Artigo I - UEL



CENTRO DE AUTO-ACESSO (CAA): COMO PREPARAR, ORGANIZAR E VIABILIZAR UM ESPAÇO PARA GERENCIAR A AUTONOMIA EM APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS[1]

Rejane Jacqueline de Queiroz Fialho Taillefer

Introdução

O Projeto de Ensino intitulado “Compreensão e produção em linguagem oral em Espanhol, Francês e Inglês: implementação de um centro de auto-acesso através de estudo individual orientado", do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Estadual de Londrina, foi criado em 1995 para atender aos alunos da Graduação do Curso de Letras com habilitação dupla: Inglês-Português, Francês-Português e Espanhol-Português. Seu objetivo era então aproveitar o material de áudio e vídeo (não havia CD Roms), disponível no acervo do Laboratório de Línguas da UEL, para implantar o Sistema de Estudo Individual Orientado. Oportunizar ao alunado um Sistema de Estudo Individual Orientado era um meio para estimular e promover certa autonomia de aprendizagem em compreensão e produção de linguagem oral em língua estrangeira, visto serem essas habilidades as mais exigentes e difíceis de se por em prática. Essa primeira parte do projeto compreendeu quatro fases. A primeira fase implicou em seleção e preparação do material de vídeo e áudio e as tarefas previstas eram: seleção e avaliação da qualidade das fitas de áudio e vídeo gravadas disponíveis; relação do material de áudio com montagem de material escrito para acompanhamento das fitas, com exercícios complementares escritos e gabaritos, além de preparação e seleção de outras atividades, como: jogos, textos de civilização e cultura, textos literários, curiosidades..., todas essas atividades acompanhadas de respostas; cópias e minutagem do material de áudio; xerocagem do material escrito; listagem de todo o material de áudio e de vídeo. A segunda fase do projeto propôs-se a organizar e apresentar o material. Essa etapa exigiu: aquisição de plásticos, pastas e etiquetas; classificação do material em níveis de dificuldades (elementar, intermediário e avançado) atribuindo-se uma cor para cada nível; distribuição de pastas e etiquetagem do material com designação de cores; aquisição de escaninhos e arquivos para o espaço designado ao Sistema de Estudo Individual Orientado; cabinas e/ou aparelhos apropriados para estudo e audição das fitas cassetes e vídeo; preparação de manual de instrução para o usuário; listagem de revistas, fitas cassetes de músicas e vídeos para empréstimo. A terceira fase consistiu em pilotagem e funcionamento do Sistema de Estudo Individual Orientado, que implicou em: organização de horários, divulgação e inscrições de alunos; entrevistas para avaliação dos níveis e necessidades individuais; sugestões de estudos e montagem de programas; lista e dados dos usuários; acompanhamento do desenvolvimento das atividades; preparação de avaliação (opcional) dos usuários. Finalmente, a última fase preocupou-se com a manutenção do Sistema de Estudo Individual Orientado exigindo a verificação constante do material; reposição do mesmo; aquisição de novos materiais; fluxograma do material solicitado e readequação. Em sua terceira fase, o programa de Sistema de Estudo Individual Orientado contou com mais de oitenta alunos inscritos e funcionou inclusive aos sábados de manhã e de tarde por um período de seis meses. Entretanto, percebemos que um número significativo de alunos deixou de freqüentar o programa. Passamos então a fazer um levantamento dos motivos que levavam os alunos a desistir do estudo individual orientado. Através de questionários e entrevistas, constatamos que: a) os monitores não estavam devidamente preparados para o atendimento aos usuários por falta de posturas relativas à própria autonomia de aprendizagem; b) os usuários não apresentavam uma aprendizagem de língua e competência comunicativa satisfatórias por falta de posturas relativas à própria autonomia de aprendizagem; c) o projeto era considerado relevante pelos usuários, porém quando questionados sobre as falhas em seus programas de estudos, alegavam não dispor de tempo para estudar, ter dificuldades em lidar com problemas de aprendizagem, não conseguir diagnosticar o que ou como fazer; d) apesar de avaliado, selecionado e adaptado para implantar e operacionalizar o CAA - Centro de Auto-acesso - o material precisava também satisfazer às exigências da informática e a especificidade do material de vídeo exigia maior preparação e organização de atividades didáticas. Com base nesses dados, passamos a reformular o projeto que está em vigor desde o segundo semestre de 1998. Nossa participação no projeto começou quando este já se encontrava em plena fase de preparação e montagem do material que comporia nosso acervo para apoiar os alunos da Graduação da Habilitação Dupla em Letras Francês-Português.

Reformulação do projeto

Os princípios norteadores da reformulação do projeto são promover a autonomia de aprendizagem em língua estrangeira e organizar / selecionar material para o CAA, direcionado para o desenvolvimento das habilidades de compreensão e produção oral em língua estrangeira. Entendemos por autonomia de aprendizagem a situação do aprendiz quando se sente seguro para decidir o que aprender, como aprender, quando aprender. Autonomia de aprendizagem relaciona-se com estratégias de aprendizagem. De acordo com Oxford (1990), estratégias são recursos de que os alunos fazem uso para promover / otimizar sua própria aprendizagem em línguas. Sua importância para a aprendizagem de uma segunda língua justifica-se pelo fato das estratégias consistirem em instrumentos para um envolvimento ativo e auto-direcionado. Escolher adequadamente as estratégias de aprendizagem resulta em maior grau de auto-confiança e melhor desenvolvimento de proficiência. Para oportunizar o uso de estratégias de aprendizagem para o desenvolvimento das habilidades de compreensão e produção em linguagem oral, nosso projeto contempla subáreas (pronúncia, vocabulário, compreensão de textos gravados em áudio e vídeo, elaboração e produção de textos orais), que permitirão desenvolver um repertório de técnicas de estudos através de atividades pertinentes ao desempenho de compreensão e produção em linguagem oral. Como Oxford (1990) trabalha a relação entre o uso de estratégias de aprendizagem e as quatro habilidades lingüísticas (compreensão e produção de linguagem oral e escrita), seus estudos embasam nossa seleção de estratégias (cognitivas, de memória, de compensação e metacognitivas). Quanto às técnicas de estudos (study skills), essas podem ter um grande efeito no desempenho acadêmico. Miller (1997) observa que, freqüentemente, desempenhos não satisfatórios do aprendiz resultam do não fazer uso de técnicas de estudos apropriadas. Ao buscar autonomia de aprendizagem, entendemos haver necessidade de se selecionar técnicas de estudos, através de um repertório de atividades, para levar o aprendiz a empregá-las, visando melhor desempenho em relação à sua compreensão e produção de linguagem oral em língua estrangeira. Técnicas de estudos são aqui entendidas como recursos auxiliares e/ ou complementares para o desenvolvimento do uso de estratégias, com vista a promover um melhor desempenho do aprendiz em suas habilidades orais. Dentre as várias técnicas possíveis, podemos mencionar: organização do material de estudo; fontes de referência; anotações; compreensão global; busca de informações; revisão de conteúdos; perguntas; conversas sobre a aprendizagem; elaboração de textos reflexivos sobre a própria aprendizagem; descrição das atividades; reflexão sobre os mecanismos, dificuldades e conquistas durante o processo; escolha de ambiente favorável, etc. Embora sejam recursos auxiliares, revestem-se de extrema importância para viabilizar o uso das estratégias. Waters & Waters (1992) observam que enfocar um repertório de técnicas visa ensinar os aprendizes como estudar com sucesso. Nossa abordagem tem um enfoque pessoal / reflexivo, procurando levar o aprendiz a observar seu processo de aprender (como estudar com sucesso) e o tipo de ambiente que o ajuda a aprender melhor. Relacionar estratégias de aprendizagem e técnicas de estudos, em nosso entender, deverá promover maior eficiência de aprendizagem, levando o aprendiz à sua autonomia nesse processo. Muito embora privilegiemos as habilidades de compreensão e produção em linguagem oral, não descartamos algumas atividades para o desenvolvimento das habilidades de compreensão e produção em linguagem escrita.

Para desenvolver sua compreensão e produção de linguagem oral em língua estrangeira, a subárea de pronúncia envolve as estratégias de memória, cognitivas e metacognitivas. Agrupar, relacionar imagem e som, usar palavras chaves são estratégias de memória. As cognitivas requerem: repetição, prática formal do sistema fonológico, discriminação. Para as metacognitivas, recorre-se em prestar atenção, planejar atividades, identificar propósitos, automonitorar-se. A subárea do vocabulário usará as mesmas estratégias, sendo que para as de memória, busca-se a criação de vínculos mentais como associar, elaborar e também empregar vocabulário novo em contexto. As cognitivas implicam em recombinar e traduzir. As metacognitivas requerem automonitoração, estabelecimento de objetivos, criar relações e associá-las ao vocabulário já estudado. Quanto à subárea de compreensão de textos gravados, estão implicadas nesse processo todas as quatro estratégias acima citadas. A estratégia de memória abrange a criação de vínculos mentais (de contrastes, de semelhanças e seqüenciais) e uma revisão estruturada. A estratégia cognitiva será: receber e enviar mensagens, skimming, scanning, tomar notas, resumir. A estratégia de compensação trabalha com o uso de pistas, de qualquer natureza, para advinhar. A estratégia metacognitiva cria estruturas para organizar insumo e produção, prestar atenção e automonitorar-se. Finalmente, para a subárea de produção oral, as estratégias de memória recorrem à imagem/texto e revisões sistemáticas. As estratégias cognitivas implicam em praticar a produção oral (recombinar, recontar, organizar); buscar oportunidades de comunicação fora do ambiente formal; perguntar. As estratégias de compensação procura superar as limitações na produção oral, seja por ajuda, mímica, paráfrases, sinônimos. Enfim, as estratégias metacognitivas recorrem ao prestar atenção, identificar tipos de mensagens que se quer produzir, auto-avaliação e automonitoração.

Para atingir os objetivos propostos (autonomia de aprendizagem e organização / seleção de material), cada área de língua estrangeira distribuiu seus alunos em dois grupos, a saber: grupo de monitores e grupo de material. O grupo de material ficou responsável pela organização e seleção do material de áudio, vídeo e CD Roms para o CAA, direcionados para as habilidades de compreensão e produção em linguagem oral, além do acompanhamento e estudo dos textos teóricos trabalhados com o grupo de monitores. O grupo de monitores passou pela fase de conscientização da relevância do uso das estratégias de aprendizagem e técnicas de estudos. Essa preparação dos monitores foi realizada durante um semestre a partir de leituras e discussões de textos teóricos, sob a orientação dos professores, além da realização de diferentes atividades práticas de pronúncia, vocabulário, fonética, gramática, compreensão e produção de textos orais. Em cada uma dessas atividades, os monitores foram levados a refletir sobre as estratégias de aprendizagem realizadas e a explorar, observar e selecionar as técnicas de estudos apropriadas a cada um. No momento, os dois grupos trabalham em conjunto nas tarefas de material e de leituras de textos. Considerando que o projeto tem uma natureza duplicadora, os monitores passarão a duplicadores desse processo quando o projeto abrir o CAA para atender aos alunos de graduação e pós-graduação em Letras. O espaço está sendo preparado e estará funcionando a partir do segundo semestre letivo deste ano. A postura de aprendiz autônomo é essencial para que o monitor possa desempenhar sua função de elemento duplicador. Tal comportamento traduzir-se-á em: - estimular o usuário a procurar no conjunto de materiais oferecidos pelo CAA aquele que é o mais adequado às suas necessidades de aprendizagem; - não oferecer soluções, pois essas podem ser encontradas no material pesquisado; - se requisitado, orientar o usuário como procurar soluções; - não corrigir nem avaliar os resultados de aprendizagem alcançados, mas apontar as estratégias de aprendizagem e algumas técnicas de estudos que poderão ser utilizadas pelo aprendiz; - incentivar o usuário a voltar ao CAA, dispensando-lhe a atenção requisitada. Essas atitudes refletem um conjunto de crenças e práticas: - a autonomia é um processo trabalhoso e lento que exige disposição e vontade; - alcançar autonomia em aprendizagem de línguas depende do uso de várias estratégias e várias técnicas, além de um estudo disciplinado; - autonomia é conhecer e empregar materiais que ajudam a explorar as estratégias desde que se tenha consciência dos objetivos a serem atingidos. A pilotagem do uso do material e o papel do monitor como agente duplicador serão trabalhados nos próximos semestres através de reuniões com os monitores, levantamentos do material e entrevistas com os usuários.

Notas explicativas

1) Esse artigo foi redigido no primeiro semestre de 1999. O Projeto então contava com a participação dos seguintes professores: a) área de Inglês: Profa. Mestre Regina Maria G. Domiciano (coordenadora e supervisora responsável) e Profa. Mestre Loreni Terezinha Machado (colaboradora); b) área de Espanhol: Prof. Otávio Goes de Andrade (supervisor responsável) e Profa. Mestre Eliane Roncolato (colaboradora); c) área de Francês: Profa. Mestre Rejane Jacqueline de Q. Fialho Taillefer (supervisora responsável).

2) Para uma leitura mais aprofundada sobre estratégias de aprendizagem e técnicas de estudos, os professores responsáveis pelas áreas redigiram o artigo “Estratégias e Técnicas de Estudos para o Projeto de Ensino: A compreensão e produção em linguagem oral: Espanhol, Francês e Inglês. Implementação de um Centro de Auto-acesso.” Esse artigo foi publicado na revista Boletim 36 do Centro de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina.

3) Skimmig e scanning são termos comumente utilizados no jargão de leitura instrumental em língua estrangeira. Skimming implica em leitura instrumental à procura de informações globais, enquanto que scanning é a leitura instrumental à procura de informações detalhadas.

4) Em sua fase atual, o CAA está localizado na sala 147 - 2º piso do bloco do CCH – atendendo seus usuários, auxiliados por monitores do projeto, em horários especiais.

BIBLIOGRAFIA

MILLER, S. Introducing Study Skills. English Teaching Professional 1:19, 1996.

OXFORD, R. L. Language Learning Strategies. New York: Newbury House. 1990.

RUBIN, J. What the “Good Learner” can teach us. Tesol Quartely, 9 (1):41-51, 1975.

WATERS, M. & WATERS, A. Study Skills and Study Competence: getting the priorities right. ELT Journal; 46 (3):264-273, 1992.

WENDEN, A. & RUBIN, J. (orgs). Learner Strategies in Language Learning. Englewoods Cliffs, NJ: Prentice-Hall International. 1987.

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[1] Texto publicado em Boletim 39 – Revista da Área de Humanas – jun./dez. 2000. Londrina. UEL: p. 19-26. ISSN 0102-6968.

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