3. Desenhos animados como materiais didáticos
3. Desenhos animados como materiais did¨¢ticos
3.1
O audiovisual para a historiografia
Este trabalho pretende contribuir tematicamente para a historiografia no que diz
respeito ¨¤ hist¨®ria da ?frica, de culturas afro-brasileiras e de culturas ind¨ªgenas, sendo
para tanto necess¨¢rio fazer refer¨ºncia aos historiadores que balizam a Hist¨®ria enquanto
atividade cient¨ªfica e fundamental para a vida em sociedade.
Enrique Florescano trata da fun??o social do historiador, e ¨¦ dentro dos
preceitos que este projeto pretende se legitimar. O autor reporta-se ao papel vital do
historiador, de gerar identidade, para o que se deve:
¡°Impor, como normas essenciais de comunica??o, a clareza na linguagem e
na express?o. Combater a tend¨ºncia que procura fragmentar os historiadores
em grupos cada vez menores, mais especializados e incomunic¨¢veis.
Reivindicar, enfim, a fun??o central da hist¨®ria na an¨¢lise do
desenvolvimento social.¡±1
Portanto, o historiador deve obedecer a preceitos bases para uma boa integra??o
entre seu of¨ªcio e a sua finalidade, tendo clareza ao escrever e ao se expressar. Se faz
necess¨¢rio tamb¨¦m sublinhar a contribui??o de Marc Bloch, para quem o historiador
deve saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes.2
Assim sendo, nos desenhos animados haver¨¢ um duplo desafio. Primeiramente,
ressaltar e problematizar as identidades obscurecidas, com a tarefa de levar os
educandos a se identificarem com o que ¨¦ tratado, podendo as tem¨¢ticasfazer parte de
suas vidas de forma concreta ou mesmo serem inclu¨ªdas enquanto realidades
conhecidas. Em segundo lugar, gerar estas identifica??es atrav¨¦s de linguagens
acess¨ªveis no que diz respeito a narrativa f¨ªlmica dos desenhos animados para crian?as
ainda em processos iniciais de letramento. Devem ser os mais claros poss¨ªveis, sem
serem superficiais ou mesmo vazios de possibilidades aos estudos da hist¨®ria e da
l¨ªngua portuguesa.
Para a feitura dos desenhos animados, as orienta??es metodol¨®gicas e te¨®ricas de
Marcos Napolitano contribuem substancialmente, quando associa quest?es culturais e
1
FLORESCANO, E. A Fun??o Social do Historiador. Revista Tempo. Ano 1, n. 4, v. 2. (1996) Niter¨®i:
UFF, Departamento de Hist¨®ria, 1996. p. 78.
2
BLOCH, M. Apologia da Hist¨®ria ou o of¨ªcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,
2001. p. 17.
sociais dentro de um trabalho com fontes musicais e audiovisuais. Em seu texto
intitulado A Hist¨®ria depois do papel, esse autor escreveu um ¨®timo manual sobre como
trabalhar com fontes audiovisuais (televis?o e cinema) e musicais3:
¡°As fontes audiovisuais e musicais ganham crescentemente espa?o na
pesquisa hist¨®rica. Do ponto de vista metodol¨®gico, s?o vistas pelos
historiadores como fontes novas e desafiadoras (...) Nossa perspectiva aponta
para um conjunto de possibilidades metodol¨®gicas pautadas por uma
abordagem frequentemente [sic] enfatizada por historiadores especialistas em
fontes de natureza n?o-escrita (...)¡±4
Napolitano discorre tamb¨¦m sobre as armadilhas do documento audiovisual5,
lembrando que s?o as mesmas de um texto escrito. ? necess¨¢rio refletir sobre a ilus?o de
objetividade presente no audiovisual, existe uma percep??o de registro autom¨¢tico de
uma pretensa realidade.
Desse modo, constata-se a import?ncia de orientar aos poss¨ªveis interessados na
utiliza??o dos materiais f¨ªlmicos produzidos a partir deste trabalho. Pode-se ter a falsa
ideia de que ao ser utilizado em sala de aula, ou em outro espa?o qualquer, que o
material poderia dialogar de forma direta e sem ru¨ªdos com os alunos, o que n?o ¨¦
verdade. S?o fundamentais os usos dos materiais de apoio e estudos pr¨¦vios dos
professores antes da simples exibi??o do material.6
Os professores ser?o orientados a ampliarem seus olhares sobre as possibilidades
dos usos dos materiais, ou mesmo gerarem alternativas de trabalho para com eles,
refletindo
sobre
as
necessidades
do
letramento
em
Hist¨®ria e em L¨ªngua Portuguesa. Como ¨¦ de se esperar, o exibido pode ter diversas
interpreta??es e tratamentos, o que demandar¨¢ orienta??o sobre as possibilidades.
Os desenhos animados desenvolvidos neste projeto possuem a fun??o de apurar
o olhar para o audiovisual, tanto dos professores como dos educandos das s¨¦ries iniciais
do ensino fundamental, tamb¨¦m para o que ¨¦ eclipsado pela sociedade em que vivemos,
e isto n?o escapa as representa??es cinematogr¨¢ficas, televisivas e dos formatos de
v¨ªdeos de internet. Ao evidenciarmos os pap¨¦is de agentes ativos na sociedade brasileira
de Africanos e seus descendentes e dos povos ind¨ªgenas brasileiros, buscamos com isso
3
? poss¨ªvel enquadrar suas reflex?es perfeitamente aos desenhos animados ou a outros tipos de formatos
audiovisuais.
4
NAPOLITANO, M. A Hist¨®ria Depois do Papel. In: PINSKI, Carla (org.). Fontes Hist¨®ricas. S?o Paulo:
Contexto, 2005. p. 235 e 237.
5
Idem. p. 239.
6
Como dito anteriormente, o material, bem como as orienta??es ser?o disponibilizados aos professores
atrav¨¦s da internet (Dropbox e Youtube).
dar-lhes visibilidade para al¨¦m das imagens de sofrimento, massacre e debilidade,
extremamente presentes no senso comum. Antes de construir os desenhos, ¨¦ preciso ter
bases s¨®lidas a respeito de como estes elementos do audiovisual funcionam,
principalmente porque ser?o aglutinadores de diversas fontes que se transformar?o em
outras fontes, que dever?o ter o compromisso de avan?ar frente ao que j¨¢ existe sobre
africanos, afro-brasileiros e ind¨ªgenas.
3.2
Os desenhos animados autorais na sala de aula
Unindo o interesse em recursos midi¨¢ticos e a reflex?o de que os desenhos
animados s?o instrumento familiar e l¨²dico para alunos das s¨¦ries iniciais, foram
constru¨ªdos 6 (seis) desenhos animados, 2 (dois) para cada tem¨¢tica da Lei 11645/2008.
Com eles, almeja-se a uni?o das preocupa??es dos professores de Hist¨®ria com as
caracter¨ªsticas espec¨ªficas da forma??o do primeiro ciclo do ensino fundamental, ou
seja, com as preocupa??es acerca do letramento em L¨ªngua Portuguesa.
Os materiais did¨¢ticos est?o compostos por materiais principais, desenhos
animados autorais, disponibilizados no site armazenador de v¨ªdeos Youtube, e por
materiais de apoio, tais como: roteiros dos filmes, embasamentos te¨®ricos e
metodol¨®gicos para as constru??es e utiliza??es dos filmes em sala de aula, bem como
indica??es para estudos preliminares e aprofundados sobre hist¨®ria da ?frica, de
culturas afro-brasileiras e de culturas ind¨ªgenas, al¨¦m de sugest?es de atividades para
cada filme, estes disponibilizados via DropBox, servi?o para armazenamento e partilha
de arquivos na internet, ou mesmo via correio digital (e-mail).
O caminho da linguagem dos desenhos animados se torna leg¨ªtimo por dar
cr¨¦dito ¨¤s constru??es art¨ªsticas e culturais que fazem parte da vida cotidianado
educando desde a mais tenra idade, portanto, o uso de conte¨²dos novos ou n?o
evidentes nos conhecidos desenhos animados proporcionaria explorar e problematizar a
Hist¨®ria de forma mais concreta, atentando para as linguagens da Hist¨®ria e da L¨ªngua
Portuguesa.
As fases de produ??o dos desenhos animados propriamente ditos foram: busca
do argumento, o que motivar¨¢ a hist¨®ria e os problemas que ser?o discutidos na
narrativa; escrita do roteiro, que definir¨¢ as falas, cen¨¢rios e posicionamentos dos
personagens; desenho e montagem dos personagens, cen¨¢rios e posterior anima??o
atrav¨¦s do programa Muvizu?; grava??o das cenas, com movimentos de olhos, cabe?a e
corpo dos personagens, posicionamentos e cortes de c?mera; grava??o das vozes dos
personagens, sincroniza??o labial com os personagens, sons ambientes e sele??es de
m¨²sicas7 a serem utilizadas; edi??o do desenho animado com a inser??o de abertura,
legendas, acr¨¦scimo de imagens e/ou fotos e cr¨¦ditos finais.
Os desenhos animados possuem janelas de texto que buscam marcar as falas
centrais e/ou poss¨ªveis de tratamento quando do letramento em L¨ªngua Portuguesa e em
Hist¨®ria, apresentando e trabalhando, por exemplo, com dualidades de opini?es e
possibilidades de aceita??o e compreens?o do outro.
A anima??o j¨¢ faz parte do mundo que forma parte da vis?o de mundo dos
alunos, que j¨¢ assistem na tv ou no cinema enredos que trazem pais fundadores, guerras,
ind¨ªgenas, etc. Imaginarmos que os seus referenciais s?o equivocados por completo, ou
mesmo que n?o h¨¢ referenciais, seria negar suas orienta??es temporais e espaciais. Por
estas perspectivas, a Hist¨®ria ensinada dever¨¢ abarcar as m¨²ltiplas formas de
consci¨ºncia hist¨®rica dos alunos, j¨¢ que todas as formas de orienta??o no tempo podem
ser validadas.8
Os desenhos animados buscam construir uma consci¨ºncia hist¨®rica9 com
sentido b¨¢sico de orienta??o hist¨®rica no tempo. Afinal:
7
Foram usadas m¨²sicas de dom¨ªnio p¨²blico para facilitar a distribui??o e o acesso aos interessados. Usar
m¨²sicas com direitos autorais implicaria em pagamento ao autor, o que encareceria o
processo, dificultaria sua execu??o e seu acesso aos interessados.
8
A consci¨ºncia hist¨®rica n?o se limita ¨¤ ideia de conhecer extensamente as experi¨ºncias vivenciadas no
passado. Mais do que dominar o acontecido, a consci¨ºncia hist¨®rica articula presente,
passado e futuro. R?SEN, J. Aprendizado hist¨®rico. SCHMIDT, M.A.; BARCA, I.;
MARTINS, E.R. (orgs.). J?rn R¨¹sen e o ensino de Hist¨®ria. Curitiba: Ed. UFPR, 2010;
R?SEN, J. Raz?o Hist¨®rica. Teoria da Hist¨®ria: os fundamentos da ci¨ºncia hist¨®rica.
Bras¨ªlia: Editora da UNB, 2001.
9
Segundo a interpreta??o de Maria Lima sobre o pensamento de J?rn R¨¹sen, ¡°(...)falar em ensino de
Hist¨®ria significa refletir sobre os fundamentos da ci¨ºncia hist¨®rica, retomando-a como uma
produ??o social que, em si, configura-se como uma das formas de dar sentido ¨¤ vida no
tempo. Sendo a consci¨ºncia hist¨®rica uma opera??o mental de constitui??o de sentido, a
compet¨ºncia narrativa configura-se como sua compet¨ºncia espec¨ªfica e essencial, a qual se
manifesta pela fun??o, pelo conte¨²do e pela forma. A fun??o pode ser a ¡®compet¨ºncia para
a experi¨ºncia hist¨®rica¡¯, enquanto a forma se configura na ¡®compet¨ºncia para a
interpreta??o hist¨®rica¡¯.¡± LIMA, M. Consci¨ºncia hist¨®rica e educa??o hist¨®rica: diferentes
no??es, muitos caminhos. In: MAGALH?ES, M.; ROCHA, H.; RIBEIRO, J.F.;
CIAMBARELLA, A. (orgs.) Ensino de Hist¨®ria: usos do passado, mem¨®ria e m¨ªdia. Rio
de Janeiro: FGV, 2014. p. 61. Segundo Jeismann, consci¨ºncia hist¨®rica seria ¡°(...)
o total das diferentes ideias e atitudes diante do passado¡±. JEISMANN, K-E.
Didatik der geschichte: die wissenschaft von zustand, unktionundver?nder
unggeschichtlicher vorstellungim selbstverst?ndnis der gegenwart. In: KOSTHORST, E.
(Hrsg.). Geschichtswissenschaft: didatik ¨C forshung ¨C theorie. G?ttingen:
VandenhoeckundRuprecht, 1977. p. 9-33 APUD SADDI, R. O parafuso da did¨¢tica da
¡°Um produto cinematogr¨¢fico [desenhos animados/anima??es] vem a ser
uma ferramenta l¨²dica ¨²til para o ensino quest?es sociais e morais
relacionadas a g¨ºneros, nacionalidade/etnias, corpo, bem como modos de ver
e lidar com a natureza, construindo tamb¨¦m estere¨®tipos sociais. Assim, a
anima??o pode ser pedagogizada e poder¨¢ envolver e ¡°ensinar¡± aos alunos,
muitas vezes, com maior efici¨ºncia do que uma aula expositiva tradicional.
Todas estas informa??es contidas nas anima??es podem ser utilizadas em
aulas tem¨¢ticas, como geografia, hist¨®ria, sendo necess¨¢rio um preparo do
professor para isto. (...) A partir da linguagem televisiva e f¨ªlmica, lugares,
homens e mulheres reais s?o transcritos em signos da realidade. Dessa
linguagem, que expressa a realidade com signos da pr¨®pria realidade, decorre
a credibilidade quase total do espectador naquilo que v¨º nas telas e que
acredita ser real e verdadeiro. ? por esta raz?o que interpretar a imagem de
cinema e televis?o torna-se importante, pois estes s?o hist¨®rias entendidas
como narra??o e ao mesmo tempo celebra??es visuais de modos de ver e
estar no mundo que deixam ver e entrever diferentes mensagens existenciais,
religiosas, pol¨ªticas, morais.¡±10
No in¨ªcio do 6? ano do ensino fundamental h¨¢ muitas mudan?as com as quais
os alunos t¨ºm que lidar: quantidade maior de professores e disciplinas formalmente
ensinadas,11 maior autonomia e responsabilidade de organiza??o para com o dia a dia
escolar. ? iniciada uma nova fase na educa??o formal do educando, sem que
necessariamente existam di¨¢logos ou mesmo prepara??o para a nova fase. Por isso,
considera-se de extrema import?ncia metodologias que possibilitem quetais mudan?as
sejam cada vez mais naturais e coerentes.
A proposi??o de realizar desenhos animados sustenta-se, portanto, na tentativa
de minimizar esse impacto, a partir da ideia de que tais recursos s?o
visitados/conhecidos/apreciados por estudantes dos dois momentos educacionais,
hist¨®ria: o objeto de pesquisa e o campo de investiga??o de uma did¨¢tica da hist¨®ria
ampliada. Ver. Acta Scientiarum, Maring¨¢, vol. 34, n? 2, jul-dez 2012. p. 214.
10
ANDRADE, L. L. S. de; ESTRELA, L. R; SCARELI, G. As anima??es no processo educativo: um
panorama da Hist¨®ria da anima??o no Brasil. Anais do VI col¨®quio internacional
¡°Educa??o
e
Contemporaneidade¡±.
Sergipe.
2012.
p.
11.
acesso em 25/07/2015.
11
Durante o primeiro ciclo do ensino fundamental, 1? ao 5? ano, h¨¢ grande valoriza??o do ensino da
l¨ªngua portuguesa (dom¨ªnio dos c¨®digos pertinentes a compreens?o do idioma materno) e
dos ensinos Matem¨¢ticos, essencialmente o dom¨ªnio das quatro opera??es matem¨¢ticas e o
reconhecimento de formas geom¨¦tricas. A Lei de diretrizes e bases da educa??o brasileira
sublinha em seus artigos 26 e 32 que durante as diferentes fases da educa??o b¨¢sica deve
ser ensinado nas escolas de todo o Brasil conte¨²dos referentes a Hist¨®ria, Geografia, Artes e
etc., por¨¦m o que se observa na pr¨¢tica escolar ¨¦ o enquadramento ¨¤ categoria de atividades
secund¨¢rias de conte¨²dos ou conhecimentos que n?o sejam diretamente ligados ¨¤ L¨ªngua
Portuguesa e a Matem¨¢tica. Em outras palavras, estas s?o as disciplinas que possuem mais
peso e relev?ncia aos olhos das institui??es de educa??o infantil e fundamental de primeiro
ciclo no Brasil. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educa??o Nacional. N? 9394/96.
Bras¨ªlia:
1996.
Atualizada
em
08/06/2016.
Dispon¨ªvel
em
acesso em 30/08/2016.
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