Profa - UFRGS



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

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GT História das Mídia Educativa

Coordenação: Marlene Blois (UniCarioca)

GT: História da Mídia Educativa

RÁDIO EDUCATIVA DE CAMPINAS

A experiência inovadora de uma emissora pública municipal

autoras:

Profa. Dra. Ivete Cardoso C. Roldão

Profa. Ms. Cláudia Lúcia Trevisan

Professoras da Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Sinopse do trabalho:

Artigo que objetiva narrar a história de uma das mais recentes emissoras educativas do país: a Rádio Educativa de Campinas – FM 101,9 Mhz., emissora pública, que está há quatro anos no ar e cuja concessão pertence à Prefeitura de Campinas, localizada no interior do estado de São Paulo. Visa relatar os objetivos iniciais da emissora, como ela se concretizou e os resultados obtidos nesse período de transmissão. Procura, antes, descrever como nasceu o rádio no Brasil e a sua relação com o Estado desde o princípio, fazendo uma rápida apresentação da política de concessões, que sempre atendeu aos interesses de um grupo privilegiado, para situar o contexto em que se localizam as emissoras educativas. Apresenta as possibilidades dessas emissoras em nosso país e os desafios no que se refere à qualidade de suas grades de programação.

palavras-chave:

rádio –história - ideologia - programação - educativa

Introdução:

Este artigo tem como objetivo principal narrar a história de uma das mais recentes emissoras educativas do país: a Rádio Educativa de Campinas, emissora pública cuja concessão pertence à Prefeitura Municipal de Campinas. Visamos relatar os objetivos iniciais da emissora, como ela se concretizou e os resultados obtidos nos quatro anos que está no ar.

Para falar sobre as rádios educativas é importante fazermos uma reflexão sobre o porquê delas existirem. Afinal o rádio nasceu no Brasil com o intuito educativo e cultural e hoje são pouquíssimas rádios que trabalham nesse sentido.

Nesta reflexão questionamos: É possível que o rádio propicie aos ouvintes programas que tenham um conteúdo que vá além do simples entretenimento? A mídia em geral, e especialmente o rádio, podem ser utilizados como instrumento de democratização do saber e de complemento do ensino formal?

Antes, porém, procuramos descrever neste artigo como nasceu o rádio no Brasil e a sua relação com o Estado desde o princípio, fazendo uma rápida apresentação da política de concessões de rádio e TV que sempre atendeu aos interesses de um grupo privilegiado, para situar o contexto em que se localizam as emissoras educativas.

A quem serve o rádio brasileiro? E a quem esse mesmo sistema de radiodifusão beneficia e prejudica? São perguntas que procuramos responder ao discutir o conceito de ideologia e a sua relação com a comunicação eletrônica em nosso país.

Acreditamos que a função do rádio, em especial, de emissoras educativas, não pode se limitar a simplesmente informar e entreter os ouvintes. Sem deixar de lado estes que são papeis já legitimados pela trajetória histórica desse veículo de comunicação, compreendemos que é preciso possibilitar outras alternativas que tenham como objetivo contribuir na formação de uma visão mais ampla da realidade social.

A partir do pressuposto de que a Comunicação e a Educação ao se encontrarem podem realizar propostas importantes, no sentido de contribuir com as duas áreas, acreditamos que a experiência de uma programação educativa pode colaborar na tarefa daqueles que estão preocupados em utilizar os veículos de comunicação como mais um recurso de trabalho, com equipes interdisciplinares, visando a melhoria e promoção da cultura e da educação. A Rádio Educativa de Campinas, no nosso entender, vem trilhando esse caminho.

Política de Radiodifusão ou “jogo de troca de favores”

Um resumo histórico de como se desenvolveu a política de concessões desde a década de 20, início do rádio no Brasil, traz dados que apontam para uma realidade na qual as leis se sobrepõem ao mesmo tempo em que limitam a ação dos atores políticos que têm interesse em fazer avançar a democratização da comunicação em nosso país. Os concessionários e os sucessivos governos brasileiros já sabem há muito tempo: ter a concessão de rádio ou TV significa muito poder.

Desde o surgimento do rádio no Brasil em 1922, nunca houve uma política democrática de concessões e nem uma legislação que realmente as controlasse. Até 1988, a legislação que regulamentava as concessões de rádio e televisão no Brasil atribuía ao presidente da República poder absoluto.

Foi o último presidente do Regime Militar um dos principais responsáveis pela distribuição indiscriminada de concessões. No governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985), foram “dadas” mais de 700 concessões de emissoras de rádio e televisão, o que representa mais de 1/3 do total das emissoras existentes desde o surgimento da radiodifusão no Brasil. “Boa parte dessas concessões foi outorgada por motivos políticos e a empresários e parlamentares ligados ao governo” (HERZ,1989 : 51).

Com o fim do Regime Militar veio a abertura democrática. Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney, presidente e Antônio Carlos Magalhães, ministro das Comunicações, fica traçado o quadro ideal para o que se pretendia fazer com o poder que o governo tinha nas mãos. Nos cinco anos da gestão Sarney (1985-1989), foram distribuídas, com o envolvimento direto do então ministro das Comunicações, 1.091 concessões. Vários estudos comprovam que essas concessões foram feitas em troca do voto pelos cinco anos de mandato do presidente Sarney. Em setembro de 1988, mês que antecedeu a promulgação da Constituição, foram dadas 257 concessões de rádio e TV e a edição do Diário Oficial do dia 29 daquele mês registrou 59 concessões. Até o final de 1995, em todo o Brasil já haviam sido dadas 3.208 concessões.

A atual Constituição, promulgada em 1988, ao definir que as concessões e renovações devem passar pelo Congresso, mudou apenas formalmente essa política. Fica difícil imaginar os parlamentares votando contra si próprios ou seus colegas, já que está comprovado que uma grande parcela dos parlamentares possui emissoras de rádio ou TV.

Em março de 1995, segundo o próprio Ministério das Comunicações, 83 deputados federais e 13 senadores tinham concessões de rádio e TV. É notória também a propriedade de fato de emissoras de rádio e televisão por parte de nomes famosos na política brasileira, como Antônio Carlos Magalhães e José Sarney, entre tantos outros[1].

Fica evidente, assim, que a radiodifusão brasileira é fruto de um “jogo político”. E que, em conseqüência dele, a programação, neste caso específico do rádio, transmite a ideologia que interessa a quem já domina o poder político e econômico no Brasil.

O primeiro passo para se mudar essa realidade pode ser dado com a discussão das possibilidades das emissoras educativas em nosso país. O desafio das educativas é “mudar as regras desse jogo”, no que se refere à qualidade de suas grades de programação.

O rádio e o debate sobre ideologia

Sem a pretensão de uma discussão aprofundada, objetivamos, inicialmente, introduzir referências norteadoras de nosso trabalho cotidiano sobre o conceito de ideologia. Embora os meios de comunicação de massa tentem desqualificar o debate sobre a questão da ideologia, ele ainda continua vivo, tanto no âmbito da filosofia marxista, como fora dela, tornando-se assim um tema universal do pensamento contemporâneo.

O que podemos observar na forma como os meios de comunicação apresentam as notícias, confirma a opinião de Marilena Chauí, (in SEVERINO, 1986) de que o discurso do poder (neste caso o discurso dos jornais, rádio e tv) precisa ser um discurso ideológico, para apresentar-se como discurso universal e não como discurso particular, representante de uma única classe, como de fato o é.

No que se refere ao papel das ideologias na sociedade burguesa, de acordo com Gramsci, as instituições que constituem a sociedade civil são o palco privilegiado dos conflitos ideológicos de classes. A despeito da análise de Gramsci não se referir especificamente aos meios de comunicação de massa, esse autor aponta para o fato de que “a ideologia constitui uma concepção de mundo que se manifesta na arte, no direito, na atividade econômica e em todas as manifestações da vida coletiva”. (SÁ, 1992 : 20).

É intrínseca a relação desses conceitos com a comunicação, que não estimula o raciocínio e massifica a população conduzindo-a a aceitar os interesses de uma minoria e legitimando o poder de quem já o tem: políticos, empresários e os próprios meios de comunicação de massa.

No nosso entendimento, o conteúdo de uma programação radiofônica, seja o jornalismo, os programas de variedades ou os educativos e mesmo a programação musical, vem carregada de ideologia a serviço desse ou daquele pensamento ou interesse.

Concordamos com BOURDIEU (1997 : 65), quando considera que os apresentadores de jornais televisivos, tornaram-se pequenos diretores de consciência, porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno-burguesa, que dizem o que cada cidadão deve pensar sobre ‘os problemas da sociedade’. A opinião de Bourdieu encaixa-se perfeitamente aos locutores de programas de rádio, AMs e FMs que se consideram “acima do bem e do mal” conduzindo os ouvintes, não a uma reflexão, mas sim a crença cega em suas informações que se misturam com idéias e opiniões.

O fato de no Brasil, a maioria das concessões ter sido dada a políticos ligados ao poder ou a seus correligionários que servem, muitas vezes, como “testas de ferro”, já começa a apresentar respostas às perguntas iniciais deste texto: a quem serve o rádio brasileiro? E a quem esse mesmo sistema de radiodifusão prejudica?

As rádios Educativas no Brasil

Em setembro de 2004 o Brasil comemora 82 anos do surgimento do rádio em nosso país. É importante lembrar que as emissoras que iniciaram suas atividades na década de 20, se organizavam enquanto sociedades civis ou clubes, tendo na difusão cultural seus atributos elementares.

Portanto, as primeiras emissoras de rádio tinham como princípio o caráter educativo. Na definição do próprio Roquete Pinto:

“O rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o animador das novas esperanças; o consolador do enfermo; o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruístas e elevado”. (FERRARETO 2000 : 97 apud TAVARES, 1997)

As emissoras surgiram sem legislação específica; o Estado apenas autorizava a existência delas com base nas leis da radiotelegrafia.

Em 1923, o cientista e professor Roquette-Pinto – posteriormente conhecido como o pai do rádio brasileiro - fundou a “Rádio Sociedade do Rio de Janeiro”, primeira emissora do país. A audiência era limitada às poucas pessoas que tinham recursos para adquirir aparelhos receptores importados e para se ter uma idéia da linha seguida pelas primeiras emissoras, a “Rádio Sociedade” apresentava inclusive palestras científicas e literárias.

Mas a “Rádio Sociedade do Rio de Janeiro” foi doada ao Ministério da Educação e, em 1936, passou a chamar-se Rádio MEC. Entretanto, Roquette-Pinto cedeu sua emissora com a condição de que a programação ficasse restrita a programas educativos.

Para poderem funcionar, as emissoras tinham, apenas, que pagar uma taxa para os Correios e Telégrafos. Somente na década de 30 surgiria o primeiro decreto específico para a radiodifusão. Através do decreto de 1/3/1932, foi permitida a transmissão de anúncios publicitários, em 10% e mais tarde em 20% do total da programação. Com o decorrer dos anos a publicidade começa a ocupar cada vez mais espaço na programação radiofônica, substituindo a sua finalidade principal, que era educativa. Nessa busca de grandes audiências, os próprios programas vão se modificando e se popularizando, o que, infelizmente, significou a perda de qualidade na programação.

Nos anos 40 e 50, a preocupação de Roquette-Pinto com a educação incentiva o surgimento de programas específicos, como o Universidade no Ar, criado em 1941 pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Anos mais tarde, surgiram os cursos básicos do Sistema de Rádio Educativo Nacional (Siren), irradiados de 1957 a 1963.

Nos anos 60 surge o MEB - Movimento de Educação de Base, da Igreja Católica, criando escolas radiofônicas que combinavam alfabetização com conscientização para promover mudanças de atitudes, utilizando para isso animadores populares. Uma experiência considerada inovadora, que deu um salto de qualidade no sistema educativo através do rádio.

Nos anos 70, o governo federal criou o Projeto Minerva, um programa de 30 minutos de cunho informativo-cultural e educativo, com transmissão obrigatória por todas emissoras do país. Era uma forma, de acordo com FERRARETO (2000 : 162) de o governo dar uma espécie de resposta aos movimentos de educação popular anteriores ao regime militar, como o MEB ou iniciativas baseadas no método Paulo Freire. Além da visão tecnicista e anti-democrática, o fato de ter a produção regionalizada, concentrada no eixo Sul-Sudeste, e uma distribuição centralizada, fez com que o Projeto Minerva acabasse não conquistando a população.

Em fevereiro de 1999, o Ministro Paulo Renato Souza assinou convênio com a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que substitui o Projeto Minerva. Pelo acordo, as emissoras associadas a Abert passaram a veicular aos sábados e domingos três pequenos programas (dois de cinco minutos e um de dois) em um horário escolhido por elas, entre as 6h e 22h. Invariavelmente, os programas tratam de ações do MEC, como Enem ou Provão, sempre terminando com a leitura de um poema ou trecho de um conto ou romance. Neles, o Ministro também aproveita para ler e responder cartas de ouvintes.[2]

Paralelo a isso, começam a ressurgir as rádios sem fins comerciais. Atualmente o Brasil possui cerca de quatro mil emissoras de rádio, e a maioria absoluta delas, tanto a emissoras AMs como FMs é comercial. As rádios educativas são concessões destinadas a Universidades, Fundações ligadas à governos Estaduais ou Municipais ou mesmo diretamente a Prefeituras.

É importante salientar que as emissoras universitárias constituem, hoje, parcela significativa da rede de radiodifusão educativa em nosso país e nessa área, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de acordo com FERRARETO ( 2000 : 140) foi a pioneira entre as instituições de ensino superior no Brasil. A rádio Universidade de Porto Alegre entrou no ar, em caráter definitivo, em 18 de novembro de 1957.

Já no que se refere as Rádios Educativas ligadas à Prefeituras Municipais, a Rádio Libertas de Poços de Caldas-MG, que iniciou suas atividades em 08 de agosto de 1975, reivindica ser a mais antiga do país.

Mas o fato de a concessão de uma emissora de rádio ser de uma prefeitura, nem sempre garante que a sua programação tenha o cunho educativo. Assim, sem uma pesquisa mais aprofundada, mas com conhecimento através de contatos e a própria condição de ouvinte na região de Campinas-SP., observamos que existem emissoras municipais que, embora tenham o “slogan” de educativa, se rendem a linha “popularesca” das emissoras comerciais com o objetivo de ganhar audiência na cidade de origem. A linha de programação acaba variando de acordo com o grupo político em exercício no poder executivo. Em outros, a tradição da emissora e a sua relação com setores da cidade fazem com que o caráter educativo seja mais efetivo.

O Rádio em Campinas[3]

A trajetória das emissoras de rádio na cidade de Campinas teve início com as experiências do padre Roberto Landau de Moura, em 1893. Nessa época o padre construía aparelhos de transmissão sonora, entretanto conseguiu patentear seu invento após o ano de 1900.

Em 1927, João Batista de Sá, conhecido como Jolumá de Britto, entusiasmado com as primeiras experiências realizadas no ano de 1922, quando ocorreu a primeira transmissão de rádio na cidade do Rio de Janeiro, decide incentivar colegas e com eles, realizar experimentos de transmissão e recepção em Campinas. Dessas experiências resultou a fundação da primeira emissora da cidade, a Rádio Clube de Campinas que após a regulamentação do Ministério das Comunicações, em 1930, passou a se chamar PRC 9 - Rádio Educadora de Campinas.

No início da década de 50, através dos irmãos Abel e Sinésio Pedroso, a Rádio Brasil AM iniciou suas atividades na cidade, tornando-se também referencial de programação e formação de profissionais nas áreas de jornalismo, entretenimento e locução. Com os profissionais que atuaram na Rádio Brasil, nasceu em 1952 a Rádio Cultura AM.

Em 07 de novembro de 1980 a Rádio Central AM foi inaugurada em Campinas pelo Monsenhor Geraldo Azevedo. Em 1986 a emissora foi comprada pela família de Orestes Quércia e a sua programação ganhou um cunho mais popular. A Rádio Central é atualmente a emissora AM mais ouvida da cidade.

Depois da tradição conquistada na transmissão em AM, começou na cidade a transmissão em FM. Em 1958 o pároco Monsenhor Geraldo Azevedo obteve a concessão para criar a primeira rádio FM de Campinas: a rádio Andorinha. Entretanto, a emissora operava com dificuldades e eram raros os aparelhos que captavam freqüência modulada. Somente em 1972 que a Rádio Andorinha passou a ser transmitida em sinal aberto. No decorrer dos anos, a concessão foi assumida e repassada para outros. Nesse processo a emissora mudou de nome duas vezes: Antena 1 e Nova FM. Esta última atualmente também pertence ao grupo de Orestes Quércia.

Pela dificuldade em possuir aparelho receptor dessas novas ondas, as emissoras FMs vieram a conquistar espaço na audiência do ouvinte próximo ao final da década de 70 e início dos anos 80.

Atualmente a cidade de Campinas conta com emissoras FMs que buscam segmentar sua programação, ou seja, são voltadas para o gosto musical como samba e sertanejo, para o rock, músicas internacionais, ou para a música brasileira e o pop e até aquelas de cunho religioso: as rádios Cidade e Laser pertencem à mesma empresa; a primeira tem uma programação musical voltada para o pagode, axé, entre outros e a segunda, apenas música sertaneja; a Educadora pertence à rede Bandeirantes e possui uma programação voltada para a música pop, a CBN Campinas com jornalismo 24 horas; a Nova Brasil com programação de música brasileira; a Antena 1 que tem uma programação de música internacional; a Jovem Pan Campinas voltada para a música pop; a 89 FM conhecida como a rádio rock e a Rádio Morena (que atualmente está arrendada pelos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus). É neste cenário de emissoras FMs que em Campinas que a Rádio Educativa se insere como uma emissora alternativa para um segmento importante do público.

A Rádio Educativa de Campinas

A Rádio Educativa de Campinas – FM 101,9 Mhz., é uma concessão da Prefeitura Municipal de Campinas – SP, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura, Esportes e Turismo. A concessão da emissora de rádio para o município de Campinas foi feita em 1993 pelo Ministério das Comunicações. A concessão quase foi cassada porque a emissora não começou a operar no prazo previsto.

A Rádio Educativa foi inaugurada oficialmente em 14 de julho de 2000, pelo então prefeito Chico Amaral[4], quando a cidade completou 226 anos. Entretanto, suas transmissões experimentais foram iniciadas um ano antes, em 11 de junho de 1999, quando passou a operar das 9 às 19 horas. A primeira transmissão oficial ocorreu somente no dia 1° de maio de 2000.[5]

A partir de 2001, com a posse de Antônio da Costa Santos-prefeito e Izalene Tiene -vice, que depois viria a ser a prefeita da cidade[6], a Educativa começou uma nova fase para o cumprimento de sua missão: “emissora pública, de vocação cultural e educativa”.[7]

Foi constituída uma equipe de trabalho nas áreas de jornalismo e na produção de programas pedagógicos e musicais. E a partir da compreensão de que o rádio é um veículo que tem em si próprio a tradição do popular e que aliado a uma programação educativa pode contribuir no processo de resgate da cidadania, a grade de programação foi sendo implementada, com programas que mesclam música, produção cultural e educativa e a produção jornalística.

A proposta inicial foi fazer da emissora um instrumento de comunicação com uma programação plural e democrática, com o princípio de que, uma emissora educativa não deve ser uma rádio institucional, porta-voz do governo, mas sim uma rádio que através do governo, sirva à população.

Assim, a Rádio Educativa de Campinas começa a ser reconhecida por setores importantes da população – professores, artistas, representantes de ongs e entidades populares, etc. – como um espaço de difusão de idéias e projetos culturais que tenham um comprometimento de transformação da sociedade. Esse reconhecimento se deve ao fato de que a Educativa tem como tarefa proporcionar oportunidade de divulgação e discussão da produção cultural da própria cidade e debater assuntos considerados importantes pela comunidade local.

Exemplos desse reconhecimento são as reportagens em revistas e jornais de circulação da região, como a Revista Metrópole e o Jornal Correio Popular que comentam sobre a grade de programação da emissora:“Funcionando na Torre do Castelo, a Rádio Educativa está há três meses no ar com novas propostas. Uma delas é valorizar o produto nacional.” (RIBEIRO, 2002:12)

E mais:

“Rádio Educativa de Campinas (FM 101,9), emissora municipal, apresenta (...) uma série de entrevistas com autoridades e especialistas em segurança pública e estudos da violência. A série “Caminhos contra a Violência” (...) tem por objetivo apontar as alternativas para amenizar a violência crescente em Campinas e buscar soluções que possam ser colocadas em prática.” (Correio Popular 25/01/2002)

O conceito de programação que constitui a grade da emissora tem como tripé a música, o jornalismo/prestação de serviços e os programas culturais/educativos. Entretanto, a idéia não é ter na grade de programação horários especiais para programas educativos, e sim, inserir conteúdos educativos em toda a grade de programação.

“Com programação intensa de 12 programas que mesclam jornalismo, música, cultura, educação e serviço, a rádio hoje é uma ótima alternativa para quem tem ouvidos um pouco mais exigentes. Com uma programação diferente a emissora tem conquistado a cada dia mais ouvintes.” (Jornal do Sinpro, 2003 : 6)

A programação musical da Educativa não é elitista e ao mesmo tempo não reproduz a massificação cultural verificada na maioria dos meios de comunicação que apresenta apenas a produção artística imposta pelas grandes gravadoras. A programação musical também se torna educativa ao desenvolver conteúdos a partir da música e resgatar a cultura local através de grupos e músicos da cidade.

A direção da emissora entende que a programação musical numa rádio educativa tem, primeiramente, o dever de divulgar toda a música sem restrição de estilo, forma ou nacionalidade, entendendo que música é cultura, e assim, música e cultura devem ser respeitadas e difundidas como tal.

A emissora transmite semanalmente um programa de três horas de duração de música erudita, “Momento Musical” no qual o apresentador faz análises históricas e comenta as músicas apresentadas. Paralelo a isso, de segunda a sexta feira a emissora apresenta o programa Acorda Viola com uma hora diária de música sertaneja e de raiz.

Há na Educativa a preocupação com a valorização da música popular brasileira, sua história, a de seus compositores, intérpretes, e principalmente na divulgação de suas obras, destacando a importância do cancioneiro popular (lembrando que canção é tudo que tem a finalidade de ser cantado) como transmissor de cultura. “...a canção popular pode dar às pessoas algo mais que a distração e o deleite. A canção popular pode ajudá-las a compreender melhor o mundo onde vivem e a se identificarem num nível mais alto de compreensão. (Nara Leão – contracapa do disco “Opinião de Nara”, novembro de 1964)

No que se refere ao jornalismo, é essencial que uma rádio educativa se diferencie das emissoras comerciais a partir da democratização das fontes e pautas, ou seja, incluindo os excluídos dos meios de comunicação. Na abordagem de qualquer assunto, procurar sempre priorizar, de fato, o interesse público e além de informar, também instruir o ouvinte sobre os temas em debate. Esse diferencial tem norteado a produção jornalística da Rádio Educativa de Campinas.

Não se pretende, na Rádio Educativa, dar voz à população para explorar suas mazelas e conflitos pessoais, pelo contrário, procura-se colocar na pauta do jornalismo as atividades da sociedade organizada e que busca os seus direitos. Assim, associações de bairros, conselhos comunitários, organizações não-governamentais, movimentos populares, sindicatos, entre outras formas de organização da população, têm prioridade.

As fontes oficiais também devem ser ouvidas, mas não se deve fazer delas as principais referências do jornalismo, pois assim apenas estaria sendo reproduzido o modelo onde quem controla a política controla os meios de comunicação eletrônica.

No caso específico da Rádio Educativa de Campinas, por problemas estruturais, ainda não se tem um jornalismo que conte com a participação do ouvinte. Mas esta interatividade deve aos poucos fazer parte do jornalismo da emissora, já que a participação do ouvinte nos debates, nas entrevistas e na pauta, podem tornar o jornalismo ainda mais próximo daqueles que sempre estiveram à margem das linhas editoriais da maioria dos meios de comunicação.

É a produção de programas culturais/educativos que se apresenta como o maior desafio para as emissoras educativas, já que a produção desse tipo de programa exige uma discussão mais aprofundada sobre o que deva ser o papel educativo propriamente dito desse veículo de comunicação.

A mídia pode e deve ser parceira da escola no processo educacional. Sem a menor pretensão de a primeira substituir a segunda, mas sim com o objetivo de ser um complemento no processo de aquisição de conhecimento. Segundo Sérgio Mamberti[8] é impossível se pensar a cultura hoje, sem pensar nos meios de comunicação. Nesse sentido, se deve pensar projetos que apontem formas de a cultura (popular e erudita) através dos meios eletrônicos de comunicação, entre eles o rádio, ser desenvolvida como um instrumento de entretenimento, mas também de conhecimento, de reflexão.

Os conteúdos podem e devem ser os mais variados, dependendo do interesse de cada cidade ou região. Temas como meio ambiente, saúde e a discussão da própria educação formal, podem ser abordados em qualquer emissora de uma forma mais geral, sem perder de vista as questões regionais. Já alguns temas como a história da cidade e ou região e a apresentação da cultura regional devem ser produzidos a partir de cada realidade.

No caso da Rádio Educativa, o projeto inicial previa a produção de programas sobre a história da cidade, meio ambiente, saúde, educação, entre outros. As deficiências estruturais e a própria inexperiência da equipe na produção de programas com esse conteúdo e com uma linguagem que atinja aos ouvintes de rádio fazem com que o projeto seja desenvolvido em um ritmo mais lento que o previsto inicialmente. No entanto, passos importantes já foram dados nesse sentido.

Buscando atender aos objetivos propostos pelo que concebemos que deva ser um programa educativo, com as características acima, o programa Ponto e Vírgula viabiliza experiências interdisciplinares, apresentando temas e assuntos referentes à Educação nos seus mais diversos aspectos, a partir dos interesses e das necessidades da comunidade: escolas municipais, supletivos, escolas estaduais e universidades, nos segmentos público, privado e não governamental.

Além desse programa semanal, já foi desenvolvido um programa especial no “Dia Mundial da Água” e, ainda, ‘spots’ de um minuto sobre temas como a ALCA, no que denomina-se de “programetes” ou “pílulas”. Dentro desse conceito de pequenas mensagens diluídas na programação conta-se hoje na programação com o “Educativa e a Cidadania”, “Sala de Leitura” , “Minuto Saúde, “Educativa e o Meio ambiente”, “Minuto Legal”, “Explique & Descomplique”, Agente da História, entre outros.

O “Agente da História”, por exemplo, permite a um cidadão contar sua trajetória de vida. Os personagens são pessoas “comuns”, que nunca foram autoridades, mas que foram decisivas, pelas suas histórias de vida, no processo de construção da cidade de Campinas.

Outro programa que merece destaque é fruto de uma parceria entre a Educativa e o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira. Usuários deste serviço de saúde mental de Campinas produzem e apresentam mensalmente o “Maluco Beleza”, veiculado no dia 10 de cada mês, as 10 horas com reapresentação as 22 horas, desde maio de 2002. Conforme (MATTOS : 2004), o Maluco Beleza “tem tom irreverente e trata tabus com humor. Quem apresenta o programa, por exemplo, é chamado de ‘loucutor’ ”.

Em que pese a produção de alguns programas mais dirigidos de conteúdo claramente educativo, no cotidiano dos programas jornalísticos, em programas musicais especiais e na própria programação musical do dia a dia, reafirma-se a proposta da direção da emissora de inserir o caráter educativo em todos os segmentos da programação.

Um outro passo dado por esta emissora educativa, foi a implantação, em novembro de 2003, do Conselho de Programação composto por representantes das Secretarias de Cultura, Esporte e Turismo e de Educação, das Universidades de Campinas e do Conselho Municipal de Cultura.

Este Conselho tem como competência estabelecer diretrizes e orientação básica à programação; analisar e opinar quanto à qualidade da programação em termos de meios, resultados e objetivos perante a comunidade de Campinas; opinar sobre eventuais alterações da programação; manter efetiva fiscalização sobre a produção e distribuição da programação.

Considerações Finais

O modelo de radiodifusão adotado no Brasil evidencia uma estrutura centralizadora. Com exceção da primeira década da radiodifusão, em que Roquete Pinto e Henrique Morize esforçaram-se por legitimar a radiodifusão como propagadora de propósitos culturais e educacionais, a história do rádio no país acabou inserindo-se no processo de construção da uma sociedade capitalista, tendo como principais características o lucro e o tratamento da programação enquanto mercadoria.

Assim, é importante considerar o espaço das rádios educativas como contraponto aos veículos de comunicação que, ideologicamente, estão a serviço de interesses econômicos e políticos de uma minoria.

As poucas rádios educativas existentes no Brasil têm a obrigação de trabalhar no sentido de resgatar o objetivo primeiro do rádio que era propagar a cultura e a educação. Contribuir para o processo educativo da população é uma tarefa compensadora, porém complexa. Uma dificuldade para a maioria das rádios educativas é a pequena estrutura comparada às emissoras comerciais e o fato de necessitarem de verbas públicas para seu funcionamento.

Mas a principal questão que merece uma reflexão mais aprofundada é que o educativo e o popular não são excludentes, no entanto não existe ainda uma fórmula pronta para a produção de programas que unam essas duas características. A única fórmula existente é a ousadia e a criatividade.

Pela curta experiência da Rádio Educativa de Campinas aqui apresentada, acreditamos ser possível que o rádio propicie aos ouvintes programas que tenham um conteúdo que vá além do simples entretenimento. E, entendemos também que a mídia em geral pode ser utilizada como instrumento de democratização do saber e de complemento do ensino formal.

Assim, projetos devem ser pensados e programas devem ser colocados no ar. Este é o caminho que a Rádio Educativa de Campinas, FM 101,9 Mhz tem procurado trilhar nesses seus quatro primeiros anos de vida. É o começo de uma história que merece ser contada.

BIBLIOGRAFIA:

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1997.

HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo. Porto Alegre : Ortiz, 1989.

SÁ, Antonio Álvaro Barbosa. Jornal Nacional - Política e Ideologia. Dissertação de Mestrado. Campinas: IFCH - Unicamp, 1992.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, Ideologia e Contra Ideologia. São Paulo :

Editora Pedagógica Universitária, 1986.

FERRARETO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre, Sagra Luzzatto, 2.000.

PERIÓDICOS:

JORNAL CORREIO POPULAR. Rádio Educativa faz série de programas sobre a violência. Campinas, 25 de janeiro de 2002

JORNAL DO SINPRO. Educativa FM: educando o ouvido. Campinas, Sindicato dos Professores da Rede Particular de Ensino de Campinas e Região, Junho de 2003.

MATTOS, Laura. Portadores de doenças mentais lançam programa. São Paulo, Jornal Folha de S. Paulo, 25 de fevereiro de 2004.

RIBEIRO, Bruno. Mudar de Estação. Campinas, Revista Metrópole, 25 de fevereiro de 2002, p. 12-4

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[1] Antonio Carlos Magalhães e sua família são concessionários da Rede Bahia, um conjunto de oito emissoras - retransmissoras da Globo espalhadas pelo estado e donas de 80%, em média, da opinião pública. Isso sem contar que ele controla mais de 120 emissoras rádios doadas no Estado a amigos ou aliados políticos. José Sarney é concessionário da Rede Globo do Maranhão e também controla uma vasta rede de meios de comunicação local.

[2] As informações sobre programação educativa foram extraídas do site da Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações

[3] As informações sobre a história das emissoras de rádio em Campinas foram encontradas na hemeroteca do Centro de Memória da Unicamp, na parte do acervo sobre a história da cidade em matérias publicadas nos jornais Correio Popular e Diário do Povo da cidade de Campinas.

[4] Chico Amaral era então filiado ao PPB - Partido Popular Brasileiro.

[5] O primeiro diretor da Rádio Educativa foi o jornalista e radialista Paulo Roberto Machado.

[6] O prefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, foi assassinado em 10 de setembro de 2001.

[7] Desde outubro de 2001, a diretora da Rádio Educativa é a jornalista Ivete Cardoso Roldão, uma das autoras deste artigo.

[8] Em palestra realizada no dia 05.04.2002, em Campinas. Atualmente o ator Sérgio Mamberti é Secretário de Artes Cênicas e Música do Ministério da Cultura.

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