradutores: Adelina Angélica Pinto e Custódio Lopes dos Santos.

• Grande Dicionário Enciclopédico. Verbo. 1º volume. Editorial Verbo. Lisboa/São Paulo. Fevereiro de 1997.

• Hub, Faria, Isabel et alii. Introdução à Linguística Geral e Portuguesa. Edições Caminho. 1996.

• Mateus, Maria Helena Mira et alii. Gramática da Língua Portuguesa. Livraria Almedina Coimbra – 1993.

• Medina, Daniel. Terminologia dos Mass media, Universidade Nova de Lisboa. Tese de Mestrado em Linguística. 2003

• Pereira Dulce et alii. Atlas da língua portuguesa na história e no mundo. Edição nacional casa da Moeda EP. Lisboa. 1992.

• Pinto, José Maria De Castro et alii. Gramática do português Moderno. Plátano Editora. 3ª Edição. Janeiro de 1998.

• Pinto, José Maria de Castro. Gramática do Português. Plátano Editora. 3ª Edição. Dezembro 1999.

• República de Cabo verde (1990). Lei de Bases do Sistema Educativo. Lei nº 103/III/90 de 29 de Dezembro. Suplemento ao Boletim Oficial da República de Cabo Verde. Nº 52.

• Rodolphe Ghiglione, Benjamim Matalan. In o inquérito, Teoria e Prática. Oeiras. Editora Celta. 2ª Edição. 1993.

• Veiga, Manuel (1995). Introdução à Gramática do Crioulo. ICL. 1ª Edição.

• ----- A construção do Bilinguismo. Edição Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro – Praia. 2004.

• I Colóquio Linguístico sobre o Crioulo de Cabo Verde. 1979.

• minedu.cv

Anexos

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[1] Dulce Almada Duarte, Pág. 133

[2] Rui Vieira Castro, Linguística e Educação, pág. 111

[3] Idem - pág. 123

[4] Idem

[5] Manuel Veiga, A Construção do Bilinguismo, Pág. 120.

[6] Manuel Veiga, O crioulo de Cabo Verde – surto e Expansão, Pág. 12.

[7] Isabel Hub Faria e outros, Op. Cit., pág. 141.

[8] Dulce Pereira, In Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo.

[9] Isabel Hub Faria et alii, Introdução à Linguística geral e Portuguesa Op. Cit. Pág. 525, 526.

[10] Cabo Verde, Boletim de Propaganda e Informação, nº 116, Pág. 15.

[11] I Colóquio Linguístico Sobre o Crioulo de Cabo Verde, pág. 18.

[12] Cabo Verde, Boletim de Propaganda e Informação, nº 113, Pág. 30

13 I Colóquio Linguístico Sobre o Crioulo de Cabo Verde – pág. 31

14 I Colóquio Linguístico sobre o Crioulo de Cabo Verde, 1979 – pág. 32

[13] Idem.

16 Manuel Veiga, Dialectologia e Bilinguismo, Pág. 9

17 Dulce Duarte, Proposta de bases para o Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana, Pág.39

([14]) Lei nº 103 /III / 90, de 29 de Dezembro, 1º Suplemento ao B.O. nº 53/90, de Dezembro.

([15]) Isabel Hub Faria, Introdução à Linguística Geral e Portuguesa pág. 515.

[16]José M. Castro Pinto, Gramática de Português, Pág. 201

[17] Maria Helena Mira Mateus et alii, pág.259

[18] Idem

[19] Magnus Bergstrom e Neves Reis, Prontuário Ortográfico e Guia de Língua Portuguesa, Pág. 1

[20] Castro M. Pinto, Gramática de Português, Pág. 206

[21] Manuel Veiga, Introdução à Gramática do Crioulo, pág.139

[22] Idem pág. 139

[23] Idem pág. 140

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