Brincadeiras de desenhos animados: Barbie, Susy, Hot ...

Brincadeiras de desenhos animados: Barbie, Susy, Hot Wheels e Pokem?n

Pedro Xavier Russo Bonetto EMEF Olavo Pezzotti

A experi?ncia curricular em quest?o aconteceu com duas turmas do primeiro ano do ensino fundamental, 1? A e 1? B, em uma escola da rede municipal de S?o Paulo e durou um semestre inteiro. O curr?culo produzido tomou como pressuposto o projeto pol?tico pedag?gico da institui??o.

Avessos a perspectiva de "homogeneiza??o" dos educandos, trabalhamos com a perspectiva de escola inclusiva para todos, na qual as diferen?as s?o desej?veis e desejadas, considerada a diversidade biopsicossocial que comp?em sine qua non a condi??o humana. A padroniza??o que buscamos em nossas a??es ? a do compromisso com a vida, a qualidade do exerc?cio da cidadania e da promo??o do ser humano (p. 16)1.

Outro texto que fundamentou as experi?ncias pedag?gicas foi o documento curricular do munic?pio denominado de Curr?culo da Cidade.

Alguns signos da linguagem corporal s?o mais pr?ximos e mais significativos para uns que para outros, e partilhar da experi?ncia pedag?gica, a partir da hist?ria e mem?ria corporal dos grupos sociais presentes na escola, pode ser uma escolha feliz para introduzi-los no universo de conhecimento da cultura corporal (p. 65)2.

Tratando especificamente sobre este ?ltimo, ? comum que documentos curriculares misturem perspectivas antag?nicas3. Vale mencionar que isso acontece com o atual curr?culo oficial do munic?pio de S?o Paulo. Ainda que manifeste explicitamente os objetivos da Educa??o F?sica dentro da ?rea de Linguagens, o texto acaba misturando objetivos e concep??es contradit?rias no que se refere ?s no??es de sujeito, conhecimento, fun??o do componente, papel do professor, entre outras.

Em uma sociedade cujas rela??es sociais s?o hierarquizadas, refletindo uma apropria??o desigual do patrim?nio cultural, a escola acaba n?o escapando a

1 EMEF OLAVO PEZZOTTI. Projeto Pol?tico Pedag?gico, 2019. 2 S?O PAULO. Curr?culo da Cidade ? Educa??o F?sica. S?o Paulo: SME-COPED, 2017. 3 ? poss?vel que durante o processo de constru??o destes documentos, os interesses dos diversos grupos (professores, assessores, pol?ticos, representantes da academia, etc) que participam da cria??o do curr?culo sejam conciliados. Isso aparece no texto dos Par?metros Curriculares Nacionais (1997, 1999) e na rec?m-publicada Base Nacional Curricular Comum (BNCC, 2017).

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essa l?gica. Da? decorre as pr?ticas corporais serem distintas de acordo com o espa?o social que ocupam. Nesse jogo de interesse em tornar esta ou aquela linguagem mais ou menos leg?tima, privilegiam-se alguns esportes em detrimento de outros, hierarquiza-se o esporte em detrimento dos outros temas da cultura corporal e determina-se quem pode praticar, quem tem o privil?gio para se aprofundar em determinados temas ou, at? mesmo, quantas vezes determinada pr?tica corporal estar? no curr?culo (p. 66).

Todavia, quando o documento indica os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os diferentes anos e ciclos do ensino fundamental, novamente as quest?es do cuidado com a sa?de retornam, sob a tutela de que tudo pode ser considerado discurso. Dessa forma, ? importante dizer que fizemos um recorte do documento supracitado, valorizando os objetivos do componente que acenam para as pr?ticas corporais enquanto artefatos da cultura, produzidos e ressignificados constantemente, a partir da multiplicidade de formas de experi?ncia.

Assim, buscamos no texto aquilo que acreditamos que potencializa uma educa??o cr?tica e engajada na forma??o de sujeitos solid?rios, sens?veis ?s infinitas condi??es de diferen?a.

Princ?pios ?ticos: de justi?a, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito ? dignidade da pessoa humana e de compromisso com a promo??o do bem de todos, contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifesta??es de preconceito e discrimina??o (p. 28).

Voltando ? experi?ncia pedag?gica, come?amos conversando com as crian?as sobre as pr?ticas corporais que tinham acesso, que tinham feito na escola de Educa??o Infantil, quais a fam?lia costumava praticar, quais elas gostavam de fazer fora da escola, entre outras provoca??es. Com pouca paci?ncia para conversar, as crian?as disseram que conheciam algumas brincadeiras e que adoravam brincar na escola, mas rapidamente levantavam e come?avam a correr.

Logo nas primeiras tentativas, eles e elas come?aram a inventar brincadeiras que tradicionalmente chamamos de "brincadeiras de faz de conta". De modo geral, eram brincadeiras, que iam sendo criadas na hora, a partir de desenhos animados, jogos de videogame, canais de youtube e brinquedos.

Um dos primeiros grupos, composto por algumas meninas ensinou e prop?s a brincadeira de Baile da Susy. Explicaram que eram um grupo de meninas de um desenho animado, que iam para a escola, faziam compras, andavam de carro, faziam festas, entre outras. Alguns meninos disseram que n?o queriam brincar disso e se recusaram a participar. Outros toparam, inventaram personagens, participaram das brincadeiras sem problemas. Fizemos essas brincadeiras durante algumas aulas.

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Em outra aula, outro grupo formado por meninos fez o mesmo, disse que iam brincar de Hot wheels. E que a brincadeira consistia em correr simulando ter carros, velozes, apostando corrida, fingindo estar no tr?nsito. Novamente, um outro grupo de crian?as n?o quis participar, inclusive algumas meninas que estavam no grupo anterior.

Perguntei por que n?o participavam. Uns disseram que n?o gostavam desses personagens, outros diziam que eram brincadeiras de bebezinhos. Perguntei tamb?m se achavam que essas brincadeiras eram para todos ou se a Barbie era para meninas e a de Hot wheels exclusiva para meninos. Disseram que n?o, que todas as brincadeiras poderiam ser feitas por todo mundo. Disseram que o problema era o desenho animado ou o brinquedo que eles n?o gostavam.

Nesse interim, fomos experimentando outras brincadeiras, um grupo disse futebol, que poucos quiseram participar, outro disse pular corda, que tamb?m acabou virando uma hist?ria sobre amarrar prisioneiros. Como t?nhamos feito v?rias brincadeiras inspiradas nos desenhos animados, brinquedos e jogos de videogame, os pr?prios estudantes perguntavam: "Professor, de qual desenho n?s vamos brincar hoje?".

Assim, ao longo das viv?ncias, definimos o tema mais geral: brincadeiras de desenhos animados. Nas aulas seguintes, sentamos e conversamos sobre as brincadeiras que t?nhamos feito at? o momento. Os alunos e alunas disseram que algumas brincadeiras n?o faziam na EMEI, que elas eram inventadas. Contaram que iam inventando as hist?rias juntos, distribuindo as coisas mais legais para fazer entre eles para que todos participassem. Por exemplo, na brincadeira da Festa da Barbie, elas revezavam para saber quem seria a Barbie, Hikki, Raquelle, Stacie, Skipper, Chelsea, enquanto os meninos eram o Ryan e o Ken. Isso porque achavam que era mais legal ser alguns personagens do que outros. Al?m disso, revezavam quem conduzia a hist?ria, ou seja, quem era respons?vel por inventar todo o enredo da brincadeira, como as festas, as falas e situa??es.

Seguindo com as aulas, perguntamos se havia outros desenhos e personagens que poder?amos brincar e se era poss?vel misturar os desenhos e criar hist?rias com toda a turma. Por exemplo, misturar a Susy com a Barbie e o Hot wheels. Disseram que sim, uns deram a ideia de brincar de Ben10, outros de Lucas Neto e de Liga da Justi?a.

Tudo misturado, personagens de diferentes desenhos, canais, filmes interagindo. As crian?as mudavam de personagem sem qualquer autoriza??o/aviso para ningu?m, uns eram dois, tr?s, v?rios personagens de uma s? vez. N?o havia mais uma pessoa espec?fica que inventava o enredo. Na verdade, tornaram-se v?rios enredos no mesmo p?tio. Brincamos assim por muitas aulas.

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Alunos e alunas brincando misturando os personagens de diversos desenhos animados

Eis que em um dia fui chamado ? diretoria da escola por incentivar as crian?as a utilizarem um espa?o que existe em cima das quadras da escola. Se trata de um espa?o ?ngreme, com mato, ?rvores e terra e que, de forma geral, ningu?m pode ir. A dire??o me perguntou se eu havia autorizado as crian?as a utilizarem aquele espa?o, pois quando foram retir?-las no hor?rio do intervalo, disseram que estavam brincando de desenhos animados e que o professor tinha deixado.

Conversando com os estudantes, descobrimos que eles e elas tinham um grande interesse em usar o "morro" da escola. Disseram tamb?m que nunca podiam brincar ali, que era proibido subir, mas que alguns alunos subiam quando estavam no recreio e n?o ficava ningu?m olhando.

Pensando nessas falas e procurando dar continuidade ?s atividades que est?vamos desenvolvendo, resolvemos fazer as brincadeiras de desenhos animados no "morro" da escola. Com a devida supervis?o e autoriza??o da gest?o, passamos a fazer as nossas aulas no local. As rea??es dos alunos e alunas deixavam claro que ocupar aquele espa?o era algo realmente importante. "Nossa professor! ? a primeira vez que eu venho aqui", "A vista daqui de cima ? linda, d? pra ver tudo", "? muito legal brincar aqui, tem ?rvores, d? pra escorregar, correr... e n?o ? perigoso". O combinado com a dire??o e os alunos e alunas passou a ser que s? poderiam subir no "morro" com algum adulto da escola acompanhando.

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Alunos e alunas brincando no "morro" da escola

Ao passo que as aulas aconteciam, os personagens dos desenhos mudando-se modificavam. Algumas crian?as, inspiradas pelo ambiente com ?rvores, come?aram a brincar de Pok?mon4. Um dizia que era o Pikachu, outros o Bulbasaur, Charmander, Meawth, Mega Pidgeot, Mewtwo outros diziam que eram ca?adores pok?mon.

A brincadeira rendeu muitas aulas, novamente, a hist?ria ia sendo elaborada conforme as pr?prias crian?as brincavam, n?o havia uma regra preestabelecida, eles e elas mudavam de personagem do jeito que queriam. De maneira geral, eles escolhiam se eram pok?mons ou treinadores, depois corriam pelo terreno, se escondiam nas ?rvores, nos arbustos, subiam em uma parte do muro da escola, batalhavam, inventavam golpes e superpoderes. Alguns explicaram os tipos de pok?mons (fogo, ?gua, terra, el?trico, grama, venenoso, os voadores, insetos, psicos, entre outros), a vantagem ou desvantagem que cada tipo possui em uma batalha.

Identificando que nem todas as crian?as tinham assistido o desenho, por indica??o das pr?prias crian?as, assistimos na escola o filme "Detetive Pikachu5".

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4 Na tradu??o livre: monstros de bolso; monstros pequenos. 5 Sipnose dispon?vel em: . Acesso em 22/03/2020.

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