Introdução à Lingüística

[Pages:690]INTRODU??O ? LING??STICA

VOLUMES 1 E 2

Jos? Luiz Fiorin(org.) Introdu??o ? Ling??stica I.Objetos te?ricos I. Ling??stica. 2. Ling??stica - Estudo e ensino. I. Fiorin, Jos? Luiz. I. Ling??stica, Introdu??o 2003

Sum?rio

Pref?cio 7 Jos? Luiz Fiorin

Linguagem, l?ngua, Ling??stica 11 Margarida Petter

A comunica??o humana 25 Diana Pessoa de Barros

Teoria dos signos 55 Jos? Luiz Fiorin

A l?ngua como objeto da Ling??stica 75 Antonio Vicente Pietroforte

A compet?ncia Ling??stica 95 Esmeralda Negr?o

Ana Scher

Evani Viotti A varia??o Ling??stica

121 Ronald Betine

A mudan?a Ling??stica 141 Paulo Chagas

A linguagem em uso

165 Jos? Luiz Fiorin

A abordagem do texto 187 Luiz Tat?f

A aquisi??o da linguagem 211 Raquel Santos

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Pref?cio

Jos? Luiz Fiorin

" O mist?rio da id?ia incorporada ? mat?ria f?nica, o mist?rio da palavra, do s?mbolo ling??stico, do Logos, um mist?rio que pede para ser elucidado. "

Roman Jakobson "Minha p?tria ? minha l?ngua." Fernando Pessoa

Um curso de Letras ? o lugar onde se aprende a refletir sobre os fatos ling??sticos e liter?rios, analisando-os, descrevendo-os e explicando-os. A an?lise, a descri??o e a explica??o do fato ling??stico e liter?rio n?o podem ser feitas de maneira emp?rica, mas devem pressupor reflex?o cr?tica bem fundamentada teoricamente. Por isso, um curso de Letras tem dois m?dulos, que se delinearam claramente, ao longo da hist?ria da constitui??o dos estudos da linguagem: a) um tem por objeto o estudo dos mecanismos da linguagem humana por meio do exame das diferentes l?nguas faladas pelo homem; e b) o outro tem por finalidade a compreens?o do fato ling??stico singular que ? a literatura. Embora claramente distintos, esses dois m?dulos mant?m rela??es muito estreitas. De um lado, um literato n?o pode voltar as costas para os estudos ling??sticos, porque a literatura ? um fato de linguagem; de outro, n?o pode o ling?ista ignorar a literatura, porque ela ? a arte que se expressa pela palavra; ? ela que trabalha a l?ngua em todas as suas possibilidades e nela condensam-se as maneiras de ver, de pensar e de sentir de uma dada forma??o social numa determinada ?poca. J? lembrava o grande ling?ista Roman Jakobson em texto antol?gico: Esta minha tentativa de reivindicar para a Ling??stica o direito e o dever de empreender a investiga??o da arte verbal em toda a sua amplitude e em todos os seus aspectos conclui com a mesma m?xima que resumia meu informe ? confer?ncia que se realizou em 1953 aqui na Universidade de Indiana: Lingllista Sllm; lillgllistici Ililiil a me aliellllllllJlIIO. Se o poeta Ranson estiver certo (e o est?) em dizer que "a poesia ? uma esp?cie de linguagem", o ling?ista, cujo campo abrange qualquer esp?cie de linguagem, pode e deve incluir a poesia no ?mbito de

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seus estudos. A presente confer?ncia demonstrou que o tempo em que os ling?istas, tanto quanto os historiadores liter?rios, eludiam as quest?es referentes ? estrutura po?tica ficou, felizmente, para tr?s. Em verdade, conforme escreveu Hollander, "parece n?o haver raz?o para a tentativa de apartar os problemas liter?rios da Ling??stica geral". Se existem alguns cr?ticos que ainda duvidam da compet?ncia da Ling??stica para abarcar o campo da Po?tica tenho para mim que a incompet?ncia po?tica de alguns ling?istas intolerantes tenha sido tomada por uma incapacidade da pr?pria ci?ncia Ling??stica. Todos n?s que aqui estamos, todavia, compreendemos definitivamente que um ling?ista surdo ? fun??o po?tica da linguagem e um especialista de literatura indiferente aos problemas ling??sticos s?o, um e outro, flagrantes anacronismos. (Lillg??stiCtl e collllll1iCtl?'{/o. S?o Paulo, Cultrix/Edusp, 1969, p. 161-2)

8 Introdu??o ? Ling??stica Os dois m?dulos mencionados centram-se em duas disciplinas que, num curr?culo org?nico, t?m a finalidade de fornecer o arcabou?o te?rico para o estudo das diferentes l?nguas e literaturas: a Ling??stica e a Teoria da Literatura. Assim, o primeiro m?dulo or-ganizar-se-la com Ling??stica e as l?nguas. O segundo m?dulo conteria Teoria Liter?ria e as literaturas. Um curr?culo ? a sele??o de uma s?rie de conte?dos com vistas a alcan?ar determinados objetivos. Evidentemente, num curso de Introdu??o ? Ling??stica, n?o se pode estudar tudo. O que se deve escolher? Pensamos que um iniciante na Ling??stica precisa saber o que ? a ci?ncia da linguagem, saber que h? outras formas de estudar as l?nguas, que v?o al?m do prescritivismo que hoje invade os meios de comunica??o, saber que a Ling??stica pretende descrever e explicar os fen?menos ling??sticos; conhecer como se processa a comunica??o humana; perceber que as l?nguas n?o s?o nomenclaturas, mas formas de categorizar o mundo; conhecer os cinco principais objetos te?ricos criados pela ci?ncia da linguagem nos s?culos XIX e XX: a langue, a compet?ncia, a varia??o, a mudan?a e o uso; aprender os rudimentos da an?lise Ling??stica, em seus diferentes n?veis, o fon?tico, o fonol?gico, o morfol?gico, o sint?tico, o sem?ntico, o pragm?tico e o discursivo. Em suma, o que se pretende num curso de Introdu??o ? Ling??stica ?

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que o aluno se aproprie de conceitos, para que possa operar, de maneira cient?fica, com os fatos da l?ngua. O que se deseja ? que ele v? al?m do senso comum na observa??o dos fen?menos ling??sticos e comece a ter uma posi??o investigativa diante da linguagem humana. Esta obra foi dividida em dois tomos. No primeiro tomo, o primeiro cap?tulo trata da linguagem humana e das l?nguas, para mostrar que a atitude do ling?ista diante do fen?meno ling??stico n?o ? prescritiva, mas descritiva e explicativa. No segundo cap?tulo, discute-se o problema da comunica??o humana. No terceiro, estuda-se a teoria dos signos, para mostrar que a linguagem ? uma forma de interpretar o mundo. Os seis cap?tulos seguintes exp?em, respectivamente, os cinco grandes objetos te?ricos da Ling??stica: a Langue, a compet?ncia, a varia??o, a mudan?a e o uso. A este ?ltimo objeto dedicaram-se dois cap?tulos, pois se abordou o uso em suas duas grandes vertentes: a pragm?tica e a discursiva. Finalmente, h? um cap?tulo reservado ao problema da aquisi??o da linguagem. Em cada um desses cap?tulos, discutem-se os principais conceitos referentes ao estUdo do objeto te?rico que est? sendo enfocado. Evidentemente, nem todas as teorias que tratam de um dado tema foram contempladas. Por exemplo, na abordagem discursiva, escolheu-se a Semi?tica francesa. Poder-seiam escolher outras teorias, como a An?lise do Discurso de linha francesa ou a An?lise Cr?tica do Discurso. Por outro lado, n?o se pode esquecer de que este ? um livro introdut?rio e de que, portanto, os conceitos t?m que ser tratados num n?vel acess?vel ao aluno. Por essa raz?o, alguns conceitos foram selecionados e n?o outros e, ao mesmo tempo, eles n?o foram tratados em toda a sua complexidade. Muitas vezes, deixam-se de lado as cr?ticas feitas, ao longo da hist?ria da Ling??stica, a determinadas concep??es, pois o curso de Introdu??o quer, antes de mais nada, que o aluno adquira uma vis?o de conjunto dos modos como a ci?ncia da linguagem trata o fen?meno ling??stico. No segundo tomo, os alunos s?o introduzidos nos princ?pios da an?lise Ling??stica. H?, ent?o, cap?tulos dedicados, respectivamente, ? fon?tica, ? fonologia, ? morfologia, ? sintaxe, ? sem?ntica, ? pragm?tica e ao discurso. Evidentemente, n?o se trata de cursos completos de cada um desses campos. Por exemplo, o cap?tulo consagrado ? an?lise fonol?gica n?o ? um curso completo de fonologia, com a discuss?o das ?ltimas aquisi??es da teoria fonol?gica. Nele, exp?e-se um pequeno conjunto de conceitos e mostra-se como o aluno opera com eles. Em seguida, h?

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um certo n?mero de exerc?cios de an?lise. Isso se repete em todos os cap?tulos. Como se disse, o que se quer ? que o aluno tenha uma posi??o investigativa diante dos fatos da linguagem. Com esta obra, pretendemos, antes de mais nada, encantar os estudantes de Letras para a ci?ncia Ling??stica, mostrando-lhes, como disse Conf?cio, nos Analetos, que, sem conhecer a linguagem, n?o h? como conhecer o homem. Ao mesmo tempo, pretendemos indicar-lhes que, sem conhecer a Ling??stica, n?o h? como conhecer a linguagem, n?o h? como decifrar seus mist?rios, n?o h? como revelar sua epifania. O objetivo de noss o trabalho ? que o aluno, ao final do curso, tenha desejo e meios de conhecer mais a respeito da linguagem humana.

Linguagem, l?ngua, Ling??stica

Margarida Petter

Uma das grandes escolas de inicia??o da savana sudanesa, o Komo, diz que a Palavra (kuma) era um atributo reservado a Deus, que por ela criava as coisas: "o que Maa Ngala (Deus) diz ?".

No come?o, s? havia um vazio vivo, vivendo da vida do Ser. Um que se chama a si mesmo Maa Ngala. Ent?o ele criou Fan, o ovo primordial, que nos seus nove compartimentos alojava nove estados fundamentais da exist?ncia. Quando esse ovo abriu, as criaturas que da? sa?ram eram mudas.

Ent?o para se dar um interlocutor, Maa Ngala tirou uma parcela de cada uma das criaturas, misturou-as e por um sopro de fogo que emanava dele mesmo, constituiu um ser ? parte: o homem, ao qual deu uma parte de seu pr?prio nome, Maa (homem).

Hamp?t? B? No princ?pio, Deus criou o c?u e a terra. A terra, por?m, estava informe e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o Esp?rito de Deus movia-se sobre as ?guas. E Deus disse: Exista a luz. E a luz existiu. E Deus viu que a luz era boa; e separou a luz das trevas. E chamou ? luz dia, e ?s trevas noite. E fez-se tarde e manh?, (e foi)

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o primeiro dia. G?nesis, I, 1-5

? not?vel a semelhan?a observada nas explica??es em ep?grafe sobre a origem do mundo: embora formuladas em ?pocas remotas por sociedades bem diversas, associam a palavra - a linguagem verbal - ao poder m?gico de criar. O fasc?nio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder que permite n?o s? nomear/criar/transformar o universo real, mas tamb?m possibilita trocar experi?ncias, falar sobre o que existiu, poder? vir a existir, e at? mesmo imaginar o que n?o precisa nem pode existir. A linguagem verbal ?, ent?o, a mat?ria do pensamento e o ve?culo da comunica??o social. Assim como n?o h? sociedade sem linguagem, n?o h? sociedade sem comunica??o. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material que se relaciona com o que lhe ? exterior, com o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material- organiza??o de sons, palavras, frases - a linguagem ? relativamente aut?noma; como express?o de emo??es, id?ias, prop?sitos, no entanto, ela ? orientada pela vis?o de mundo, pelas injun??es da realidade social, hist?rica e cultural de seu falante. A complexidade do fen?meno Ling??stica vem h? muito desafiando a compreens?o dos estudiosos. Retra?aremos, inicialmente, a hist?ria dessa busca para entender como o objeto de estudo - linguagem, l?ngua - foi aos poucos se delineando e assumindo as configura??es que hoje possui nos estudos Ling??sticos.

12 Introdu??o ? Ling??stica

1. Uma breve hist?ria do estudo da linguagem O interesse pela linguagem ? muito antigo, expresso por mitos, lendas, cantos, rituais ou por trabalhos eruditos que buscam conhecer essa capacidade humana. Remontam ao s?culo IV a.c. os primeiros estudos. Inicialmente, foram raz?es religiosas que levaram os hindus a estudar sua l?ngua, para que os textos sagrados reunidos no Veda n?o sofressem modifica??es no momento de ser proferidos. Mais tarde os gram?ticos hindus, entre os quais Panini (s?culo IV a.c.), dedicaram-se a descrever minuciosamente sua l?ngua, produzindo modelos de an?lise que foram

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descobertos pelo Ocidente no final do s?culo XVIII. Os gregos preocuparam-se, principalmente, em definir as rela??es entre o conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder ? pergunta: haver? uma rela??o necess?ria entre a palavra e o seu significado? Plat?o discute muito bem essa quest?o no Cr?tilo. Arist?teles desenvolveu estudos noutra dire??o, tentando proceder a uma an?lise precisa da estrutura Ling??stica, chegou a elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as categorias gramaticais.

Dentre os latinos, destaca-se Varr?o que, na esteira dos gregos, dedicou-se ? gram?tica, esfor?ando-se por defini-la como ci?ncia e como arte. Na Idade M?dia, os modistas consideraram que a estrutura gramatical das l?nguas ? una e universal, e que, em conseq??ncia, as regras da gram?tica s?o independentes das l?nguas em que se realizam. No s?culo XVI, a religiosidade ativada pela Reforma provoca a tradu??o dos livros sagrados em numerosas l?nguas, apesar de manter-se o prest?gio do latim como l?ngua universal. Viajantes, comerciantes e diplomatas trazem de suas experi?ncias no estrangeiro o conhecimento de l?nguas at? ent?o desconhecidas. Em 1502 surge o mais antigo dicion?rio poliglota, do italiano Ambrosio Calepino. Os s?culos XVII e XVIII v?o dar continuidade ?s preocupa??es dos antigos. Em 1660, a Grammaire G?n?rale et Raisonn?e de Port Royal, ou Gram?tica de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, modelo para grande n?mero de gram?ticas do s?culo XVII, demonstra que a linguagem se funda na raz?o, ? a imagem do pensamento e que, portanto, os princ?pios de an?lise estabelecidos n?o se prendem a uma l?ngua particular, mas servem a toda e qualquer l?ngua. O conhecimento de um n?mero maior de l?nguas vai provocar, no s?culo XIX, o interesse pelas l?nguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares, em detrimento de um racioc?nio mais abstrato sobre a linguagem, observado no s?culo anterior. ? nesse per?odo que se desenvolve um m?todo hist?rico, instrumento importante para o florescimento das gram?ticas comparadas e da Ling??stica Hist?rica. O pensamento ling??stico contempor?neo, mesmo que em novas bases, formou-se a partir dos princ?pios metodol?gicos elaborados nessa ?poca, que preconizavam a an?lise dos fatos observados. O estudo comparado das l?nguas vai evidenciar o fato de que as l?nguas se transformam com o tempo, independentemente da vontade dos

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homens, seguindo uma necessidade pr?pria da l?ngua e manifestando-se de forma regular. Franz Bopp ? o estudioso que se destaca nessa ?poca. A publica??o, em 1816, de sua obra sobre o sistema de conjuga??o do s?nscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germ?nico ? considerada o marco do surgimento da Ling??stica Hist?rica. A descoberta de semelhan?as entre essas l?nguas e grande parte das l?nguas europ?ias vai evidenciar que existe entre elas uma rela??o de parentesco, que elas constituem, portanto, uma fam?lia, a indo-europ?ia, cujos membros t?m uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do m?todo hist?rico-comparativo. O grande progresso na investiga??o do desenvolvimento hist?rico das l?nguas ocorrido no s?culo XIX foi acompanhado por uma descoberta fundamental que veio a alterar, modernamente, o pr?prio objeto de an?lise dos estudos sobre a linguagem - l?ngua liter?ria - at? ent?o. Os estudiosos compreenderam melhor do que seus predecessores que as mudan?as observadas nos textos escritos correspondentes aos diversos per?odos que levaram, por exemplo, o latim a transformar-se, depois de alguns s?culos, em portugu?s, espanhol, italiano, franc?s, poderiam ser explicadas por mudan?as que teriam acontecido na l?ngua falada correspondente. A Ling??stica moderna, embora tamb?m se ocupe da express?o escrita, considera a prioridade do estudo da l?ngua falada como um de seus princ?pios fundamentais. ? no in?cio do s?culo XX, com a divulga??o dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, professor da Universidade de Genebra, que a investiga??o sobre a linguagem - a Ling??stica - passa a ser reconhecida como estudo cient?fico. Em 1916, dois alunos de Saussure, a partir de anota??es de aula, publicam o Curso de Ling??stica geral, obra fundadora da nova ci?ncia.

Antigamente, a Ling??stica n?o era aut?noma, submetia-se ?s exig?ncias de outros estudos, como a l?gica, a filosofia, a ret?rica, a hist?ria, ou a cr?tica liter?ria. O s?culo xx operou uma mudan?a central e total dessa atitude, que se expressa no car?ter cient?fico dos novos estudos ling??sticos, que estar?o centrados na observa??o dos fatos de linguagem. O m?todo cient?fico sup?e que a observa??o dos fatos seja anterior ao estabelecimento de uma hip?tese e que os fatos observados sejam examinados

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