HISTÓRIA DAS RELAÇÕES DA SOCIEDADE COM AS DEFICIÊNCIAS E ...

[Pages:5]HIST?RIA DAS RELA??ES DA SOCIEDADE COM AS DEFICI?NCIAS E AS PESSOAS COM DEFICI?NCIA

S?CULO XIX

Salete Aranha nos ensina que, at? o s?culo XIX n?o se verificou a predomin?ncia de um comportamento com rela??o ? defici?ncia ou ?s pessoas com defici?ncia. Deste modo, n?o se poderia falar, ent?o, de um paradigma que tenha apresentado relev?ncia sobre o modo de agir da sociedade quanto a esse assunto. Foi a partir do final da primeira metade do s?culo XIX que se definiu a educa??o das pessoas com defici?ncia intelectual (na ?poca chamados "retardados" ou "cretinos"). Estas seriam recolhidas em institui??es espec?ficas. havia, entre outras coisas a preocupa??o com o seu treinamento. Destaca-se, nesse contexto, a iniciativa de Johann Jakob Guggenb?hl (1816-1863) em Abendberg, na Su??a. Em geral, essas e outras institui??es, criadas para educa??o e reabilita??o, fugiram de seus objetivos iniciais e vieram a se converter em espa?os segregat?rios. A iniciativa, que come?ou na Europa se espalhou depois, tamb?m, pela Am?rica. Constituiu-se, assim o Paradigma da Institucionaliza??o e "... caracterizou-se, desde o in?cio, pela retirada das pessoas com defici?ncia de suas comunidades de origem e pela manuten??o delas em institui??es residenciais segregadas ou escolas especiais, freq?entemente situadas em localidades distantes de suas fam?lias. Assim, pessoas com retardo mental ou outras defici?ncias, freq?entemente ficavam mantidas em isolamento do resto da sociedade, fosse a t?tulo de prote??o, de tratamento, ou de processo educacional". (ARANHA, 2001, p. 165). A autora continua, na sequ?ncia: "Apesar de existirem desde o s?culo XVI, as institui??es totais n?o foram criticamente examinadas at? o in?cio da d?cada de 60, quando Erving Goffman publicou Asylums (tendo por t?tulo em portugu?s "Manic?mios, Pris?es e Conventos), que se tornou uma an?lise cl?ssica das caracter?sticas da institui??o e de seus efeitos no indiv?duo. Sua defini??o de Institui??o Total ? amplamente aceita at? hoje - "um lugar de resid?ncia e de trabalho, onde um grande n?mero de pessoas, exclu?dos da sociedade mais ampla por um longo per?odo de tempo, levam juntos uma vida enclausurada e formalmente administrada" (Goffman, 1962, XIII)".

Durante esse per?odo aparecem iniciativas voltadas ? educa??o de pessoas com defici?ncias, principalmente surdos e cegos. Verificam-se tamb?m mudan?as nas concep??es a respeito de defici?ncia e sa?de. O m?dico ? um higienista: observa, corrige, melhora o corpo social. Os

indiv?duos t?m de ser saud?veis. Isto assegura a sa?de de todos. Ampliam-se as escolas para surdos, como na Inglaterra, em que se

estabelece o ensino obrigat?rio para surdos e cegos entre 7 e 16 anos. Na Alemanha, Moritz Hill (1805-1874) cria m?todo pr?prio de educa??o para

crian?as surdas, usando a comunica??o oral.

1817 - Estados Unidos: a cidade de Hartford abre escola para surdos. Utiliza tanto os sinais quanto o alfabeto normal e a pr?pria escrita.

1835 ? 29 de agosto - Projeto de lei do deputado Corn?lio Ferreira Fran?a, n?o viabilizado, prop?e a cria??o do cargo de professor de primeiras letras em classes para surdos-mudos, tanto no Rio de Janeiro, capital do Imp?rio, como nos principais lugares de cada prov?ncia. (JANNUZZI, 2004, p. 10).

1852 ? 14 de maio ? ? instalado na avenida S?o Jo?o, pr?ximo ? pra?a da Rep?blica e, depois, transferido para a rua Tabatinguera (1862) o Asilo Provis?rio de Alienados da Cidade de S?o Paulo (Hosp?cio S?o Paulo), criado por lei provincial de 18 de setembro de 1848. Considerado o primeiro hosp?cio do pa?s, tinha por objetivo a exclus?o social dos loucos. (CUNHA, 1986, p. 5963).

1853 ? ? inaugurado o Hosp?cio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, criado por lei imperial de 18 de julho de 1841. Como o de S?o Paulo, seu principal objetivo era garantir a seguran?a e a tranquilidade das "pessoas normais" atrav?s da exclus?o social dos considerados como amea?a.

1854 ? 12 de setembro ? D. Pedro II cria o "Imperial Instituto dos Meninos Cegos", na cidade do Rio de Janeiro (Decreto Imperial, n? 1.428).

1856 ? Chegam ao Brasil, por encomenda de D. Pedro II, as primeiras regletes, chapas para escrita e os primeiros livros de pontos combinados em relevo chamados de "escrita pelo m?todo Braille". Foi o primeiro passo no sentido de internacionalizar esse m?todo, rec?m-criado e sendo j? utilizado em outra l?ngua que n?o a francesa.

1857 - 26 de Setembro ? ? fundada por Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, atrav?s da Lei n? 839, a primeira escola para surdos no Brasil, o "Imperial Instituto de Surdos-Mudos", por iniciativa de Ernesto Huet. Neste Instituto os alunos eram educados pela l?ngua escrita, dactol?gica e de sinais.

SAIBA MAIS

ERNESTO HUET

Nasceu em 1822 e ficou surdo aos 12 anos. Formou-se professor e emigrou para o Brasil em 1855. Atrav?s do marqu?s de Abrantes, Huet consegue o apoio de Dom Pedro II. "Come?ando a lecionar para dois alunos no ent?o

Col?gio Vassimon, Huet conseguiu, em outubro de 1856, ocupar todo o pr?dio da escola, dando origem ao Imperial Instituto dos Surdos-Mudos" (MAZZOTTA, 2003, p. 29). Voc? pode encontrar informa??es interessantes sobre Ernesto Huet em SILVA (1987, p. 287-288) e MAZZOTTA (2003, p. 28-30). ? recomend?vel, tamb?m, navegar pela p?gina oficial do INES (Instituto Nacional de Educa??o de Surdos) na internet.

1868 ? 29 de julho ? Inaugura??o do "Asilo dos Inv?lidos da P?tria", na Ilha do Bom Jesus, na Ba?a da Guanabara, Rio de janeiro, por Dom Pedro II. Empres?rios da ?poca, tr?s anos antes, tomaram a iniciativa de criar uma institui??o que abrigasse os soldados mutilados durante a guerra do Paraguai. Anteriormente, em mar?o de 1840, Dom Pedro II havia criado asilos para soldados sem condi??es para o servi?o militar por doen?a, defici?ncia ou idade. Estavam os asilos localizados no Rio de Janeiro e nas prov?ncias do Par?, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.

1874 ? O Hospital Estadual de Salvador, na Bahia (hoje Hospital "Juliano Moreira") inicia a assist?ncia aos "deficientes mentais".

1875 - Flausimo Jos? Gama, ex-aluno do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, cria um pequeno vocabul?rio de sinais baseado em desenho. Hoje sem uso.

1880 - It?lia: na cidade de Mil?o realiza-se o Congresso Mundial de Professores de Surdos. Acontecimento marcante para a defesa do "Oralismo", que prop?e a voz como ?nico meio de comunica??o para o surdo, condenando a l?ngua de sinais). Constituiu-se numa "inst?ncia que simboliza o banimento dos professores surdos das escolas e a proibi??o da l?ngua de sinais pelos surdos, promovendo o holocausto lingu?stico que promoveu a primazia da oralidade sobre a 'gestualidade". (FERNANDES, 2011). Este acontecimento coroou uma hist?ria de opress?o que tem limitado a concep??o de comunica??o humana, ao n?o reconhecer o sistema lingu?stico de uso dos surdos. "O oralismo triunfante, a partir da segunda metade do s?culo XIX, demarca o per?odo cunhado por S?nchez como de 'medicaliza??o da surdez' que, alinhado ?s demais pr?ticas contempor?neas de transforma??o da diferen?a em enfermidade (Pinel e os loucos), justifica a institucionaliza??o e a pedagogia terap?utica dispensada no tratamento aos surdos". (FERNANDES, 2011). O Congresso Mundial de Surdos, realizado em 1904, na cidade de Saint Louis, Estados Unidos, se constituiu num claro avan?o na defesa da l?ngua de sinais.

1882 ? 12 de setembro ? Na C?mara dos Deputados ? apresentado Parecer, de Rui Barbosa, ao projeto de n?mero 224, "Reforma do ensino prim?rio e v?rias institui??es complementares da instru??o p?blica". Apesar de ser uma proposta de a??o para valorizar a atividade f?sica na escola, aparece no documento a vis?o da ?poca com rela??o ?s pessoas que apresentam defici?ncia.

SAIBA MAIS

VIS?O DICOT?MICA DE HOMEM EM PARECER DE RUI BARBOSA, DE 1882

O Parecer apresentado por Rui Barbosa deixa evidente uma vis?o de ?poca com rela??o ao Homem, totalmente dicot?mica.

A? aparece claro que corpo e mente s?o como dois entes completamente estranhos; como se a fun??o do corpo fosse a de abrigar e, eventualmente, aprisionar, torturar a mente, a parte imaterial de n?s, seres humanos.

Neste contexto, algu?m, por exemplo, com paralisia cerebral e intelecto preservado viveria em cont?nua luta entre o espiritual e o material, entre o corpo e o esp?rito.

"Esta vis?o dual do Homem, est? presente, portanto, ao longo do Parecer de Rui Barbosa ao Projeto mencionado. ? certa altura de seu depoimento, assim refere-se ? rela??o corpo-mente: `...H?, n?o se nega, intelig?ncias superiores aliadas a corpos d?beis, a organismos franzinos, an?micos e nevrop?ticos. Quanto n?o custa, por?m, a esses desventurados, a aplica??o laboriosa da intelig?ncia ?s altas produ??es mentais? Quantas vezes a exalta??o cerebral, a que os condena a insufici?ncia da sua nutri??o geral, n?o ? descontada por largos intervalos de desfalecimento, por atrozes enfermidades nervosas, que lhes infligem o supl?cio de interromperem amiudamente os trabalhos mais caros ? sua alma, ...'

Mas "Preocupa-se, tamb?m Rui, em rebater, em seu Parecer, as cr?ticas daqueles que viam na gin?stica, `...um verdadeiro atentado materialista ? alma fr?gil da inf?ncia de da adolesc?ncia...' Escreve Rui Barbosa: `...A gin?stica n?o ? um agente materialista, mas, pelo contr?rio, uma influ?ncia t?o moralizadora quanto higi?nica, t?o intelectual quanto f?sica, t?o imprescind?vel ? educa??o do sentimento e do esp?rito quanto ? estabilidade da sa?de e ao vigor dos ?rg?os. Materialista de fato ? sim, a pedagogia falsa que, descurando o corpo, escraviza irremissivelmente a alma ? tirania odiosa das aberra??es de um organismo solapado pela debilidade e pela doen?a. Nessas criaturas desequilibradas, sim, ? que a carne governar? sempre fatalmente o esp?rito, ora pelos apetites, ora pelas enfermidades..." (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 49-50).

1890 ? 17 de maio ? Marechal Deodoro da Fonseca (chefe do Governo Provis?rio da Rep?blica) e Benjamim Constant, (Ministro da Instru??o P?blica, Correios e Tel?grafos) assinam o Decreto n? 408, alterando o nome do "Imperial Instituto dos Meninos Cegos" para "Instituto Nacional dos Cegos" e aprovando seu regulamento.

1891 ? 24 de janeiro ? Atrav?s do decreto n? 1320, o Instituto Nacional dos Cegos tem o nome mudado para Instituto Benjamim Constant ? IBC. Foi uma homenagem ?quele que j? havia lecionado matem?tica no instituto desde 1861 e que foi, depois, seu diretor, durante vinte anos.

1896 ? Franco da Rocha ? nomeado como primeiro diretor cl?nico do "Hosp?cio de Alienados", onde, desde 1893, rec?m-formado, fazia parte do corpo m?dico.

Foi o primeiro especialista a ocupar tal espa?o na institui??o. Agora, o hosp?cio tem um "diretor", n?o mais um "administrador" leigo como eram o alferes Tom? de Alvarenga e seu filho Frederico Alvarenga, que o sucedeu. (CUNHA, 1986, p. 65).

REFER?NCIAS BIBLIOGR?FICAS

ARANHA, M. S. F. Paradigmas da rela??o da sociedade com as pessoas com defici?ncia, Revista do Minist?rio P?blico do Trabalho, Ano XI, n? 21, mar?o, 2001, pp. 160-173

CASTELLANI FILHO, Lino. Educa??o f?sica no Brasil: a hist?ria que n?o se conta. Campinas: Papirus, 1988 (Cole??o Corpo e Motricidade), 224 p.

CUNHA, Maria Clementina Pereira da. O Espelho do Mundo: Juquery, a hist?ria de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, (Cole??o "Estudos Brasileiros", vol. 96), 217 p.

JANNUZZI, Gilberta de Martino. A educa??o do deficiente no Brasil: dos prim?rdios ao in?cio do s?culo XXI. Campinas: Autores Associados, 2004, 243 p.

MAZZOTTA, Marcos Jos? da Silveira. Educa??o especial no Brasil hist?ria e pol?ticas p?blicas. 4? ed. S?o Paulo: Cortez, 2003, 208 p.

SILVA, Otto Marques da. A epop?ia ignorada - a pessoa deficiente na hist?ria do mundo de ontem e de hoje. S?o Paulo: CEDAS, 1987, 470 p.

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