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As Presidenciais de 2006: reflex?es sobre a interpreta??o da pol?tica nos jornais

Susana Salgado()

()Instituto de Ci?ncias Sociais da Universidade de Lisboa E-mail: susana.salgado@ics.ul.pt

AActual tend?ncia para um jornalismo interpretativo, em detrimento do jornalismo descritivo mais habitual at? h? cerca de tr?s d?cadas, leva a que a constru??o de cen?rios e antecipa??o de situa??es e realidades seja algo muito comum nos media dos nossos dias. Isto significa que j? n?o s?o apenas publicadas not?cias sobre o factual, o que aconteceu, mas tamb?m s?o publicadas not?cias sobre o que poder? acontecer. Neste contexto, podemos afirmar que as poss?veis candidaturas e estrat?gias dos candidatos s?o antecipadas como forma de dar resposta a esta nova necessidade dos media, mas tamb?m porque os pol?ticos v?em os meios de informa??o como uma esp?cie de laborat?rio onde podem testar decis?es futuras.

O caso das pr?ximas Elei??es Presidenciais em Portugal (2006) ? sintom?tico. No mesmo ano em que foi eleito Jorge Sampaio para o exerc?cio do seu segundo mandato, 2001, come?a a perceber-se uma subtil insist?ncia na divulga??o de not?cias na imprensa escrita e nas televis?es sobre um poss?vel candidato presidencial ?s pr?ximas elei??es em 2006. Falamos de Cavaco Silva, Primeiro-Ministro de Portugal de 1985 a 1995, economista e professor universit?rio.

Em Maio de 1985, Cavaco Silva emergiu como Presidente do Partido Social Democrata (PSD) no Congresso do partido na Figueira da Foz, para vencer tr?s elei??es legislativas e governar durante uma d?cada. Gostava de repetir que Portugal mudara e que os seus advers?rios pol?ticos, ao contr?rio dele, n?o se tinham apercebido do facto. Por isso, ele ganhava e eles perdiam. S? que a magia n?o durou sempre. Entre 1993 e 1996, Cavaco Silva e o seu partido perderam todas as elei??es, das aut?rquicas ?s presidenciais. "Tinha-se uma enorme sensa??o de vazio ? nossa volta", confessou o seu assessor de imprensa e cronista Fernando Lima. Em 1996, Cavaco Silva, rec?m sa?do do cargo de Primeiro-Ministro e apoiado pelo PSD, decidiu disputar as elei??es presidenciais contra Jorge Sampaio, candidato apoiado pelo Partido Socialista (PS), mas perdeu. Houve quem defendesse que a sua derrota esteve relacio-

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nada com uma m? gest?o da sua campanha eleitoral e quem acreditou que a sua imagem estava ainda muito associada aos epis?dios de crise dos ?ltimos anos da sua governa??o.

Alguns colunistas da imprensa acreditam ainda que Cavaco Silva sempre teve inten??es de voltar a candidatar-se a elei??es presidenciais, mas, que desta vez, resolveu apostar na gest?o da sua imagem e na constru??o calculada da sua candidatura, como por exemplo, este artigo do seman?rio Expresso de 26 de Maio de 2001, intitulado O que eles dizem: "O que faz intervir Cavaco Silva? Que motiva??es e que inten??es estar?o por detr?s das sistem?ticas incurs?es medi?ticas que faz na vida pol?tica do pa?s? A quem servem (ou a quem n?o servem...) estas interven??es de choque, estes raides inesperados e metodicamente preparados -- uma entrevista seguida de uma confer?ncia universit?ria e de um almo?o com antigos ministros e governadores civis, tudo pontuado por declara??es ? medida dos telejornais?".

Em 2002, come?am a ser publicadas na imprensa sondagens de opini?o sobre as Presidenciais 2006, como lembra M?rio Bettencourt Resendes, actual administrador do Di?rio de Not?cias. "Recordo-me que ainda era director do Di?rio de Not?cias e que, com alguma antecipa??o, em 2002, decidi incluir no bar?metro que fazemos com a Marktest sobre a varia??o do estado da opini?o p?blica, perguntas sobre as presidenciais de 2006 simulando cen?rios e candidatos." Desde essa altura, n?o s? todas as sondagens de opini?o sobre os potenciais candidatos ?s presidenciais de 2006, d?o a vit?ria a Cavaco Silva, como todos os meios de comunica??o divulgam not?cias sobre ele, mas apesar disso, Cavaco Silva s? confirmou publicamente a sua inten??o de candidatar-se cerca de tr?s meses antes das elei??es, no dia 20 de Outubro, depois de toda a estrutura da sua candidatura estar preparada para a campanha eleitoral.

Enquanto Cavaco Silva, o candidato apoiado pela direita, geriu a sua estrat?gia de sil?ncio e de avan?os e recuos, foram surgindo in?meras possibilidades de candidaturas ? esquerda, apoiadas pelo PS: Ferro Rodrigues1, Ant?nio

1Ferro Rodrigues foi Secret?rio-Geral do Partido Socialista de 2002 a 2004, quando se demitiu. A grande contesta??o ? sua lideran?a e o seu nome foi envolvido no esc?ndalo de pedof?lia da Casa Pia poder?o ter pesado na sua decis?o de afastamento. Em Setembro de 2004 Jos? S?crates, actual Primeiro-Ministro, foi eleito o novo Secret?rio-Geral do PS.

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Guterres2 , Manuel Alegre3 , Ant?nio Vitorino4 , Freitas do Amaral5 ou M?rio Soares6. Este ?ltimo, n?o obstante ter manifestado em p?blico por diversas vezes o "rid?culo" de uma candidatura sua, viria a tornar-se o candidato apoiado pelo PS, considerando-se o ?nico em condi??es para derrotar Cavaco Silva e expressando como principais objectivos de candidatura a necessidade de "vencer o estado de esp?rito depressivo" dos portugueses e de preencher um "certo vazio" quanto a candidatos mobilizadores.

A candidatura de Soares, confirmada pelos jornais a 25 de Julho e assumida a 31 de Agosto, foi inesperada para a maior parte das pessoas. Com 80 anos, M?rio Soares referiu aos media, por diversas vezes, que n?o voltaria ? pol?tica activa. Recorde-se o famoso "Basta" (de vida politico-partid?ria) por ocasi?o da celebra??o do seu anivers?rio em Lisboa, no m?s de Dezembro de 2004, ou no programa da SicNot?cias com o jornalista Ant?nio Jos? Teixeira, "Sociedade Aberta", onde quando questionado sobre a possibilidade de se voltar a candidatar ? Presid?ncia da Rep?blica, defendeu com veem?ncia a necessidade de haver renova??o na vida pol?tica portuguesa.

O posicionamento de Soares como candidato "atropelou" Manuel Alegre, seu amigo de longa data e o principal hip?tese at? ao momento de candidatura ? esquerda, apoiada pelo PS. O nome de Manuel Alegre aparece pela

2Ant?nio Guterres foi Primeiro-Ministro de 1995 a 2002, ano em que se demitiu depois de uma derrota nas elei??es locais (Aut?rquicas). O seu nome foi sempre indicado como candidato preferencial da esquerda ?s elei??es Presidenciais de 2006, at? ao momento em que foi escolhido para o cargo de novo Alto Comiss?rio da ONU para os Refugiados, em 2005.

3Poeta e pol?tico de esquerda. Actual deputado ? Assembleia da Rep?blica pelo Partido Socialista. Foi o primeiro pol?tico da esquerda a manifestar publicamente a sua disponibilidade para ser candidato ?s pr?ximas Presidenciais.

4Ant?nio Vitorino foi Comiss?rio Europeu respons?vel pela Justi?a e pelos Assuntos Internos durante o per?odo da Presid?ncia de Romano Prodi na Comiss?o Europeia e Ministro da Defesa de um dos Governos de Ant?nio Guterres, nunca manifestou interesse em candidatar-se, apesar de ser apontado como um dos mais fortes candidatos da esquerda ao cargo.

5Freitas do Amaral foi fundador e presidente do CDS, partido de direita (1974 -1982 e 1988 -1991); Em 1986 foi candidato ?s Presidenciais, tendo perdido na 2a volta contra M?rio Soares. Recentemente, foi convidado pelo actual Primeiro-Ministro, Jos? S?crates, para o cargo de Ministro dos Neg?cios Estrangeiros, facto bastante comentado por se tratar de um governo socialista com maioria absoluta e Freitas do Amaral ser oriundo de um partido de direita.

6Foi um dos fundadores, em 1973, do Partido Socialista, do qual foi o primeiro secret?riogeral. Foi Primeiro-Ministro de 1976 a 1978 e de 1983 ? 1985. Foi presidente da Rep?blica dois mandatos sucessivos, de 1986 a 1996. Actualmente, com 80 anos ? o pol?tico mais bem posicionado para se apresentar como o candidato da esquerda ?s Presidenciais de 2006, pois Jos? S?crates, Primeiro-Ministro, expressou publicamente o seu apoio e o do partido a uma eventual candidatura de M?rio Soares.

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primeira vez associado a uma poss?vel candidatura a 30 de Mar?o de 2005 no P?blico. Sob o t?tulo "Alegre poder? ser candidato a Bel?m" ? referido que ele re?ne o consenso de diversos sectores do partido para travar o combate contra a eventual candidatura de Cavaco Silva e ? equacionado como a hip?tese mais favor?vel para o PS. N?o obstante este cen?rio aparentemente favor?vel ? sua candidatura, Alegre s? viria assumir a sua disponibilidade em declara??es ao mesmo jornal, cerca de quatro meses depois. Mas, o sil?ncio do PS face ao candidato a apoiar nas Presidenciais n?o permitiu a resolu??o do problema naquele momento. A edi??o impressa do P?blico de 23 de Julho noticiava desta forma os avan?os relativamente ?s defini??es das candidaturas de esquerda: "J? h? um candidato a Presidente. Alegre assume em declara??es ao P?blico a disponibilidade para se candidatar contra Cavaco. Ontem, Soares esclareceu que n?o ? candidato."

A 30 de Agosto, um dia antes do an?ncio formal da candidatura de Soares, Alegre reuniu diversos apoiantes num jantar em Viseu, e anunciou em directo pelas televis?es que n?o concordava nem apoiava a candidatura de Soares, mas n?o seria respons?vel por uma divis?o da esquerda nas Presidenciais. "Discordo da candidatura que vai ser apoiada pelo Partido Socialista, pelo processo e pela solu??o. O processo n?o foi claro, a solu??o, em meu entender, n?o est? conforme aos crit?rios republicanos de renova??o pol?tica", declarou. E lembrou aos presentes e ?s televis?es que cobriram o evento em directo para os telejornais, que se disponibilizou para liderar uma candidatura de esquerda que teria "condi??es pol?ticas para obter um resultado surpreendente", contudo "a direc??o do PS fez outra escolha, n?o fui eu que dividi". Alegre n?o chegou, apesar destas declara??es, a afastar claramente a possibilidade da sua candidatura, deixando aberta a especula??o nos media.

E efectivamente, apoiado com os resultados das sondagens que lhe davam valores muito pr?ximos aos de Soares e na convic??o manifestada de que sem a sua pr?pria candidatura, Cavaco venceria ? primeira volta, Alegre posicionase como candidato ? Presid?ncia da Rep?blica a 24 de Setembro de 2005. Sem apoio partid?rio, Alegre partiu para o que acreditou ser um "teste ? cidadania", pensando mobilizar, desta forma, poss?veis abstencionistas e pessoas que n?o se reconhecem nos outros candidatos e no "aparelhismo partid?rio".

Mas, o primeiro a anunciar a sua candidatura ?s elei??es Presidenciais foi Jer?nimo de Sousa, a 24 de Agosto de 2005, numa tentativa assumida de quebrar o sil?ncio instalado em torno das elei??es presidenciais pois, por um lado, mantinha-se o "tabu" de Cavaco e, por outro, a indefini??o dos candidatos da

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esquerda, porque apesar de Manuel Alegre ter afirmado publicamente a sua disponibilidade para ser candidato, o PS ainda n?o tinha tomado nenhuma posi??o definitiva. Ao candidatar-se o pr?prio l?der do Partido Comunista Portugu?s, este partido quis valorizar as Presidenciais de 2006, esperando do confronto eleitoral "uma grande afirma??o e refor?o do PCP e do seu projecto para Portugal".

O Bloco de Esquerda resolveu apresentar igualmente o seu coordenador, Francisco Lou??, como candidato presidencial. O an?ncio formal foi feito a 3 de Setembro, com a garantia de que o BE "vai evitar confrontos ? esquerda", pois o "objectivo ? derrotar a direita" (Di?rio de Not?cias, 3 de Setembro).

Garcia Pereira, candidato apoiado pelo PCTP-MRPP e de orienta??o ? esquerda, apresentou a sua candidatura para as Presidenciais de Janeiro de 2006, a 12 de Setembro. Referiu nessa ocasi?o que os objectivos estrat?gicos da sua candidatura eram n?o s? impedir a vit?ria de Cavaco Silva, mas tamb?m a de M?rio Soares, "dois dos maiores respons?veis pela situa??o de crise em que o pa?s se encontra neste momento". Foi o ?nico a assumir-se publicamente como "o candidato que n?o vai ser eleito", mas que pode lan?ar para discuss?o na campanha "as quest?es que interessam verdadeiramente ao povo portugu?s e dessa forma, obrigar os outros candidatos a clarificar as suas posi??es".

Todos os candidatos de esquerda parecem ter condicionado as suas candidaturas ? possibilidade de ? direita surgir a candidatura de Cavaco Silva, pois todos elegeram como combate primordial derrotar a direita. M?rio Soares revelou que ? o ?nico capaz de unir os portugueses e "evitar o passeio triunfal" de Cavaco Silva, Alegre acredita que sem a sua candidatura Cavaco vence ? primeira volta e Jer?nimo de Sousa e Lou?? quiseram com as suas pr?prias candidaturas ajudar a conferir import?ncia ?s Presidenciais de 2006 e a desmistificar a estrat?gia da direita para estas elei??es.

? quest?o sobre se a divis?o da esquerda n?o significar? uma vantagem para a candidatura de Cavaco Silva, os candidatos de esquerda s?o un?nimes em acreditar que, pelo contr?rio, as v?rias candidaturas reunir?o mais votos ? esquerda, impedindo a vit?ria de Cavaco ? primeira volta e permitindo a passagem a uma segunda volta entre o candidato da direita e um candidato forte apoiado por toda a esquerda.

A estrat?gia de utiliza??o dos media por parte dos v?rios candidatos foi diferente. Os de esquerda parecem ter recorrido aos meios de comunica??o social apenas para anunciar as suas candidaturas, ? excep??o de Manuel Alegre, cujo percurso de decis?o mais atribulado, parece ter resultado de uma

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