EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª …



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA CAPITAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio do Promotor de Justiça do Consumidor que ao final assina, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inc. III, da Constituição da República, nos arts. 81, parágrafo único, incs. I e III, e 82, inc. I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), no art. 5° caput, da Lei Federal 7.347/85, e no art. 25, inc. IV, letra “a”, da Lei Federal 8.625/93, propor Ação Civil Pública, com pedido liminar, a ser processada pelo rito ordinário, contra o Banco Santander S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob n° 90.400.888/0001-42 e estabelecida na Rua Amador Bueno nº. 474 nesta Capital, em razão dos fundamentos de fato e de direito e com os pedidos a seguir deduzidos:

I. DOS FATOS

O réu Banco Santander S/A[1] é instituição financeira privada que, atuando em grande escala no mercado de consumo em todo o território nacional, caracteriza-se como fornecedor de serviços bancários, inclusive no que respeita a financiamentos e concessão de crédito no mercado de consumo.

A Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, por intermédio do Inquérito Civil IC n° 14.161.873/07, cujos autos instruem a presente petição inicial, cuidou de apurar a cobrança, pelo réu, de tarifa em virtude da liquidação antecipada de dívidas parceladas por seus clientes.

Consoante se apurou no sobredito procedimento ministerial, no exercício de sua atividade empresarial, o banco réu concede crédito (empréstimos pessoais, financiamentos, leasing etc.) a seus clientes consumidores, para pagamento a prazo, mediante parcelamento que resulta na fixação das prestações respectivas.

Nesse passo, o banco réu mantém, para os contratos em vigor, bem como já cobrou em relação aos contratos findos, uma tarifa para a quitação antecipada dos débitos com prestações ainda não vencidas, que usualmente é conhecida por tarifa de liquidação antecipada - TLA ou tarifa de quitação antecipada.

Tal tarifa é – ou já foi - cobrada de todo cliente consumidor que, pretendendo abreviar a liquidação de sua dívida e obter a devida quitação, efetua – ou efetuou - o pagamento antecipado de prestações vincendas.

O valor da tarifa resulta no pagamento das quantias de R$ 500,00 (quinhentos reais) ou R$ 1000,00 (mil reais), mais, é claro, o valor das prestações vincendas, abatidos os juros futuros (ver fls. 13/18).

À guisa de dotar a cobrança de lastro contratual, em seus contratos padronizados e de adesão em vigor e já findos, dentre eles o designado por “Cédula de Crédito Bancário – Crédito Pessoal”, o banco réu adota, no que importa para o objeto da presente, cláusulas — sem qualquer destaque — com o seguinte teor:

“Tributos e Tarifas

6. (...)

§ 3º Se houver liquidação antecipada total ou parcial desta operação será cobrada a tarifa correspondente, que será apurada de forma direta e linear com o saldo remanescente da operação e a data da efetiva liquidação da dívida, em observância às normas do banco Central do Brasil. Considerando o prazo de vigência desta CÉDULA, o valor da tarifa de liquidação antecipada incidente será o que constar indicado na Tabela de Tarifas do Banco, à época do evento” (fl. 32).

Por reputar abusiva tal cobrança e a cláusula contratual respectiva, o Ministério Público propôs a celebração de Ajustamento de Conduta, mas não obteve aceitação do réu (fls. 29).

II. RESOLUÇÃO DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL N° 3.516/2007

Em 06 de dezembro de 2007, o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução n° 3.516, vedando a cobrança da tarifa por liquidação antecipada em contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, firmados com pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte[2]. Contudo, a nova regra só se aplica aos novos contratos, celebrados a partir da publicação do citado ato normativo, não atingindo, assim, os contratos previamente celebrados – e em vigor - e mesmo aqueles já findos, quanto à cobrança da referida tarifa.

Nessa esteira, conclui-se que a Resolução, apesar de apresentar algum avanço para o reconhecimento do direito do consumidor, está muito aquém do exigido pela legislação consumerista, pois que os direitos coletivos[3] e individuais homogêneos[4] continuarão submetidos à abusividade descrita.

Nesse contexto, insta salientar que as Resoluções emanadas pelo Conselho Monetário Nacional não têm status de lei ordinária e, consequentemente, não tem o poder de revogar ou limitar o alcance de normas positivas previstas em lei, sobretudo quando se cuide da Lei 8.078/90, que encerra normas “de ordem pública e interesse social” (art. 1°).

Além do mais, a proibição da mencionada cobrança para contratos futuros por parte do Conselho Monetário Nacional, na realidade, só vem a corroborar a argumentação desta demanda, pois demonstra que o próprio órgão reconhece, mesmo que implicitamente, a abusividade da prática.

Cumpre ressaltar, ademais, que a extinção da tarifa somente para os novos contratos ainda protagoniza tratamento extremamente desigual para com os consumidores que possuem contratos em vigência, ferindo, desta forma, o princípio constitucional da isonomia.

Ora, o tratamento deveria ser idêntico para todos os contratos, isto é, futuros ou presentes (em vigor), já que o fundamento para a extinção da tarifa é o mesmo, ou seja, o reconhecimento, ainda que não declarado – e, pois, implícito – da abusividade da tarifa, por violação ao art. 52, § 2°, da Lei 8.078/90.

Por fim, a mudança da base de cálculo para a cobrança dessa tarifa com relação aos contratos vigentes em nada altera ou modifica o pleito aqui deduzido, porquanto, qualquer valor cobrado sempre estará amesquinhando, prejudicando ou violando o exercício do direito de liquidação antecipada pelo consumidor (art. 52, § 2º, do CDC, antes citado).

III. DOS DIREITOS COLETIVOS

Assim, a presente ação busca a tutela dos interesses da massa de consumidores que já contratou e tem com o réu contrato em vigor, continuando submetida à cláusula abusiva e, consequentemente, à prática abusiva, qual seja, a cobrança de tarifa de liquidação antecipada.

E, nunca é de mais lembrar que tal massa consumidora é composta de milhares ou até milhões de consumidores que, pelo porte da instituição financeira demandada, continuarão sendo tarifados se e quando pretenderem exercitar o direito à liquidação antecipada de seus mútuos.

Tais consumidores são titulares de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, pertencentes a um grupo ou categoria de pessoas determinadas, ligadas com a ré por uma relação jurídica base, a saber, a contratação de empréstimos pessoais.

Nessa esteira, a teor do que dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, os interesses ou direitos que se pretende tutelar com a presente actio são, num primeiro momento, aqueles denominados coletivos.

IV. DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Também se busca nesta ação a salvaguarda daqueles consumidores, definidos no art. 81, parágrafo único, inciso III do CDC, titulares dos denominados interesses ou direitos individuais homogêneos, ou seja, aqueles decorrentes de origem comum, individuais e divisíveis, cuja tutela é postulada coletivamente em razão dessa origem comum, para facilitar a defesa desses consumidores, evitando-se decisões contraditórias e, a um só tempo, conferindo-se efetividade ao princípio da economia processual.

V. DO DIREITO

A cobrança da tarifa de quitação antecipada (TLA) é manifestamente abusiva[5] e, pois, ilegal, ferindo os direitos da coletividade consumidora.

Assim o é porque o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) explicitamente assegura a todo consumidor, quando se cuide de “outorga de crédito ou concessão de financiamento”, o direito à quitação antecipada de seu débito, com o abatimento dos juros e demais acréscimos:

Código de Defesa do Consumidor

“Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, (...)

§ 2º É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.”

Oportuno aqui colacionar a autorizada lição de Nelson Nery Júnior, para quem

“Uma das mais importantes conquistas do consumidor com o Código foi o direito de liquidação antecipada do débito financiado, com a devolução ou redução proporcional dos juros e demais encargos... Caso o fornecedor não assegure esse direito ao consumidor, além do direito previsto neste dispositivo, terá ele direito de haver perdas e danos, patrimoniais e morais, nos termos do art. 6º, nº VI, do CDC.” [6]

A cláusula que, para cobrar a tarifa de quitação antecipada, o banco réu utilizou em seus contratos de adesão é abusiva, nos precisos termos da lei:

Código de Defesa do Consumidor

Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (...)

Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (...)

§ 4º - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

As cláusulas que prevêem a tarifa questionada já encerram eiva de ilicitude porque, não se apresentando com destaque algum no corpo do contrato, ferem o disposto no transcrito § 4°, do art. 54, da Lei 8.078/90.

A esse respeito, ensina Nelson Nery Júnior que

“a contratação em massa, exigência das economias de escala, deve ser exercida de forma compatível com os princípios fundamentais da ordem econômica, dentre os quais está a defesa do consumidor (art. 170, n° V, CF). A rapidez que deve informar esse tipo de contratação, que implica necessariamente a conclusão do negócio com base em cláusulas gerais preestabelecidas, não deve servir de pretexto para que se incluam, no bojo de um longo formulário de futuro contrato de adesão, cláusulas draconianas consideradas pelo CDC como abusivas.”[7]

Mas, ainda quando destaque a clausula houvesse sido emprestado, sua nulidade pleno jure decorre do comando imperativo do art. 51, inc. IV, da Lei 8.078/90, porquanto estabelece obrigação abusiva, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e contraria a boa-fé.

Sabe-se que num contrato de adesão, como o fornecido pela empresa-ré, a vontade das partes não é manifestada livremente no contrato, pois as normas do Código instituem novos valores superiores, como o equilíbrio e a boa-fé[8] nas relações de consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.

Na lição de Claudia Lima Marques,

“o princípio da equidade, do equilíbrio contratual, é cogente”, e mais, “o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor; a cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas, se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrário às novas normas de ordem pública de proteção do CDC, a autonomia de vontade não prevalecerá”. [9]

Veja-se que o art. 52, § 2°, da Lei 8.078/90, através da norma explícita e clara visa assegurar o direito, ao consumidor, de quitar antecipadamente seus débitos, pelo valor das prestações atualizadas, mas excluídos os juros futuros e demais encargos incidentes.

Ao impor ao consumidor, a título de “TLA”, o pagamento do valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), R$ 1000,00 (mil reais) - ou outro valor que seja - além do saldo devedor, o banco réu se utiliza de artifício que claramente onera o consumidor e, quando não diminui substancialmente o alcance do direito previsto no art. 52, § 2°, do CDC, anula essa prerrogativa legal.

O expediente manifestamente fere a boa fé objetiva, que deve balizar todos os contratos, mormente os de consumo. O banco abate os juros futuros e encargos, como manda a lei, para em seguida acrescer ao débito do consumidor outros valores à guisa da malfadada tarifa. Dá com uma mão, mas tira com a outra, como proclama a sabedoria popular.

A boa-fé objetiva, que deve nortear assim a celebração como a execução dos contratos em geral, é tratada pelo legislador com status de verdadeiro princípio no campo do Direito do Consumidor:

Código de Defesa do Consumidor

“Art. 4º - A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (...)

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;”

A boa-fé, que também foi abraçada como pedra fundamental do contratualismo civil na codificação de 2002 (CC/2002, art. 422), é no Direito do Consumidor, segundo autorizada dicção de Claudia Lima Marques, “o princípio máximo orientador do CDC”.[10]

Como explica Rizzato Nunes,

“quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal. Na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes”.[11]

À evidência, não pode ser tomada por prática comercial de boa-fé aquela que, ardilosamente, mascara sob o título de uma tarifa qualquer a mitigação indevida de direito, de ordem pública, assegurado ao consumidor pela letra da lei.

A prática do banco réu, sob outra ótica, impõe ao consumidor desvantagem exagerada, assegurando a si próprio correlata vantagem exagerada.

Veja-se que o exagero da vantagem é presumido ex vi legis, porque viola, como acima visto, o princípio da boa-fé, onera excessivamente o consumidor e lhe restringe direito que, nos termos do art. 52, §2°, do CDC, é inerente aos contratos de outorga de crédito e financiamento:

Código de Defesa do Consumidor

“Art. 51 (...)

§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”

O escandaloso exagero ou excesso da vantagem exigida pelo réu de seus clientes resulta na abusividade e ilegalidade da cobrança respectiva, independentemente mesmo de haver previsão contratual, dado que o Código de Defesa do Consumidor com eloqüência proscreve tal exigência:

Código de Defesa do Consumidor

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...)

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”

Sob qualquer ótica, portanto, a prática comercial do banco réu é abusiva:

▪ A cláusula que a ampara é abusiva e, pois, nula pleno jure (CDC, art.51, inc. IV, e art. 54, § 4°);

▪ Abstraída a previsão contratual, a cobrança em questão seria de qualquer modo abusiva e ilegal (CDC, art. 39, inc. V, e art. 52, § 2°).

De outra parte, nos contratos de certa ou longa duração, em geral, não se podem conceber cláusulas contratuais ou práticas do fornecedor que acabem por aprisionar o consumidor à relação contratual, por criar empecilhos para que ele, entregando a prestação a seu cargo, se desvencilhe do contrato, munido da devida quitação.

Em contratos que envolvam outorga de crédito, como o aqui analisado, maior a razão para se banir toda cláusula ou prática que impliquem na prisão do consumidor, porquanto está ele, enquanto durar a relação contratual, sujeito a suportar taxas de juros que, como notório, no Brasil estão entre as mais altas do planeta.

A despeito da possibilidade de recuperação pronta dos valores emprestados e liberação dos naturais custos operacionais de manutenção e acompanhamento da relação creditícia por longos prazos, os patamares estratosféricos que o consumidor paga a título de juros aos bancos, como o réu, inspiram esses poderosos credores à tentativa de aprisionamento do consumidor para, mantendo-o cativo pelo maior tempo possível, dele receber mais dos préfalados estratosféricos juros.

Daí porque o Direito pátrio, em que a proteção ao consumidor está inscrita como princípio constitucional a reger toda a ordem econômica (CF, art. 170, inc. V), não se compadece com a prática adotada pelo réu, nesta petição atacada.

Nesse sentido, sobreveio recente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado. Vejamos alguns trechos do enfático e esclarecedor julgado:

“A Resolução 2.747 do banco Central do Brasil (cf. fls. 96/99), em seu art. 2, que alterou Resolução anterior, estabelece, taxativamente, as operações bancárias não sujeitas à remuneração. Isto quer dizer que, não estando proibida expressamente, a remuneração pode ser cobrada. É o caso da remuneração objeto da ação, consubstanciada em cobrança de encargos para a operação de pagamento antecipado. Pode haver cobrança por não estar incluída na relação do dispositivo acima referido.

Não basta, porém, seja permitida. É necessário que não seja abusiva. Um critério prático para se saber que a remuneração é ou não devida é indagar se o que se pede vai acarretar um trabalho a mais ou não, relativamente àquilo que foi contratado ou ao que resulta do império da Lei. Pois bem, na hipótese houve contratação expressa da possibilidade do pagamento antecipado que, de resto, também é previsto em Lei. Se se trata de um direito assegurado no contrato, não pode o Banco cobrar nada pelo exercício desse direito. (...) É um abuso, portanto, cobrar por algo que já era condição do contrato. (...) Agora, pagar o que deve - e de forma antecipada - só ocorre uma vez, pelo que não faz sentido cobrar pela feitura de simples cálculos computadorizados e pela emissão de uma guia ou boleto de pagamento, que terá o mesmo processamento do pagamento de uma prestação qualquer, com algum adminículo de anotação de quitação geral, o que seria feito mesmo a final, caso não houvesse antecipação do pagamento.

Em suma, a cobrança de remuneração em tais condições é abusiva, pelo que violenta não só o CDC, mas também todo o Direito posto, que não compactua com qualquer tipo de cláusula contratual abusiva. Eis porque bem acolhida a ação neste aspecto. (...)

Agora, devolver a remuneração cobrada para o pagamento antecipado, e devolver o que cobrou a este título, é obrigação do Banco.”

(TJSP - Apelação Cível n° 7.123.452-1, Banco BMG S/A x Ministério Público – Rel. Desembargador Silveira Paulilo – j. 3.10.2007).

Dado o direito positivo incidente, certo se apresenta que o Poder Judiciário, a quem incumbe aplicar a lei ao caso concreto, deve impor ao banco réu, em suma: (a) declarar a abusividade e ineficácia da cláusula contratual que prevê a cobrança da tarifa de quitação antecipada em contratos já firmados ou futuros; (b) impor a vedação peremptória de abstenção da cobrança de tarifa de quitação antecipada, para contratos em vigor; (c) determinar a restituição das importâncias já cobradas de consumidores a título de tarifa de quitação antecipada, observado o disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC; tudo conforme adiante pormenorizadamente pleiteado.

VI. DA MEDIDA LIMINAR

Impõe-se a expedição de ordem liminar, inaudita altera parte, com base no art. 12 da Lei nº. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), uma vez que se encontram plenamente caracterizados os seus pressupostos jurídicos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.

O fumus boni juris traduz-se no direito do consumidor à proteção contra práticas abusivas no fornecimento de produtos e serviços (Código de Defesa do Consumidor, art. 6º, inc. IV) e no dever do fornecedor de abster-se de qualquer prática abusiva que, no caso vertente, é verificada pelo fato do réu, agindo de forma contrária à boa fé objetiva e ferindo o art. 52, § 2º, do CDC, cobrar tarifa de liquidação antecipada nos contratos de concessão de crédito (empréstimos pessoais, financiamentos, leasing etc.).

Nesse sentido, cumpre ressaltar novamente que a Resolução CMN n° 3.516/2007, ao proibir a cobrança de TLA para contratos futuros, reconheceu, ainda que implicitamente, a abusividade da prática, que onera excessivamente o consumidor.

Já o periculum in mora é observado na necessidade de inibir e impedir, o quanto antes, a aplicação dessa cláusula abusiva que está integrada em contratos singulares em indiscutível prejuízo ou perigo de dano ao consumidor, de modo a não se poder aguardar o julgamento definitivo da lide.

Tendo em vista o tempo decorrido com a regular tramitação do processo, a decisão final e definitiva da presente ação pode demorar alguns anos, acarretando sensível prejuízo aos milhares de consumidores que já efetuaram contratos de financiamento com o banco réu e que continuarão submetidos à referida cláusula abusiva.

Portanto, deve ser imposto, liminarmente, o dever jurídico de abstenção do uso da cláusula ora impugnada nos contratos de concessão de crédito em vigência, impedindo-se que o consumidor continue exposto a danos muitas vezes irreparáveis ou de difícil reparação.

Ante o exposto, o autor requer a concessão de MEDIDA LIMINAR, inaudita altera parte, com fundamento no artigo 12 da Lei nº. 7.347/85, a fim de determinar ao réu que se abstenha de aplicar a cláusula impugnada nos contratos já celebrados, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que deverá incidir a cada cobrança que efetivar em descumprimento do comando judicial, sujeita à atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13 da lei n° 7.347/85, regulamentado, no Estado de São Paulo, pela Lei nº. 6.536, de 13 de novembro de 1989 e pelo Decreto nº. 27.070, de 08/06/1987;

VII. DOS PEDIDOS

VII. 1. Dos pedidos principais

Mercê de todo o exposto, o autor pleiteia a procedência desta ação civil pública com o acolhimento dos seguintes pedidos:

a) Declaração de nulidade de toda cláusula, inserida pelo réu em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento, que prevejam – ou tenham previsto - a incidência de tarifa, a cargo do consumidor, em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial, do saldo devedor;

b) Condenação do réu à obrigação de não fazer consistente em abster-se de cobrar tarifa do consumidor em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial, do saldo devedor relativo a contratos vigentes que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento; sob pena de multa (Lei 8.078/90, art. 84; e Lei 7.347/85, art. 11), no valor de R$20.000,00 por consumidor indevidamente cobrado;

c) Condenação genérica do réu, na forma do art. 95 da Lei 8.078/90, a restituir em dobro (Lei 8.078/90, art. 42, parágrafo único), as importâncias já cobradas de consumidores a título de tarifa de quitação antecipada, com correção monetária e juros, tudo a ser liquidado e executado pelas vítimas ou seus sucessores, segundo as regras dos arts. 97 e seguintes, da Lei 8.078/90.

VII. 2. Dos pedidos acessórios

O autor requer ainda:

a) Seja determinada a citação e intimação postal do réu, no endereço acima informado, a fim de que, com expressa advertência sobre os efeitos da revelia (CPC, art. 285) e no prazo de 15 (quinze) dias, apresente resposta, se lhe aprouver, aos pedidos ora deduzidos;

b) Seja determinada a expedição e publicação no órgão oficial do edital de que trata o art. 94 da Lei 8.078/90, a fim de que eventuais interessados possam intervir como litisconsortes;

c) A condenação do réu ao pagamento das custas processuais, devidamente atualizadas;

d) A dispensa do autor ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, tendo em vista o disposto no art. 18 da Lei 7.347/85;

e) Sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, na Promotoria de Justiça do Consumidor, sediada na Rua Riachuelo, 115, 1° andar, sala 130, Centro, São Paulo/SP, à vista do disposto no art. 236, § 2°, do Código de Processo Civil, e no art. 224, inc. XI, da Lei Complementar Estadual 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público).

VIII. DAS PROVAS

Protesta o autor por provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente pelas provas testemunhal, pericial e documental, bem assim por todos os demais meios que se apresentarem úteis à demonstração dos fatos aqui articulados, observado ainda o disposto no art. 6°, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, no que toca à inversão do ônus da prova em favor da coletividade de consumidores substituída processualmente pelo autor.

Anota, outrossim, que a presente petição inicial vai instruída e fundamentada com os autos do Inquérito Civil IC n° 14.161.873/07, que contem 75 folhas numeradas.

IX. DO VALOR DA CAUSA

Para efeito de alçada, à causa atribui o valor de R$150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais).

P. deferimento.

São Paulo, 27 de dezembro de 2007.

Ruymar de Lima Nucci

3° Promotor de Justiça do Consumidor

Ana Cristina Ribeiro Janela

Estagiária do Ministério Público

Paula Martin Pignatari

Estagiária do Ministério Público

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[1] Banco Santander S/A é a atual denominação do Banco Santander Banespa S/A (fl. 51).

[2] Fl. 74.

[3] Relativos aos consumidores com contratos em vigor.

[4] Direitos daqueles que já findaram seus contratos de financiamento e já pagaram a tarifa.

[5] “É a conduta ou a cláusula que viola a boa-fé e os deveres impostos pela boa-fé aos agentes na sociedade”. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem – 2. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 150).

[6] NERY JR., Nelson, et al. Código de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 5ª ed. Rio de Janeiro: 5ª ed. Forense, 1998. p. 449/450.

[7] NERY JR., Nelson. Ob. Cit., p. 457/458.

[8] A boa-fé, em sentido amplo, é um conceito essencialmente ético, que define-se, segundo ALÍPIO SILVEIRA, como “a consciência de não prejudicar a outrem em seus direitos”. Em sentido estrito é essa mesma consciência de não prejudicar, quando fundada no erro ou ignorância, como preleciona o citado civilista. (Peça Dra. Adriana p. 17)

[9] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem – 2. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006. pág. 693.

[10] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 799.

[11] Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 2 ed. Ed. Saraiva, 2005. p. 572.

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