ASPECTOS TRABALHISTAS DA NOVA LEI DE FALÊNCIAS Paulo ...

85

ASPECTOS TRABALHISTAS DA NOVA LEI DE FAL?NCIAS

Paulo Ara?jo*

Fa?o uma primeira e sum?ria leitura da atual lei de fal?ncias, ? procura dos aspectos trabalhistas dela.

1 - A Lei tem o n?mero 11.101, ? de fevereiro de 2005, com vig?ncia para 120 dias ap?s a publica??o, e substitui o cl?ssico e vetusto Decreto-lei n. 7.661, de 1945 e suas altera??es e atualiza??es que at? ent?o regularam a mat?ria. Visando o legislador n?o s? aglutinar as altera??es espalhadas em diplomas legais ao longo do tempo, como, principalmente, atrav?s de uma norma nova e atual, promover sua adequa??o aos progressos do direito, j? alvo de id?nticas revis?es de conceitos, institutos e programas pol?ticos noutros setores dele, como ocorreu no constitucional, direito civil, de consumo e outros.

Segue, por isso, a tend?ncia atual, j? manifestada no C?digo Civil, do Consumidor e noutras leis recentes, de ado??o das novas figuras e quest?es jur?dicas surgidas no campo do direito, com abandono do radical positivismo jur?dico e da centraliza??o excessiva no individualismo, no patrimonialismo e no direito real e das coisas que dominou a cena jur?dica por centenas de anos at? a metade do s?culo XX, alterando-se o foco agora em favor mais ou tamb?m dos interesses sociais, pl?rimos, p?blicos, dos direitos das minorias, coletivos e gerais e de processos mais simples, ?geis, c?leres e, principalmente, efetivos, como vem sendo a t?nica das altera??es legislativas.

Incorporando as pessoas do empres?rio e das sociedades empres?rias simples ou mais complexas, em lugar da limita??o ? empresa como tal e como unidade aut?noma e distinta das demais que componham grupo ou da figura do s?cio, quest?es tormentosas e que j? vinham sendo adiantadas na jurisprud?ncia trabalhista, que se antecipou em muito ao legislador, vencendo as limita??es inconceb?veis da canhestra no??o de grupo econ?mico contida na CLT e que, como evolu??o jur?dica, j? est?o tamb?m inseridas no C?digo Civil atual, que, ainda e com o mesmo esp?rito, encampou a mat?ria comercial.

2 - Contempla as tamb?m novas figuras da recupera??o judicial e extrajudicial, em substitui??o ? concordata, ao lado da fal?ncia, que agora, em vez da meta quase l?gica e fatal do processo, passa a ser a sua conseq??ncia mais dr?stica e final, menos desejada e apenas adotada depois de esgotadas as demais.

Como est? explicitado no art. 47 da lei, o novo figurino legal:

...tem por objetivo viabilizar a supera??o da situa??o de crise econ?micofinanceira do devedor, a fim de permitir a manuten??o da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preserva??o da empresa, sua fun??o social e o est?mulo ? atividade econ?mica.

* Juiz do TRT, aposentado.

Rev. Trib. Reg. Trab. 3? Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.85-96, jan./jun.2005

86

Ou no art. 75:

A fal?ncia, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utiliza??o produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intang?veis, da empresa.

Metaforicamente, pois, enquanto pela lei anterior, as empresas insolventes que chegavam aos tribunais agonizantes iam logo sendo tratadas como j? em estado terminal, postas em UTI processual para legitimar a morte ou por vezes at? submetidas a dr?sticas e legais eutan?sias, a dire??o nova dada pelo legislador ? de busca de solu??es que preservem ao m?ximo o neg?cio e atenda ao interesse econ?mico, social e das coletividades envolvidas, abrangidas ou atingidas por aquele empreendimento.

At? ent?o, o comerciante insolvente era quase que impiedosamente submetido ? quebra radical, alijado do mercado com encerramento abrupto de atividades e antiecon?mica arrecada??o e venda ao correr do martelo, desvalorizadamente, do patrim?nio, para o rateio poss?vel, ficando cada qual com seus inevit?veis preju?zos e pouco se incomodando o Estado com as repercuss?es daquilo na comunidade, na economia e na quest?o social local.

Assemelhando-se a pirataria ou atos de rapinagem final dos cad?veres econ?micos.

A nova lei pretende gerir as coisas de modo diferente e atender ?s exig?ncias sociais e econ?micas em vez de simplesmente organizar a quebra e alijar do mercado de uma s? vez a empresa insolvente.

Teve-se, pois, o fim da concordata e a cria??o do mecanismo de recupera??o de empresas insolventes, mas san?veis financeira ou economicamente, podendo ser realizada de dois modos, extrajudicial ou judicial.

No modo extrajudicial, permitido agora pela lei em determinados casos, para que os pr?prios empres?rios e seus credores civis e mercantis encontrem solu??o negociada, incentivando a autocomposi??o do conflito antes do recurso ao Judici?rio, que corre mais informalmente, os pr?prios credores formam uma assembl?ia, na qual discutem um plano de recupera??o que permita a continuidade do neg?cio e o pagamento de todos. Sendo apenas o plano assim negociado submetido ? aprova??o do juiz que seria competente para a fal?ncia ou recupera??o judicial, a fim de adquirir efic?cia jur?dica. Estando sujeito, nessa fase, ao controle de legalidade pelo Minist?rio P?blico e pelo Juiz, bem como aos recursos pr?prios.

Na permiss?o para sua ado??o n?o entram, por?m, as d?vidas trabalhistas e decorrentes de indeniza??es por acidente de trabalho e as tribut?rias, entre outras, expressamente excepcionadas no ? 1? do art. 161 que trata do tema na Lei. D?vidas que continuam, por isso, sujeitas aos processos e execu??es pr?prios nos ju?zos competentes.

Aspecto no qual, no Judici?rio trabalhista, j? se adotam, dentro do sentido de avan?o social e pioneirismo jur?dico que o caracteriza, acordos que, preservando os cr?ditos dos empregados e ex-empregados, n?o inviabilizem a continuidade do neg?cio, permitindo que empresas quitem os valores devidos, quando muito elevados, sob a forma de aportes mensais em valores fixos ou vari?veis, que v?o sendo distribu?dos entre os credores na forma aceita, at? a final e definitiva quita??o

Rev. Trib. Reg. Trab. 3? Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.85-96, jan./jun.2005

87

de todos, evitando execu??es mais dr?sticas e danosas, que se atropelem, disputem os mesmos despojos ou redundem em preju?zos indesej?veis, como de venda de bens por pre?os abaixo do mercado e despatrimonializa??o do empreendimento etc. Mas esse ? um aspecto do processo trabalhista din?mico e atual, n?o tendo vincula??o com a lei falimentar ora em leitura, nem com a figura das recupera??es extrajudiciais.

No modo judicial, est?o sujeitos a ela "todos os cr?ditos existentes na data do pedido, ainda que n?o vencidos" (art. 49).

E nessa ? permitida "redu??o salarial, compensa??o de hor?rios e redu??o da jornada, mediante acordo ou conven??o coletiva" (art. 50-VIII).

3 - E consagra, como aspecto e avan?o positivos, a participa??o ativa dos credores e dos empregados em todo o processo, atrav?s da Assembl?ia Geral e do Comit? de Credores, em lugar da antiga participa??o exclusiva do juiz da fal?ncia e do s?ndico da massa falida, que mantinham a fal?ncia como mero ato burocr?tico do Estado, deixando de fora do procedimento precisamente os maiores interessados e prejudicados.

Este sendo um ponto no qual sempre sustentei que os sindicatos dos trabalhadores deveriam ter participa??o ativa, deliberativa e fiscal, inclusive, sobre o processo falimentar, uma vez que a quebra envolvia sempre interesses sociais e econ?micos dos empregados que, apesar disso, nunca tinham participa??o no processo.

Agora, n?o s? os sindicatos, como os pr?prios empregados, participam, al?m dos demais credores. O que ? not?vel avan?o no sentido de transpar?ncia e legitimidade do processo de fal?ncia.

Se as novidades, e a amplia??o do grupo de participantes do processo, resultar?o tamb?m em benef?cios quanto ao reto caminho a ser trilhado, ? melhor solu??o da quest?o e ? celeridade do processo ou, ao inverso, a inclus?o de tantas e tais pessoas criar? novas burocracias, conflitos processuais e utiliza??o de recursos id?neos ou protelat?rios, s? a pr?tica dir?. Cabendo aos ju?zes, advogados e Minist?rio P?blico e aos pr?prios interessados e participantes a consci?ncia e a??es efetivas para que ocorra apenas o melhor e n?o se descambe para o pior cen?rio.

Cabe evitar tamb?m a possibilidade agora de politiza??o das fal?ncias, com a interfer?ncia sindical, que n?o deve e n?o pode levar para esse campo as eventuais manobras de lutas internas de poder ou de guerra entre sindicato e empresa.

Todos esses aspectos, sendo o grande arcabou?o geral dessa lei de fal?ncias, com os estudos e disseca??o profunda a cargo dos especialistas, aqui apenas mencionados como pre?mbulo, uma vez que o roteiro de estudo ora proposto busca, como fixado, apenas o que nela afeta ao direito do trabalho. No que podemos ver:

4 - Aplica??o. O art. 192 da nova lei exclui da sua reg?ncia os processos falimentares ajuizados at? a v?spera da sua vig?ncia, aos quais n?o se aplica e que permanecer?o tramitando at? o final sob a lei substitu?da, salvo o previsto no ? 4? desse artigo.

Rev. Trib. Reg. Trab. 3? Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.85-96, jan./jun.2005

88

Sendo este j? um primeiro dado a ser observado pelos que militam com processos trabalhistas vinculados ? fal?ncia do devedor. Atentando que ? a data da apresenta??o do pedido falimentar que definir? a norma legal e o rito processual de reg?ncia das quest?es jur?dicas envolvidas.

5 - Exclus?es. As institui??es que n?o se sujeitam ? fal?ncia, mencionadas no art. 2?, abrangidas que s?o por outras formas legais de encerramento an?malo, como liquida??es extrajudiciais por ?rg?os fiscais do Poder Executivo de bancos e financeiras, cooperativas etc continuam tendo, quanto ?s a??es e execu??es trabalhistas, o mesmo tratamento de antes, j? bem sedimentado na doutrina e na jurisprud?ncia desse ramo judicial, no que diz respeito ? compet?ncia (em raz?o da pessoa, mat?ria e lugar), necessidade de habilita??es ou prosseguimento das execu??es, cabimento de multas morat?rias ou penais e de juros etc.

6 - A compet?ncia para processar a fal?ncia continua sendo a do lugar do principal estabelecimento do devedor insolvente no pa?s (art. 3?), n?o havendo, portanto, altera??o alguma quanto aos procedimentos na esfera trabalhista para as habilita??es e demais quest?es que disso decorram.

A compet?ncia para os crimes falimentares, ainda que cometidos em processos trabalhistas, ? do ju?zo criminal, como est? fixado de modo expresso no art. 183 (Compete ao juiz criminal da jurisdi??o onde tenha sido decretada a fal?ncia, concedida a recupera??o judicial ou homologado o plano de recupera??o extrajudicial, conhecer da a??o penal pelos crimes previstos nesta lei), que ? de a??o penal p?blica incondicionada (art. 184), mas n?o impede, nem inibe a aplica??o, pelo Juiz do Trabalho, de multas por litig?ncia de m?-f? ou protelat?ria e outras penas, se e quando for o caso.

Nem que o Juiz do Trabalho, no exerc?cio do seu poder fiscalizat?rio e livre convencimento, no exerc?cio da sua jurisdi??o, ao examinar acordos, lit?gios, recursos ou a??es rescis?rias, conven?a-se, e adote, como raz?es de decidir, de estar diante de fatos que tipifiquem crime falimentar em tese, ou exer?a o poder/ dever previsto no art. 129 do CPC. Decis?o que vale para aquele processo, n?o se estendendo aos demais, nem vinculando o juiz da fal?ncia, o Minist?rio P?blico e o juiz criminal. Cabendo ao Juiz do Trabalho comunicar o fato a essas autoridades, quando for o caso, para os devidos fins.

7 - Ju?zo universal. A atra??o est? definida no art. 76: O ju?zo da fal?ncia ? indivis?vel e competente para conhecer todas as a??es sobre bens, interesses e neg?cios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas n?o reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Ressalvando o legislador que

Ter? prosseguimento no ju?zo no qual estiver se processando a a??o que demandar quantia il?quida. (art. 6?, ? 1?)

E:

...as a??es de natureza trabalhista, inclusive as impugna??es a que se refere o art. 8? desta Lei, ser?o processadas perante a justi?a especializada at? a

Rev. Trib. Reg. Trab. 3? Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.85-96, jan./jun.2005

89

apura??o do respectivo cr?dito, que ser? inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em senten?a.

Ju?zes do Trabalho, em especial de primeiro grau e na fase de execu??o, sempre se mostraram refrat?rios ao ju?zo universal, por isso muitos relutam em promover as habilita??es, adotando o prosseguimento da execu??o no seu ju?zo, ao argumento de que os cr?ditos trabalhistas s?o de natureza aliment?cia e t?m privil?gio at? "superespecial?ssimo". Quest?o que ? mais tranq?ila e se acha jurisprudencialmente resolvida no ?mbito dos tribunais superiores, que se inclinam pela legitimidade e import?ncia da concentra??o no ju?zo da fal?ncia.

Sobre esse ponto, registro que, primeiro, trata-se de norma legal clara e definida.

Segundo, que mesmo com a natureza e privil?gios que tem, o cr?dito de um ex-empregado n?o se sobrep?e aos dos demais, com os quais deve concorrer e fazer concurso, em condi??es de igualdade, e n?o apenas quanto aos outros trabalhadores j? demitidos, mas tamb?m quanto aos que ainda estavam no emprego na data da quebra ou que continuam com os contratos em vigor no curso do processo de recupera??o ou de quebra, cujos sal?rios e indeniza??es tamb?m s?o habilit?veis e acham-se garantidos pelo mesmo patrim?nio.

Terceiro, ainda mais agora, quando os cr?ditos trabalhistas com as garantias especiais est?o limitados a 150 sal?rios m?nimos (art. 83).

Quarto, que hoje a Justi?a do Trabalho abrange um universo mais amplo de jurisdicionados que n?o os trabalhadores empregados detentores de cr?ditos privilegiados.

Por isso, a lei em exame cont?m texto mais claro do que a anterior e que se destina a eliminar essas d?vidas hermen?uticas quando diz, no art. 6?, que ter?o prosseguimento nos ju?zos pr?prios as a??es que versem sobre quantia il?quida, bem como preservando as a??es trabalhistas dessa natureza e at? a apura??o do respectivo cr?dito, que ser? inscrito no quadro-geral de credores.

E a disposi??o, tamb?m clara, do art. 108, ? 3?, que atribui ao juiz da fal?ncia poder para deprecar aos demais ju?zes de execu??o, para o fim de arrecadar neles, para a massa falida, o produto dos bens j? penhorados.

8 - Cr?ditos trabalhistas. A lei antiga atribu?a, no art. 102, a condi??o preferencial dos cr?ditos dos empregados por sal?rios e indeniza??es "sobre cuja legitimidade n?o haja d?vida" ou, quando houver, "em conformidade com a decis?o que for proferida pela Justi?a do Trabalho".

E, no ? 1?, a prefer?ncia total, sobre todos os demais, das indeniza??es por acidente do trabalho.

Estando, nisso, em harmonia com o ? 1? do art. 449 da CLT, de que

Na fal?ncia constituir?o cr?ditos privilegiados a totalidade dos sal?rios devidos ao empregado e a totalidade das indeniza??es a que tiver direito.

A lei atual prev?, no art. 83, como os primeiros na ordem de classifica??o dos cr?ditos (inciso I), os derivados "da legisla??o do trabalho", limitados, por?m, a 150 sal?rios-m?nimos por credor e os decorrentes de acidente de trabalho, esses,

Rev. Trib. Reg. Trab. 3? Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.85-96, jan./jun.2005

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download