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Estilha?os: Uma empatia animada

Gordeeff, Eliane Muniz (2017) "Estilha?os: uma empatia animada." Revista Est?dio, artistas sobre outras obras. ISSN 1647-6158 e-ISSN 1647-7316. 8, (20), outubro-dezembro. 112-120.

Fragments: An animated empathy

ELIANE MUNIZ GORDEEFF*

Artigo completo submetido a 22 de janeiro de 2017 e aprovado a 5 de fevereiro 2017.

*Brasil, pesquisadora, animadora, designer, professora. Bacharelado, Desenho Industrial, habilita??o Programa??o Visual, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestrado em Artes Visuais, UFRJ.

AFILIA??O: Universidade de Lisboa; Faculdade de Belas-Artes (FBAUL); Centro de Investiga??o e de Estudos em Belas-Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal. E-mail: gordeeff@.br

Resumo: O objetivo deste artigo ? analisar o uso da hibridiza??o da imagem animada e filmada na cria??o de uma narrativa que propicia a empatia do p?blico. A obra em quest?o ? o curta-metragem Estilha?os (2016), do animador portugu?s Jos? Miguel Ribeiro. Para as an?lises s?o desenvolvidas as quest?es da varia??o de informa??o visual e de como o espetador recebe essas imagens -- atrav?s dos trabalhos de George Sifanos (2012), de Andr? Gaudreault e Fran?ois Jost (1995) e de Marie-Jos? Mondzaim (2015). Palavras-chave: Hibridiza??o da imagem / Imagem animada / Espetador.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the use of hybridization of the animated and filmed image in the creation of a narrative that propitiates the empathy of the public. The work in question is the short film Fragments (2016), by the Portuguese animator Jos? Miguel Ribeiro. The questions of variation of visual information and how the spectator receives these images are developed for the analyzes -- through the works of George Sifanos (2012), of Andr? Gaudreault and Fran?ois Jost (1995) and of Marie-Jos? Mondzaim (2015). Keywords: Hybridization of the image / Animated image / Spectator.

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Revista Est?dio, artistas sobre outras obras. ISSN 1647-6158 e-ISSN 1647-7316. 8, (20), outubro-dezembro. 112-120.

Introdu??o O objetivo deste artigo ? analisar o uso da hibridiza??o da imagem cinematogr?fica -- animada e filmada -- na cria??o de uma narrativa que propicia a empatia do p?blico. A obra em quest?o ? o curta-metragem Estilha?os (2016a), do animador portugu?s Jos? Miguel Ribeiro, que aborda um tema pouco explorado pela anima??o: as consequ?ncias da guerra na vida familiar.

Nascido em 1966, na Amadora, Ribeiro licenciou-se em Artes Pl?sticas na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Estudou cinema de anima??o na Lazennec-Bretagne (Rennes/Fran?a) e na Film?grafo (Porto/Portugal), em 1993/94 (curtas. pt, 2017). Ribeiro realizou v?rias curtas-metragens, sendo A Suspeita (1999), a de maior destaque com diversas premia??es, inclusive o Cartoon d'Or 2000.

Apesar de utilizar o stop motion (anima??o de volumes) na maioria de suas produ??es -- como em Ovos (1995) e A Suspeita (1999) -- Ribeiro tamb?m utilizou a mistura de t?cnicas, como em Abra?o do Vento (2004), em desenho e pintura sobre papel com anima??o de volumes; e em Viagem a Cabo Verde (2010), em desenho e pintura animada. Mas Estilha?os ? o seu trabalho visualmente mais sofisticado.

A hist?ria ? apresentada atrav?s do desenho animado e do stop motion, aliados ? imagem filmada, criando n?veis de informa??o diferenciados. Para analisar esse conjunto h?brido, dois pontos s?o desenvolvidos nesse artigo: a quest?o da varia??o de informa??o fornecida atrav?s das imagens e como o espetador as recebe.

Para tanto s?o utilizados principalmente os trabalhos de George Sifanos (2012) -- sobre a est?tica animada ?; de Andr? Gaudreault e Fran?ois Jost (1995) -- sobre a narrativa cinematogr?fica. Enquanto o estudo de Marie-Jos? Mondzain (2015) -- sobre o espetador -- ? a base para as an?lises da rela??o do p?blico com a imagem.

O drama familiar (Figura 1) ? originado pela participa??o do pai na guerra da Guin?-Bissau. Mesclando lembran?as e a imagina??o do filho, j? adulto, e as mem?rias do pai, a hist?ria vai sendo constru?da pelo p?blico. E ao mesmo tempo em que este vai sendo absorvido, ? remetido para fora da narrativa -- como o punctum de Barthes (1984), pois a curta-metragem o faz pensar sobre a sociedade portuguesa e o momento em que vivemos.

O curta-metragem j? obteve reconhecimentos importantes: no Festival Monstra recebeu o pr?mio de Melhor Curta-Metragem Portugu?s; no Cinanima, o Pr?mio Ant?nio Gaio e Pr?mio Especial do J?ri; e tamb?m recebeu o Pr?mio Nacional da Anima??o 2016, em Portugal.

1. Estilha?os, uma hist?ria aos peda?os Como o pr?prio Ribeiro (filho de ex-militar), declara, a hist?ria foi baseada em uma experi?ncia pessoal: "eu quis encontrar uma forma de falar desta intrus?o

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que ?, um passado traum?tico que se contagia para al?m da pessoa que o viveu" (Ribeiro 2016). Investigando sobre as consequ?ncias das Guerras Coloniais, ele encontrou um estudo de Mestrado em Psicologia da Universidade de Coimbra, Traumas da Guerra: Traumatiza??o Secund?ria das Fam?lias dos Ex-Combatentes da Guerra Colonial com PTSD (2008), de Susana Martinho de Oliveira (Estilha?os, 2016b). Este trabalho comprovou que o estresse p?s-traum?tico de guerra, passa dos pais para os filhos, atrav?s das m?es. O que de forma cient?fica explicava e comprovava coisas que sentia, dando-lhe impulso para desenvolver o projeto, iniciado em 2011 (Ribeiro, 2016).

A anima??o come?a em um momento de como??o popular: um dia de jogo da equipa portuguesa no Campeonato Europeu de Futebol, de 2004, em uma cidade lusitana, com um pequeno incidente de tr?nsito, que desperta a ira de um dos motoristas envolvidos (Figura 2). O jovem, consternado com seu ataque de f?ria, vai ? casa do pai.

Ao chegar, percebe-se que a rela??o dos dois n?o ? pr?xima. O filho pede ao pai que lhe explique de onde vem toda a raiva, e lembra da inf?ncia, quando o pai tamb?m teve uma briga no tr?nsito. O filho sente que h? algo no passado que n?o se resolveu. E que apesar de sua tentativa de se distanciar da rela??o paterna, a viol?ncia reprimida o influenciou.

Assim surgem imagens de soldadinhos de brinquedo, como os soldados em uma miss?o -- s?o as lembran?as do filho sobre uma hist?ria do pai (Figura 3) -- que conta um facto de uma granada armadilhada pelo pelot?o. O filho cobra uma explica??o: n?o foi s? isso que aconteceu.

Ent?o surge uma sequ?ncia h?brida, de imagem filmada e desenho animado (Figura 4 e Figura 5) -- "h? uma certa cola, mas, por outro lado, um certo contraste. ? uma hist?ria de coisas que ficaram mal resolvidas, que n?o est?o encaixadas" (Ribeiro, 2016). No dia seguinte ? granada armadilhada, ao verificarem o local, parte do pelot?o foi morto em uma emboscada, e um dos soldados se mata, por n?o ter assumido o seu lugar ? frente do pelot?o, o que acarretou na morte de um companheiro.

Numa passagem de desenho para a imagem filmada surge o filho, que "a partir desse momento [...] recupera uma dimens?o que n?o tinha antes" (Ribeiro, 2016). Mas o pai continua em desenho e ? sombra -- ele continua no passado. Para finalizar, o animador cria uma grande sa?da da cena (zoom out), atrav?s de 3D, abrindo o plano para a vis?o de v?rios pr?dios e pessoas, torcendo com um golo da sele??o portuguesa. H? uma ironia nessa imagem, como o pr?prio Ribeiro (2016) explica: "sair daquela hist?ria das duas pessoas, e saber que naquela cidade existiram muitas mais hist?rias, que naquele momento ningu?m est? querendo saber".

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Revista Est?dio, artistas sobre outras obras. ISSN 1647-6158 e-ISSN 1647-7316. 8, (20), outubro-dezembro. 112-120.

Figura 1 Still de Estilha?os (Jos? Miguel Ribeiro, 2016): um drama familiar. Fonte: Figura 2 Estilha?os. Still da cena da briga no tr?nsito, em um dia de jogo da Eurocopa de 2014. Fonte: label/Arte%20Final Figura 3 Estilha?os. Still da lembran?a do filho, sobre a hist?ria de guerra contada pelo pai. Fonte:

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Figura 4 Estilha?os. Still da lembran?a do pai, ao contar ao filho o que realmente aconteceu. Fonte: Figura 5 Estilha?os. Still da lembran?a do pai, ao contar ao filho o que realmente aconteceu. Fonte: Figura 6 Estilha?os. Still da lembran?a de inf?ncia do jovem, vendo o pai brigar no tr?nsito, est?tica e tecnicamente semelhantes a imagem da Figura 2. Fonte:

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