Diferenças e semelhanças entre Porto de Galinhas-PE e Pipa ...

Diferen?as e semelhan?as entre Porto de Galinhas-PE e Pipa-RN: turismo e migra??o na constru??o de identidades

culturais

Priscilla Carla Leite MARQUES1

Resumo: A inten??o desse artigo ? discutir como a migra??o que ocorre para as praias do nordeste brasileiro, vistas como paradis?acas, o que as torna badalados balne?rios tur?sticos, transforma suas identidades culturais, uma vez que ? not?vel o hibridismo cultural que se desenvolve nesses locais. Percebe-se tamb?m e vem sendo relevante compreender que essa situa??o acontece em muitos desses destinos litor?neos da regi?o nordestina, o que faz esses lugares se assemelharem bastante por conta desse fen?meno. Os migrantes terminam por se instalar nesses locais, desenvolvendo equipamentos e servi?os tur?sticos, trazendo ? tona sua cultura, mesclando sua identidade a identidade do local, tornando-a diferenciada, mas, ao mesmo tempo, homog?nea aos demais destinos que passam por processos similares. Utilizou-se como m?todo o trabalho de campo com ?nfase na observa??o participante. Duas destina??es tur?sticas no litoral nordestino, Porto de Galinhas em Pernambuco e Pipa no Rio Grande do Norte, foram os locais fios condutores dessa an?lise, j? que essas paridades j? se deflagram de forma bastante consistente. Ambos os destinos possuem identidades culturais em processo de cont?nua configura??o pautada no desenvolvimento do turismo, na migra??o e no interc?mbio cultural que esses dois fatores proporcionam.

Palavras-chave: Turismo. Migra??o. Identidade cultural. Balne?rios tur?sticos.

Introdu??o

As praias no nordeste brasileiro s?o grandes atrativos tur?sticos do pa?s. Paisagens paradis?acas, recursos naturais e culturais diferenciados, mares azuis de ?guas mornas fazem esses espa?os serem o sonho de consumo e vida de in?meros cidad?os em muitos lugares do mundo. Por isso mesmo, essas praias tornam-se lugares que se diferenciam por essa conflu?ncia de pessoas que circulam, se apaixonam, migram e se estabelecem fazendo um intenso interc?mbio cultural. A inten??o desse estudo ? discutir como essa migra??o ajuda na conforma??o da identidade cultural de alguns balne?rios tur?sticos nordestinos. Para a visualiza??o dessa discuss?o dois destinos tur?sticos bastante badalados e estabelecidos no mercado tur?stico, Porto de Galinhas em Pernambuco e Pipa no Rio Grande do Norte, foram os escolhidos.

Essas praias, hoje balne?rios tur?sticos, tem sua hist?ria de desenvolvimento atrelada ? migra??o que, por sua vez, se estabelece a partir dos deslocamentos tur?sticos (geralmente n?o comerciais). Os viajantes descobrem esses, at? ent?o, novos locais e impulsionados muitas vezes pela busca do para?so perdido resolvem ficar, fixar resid?ncia. Como afirma Trigo (2013), o Brasil "[...] possui laivos paradis?acos, o que refor?a o orgulho nacional e atrai estrangeiros interessados em experi?ncias instigantes" (p.119). A experi?ncia ? t?o expressiva que, comumente, esses visitantes viram migrantes e muitos desses indiv?duos

1 Bacharel em Turismo e Mestre em Antropologia pela UFPE. Gestora de Qualifica??o Tur?stica da Secretaria de Turismo e Lazer do Recife e Professora do curso de Turismo da UNINASSAU. Email: priscillaclm@

terminam por se relacionar com esse novo movimento econ?mico que se institui, o turismo. Muitos deles abrem empreendimentos como pousadas, priv?s, restaurantes, bares, al?m de compor o quadro de trabalho informal, atuando como ambulantes.

Nota-se tamb?m que essa trajet?ria de constitui??o de um lugar com uma identidade t?o h?brida n?o ocorre somente em uma localidade, como um fen?meno isolado, mas em muitos dos destinos tur?sticos litor?neos do nordeste brasileiro como Itacar? e Morro de S?o Paulo na Bahia, Praia do Franc?s e Maragogi em Alagoas, Porto de Galinhas em Pernambuco, Pipa no Rio Grande do Norte, Canoa Quebrada e Jericoacoara no Cear?, entre outras praias, mesmo que ainda de forma bastante sazonal.

? objetivo tamb?m desse estudo analisar como a identidade que esses balne?rios possuem por conta dessa migra??o constante gera, de certa forma, uma homogeneidade nesses destinos. N?o importa sua localiza??o espacial, as influ?ncias e interfer?ncias dos migrantes que se imbricam nos costumes e comportamento local fazem algumas praias serem bastante semelhantes umas ?s outras.

Para iniciar essa pesquisa, fez-se um estudo comparativo entre as duas praias citadas acima. Porto de Galinhas, povoado do munic?pio de Ipojuca, localiza-se a 65 km da capital pernambucana, Recife. Configura-se no principal destino tur?stico do estado, sendo considerada por diversos ve?culos de comunica??o uma das melhores praias do Brasil. Possui seis praias, atingindo diversos p?blicos, dos mais sofisticados que preferem um resort, ao menos exigentes que preferem um camping.

Sabe-se que a partir da d?cada de 70 a regi?o foi loteada dando in?cio ao processo de torn?-la uma praia de veraneio. Somente na d?cada de 90 come?a seu desenvolvimento tur?stico, a partir da dedica??o de seus empreendedores, que j? instalados na regi?o, pressionaram o estado, pois precisavam que houvesse um investimento do setor p?blico em rela??o ? infraestrutura b?sica e de acesso para que o lugar pudesse atrair mais visitantes.

Possui uma beleza c?nica singular com as piscinas naturais que se formam na praia que nomeia o lugar, possibilitando o passeio de jangada, um de seus principais servi?os tur?sticos. Seu litoral se estende por 18 km que se traduz em paisagens bastante diferenciadas. Somente o centro do balne?rio possui mar calmo. Excetuando a grande piscina natural que se forma em Muro Alto, uma das praias do local, as outras praias possuem mar agitado, indicado para a pr?tica do surfe e do kitesurfe. O pontal de Maraca?pe tamb?m se destaca, pois, por ser na foz do Rio Maraca?pe, permite a pr?tica de outras atividades esportivas como o caiaque e o stand up paddle.

Al?m das belezas naturais, o balne?rio nos dias atuais possui uma variada oferta tur?stica com bares e restaurantes de cozinhas locais e internacionais, com?rcio diversificado, n?o somente tur?stico, casas noturnas, grandes resorts, pousadas de chame e tem?ticas, casas de temporada entre outros equipamentos.

"Note-se, entretanto, que Porto de Galinhas ? um t?pico fen?meno de mercado tur?stico que evolui indiferentemente a planos ou projetos oficiais. Simplesmente foi crescendo para atender a uma progressiva demanda natural [...]" (Mendon?a, 2004, p.78).

J? a praia de Pipa, localizada a 88 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte, desenvolveu-se turisticamente a partir da d?cada de 80. No final da d?cada de 70, foi descoberta pelos surfistas que buscavam novas praias para a pr?tica do esporte. Justamente por suas caracter?sticas f?sicas e naturais, atrai at? hoje um grande grupo de visitantes em busca de atividades esportivas, contudo tamb?m tem atra?do o p?blico jovem por conta de sua famosa badala??o noturna, com muitos bares, restaurantes e boates, com tem?ticas das mais variadas, explorando tanto a cozinha t?pica como tamb?m a internacional.

Pipa pertence ao munic?pio de Tibau do Sul e possui um litoral com 16 km de extens?o. Possui parque ecol?gico e passeios de barcos para ver os golfinhos presentes em seus mares fazem parte de sua oferta tur?stica. O destaque geomorfol?gico da regi?o ? a presen?a das fal?sias, produto de processos erosivos naturais, originando pared?es rochosos altos e abruptos, ao longo desse litoral, dando ? localidade uma caracter?stica peculiar que refor?a, desse modo, e agrega valor ao produto sol e mar vendido.

Al?m disso, disp?e de uma variada hotelaria, com equipamentos para diferentes p?blicos que o balne?rio terminar por atrair. S?o hot?is, flats, priv?s e pousadas construindo um s?lido setor na praia. Os servi?os tur?sticos ligados a passeios e atividades esportivas tamb?m est?o bastante aquecidos no local, com diversas ag?ncias e grupos de guias desenvolvendo variadas atividades, ajudando Pipa a se conformar como um grande produto tur?stico.

Ambos os destinos recebem muitos turistas nacionais e internacionais e possuem equipamentos e servi?os tur?sticos dos mais variados segmentos. ? consider?vel a presen?a de pessoas de outras origens como donos e funcion?rios de muitos dos empreendimentos locais.

Entretanto, esses dois lugares passam por processos diferentes de migra??o. Porto de Galinhas, por se aproximar do Porto de Suape, nos ?ltimos cinco anos tem recebido um n?mero expressivo de novos moradores que atuam no terminal, reconfigurando sua identidade. Parece que o povoado ganha ares de cidade grande, deixando ainda mais embaralhada sua identidade cultural. Em Pipa, esse hibridismo cultural ? mais contundente e visualiz?vel, pois at? os ambulantes da praia s?o estrangeiros e vendem produtos ligados ?s suas origens.

Os trabalhos de campo que serviram para coletar o material para essa an?lise foram realizados no m?s de maio de 2014, nos finais de semana, m?s considerado de baixa esta??o, mesmo que esses destinos n?o sofram mais com os efeitos negativos da sazonalidade por terem se consolidado tamb?m por diversificarem seu mercado. A pesquisa em Pipa foi realizada em quatro dias, em um feriado, o do dia 1? de maio, e a pesquisa em Porto de Galinhas realizou-se em dois fins de semana distintos, 17 e 18, 24 e 25 de maio.

Nos anos de 2008 (em Porto de Galinhas) e de 2010 (em Pipa) foram realizados estudos explorat?rios preliminares que permitiram que esses destinos fossem escolhidos como os primeiros a serem comparados. Todavia, para legitimar a hip?tese levantada, de homogeneiza??o das identidades culturais dos balne?rios tur?sticos nordestinos, h? a inten??o de incluir outros destinos no estudo em um momento posterior.

Foi utilizada como metodologia base a observa??o participante, empregando-se conversas informais com os moradores locais, sendo eles migrantes ou n?o, para coletar os dados. Relevante ressaltar que a observa??o participante se mostrou uma excelente ferramenta por permitir ao pesquisador se comportar como um visitante comum e, dessa forma, se relacionar de maneira mais pr?xima aos interlocutores que conformam a identidade nos destinos estudados. Muitas vezes, ao assumir a postura de pesquisador, percebe-se uma falta de sinceridade e naturalidade por parte dos atores em campo, prejudicando a coleta de dados das pesquisas.

Diferen?as e semelhan?as...

Destacar a identidade cultural de um destino tur?stico tem se tornado uma eficiente estrat?gica de marketing em tempos de globaliza??o, mesmo que nem tenha sido pensada como tal. Ofertar personalidade e caracter?sticas pr?prias a um lugar termina por faz?-lo interessante e curioso, qualidades que fazem um destino se destacar entre os demais provocando sua procura.

Contudo, o que se ver, cada vez mais, s?o destinos tur?sticos com identidades culturais reconfiguradas e estabelecidas a partir do processo de turistifica??o que transforma o espa?o comum em um espa?o de encontro. As identidades desses locais s? come?am a serem conformadas com o confrontamento com uma outra que o visitante traz. Como afirma Woodward (2000), a identidade cultural ? relacional e marcada pela diferen?a.

Os estudos sobre transnacionalidade complementam essa discuss?o tendo como quest?o central "a rela??o entre territ?rios e os diferentes arranjos socioculturais e pol?ticos que orientam as maneiras como as pessoas representam pertencimento a unidades socioculturais, pol?ticas e econ?micas" (Ribeiro, 1997, p. 02). As identidades, desse modo, se configurar?o na atualidade pautada por essa quest?o. ? no individuo e na sua rela??o com os espa?os que as identidades tem se conformado. Com a fluidez de fronteiras e com as consequ?ncias da globaliza??o, os espa?os n?o conseguem ser os ?nicos marcadores de identifica??o social e cultural, dificultado aos indiv?duos e grupos culturais constru?rem sua identidade somente pelas caracter?sticas territoriais do espa?o vivido.

Somam-se a isso as contribui??es te?ricas sobre mobilidade que refletem pensamentos que tentam compreender a fluidez do movimento das pessoas no mundo, a constru??o de fluxos constantes e, ao mesmo tempo, desconexos (Coriolano e Fernandes, 2014). As mobilidades ligadas ?s atividades tur?sticas s?o pontuadas por demandas temporais. Sendo elas definitivas ou sem prazo, essas mobilidades ser?o entendidas como migra??es.

A migra??o contribui decisivamente para a constru??o dessa identidade h?brida e m?ltipla que os balne?rios tur?sticos do nordeste brasileiro parecem possuir na atualidade. Essa migra??o ? um fen?meno diferenciado daquele retratado em in?meros estudos. Tema discutido e estudado por v?rios segmentos das ci?ncias humanas, a migra??o ? entendida basicamente como uma a??o de "mecanismo gerador de equil?brio para economias em mudan?a" e de "mobilidade for?ada pelas necessidades do capital" (Coriolano e Fernandes,

2012, p.04), compreens?o que n?o d? conta do fen?meno a ser estudado nas praias nordestinas.

Esses migrantes n?o s?o refugiados, n?o migram por obriga??o, por quest?es econ?micas, mas por op??o, pela busca de uma vida diferenciada que julgam encontrar nesses destinos que tem no meio ambiente natural e na cultura sua distin??o, fortalecendo as teorias de uma corrente de estudo das migra??es que defendem a migra??o como uma escolha pessoal e n?o uma determina??o social e econ?mica.

A hist?ria dos migrantes presentes nos balne?rios em estudo se assemelha bastante, sejam eles empreendedores ou artistas. Viajam em busca de novidades, novas experi?ncias e percebem que esse novo lugar pode lhe proporcionar uma vida diferenciada. Para Ribeiro (1997, p.21), usando autores como Basch, Glick Schiller e Szanton Blanc, os migrantes que "desenvolvem e mant?m rela??es m?ltiplas - familiares, econ?micas, sociais, organizacionais, religiosas e pol?ticas - que cruzam fronteiras (...) e que forjam e sustentam rela??es sociais multi-entrela?adas que unem suas sociedades de origem com a de resid?ncia" s?o chamados de transmigrantes. Entretanto, essa nomenclatura carrega uma caracteriza??o que n?o corresponde ? realidade de Pipa, mas corresponde a um grupo de migrantes que residem em Porto de Galinhas, profissionais especializados para atuarem em grandes projetos e empreendimentos, "os bichos-de-obra.

Em Porto de Galinhas, al?m dos profissionais que trabalham no Porto de Suape, os migrantes, na sua maioria, tornaram-se propriet?rios de pousadas e restaurantes. Nota-se que al?m de uma vida diferenciada, a exuber?ncia da natureza do lugar lhes proporcionar? ganhos financeiros tamb?m, pois h? a certeza que muitos v?o querer conhecer esse para?so como eles fizeram, ou seja, por conta desse potencial tur?stico, os migrantes viram empres?rios no local por perceber que haver? retorno no investimento realizado, muitas vezes, de toda uma vida, j? que muitos se desfazem de tudo e sua terra natal para investir no novo local.

J? em Pipa, apesar de ter muitos migrantes empres?rios, nota-se de forma contundente que muitos deles s?o ambulantes e levam suas influ?ncias na venda de seus produtos. Na praia, h? argentino vendendo empanada, t?pica comida de seu pa?s de origem.

Essa conflu?ncia de elementos ex?genos com end?genos ? muito presente em Pipa. Para Santos (2010, p.35), "a identidade ?tnica ? uma constru??o por oposi??o, constantemente negociada". Percebe-se que os elementos culturais locais se misturam aos trazidos pelos migrantes que nem sempre s?o estrangeiros, h? migrantes de outas regi?es e estados do Brasil, conformando uma identidade diferenciada ao balne?rio. Os migrantes e turistas se misturam na praia. H? a presen?a marcante de jovens estrangeiros, mas a praia tamb?m ? bastante frequentada por brasileiros.

A gastronomia ? um elemento importante na conforma??o da identidade cultural de um lugar. H? uma refer?ncia com a gastronomia nordestina e litor?nea em Pipa, mas o que mais se destaca na localidade ? a presen?a das cozinhas de diversos outros lugares com destaque para a italiana e francesa. O sorvete que ? um produto t?pico dos cen?rios tropicais tamb?m reflete esse hibridismo. Al?m dos sabores dos alimentos e frutas locais, h? sabores

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